sábado, 9 de março de 2013

A RUA E A LÍNGUA



Paulinho Assunção



ruar é o verbo que faz a rua puxar a língua
das almofadas, dos veludos, das pantufas, a rua

puxa a língua para a rua, sai, língua, sai, sai
de dentro de casa e vai ao sol, o sol, a pele

morena da rua pede à língua sua companhia, vem,
língua, vem, vem à esquina, vem à noite sonsa

do perigo no beco mais imundo, aos becos,
aos copos, ruar, ruar, ruar, meu nome é rua,

sobrenome esquina, vem, língua, vem, sai
do mofo de sua casa, sai de dentro

do papelório, vem brincar na rua, língua, vem,
seus artefatos, suas sintaxes, suas semanticalices

e seus guardados, vem, há o crime, há a faca,
há a fome, os desesperados pedem, chamam,

gritam, vem, língua, vem à manhã do desespero
solar, vem ao lixo, vem ao dia sem amanhã,

vem ao vírus do dia claro, do falar errado,
vem à boca dos que não falam, vem ao rito

sem ritual do pão em falta, vem, língua, vem
à rua da minha cidade, vem sujar a língua.

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