terça-feira, 16 de setembro de 2025

Tua ilegibilidade se tornou dunas
nas minhas mãos: jogos de espelhos, narrativas encaixadas
e um engulho nas madrugadas turvas.
Viver é dócil e assombroso ao seu lado.
Todavia, me descubro menino e ancião cansado
quando falas e vibras tuas mãos no quarto amplo demais.
Mas quando te vi perdida
me reconheci sórdido como um vilão de Alexandre Dumas.
Não te peço nada, só o perdão
pelo sacrilégio de existir num mundo que nos desconhece.
O amor não é palavra que se soletra impunemente.
Penitencio-me por ousar descobrir todos os seus sinônimos
no meu velho dicionário de impropérios.
Amo-te como um crápula, como um cervo ferido
na Floresta Negra,
como um traficante da armas na Abissínia, como um anjo.
Amo-te e quero te possuir mais a alma que o corpo.
O corpo é doido e não raro nos desengana.
Viver é dócil e assombroso ao seu lado, eu já disse.
E é este assombro que me alimenta,
hoje, às três horas
da tarde de uma quinta-feira de um mundo sem sentido.

Otto Leopoldo Winck
Não lembro de estar assim tão esvaziado . Já afogado no meio do nada.Tão sobrecarregado de vozes, conhecimentos  e IAs oniscientes enquanto tanto sangue e miséria transbordam da tv.
um pedaço de cálcio, nervos e apagões de memória e vontade. voando no vão da névoa
não tendo o fundo do mar abissal distância , Sem nenhuma luz só o cansaço de tanto sufocar que nem me sinto enquanto Ser, pessoa, só espasmo .

Wilson Roberto Nogueira

terça-feira, 5 de agosto de 2025

O cão sem plumas

( Paisagem do Capiberibe )

A cidade é passada pelo rio

como uma rua

é passada por um cachorro ;

uma fruta 

por uma espada.


O rio ora lembrava 

a língua mansa de um cão ,

ora o ventre triste de um cão.

ora o outro rio

de aquoso pano sujo

dos olhos de um cão.


Aquele rio

era como um cão sem plumas . 

Nada sabia da chuva azul,

da fonte cor de rosa,

da água do copo de água ,

da água de cântaro,

dos peixes de água,

da brisa na água.


João Cabral de Melo Neto