terça-feira, 12 de março de 2013

POEMA ORGÂNICO – ou – POLITICAMENTE (in)CORRETO -



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Nesses tempos de exigências especiais,
tempos de ser politicamente correto
em todos os momentos,
decidi fazer um poema orgânico,
sem cacofonias, nem vícios de linguagem,
sem agrotóxicos ou chuva ácida,
em estilo livre, sem a discriminação da métrica,
pelo que, obviamente, desisti de dar-lhe a forma de soneto.

Um poema, enfim, para ser lido
por toda gente,
de todas as opções sexuais
- (todas as seis bilhões e meio existentes,
uma para cada habitante do planeta) -
gente de todos os credos,
de todas as raças e tamanhos:
índios de tênis adidas e óculos escuros,
mulatas faceiras, passistas marombadas
de escolas de samba descaracterizadas,
negros de 0,01 a 99,99% de pureza,
judeus com crise de identidade,
militantes petistas,
feministas desvairadas,
crianças abandonadas,
travestis, sem teto, estelionatários,
terroristas fundamentalistas,
machistas desencontrados do amor,
carecas, coxos e desdentados,
seu esquecer um segmento social sequer,
qualquer opção ou ideologia,
a todos incluindo, a todos satisfazendo,
sem qualquer forma de preconceito,
a não ser, o pior de todos,
o de não poder expressar diversas opiniões.

E, se depois de tanto empenho
ainda restar no meu poema,
um leve toque de homofobia,
alguns resíduos de gordura trans,
quantidade excessiva de colesterol,
porciúnculas politicamente incorretas,
palavras dúbias ou vãs,
excesso de besteirol,
algo dito ou subentendido
como ofensivo, em seus versos desconexos,
confesso a total impossibilidade,
desse meu sonho utópico,
dessa minha tentativa frustrada
de reunir, num ato heróico,
as palavras, hoje em dia encarceradas.

- por José Luiz de Sousa Santos, o JL Semeador, na Lapa -

Enviado ao Recanto das Letras por jlsantos em 15/05/2008
Código do texto: T991451

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