Passei pelo tapumado prédio dos Correios, que quiseram
transformar em Museu da Poesia Paulo Leminski, e dei graças porque a ideia
parece que morreu.
Antes de tudo, Leminski não merece ser preso num museu,
muito menos condenado a ser imobilizado e repetitivo. Ele iria detestar a
ideia; diria:
“Não quero virar mausoléu em museu!
“Vão de novo visitar meus óculos,
meus manuscritos, minhas coisas, meus textos imobilizados em cartazes e
grafites, e verão os mesmos vídeos e gravações a se repetir...?!
“Mas meu maior trunfo na poesia foi
não ser repetitivo! Cada poema meu é um, nenhum parecido com outro ou cada um
bem diferente dos outros. Não me condenem a ser repetitivo, imobilizado numa
exposição que mofará, criará teias de aranha e, enfim, será o contrário de mim!
“Minha vida foi um estado de
constante experiência – no sentido de ousar, não de acumular juízo. E minha
poesia pula da quadra para o haicai, do cult ao pop, flanando pela erudição,
ligada nos sons, antenada no astral, numa saltitância entre a lógica e a mágica,
com apetrechos e brinquedecos como se manejados diretamente por um Deus adolescente.
“São poesias como as figuras num
painel do Poty, cada uma por si, sem formar conjunto, série, combinações, nada
disso! Nada combinei com a vida, tudo foi ótimo porque inevitável e
irresistível,
“tudo em mim foi encanto e
movimento, portanto não queiram me prender num museu! Nem condenem minha poesia
a se vestir de madame, com P maiúsculo, pelo amor de Zeus!
“Eu e museu só temos em comum duas
letras – e-u... e eu preferia algo como Oficina de Poesia Paulo Leminski, ou
Oficina Leminski, ou só Oficininski ou coisa que o valha,
“um nome criativo, uma pérola, não
uma lápide, pois só o que já morreu vira museu – e eu escrevi para viver. Não
porque me pagavam por poesia, mas porque sem poesia eu não vivia!
“Então botem meu nome em coisa viva
e criativa! Nem precisa ser um local, pode ser um programa de criatividade,
crianças e jovens de todas as idades, até no máximo 100 anos, numa teia
criativa de ações e relações com meus poemas, lendo, falando, manipulando,
musicando, recriando em cartazes, em muros, em vídeos, em gravações, em teatro,
em danças e brincadeiras, pois eu só me tornei Leminski porque nunca me levei a
sério!
“Enfim, brinquem com minha poesia e
não queiram glorificar minha memória! Eu cultivei a simplicidade, dos pés à
cabeça literalmente. Então: querem me erguer uma estátua? Muito bem, façam em
pedra bruta uma grande réplica de minhas sandálias, para que crianças entrem
dentro como em trenós, a lembrar que a maior viagem é a imaginação.
“Já virei nome de pedreira mas, se
querem me homenagear mais, façam uma grande réplica de meus óculos, através dos
quais as pessoas possam ver o poente descalços com os pés no chão. Livres,
entre o céu e a terra, como eu vivi, então não me prendam em museu!
“De resto, para ser honesto, nem
precisam me homenagear, só deixem minha poesia viver, que ela se vira como já
devem ter notado. ADeus!”
Domingos Pellegrini
Gazeta do Povo.em 06/04/2014
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