sábado, 3 de maio de 2014

PAISAGEM-VÉRTEBRA


I
Vozes multiplicam-se;
lanhadas peles
vociferam, guturais.
Escarnece paisagem-
vértebra-canina:
o lento apodrecer
da lua, frágeis estruturas
para o canto, aqui
onde peixes jogam
cartas com os vermes.
Apenas o noturno
pugilato das retinas,
o andar desmembrado
de uma a outra esquina.
II
Desconcerta animosidade
entre polegares,
entre olhos;
desconforto ao cruzar
essa, aquela rua —
como num desgarre.
Algo que arranha
com unhas de corvo,
deixando incisões.
Escurece palavras simples
num dialeto de esgares;
vocaliza o ruído áspero
de uma lixa no espelho,
céu de estrelas aleijadas.
III
Paisagem de linhas
retorcidas
como ferros
de uma paisagem amorfa.
Desavença de cores
no espelho retrovisor;
cicatrizes alinhadas
nos pulsos, em desenhos
de fetos inanes.
Esquinas meretrizam
esqueléticos ângulos
na noite desfocada.
Unhas negras, peitos brancos,
hora sem cor,
autofágica garganta absorve
o asco de tudo.





Claudio Daniel

Nenhum comentário: