sábado, 31 de maio de 2014



Rubor nas taças
No contorno dos lábios
Salivas vinho.
Goles aveludados
Adamascado toques.
Rubor nas faces
No contorno dos corpos
Faíscas chamas.
Colisão de estrelas
Dançam sem os pés no chão.

Lisa Köe


recolho a tarefa concreta
de levar a poesia ao descalabro
e à liberdade.
visto a tarefa concreta
de aspergir de poesia cada osso
e o pão devido.
sem a tarefa cumprida
estarei inútil."


(Romério Rômulo)

Alice Kyteler



1324, a bruxa chamava-se Alice Kyteler, linda como todas as bruxas. . Riquíssima e casada 4 vezes seus maridos morriam misteriosamente, ate que apareceu um "Joaquim Barbosa" na sua vida. Foi condenada juntamente com sua dama de companhia Petronella a morte na fogueira. No dia da execução, Alice havia sumido da cela. Petronella ardeu em chamas e a bruxa foi vista de relance, muitos anos depois, na Inglaterra... Historias saborosas dessas você ouve nas ruas ou sentado diante do prato na casa que foi sua e hoje 'e um PUB restaurante em Kilkenny(Irlanda ), uma cidade de bruxas... Estive lá. Existem bruxas... fadas também...
Orlando de Lucca Jr

A BEM-AMADA




Vem, na garupa deste burro em chouto,
um fraco deus, impaludado e sóbrio.
Cospe no barro,
no entanguido ventre que alimenta
os bezerros e os ermos
de um ralo capim, de alguma espiga.
Um escasso escarro
com o barro de um peito.
E, na saliva,
o caroá cardado de um sabor
de murici. O sol sobre as orelhas
do burro, vem num golfo balouçante
de cactos, canários e poeira,
assim, com a boca seca de rezar
e de aboiar, vaqueiro de si mesmo.
Rédeas? De corda. E por espora
o calcanhar que terra e pedras ara,
viúvo de alpercata, mais lanhado
do que o lombo curtido por cangalhas
do burro em chouto, com ilhais sangrados.
Traz nos dois cestos talvez
mangas, cajus ou aves amarradas,
peles de cabra, leitões, azeite ou raro
galho de roseira. Algum borrego
que criasse, pastor, na própria enxerga ?
Manadas de riachos que abrigasse
de um vento seco, ocre e carregado
de sol como a urina dos cavalos ?
Na garupa do burro, como se ofendesse
ao seu destino parco
ir sentado na palha.
Entre dias e dias, eriçados, ferozes
qual o olhar de um sanhaço,
traz um pouco nas cestas
do que canta por dentro
da limpa solidão. De um chão sem pastagens
foi-se, carregando o sonho dos regatos,
e os saltos sobre o verde,
e a caça aos lagartos,
e o que desejaram
os seus magros joelhos.
Não se morre, se morto
já nos demos por dentro.
Sobe no jumento
(como ele, no osso
e com moscas no berne),
a corda na cintura como se fora ao pescoço,
a coceira dos bichos-de-pé como a lenta
floração de asas
em galinha cativa.
Repousa em hospedarias,
entre o crupe e o cheiro
de porcos e de podre cestaria de pobres,
impaludado e espremido entre gente sem dentes,
que lava na gamela o tracoma dos olhos.
Mas, deus que se exila,
leva a brisa ao Egito,
nos punhos da rede.
Vai olhar, nos jacás, a sua carga
apoiada em samarras.
A fome na garganta,
volta à rede, enquanto, no compasso
dos cascos (vai no burro novamente),
como um cego às avessas, faz recentes
inverno e açude. Galinhas cacarejam
distante, mas agora vão com ele,
como os dedos morenos que cortavam
os renovos das árvores.
Com ele,
dela o rosto moreno
sobre o branco tecido, contra o branco
céu que reflete o barro, no poente.
Com ele,
um dia de chuva e um outro dia
embaralhados com os naipes do presente
— as flores sobre a rede; as mãos nas mãos,
os dentes trincam a cana, os dois na rede;
a solidão, o passeio, as goiabeiras.
Com ele, o anoitecer: a mão na mão,
entre flores, como dentro de roseira.

Babaçuais!
A água brota, inconsolável.
Segura firme a forquilha das cangalhas.
Vê as ondas de arroz que entrarão pelas portas,
os corpos lavados, a exasperada imagem
da jovem mãe que recua n'água. Chora
e vê
o gado.
Assim chega a Pastos Bons, Colinas ou Berlengas,
o neto de quilombolas, preados e labregos,
para erguer sua tenda, um mocambo mais magro,
de pau-a-pique e barro.
Descarrega as cangalhas,
esquecido da morte e dos jardins degolados
que a cercam, ferozes.
Abre os dois balaios
e deles, num retorno,
retira os dois meninos.
País meu
meu pai
meu par
meu parco alforje
baixinho canta
de dias e varandas.
Os tinguás pousarão
nos altos mamoeiros,
e virão vacas lerdas
e cabras. Há moscas sobre as merdas
que cheiram a capim, a mugido e a enfeites
de bandeirinhas,
de macaxeira assada, beiju grosso
e beijo
eternamente.

 Alberto da Costa e Silva

sexta-feira, 30 de maio de 2014

daqui nada passa
nem um fio do pentelho
alisado da bündchen
nem um camelo
untado pela baba
de joshua
daqui nada passa
deste cu virginal
nada passsa
nem com reza braba
nem com pé de cabra
daqui nada passa
mesmo que este esfíncter
metafísico se descontraia
daqui nada passa
nem um eidos gaseificado
em pleno nirvana
nem a cabeça santa
de uma criança
de mãe virgem
daqui nada passa
nem o imaginado
nem o pensado
nem o concreto
nem o abstrato
daqui nada passa
mas se algo passar
mesmo que seja de nada
isso
é passado

Paulo de toledo


com essa fome mordemos o rabo
girando amarrados na propria carne
osso contra dente dente contra osso
assim apodrecemos sob o sol de satã
sob o vazio cheio de todas essas ruas
sob o signo frio sob a loucura do metal
aqui não era o lugar das matanças
ali tambem não era o lugar das sangrias
nem entre nos mas deixamos assim
somos agora o deus da carnificina
girando louco e doente devorando tudo
como se todos fossem gelatina
coisas de morango com cerejas
boiando no sangue todo com vinagre
amargos com a fome dessas tristezas
depois o sono o sono entorpecido
isso de esquecer e deixar passar

mortos e acordamos bem no leviatã

Alberto Lins Caldas

CALHANDRA NA TELHA


(Para José María Arguedas)

Musicar uma poesia
Em louvor ao Andes
Até o pássaro condor
Pousar no meu indicador
A dor do som da flauta
A descortinar abismos
O vento a sacudir
A manta da menina quéchua
De olhos cor de selva
Banhada de chuva
No beiral de uma cabana ocre
De janelas negras
E jardim de cactus
Pousará a calhandra
A mesma que guiava o menino
Pelas ruas de Cuzco
Pelas pontes incaicas
Pela sombra do pai


Bárbara Lia 
- Cigarras no Apocalipse (21 gramas)
recolho a tarefa concreta
de levar a poesia ao descalabro
e à liberdade.
visto a tarefa concreta
de aspergir de poesia cada osso
e o pão devido.
sem a tarefa cumprida
estarei inútil."

RR

CASAMENTO

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.


 ADÉLIA PRADO.

SANGRANDO


Alva manhã. Aragem marinha.
O pássaro abre o bico em dardos:
Bem-te-vi! Bem-te-vi! Antífona
que me acaricia. Canto sagrado.
Seria felicidade não fosse o som antigo
do bandolim a lacrimar lembranças.
Lápis-lazúli no coração, sangrando,
tua melodia que anuncia trovão e raio.

(Bárbara Lia)
se faltar amor
para
me manter de pé
eu me apoio nas paredes do seu coração


Petherson Cardoso