sábado, 30 de agosto de 2014

Cântico Quântico



no
verso
reverso
do tempo
contemplo
o momento

universo
imerso
em
multiverso

levo
meu
verso
 in anexo
inverso


G.B.

!sou negro

!sou negro ●
● ?vc vai me querer ●
● !negro ●
● assim intensamente ●
● irreversivelmente ●
● !negro ●
● ?vc vai me olhar ●
● assim ●
● como me olham ●
● teus filhos ●
● pensando q todos vcs ●
● são brancos ●
● pensando ●
● q sou negro ●
● assim como pedras ●
● são pedras ●
● arvores são arvores ●
● !não ●
● vc não precisa ●
● me querer ●
● porq vc ●
● não é branco ●
● nem eu negro ●
● !negro ●
● assim como sou ●
● nenhum de nos ●
● é branco ou negro ●
● assim como pedras ●
● são pedras ●
● arvores são arvores ●
● somos todos diferentes ●
● todos negros ●
● todos os tipos de negro ●
● brancos ●
● vermelhos amarelos ●
● azuis roxos verdes ●
● todos negros ●
● não somos parentes ●
● somos negros e brancos ●
● furtacores ●
● milhões de cores ●
● nem homens nem animais ●
● anjos ou policiais ●
● feios ou bonitos ●
● magros ou gordos ●
● !sou negro ●
● !sou branco ●
● !sou pedra ●
● como são as pedras ●
● !sou arvore ●
● como são as arvores ●
● !vc não ●
● é apenas branco ●
● é uma pena ●
● isso é um risco ●
● !sou negro ●
● ?vc vai me querer ●
● acho q não ●
● vc não pode entender ●
● q não ha homens ●
● nem animais ●
● negros ou brancos ●
● so diferenças diferentes ●
● ondas entre ondas ●
● pra vc sou apenas !negro ●
● vc é apenas !branco ●
● !sou negro ●
● !quero ser negro ●
● sou branco tambem ●
● sou todas as cores ●
● todos os sexos ●
● todas as formas ●
● tudo q se transforma ●
● sou tudo q se move ●
● ri e dança ●
● gira e não para ●
● não cansa ●
● sou mais q pedra ●
● mais q arvore ●
● mais q esse mar ●
● tantas horas de voo ●
● nessa floresta de cactos ●
●?vc vai me querer ●
● !não ●
● antes não te quero eu ●
● podre coisinha ●
● castrado da tribo ●
● !sou negro ●
● sei rir ●
● sei amar porq sou tudo ●
● assim nessa dança ●
● q se abre sobre a vida ●
● rindo ●
● sempre rindo ●
● so rindo ●

● !sou negro ●

Alberto Lins Caldas

O Encanto da Lua...


É madrugada... A Lua ilumina o tabuleiro de xadrez que repousa sobre a pequena mesa de madeira, próxima à janela. Aos poucos, as peças despertam... E incentivados pelos mágicos reflexos prateados, Rei e Rainha esquecem o jogo e dançam apaixonadamente...

Vanice Zimerman Ferreira
Anoitece...

Antes de fechar a janela, ela observa o céu, escuta os sons do campo... Admira o pinheiro antigo e solitário, "talvez, ele entenda a saudade," pensa a moça, fechando a janela...

Vanice Zimerman Ferreira
Hoje, li nas notícias que a Presidente da República recebeu visita importante, alguém com nome difícil e muitas funções. Do lado de cá da minha varanda, também recebi visita importante, com nome simples e função quase nenhuma, ela era, assim, até meio à toa: Uma simpática Joaninha, vestida de bolinhas, colorindo a manhã!

Nanci Kirinus

Epitáfio Lírico


Natimorto surgiu
Ele, poeta
Ela, se fez
depois que o viu
Tanto quiseram,
depois que estiveram
a profecia cumpriu
A vida enviesada,
Eu lírico
num sopro sumiu
Ela, teimosa
à caneta insistiu
A paixão se foi
mas, a palavra
que a ambos uniu
num choque anafilático
e contundente
A pariu
E ela se diz poeta
falando de um fervor
que sempre
a consumiu

G.B.

A ALMA DO POEMA


muito além das palavras
reside a alma do poema
só a procure
onde é possível
fora do texto
do outro lado
no vazio de significados
nos domínios fátuos da incerteza
e se por acaso encontrá-la
no mesmo instante esqueça
foi apenas uma espécie de logro
um descuido da razão e dos sentidos
um inexistente momento
cochilo da deusa Erato. . .


- por JL Semeador de Poesias -
Ricardo Aleixo


Inteligente mesmo é a mulher que sabe que não é verdade que (ouvi esta no metrô, ontem à noite) "todo homem, no fundo, tem medo de mulher inteligente". Eu, hein? Pois se não ter medo é justo a exigência que se faz a quem quer que deseje chegar a qualquer fundo... Inteligência é sexy.

ADVERSÁRIO


Se antes
Cervantes lia
Odisseias
Bem acomodado
Num amplo sofá

Sigo agora o
Anti-romance lá fora
Escaldando a fala
Aos gritos dos que
Batalham um beijo

Se antes
Cervantes via
Monstros, gigantes
Em simples moinhos
Modestas cenas no caminho

Me deparo hoje
Com o que a toda hora
Foge no voo da fortuna
Dos surpreendidos
Daqueles que a derrota adora

Se antes
Cervantes agia
Com os nervos à flor
Do peito pronto
A defender, atacar

Neste instante
Não há quem plante
Uma fantasia, não está
Aqui o amigo criador
De porcos, meu parceiro

No passado
O heroicizado
Morreu numa cama
Sem glória e sem
Dinheiro

No presente
Este que vos assina
A saga, segue
Em frente, no desafio:


Enfrentar-se.

Paulo Betancur

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A TRÊS POR QUATRO

Ricardo Aleixo

Aos 18 já escapara
do Exército
e estava a poucos
meses de escapar
de vez da escola -
dividido entre
o jogo de bola
e o da poesia.
Dali até agora
do que mais
(e
como?)
escaparia
aquele tosco
Maiakovski

de periferia?
De Romério Rômulo Campos Valadares

pedras e pétalas, atos de vontade
um assemelha o herói ao astro,
guia de sinais.
outro referenda o desmazelo de ser,
recomenda seja seu extremo
aquele outro.
quantos de nós se sabem pétalas e pétalas
se dizem pedras?
quantos, à sua testa roçada pela pétala,
a interpretam pedra?
que diferença há se ambas são vontades?


  Matéria Bruta.2006



A Esfinge na Névoa


Quando a alma
fala
já não fala a alma.
Se o corpo é sua escada
a língua é por onde
ela escapa?
Jamais sairemos
desse labirinto
de falsos silêncios;
Então, por que não cantamos
enquanto afundamos?
Ou por que não nos calamos,
até o fim da névoa
do labirinto
e do silêncio torpe?...
Se a canção da Ursa Maior
não nos alcança,
afundar no canto ausente
das sereias de antes,
e apesar da vitória
deste abismo em nós
de nossa secreta Ítaca
não estamos tão distantes.
Ítaca dentro de nós:
A torre, a amada a fiar o manto,
o cão cego e fiel,
a mesa, o vinho...
Ítaca – a felicidade-
escondida no mar de abismos
e nos labirintos de sal
- nossa casa-alma:
Esfinge na névoa
que sempre encontramos
no final.

Bárbara Lia/Marcelo Ariel

CRÔNICAS DE ALHURES DO SUL


Manoel Carlos Karam
(21 de maio de 2007)

Lembranças cinematográficas.
Era uma vez quando havia três filmes bons por semana.
Às vezes um deles era engano, mas restavam dois.
Dizia-se que o filme estava sendo levado.
Não era o verbo passar ou exibir.
Era levar.
O Cine Glória está levando Blow-up de Antonioni.
Eu ia mais cedo pro cinema, antes do filme bater um papo com o gerente.
O Zito Alves, gerente do Cine Lido, tinha uma coleção de piadas de gerentes de cinema.
Quando o Lido estava levando um Chaplin, o Zito sugeriu que eu sentasse na última fila.
Porque ri melhor quem rir por último.
Era uma vez quando havia três filmes bons por semana.
Às vezes um deles era engano, mas restavam dois.
Outras vezes um engano a favor e eram quatro os filmes bons da semana.

Era uma vez.
Adriana Zapparoli


entonces calla otra perra. y leo las costuras y plisados de un murmullo de cuerpos mutilados con el puño, con espátula, donde sale la serpiente... por toda esta charla embrollada, por todas las mentes alienadas, el humo es el que escarba al soplo de la serpient, los musgos y las flores acuáticas ... y debajo de los huesos su mirada y la dureza húmeda de la distancia ... porque el amor tiene ojos verdes.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Quando estiveres nu
Diante de você mesmo
Ou diante da mulher
Amada, saberás que
O momento solene
De celebração não é
Aquele festejado
Nas praças e igrejas
Nem nos brinquedos
Caros ou nas cabanas
Pobres da montanha
A grande solenidade
É desentranhar a nudez

Do corpo e da palavra

Rubens Jardim

INVERNO



A gota de orvalho
desceu pelo verde
iluminando a folha
sob o Céu nublado...
e ela não sentiu
o frio, mas o carinho
da natureza,
que se lembrou dela...

Gilberto Gomes


perdi todo o encantamento em viver.
Se possível gostaria de morrer amanhã
Como disse nosso álvares de azevedo.
Mas tenho que empurrar essa carroça
De meu corpo por esses caminhos
Que me levam sempre pra lugares
Que nem sempre escolhi e de onde
Parti, partido. Será que o meu viver
Difere do teu? Será que essa divisão
É uma coisa de poeta? Um modo de
Manter a criança acordada, na noite
Cheia da lua cheia? As luzes, acesas
No céu e na minha alma mostram
que isso é apenas a neblina do amor

Rubens Jardim

ADORO MULHERES



Adoro mulheres, e seus sorrisos.
Adoro mulheres, e seus olhares.
Adoro mulheres, e seus andares.
Adoro mulheres, e seus desconhecidos
caminhos,
a mim vedados:
Homem perdido,
sem mapas e sentidos,
em território minado.
Adoro mulheres, e suas manhas.
Adoro mulheres, e suas certezas.
Adoro mulheres, e seus achaques.
Adoro mulheres, e seus sonhares
bifurcados,
repletos de atalhos,
traiçoeiras tocaias,
Guerra eterna, sem regras:
Infinitas mortes anunciadas.
Adoro mulheres, e suas perfídias.
Adoro mulheres, e suas coragens.
Adoro mulheres, e suas delícias.
Adoro mulheres, e suas traquinagens
insidiosas,
em momentos imprevisíveis,
quando se pensara calmaria:
Vida sem sobressaltos.
Adoro mulheres:
Obstinado desejo.
Lírico encanto,
diante delas.

- por JL Semeador de Poesias, em 21/05/2009 –



escrevi minhas insônias
depois relendo anotações
percebi todas foram feitas
quando estava sobre tua cama
descobrindo vida fora da minha



 Júlio Alves

FLASHBACK


Saiu o sol. Mas ainda faz frio. Tomei um café expresso e agora caminho por uma calçada esburacada, numa rua de mão inglesa que vai dar no Passeio Público. Na esquina, espero uma brecha no fluxo nervoso do trânsito. De repente tenho a impressão de que tudo isto já aconteceu. Tudo isto o quê? Esta rua, este céu, aquela garça pousada naquela árvore e este carro que – surgido não sei de onde – me colhe em cheio. Depois, não lembro mais nada. Nunca mais me lembrarei.

olw

Fichas caem feito pastilhas


Fichas caem feito pastilhas
Tornando leitoso o líquido da mente.
Nunca foi sobre memória
Memória não - ato, disparo, depredação
Tingir a cara sem fundo de fantasmas
Dos pôsteres, livros, revistas
Pichar o muro da idolatria
Com a fúria da fala dos que estão vivos.
Nunca foi sobre memória
Mas sobre quinquilharia
Agora entendo
O funcionamento do meu templo.
Não é curso de mosaico da terceira idade
Mas antes ensinar as velhinhas
A construírem seus próprios
Pentagramas de brinquedo.


Alexandre França

TERRA DA PALAVRA



No chão da palavra
Planto a semente
Da colheita vindoura



 Rubens Jardim


depois de falar sobre haicai, fui a uma padaria e tomei café-com-leite e comi dois sonhos de nata. no meu sonho raso vi da vitrine da padoca a paisagem se fundir: o céu, os prédios, e à frente, um casal de velhos conversando, se tocando e trocando pacotes e sacolas. a vida diária: filme em câmera lenta. romper laços fora, guerreiros, mundo em expansão.

Marilia Kubota

O rio


Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.

- Manuel Bandeira, em "Belo belo", 1948.

http://www.elfikurten.com.br/2011/02/manuel-bandeira-estrela-da-vida-inteira.html

POETA MAR


Alma de infinitas vozes.
Cravas em tua pele,
safiras e esmeraldas
Em noites de poesia,
despes os dias,
vestes o luar.

Bruno de Paula

Atravesso as ruas
Da minha cidade
E sou atravessado
Por flechas, faixas,
Letreiros de neon.
Sou um neófito
Nessa vida atual
E procuro ouvir
O grito primal
Aquele que irá
Me silenciar

Pra sempre.

Rubens Jardim

A Mulher Mais Bonita do Mundo


estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.
entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.
entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.
há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.
estás tão bonita hoje.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.


José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

Sonhos em Tempos de Fukushima


ares que
entorpecem
desfalecem
ocaso insalubre
ante um sol
carmim sangrento,
tudo findado
meta cumprida
pulso aniquilado.

G.B.

Para Andréia Carvalho Gavita

caixa do mundo meu

Meu mundo é essa caixinha
de vidro notável, inoxidável
e alumínio transparente,
de pele de ventania polida
e murais de sussurros,
de paredes de fornalhas de três segundos
e pensamentos inquietadores infinitesimais,
de contradições ortodoxas desaforadas
e devaneios insolentes,
puro diamante bruto esverdeado derretido
em confeitos de amendoim paçocado.
Tenho esse mundo
e ele é meu, degringolado e inibido,
escamoteado e assumido.
Esse meu mundo é essa caixinha que parece pequena
e, na verdade, a bem dizer, é mesmo pequena,
minúscula,
degringolada e inibida,
assoberbada e translúcida,
e é minha.
-
caixa do mundo meu
claudinei vieira

-

Adriana Zapparoli

- sobre a nuca lírica há um império de signos em água mansa. o rio. e

silenciosa é a flor nesse cárcere sem ruídos, de pássaros leves, e anêmonas que mareiam, onde entornamos nossa espera. suicidas.

Batgirl sou eu!


não tenho nome
mas sei da treva
que te consome
vivi sozinha
suportando
a luz do dia
e me aturdia,
me aturdia...
a vida em ironia
a mostrar os dentes
sem saber
se ela sorria
ou se de mim
ria, ria, ria...
sob extremada
agonia

G. B.

cegueira essencial

cegueira essencial
daquilo que é invisível aos olhos,
o cheiro de maresia do teu corpo,
o vento que alvoroça teus cabelos
como a trêmula auréola do sol nas cúpulas,
a trama celular que fez teu torso e mãos
para meu indizível deleite e culpa,
ainda a poeira estelar que purpurina o céu
em nossas noites mais quentes,
mais desejo o ar que atravessa as pontes
e a linha do horizonte que habita
o fundo desse teu olhar em solidão cristalina.

rosa ramos

quarta-feira, 27 de agosto de 2014



Todo poema é celebração
mesmo não lido.
Todo poema é de amor
mesmo perdido.
Todo poema fica por aí
mesmo esquecido.

FRANCISCO MARCELO CABRAL
"Como conta exata me
basta apenas uma:
em minha vida tive
três cachorros mortos.
O maior tinha
quarenta quilos
que carreguei
encharcados
numa noite chuvosa."


poemas do livro Domingo no Matadouro
( Editora Patuá , 2013) de Marcelo Pierott

Priscila Merizzio


Temporal chegando. Deixei a porta do quarto aberta, sem peso de areia, e corri para a sala, apanhar o HD externo sobre a mesa da sala de jantar. Tive poucos segundos para fazer isso antes que a porta batesse: minha janela propositalmente aberta. Em dias de tempestade, deleita-me correr contra o vento. Segurar as portas com as pernas e engolir os raios com os ouvidos.

NO REINO DAS SOMBRAS


 Dario Vellozo

Plenilúnio. O olhar molha as colunas dóricas...
Junto ao pronau medito, evocando o teu rosto.
Que saudade de ti, dessa tarde de Agosto,
De tintas outonais e visões alegóricas!
Saudade!... O coração lembra idades históricas...
Na Atlântida eras tu pitonisa... Ao sol posto,
Dizias da alma irmã os arcanos... Teu rosto
Banhava-se na luz das estrelas simbólicas...
Tantas vezes perdida! Imerso em luz ou treva,
De vida em vida, à flor do céu, te procurava,
Na dor da solidão... E, quando a lua eleva
A lâmpada votiva, eu te procuro ainda,
- Alma branca, alma irmã, alma em flor, alma eslava -,
Na poeira dos sóis da solitude infinda.


(Templo das Musas, 3 de Novembro de 1928.)



Dez reais não é muito dinheiro, eu sei. A nota vermelhinha estava lá, no meio de um encruzilhamento bem transitado de São Paulo, onde os carros rodopiavam em muitas direções. Já do outro lado da rua fiquei observando a dança dos dez reais entre pneus, pneumas e pensamentos. Ventava forte e eu esperei mais espectadores para aplaudir em grupo a dança inusitada. Ninguém olhava pra isso, ninguém... Quem sabe o vento a leve até a janela de alguém que está precisando, pensei. Meus pés sempre procuram dançar e foi bem ali, no meio dos meus sapatos que a nota foi parar. Obrigada, bons ventos de São Paulo. A nota de dez reais está aqui, comigo, nem vou gastar, que fique como talismã dos bons dias com suas surpresas a tiracolo. Bom dia queridos leitores, amigos, parentes de perto e de longe.

Gloria Kirinus

meu filho aquiles não sabe

meu filho aquiles não sabe ●
● q é mortal como todos nos ●
● aquiles delira aquiles não sofre ●
● aquiles meu filho morre não morre ●
● esperando a espada a lança a flecha ●
● q abra uma brecha nessa loucura ●
● aquiles meu filho é um imbecil ●
● sujeito q não sabe o q todos sabem ●
● porisso mesmo pensa q é o q não é ●
● meu filho aquiles é um perigo ●
● aquiles baralha sonho e realidade ●
● aquiles espera q todos sejam loucos ●
● meu filho aquiles não sabe q sabemos ●
● q ele é so um domador de coelhos ●
● um domador de pulgas e baratas ●
● aquiles meu filho precisa morrer ●
● pra aquietar os barbaros q pensam ●
● q são aquiles imortais e corretos ●
● aquiles meu filho nunca viveu ●
● aquiles so baba essa coisa fiada ●
● q a doença dele se convenceu ●
● meu filho aquiles não viveu ●
● nenhuma guerra nenhum horror ●
● aquiles mente e nunca navegou ●
● meu filho aquiles jamais sangrou ●
● nunca sentiu uma dor aos pedaços ●
● nem mesmo desejou ser aquiles ●
● aquiles meu filho nos perdera ●
● aquilo é lingua aquilo é veneno ●
● aquiles meu filho precisa passar ●

*
Alberto Lins caldas

esses

● esses ●
● do outro lado do muro ●
● devoram sem parar em suas festas ●
● nossos filhos nossas mulheres ●
● são os q detonam as casas ●
● as cores a lingua e as ruas ●
● como porcos como ratos e pulgas ●
● como carrapatos desejam so ●
● se esconder e viver entre nos ●
● esses não são nossos ossos ●
● nem a carne nem a pele nem apele ●
● eles são do outro lado do muro ●
● os novos muros q erguemos ●
● colados aos velhos muros ●
● guarda tudo q vale a pena ●
● esses ●
● do outro lado jamais valeram ●
● dois reis de mel coado ●
● aqui todas as coisas ●
● correm deliram e se alastram ●
● com a fome satisfeita ●
● esses ●
● assim do outro lado ●
● como moscas como lacraias ●
● correm dum lado pro outro ●
● como correm nossas coisas ●
● sem a razão das coisas ●
● esses ●
● so pensam em nos so vivem ●
● pensando em todos nos ●
● esses ●
● esses são como hienas famintas ●
● sobre um corpo de leão ●
● o leão somos todos nos ●
● porisso levantamos os muros ●
● so assim dormimos em paz ●
● sem eles ●
● não seriamos tão ricos e livres ●
● mas eles não sabem ●
● esses ●
● são como ostras podres ●
● todos eles sem nenhuma perola ●
● esses ●
● são eles q são os muros ●
● mas eles não sabem ●
*

 Alberto Lins Caldas
y aún fijos oraban sus actos circenses por fastío recluso, diariamente por un amor, incluso y inexistente, entre sorbos de barro de lluvia.
e ainda fixos oravam os seus atos circenses por fastío recluso, diariamente por um amor, incluso e inexistente entre goles de barro de chuva.
Adriana Zapparoli


acenda a lâmpada às seis horas da tarde
acenda a luz dos lampiões
inflame a chama dos salões
fogos de línguas de dragões
vagalumes
numa nuvem de poeira de neon
tudo claro
a noite assim que é bom
a luz acesa na janela lá de casa
o fogo
o foco lá no beco e o farol
essa noite vai ter sol


(p.leminski)

Ladainha do morto



Com dezessete facadas
na feira de Canabrava
Amaro Sampaio Mello
morreu por mim
Com uma bala na testa
no Engenho de Canamansa
Francisco Bezerra Lima
morreu por mim
Bordel de Valparaíso:
com um punhal na garganta
Raquel Medina - a morena -
morreu por mim
Com seu fuzil já sem balas
soldado de Ho Chi Minh
Cao Cih aos doze anos
morreu por mim
Hans Alfred von Ahlenfeld
com a cabeça arrancada
por uma granada russa
morreu por mim
Um conde de Budapeste
no Ponto Euxino um Ovídio
em Bucareste outro Ovídio
morreu por mim.
O poeta Mandelstamm
não terminou seu soneto
em sua prisão na Rússia
morreu por mim
Landsberg era alemão
era grego e era judeu
no campo dos concentrados
morreu por mim
Sansão sem olhos em Gaza
entre as ruínas do templo
destroçando os filisteus
morreu por mim
Na rua Bento Lisboa
com carta de despedida
Marina bebeu veneno
morreu por mim
Iracema abriu o gás
Ana Lúcia abriu as veias
um tiro na boca – Mary
morreu por mim
Em Belém Mafalda flor
da beleza palestina
pisou na bomba entre relvas
morreu por mim
Na Polônia na Rumânia
cada Raquel cada Sara
mirando o fuzil da Prússia
morreu por mim
Em paredones de Havana
o frade de São Francisco
benzendo Paco Figueres
morreu por mim
E nas ruas de Manágua
padre Ernesto Cardenal
um guerrilheiro sandino
morreu por mim
No mesmo dia de sol
na rua de Pablo Cuadra
um “contra”de quinze anos
morreu por mim
O jangadeiro Jerônimo
nos verdes mares bravios
alagado pelas águas
morreu por mim
Em Lavras da Mangabeira
poeta Dimas Macedo
um irmão da Coronela
morreu por mim
O poeta Kusakabe
ouviu o estouro da bomba
deu um grito em Hiroshima
morreu por mim
Na praça de Little Rock
com uma guitarra na mão
o negro Bem baleado
morreu por mim
Heitor nos muros de Tróia
Aquiles com o pé flechado
Pátroclo com sua lança
morreu por mim
Em seu palácio Cleópatra
a cobra mordendo o seio
ninho de amores e aromas
morreu por mim
Punhal de Brutus no peito
no sangue de sua toga
César meu rei meu pontífice
morreu por mim
O grego e o troiano o líbio
o soldado o general
como Helena e Clitemnestra
morreu por mim
E Teresa de Cepeda
chamada Teresa de Ávila
morrendo por não morrer
morreu por mim
Em Paris Jorge – e no Chile
Baeza Pepe e Girola
Efraín, Napoleão,
morreu por mim
Nos campos em flor da França
Jacques Alain e Charles
a flor-de-lis da esperança
morreu por mim
Cada cabra do sertão
cada matador de engenho
cada jagunço da várzea
morreu por mim
Uma noite Margarida
Olhou meu retrato triste
Saltou a janela verde
Morreu por mim
A afogada do Leblon
o enforcado de Bangu
a defunta do Encantado
morreu por mim
Um negro em Camaragibe
um João em Tanque d’Arca
uma cigana em Belgrado
morreu por mim
Fui pregado em duas cruzes
e na cruz do meio um Deus
depois de sete palavras
morreu por mim
Um por um eu os matei
um por um me assassinaram
fui salvo por cada um
cada um morreu por mim
Esta lo a língua na boca
a mor te no céu da boca
tem gosto de vinho e mel
vou gozando seu sabor:
por cada um vou morrendo
vou morrendo devagar.
Amén
(poema de Gardo Mello Mourão)




O teclado dorme
E os vizinhos agradecem
Caíram os dedos
Desta colheita de silêncio
E o que pode ser dito
Balança na boca de uma
Nervosa mastigação
Falar entre dentes
É o fruto proibido
Da árvore sanguínea
Da raiva legítima
Da falta de educação.
E nada como ir embora
Sem falar absolutamente
Nada.
Calar nunca foi tão doce

Quanto nesta estação.

Alexandre França