Era tarde da noite quando me levantei de sobressalto. Estava
sozinho em minha nova casa e tudo ainda não parecia meu. O quarto era pouco
mobiliado e o velho carpe do chão acumulando anos de ácaros e poeira que não
podiam mais ser removidos fazia minha velha rinite atacar. Espirrei. Mais duas
vezes antes de poder levantar e realmente poder olhar em volta. Abrindo os
olhos ainda desacostumados pude ver a luz amarelada dos postes que entrava pela
janela. Isso me impedia de dormir bem na maioria das noites e talvez fosse por
isso que as lembranças haviam voltado. São aquelas lembranças que nos vem
visitar bem de vez em quando, quando tudo aquilo que nos preocupa já não está
nos perturbando, e aquela velha porta que fechamos há tanto tempo insiste em
abrir novamente. E de lá vem todos os monstros e fantasmas que guardamos em
nosso peito, afogado em meio a todo o auto-orgulho e senso de individualidade.
Para uns, os monstros são vergonhas e derrotas. Para outros,
o que é o meu caso, são pensamentos e pessoas. Sentimentos que deixei de
sentir.
Levantei-me e a vi na porta do meu quarto, ela que há tanto
tempo se foi. Não vi seus olhos ou mais do que a sua silhueta, mas sabia que
era ela, pois meu coração é o primeiro a reconhecê-la, sempre. Toda vez que a
vejo, mesmo em pensamento ou lembrança, ou ainda tarde da noite quando seu
fantasma vem visitar a porta de meu quarto, é meu coração que parece ter mais
idade do que realmente tem que reclama a sua falta. É como um antigo viciado
que não pode sentir o cheiro de seu pecado com medo de dobrar a própria vontade
para obter nem que fosse um pouco mais da velha sensação. Pesar. Manifesta-se
assim, quando passei por ela, e ela ficou a me olhar.
Adam Martins - 12/05/2010
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