segunda-feira, 28 de junho de 2010

"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."




( Clarice Lispector )

Wiliam e seu violino - meu poema

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Cristiane Mendonça - Mídia Poesia

Poesia Pós Marginal de Salgado Maranhão e Tanussi Cardoso Parte 3

Poema à boca fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago

(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)
Dar-me toda este verão


urdideiros de rio, é ser

serpente de prata. Verão,

foi feita mais uma vítima



Sou um ser marcado, natureza.

A tarde crava em meu magma

o selo de sua secreta pata.



Olga Savary

sábado, 19 de junho de 2010

sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago

O escritor português José Saramago, que morreu hoje aos 87 anos




José Saramago nasceu em 1922 na aldeia de Azinhaga (Golegã) e faleceu hoje na sua residência em Lanzarote, Ilhas Canárias. Fez estudos secundários que, por dificuldades econômicas, não pôde prosseguir. Seu primeiro emprego foi o de serralheiro mecânico, tendo exercido depois, diversas outras profissões: desenhista, funcionário de saúde e de previdência social, editor, tradutor, jornalista.



Publicou o seu primeiro livro, um romance, em 1947. Colaborou como crítico literário na revista “Seara Nova”. Em 1972 e 1973 fez parte da redação do jornal “Diário de Lisboa”. Pertenceu à primeira direção da Associação Portuguesa de Escritores e foi, desde 1985 a 1994, presidente da Assembléia Geral da Sociedade Portuguesa de Autores. Entre Abril e Novembro de 1975 foi diretor-adjunto do jornal “Diário de Notícias”. A partir de 1976 passou a viver exclusivamente do seu trabalho literário, primeiro como tradutor, depois como autor.



É Doutor Honoris Causa pelas Universidades de Turim (Itália), de Sevilha (Espanha) e de Manchester (Reino Unido); membro Honoris Causa do Conselho do Instituto de Filosofia do Direito e de Estudos Histórico-Políticos da Universidade de Pisa (Itália); membro da Academia Universal das Culturas (Paris); membro correspondente da Academia Argentina das Letras; membro do Parlamento Internacional de Escritores (Estrasburgo).



José Saramago foi laureado com o Prêmio Nobel da Literatura 1998 pela The Nobel Foundation.



Principais obras:



· Ano da Morte de Ricardo Reis (O). Lisboa, Caminho, 1982.

· Ano de 1993 (O). Lisboa, Futura, 1975.

· Apontamentos (Os). Lisboa, Seara Nova, 1976.

· Bagagem do Viajante (A). Lisboa, Futura, 1973.

· Cadernos de Lanzarote I. Lisboa, Caminho, 1994.

· Cadernos de Lanzarote II. Lisboa, Caminho, 1995.

· Cadernos de Lanzarote III. Lisboa, Caminho, 1996.

· Cadernos de Lanzarote IV. Lisboa, Caminho, 1997.

· Cadernos de Lanzarote V. Lisboa, Caminho, 1998.

· Conto da Ilha Desconhecida (O). Lisboa, Expo’98/Assírio&Alvim, 1997.

· Deste Mundo e do Outro. Lisboa, Arcádia, 1971.

· Discursos de Estocolmo. Lisboa, Caminho, 1999.

· Ensaio sobre a Cegueira. Lisboa, Caminho, 1995.

· Ensaio sobre a Cegueira. Lisboa, Círculo de Leitores, 1995.

· Evangelho segundo Jesus Cristo (O). Lisboa, Caminho, 1991.

· História do Cerco de Lisboa. Lisboa, Caminho, 1989.

· In nomine Dei. Lisboa, Caminho, 1993.

· Jangada de Pedra (A). Lisboa, Caminho, 1985.

· Levantado do Chão. Lisboa, Caminho, 1980.

· Manual de Pintura e Caligrafia. Lisboa, Moraes Editores, 1976.

· Memorial do Convento. Lisboa, Caminho, 1982.

· Moby Dick em Lisboa. Lisboa, Expo’98, 1996.

· Noite (A). Lisboa, Caminho, 1979.

· Objecto Quase. Lisboa, Moraes Editores, 1978.

· Opiniões que o D. L. Teve (As). Lisboa, Seara Nova/Editorial Futura, 1974.

· Poemas Possíveis (Os). Lisboa, Portugália, 1966.

· Poética dos Cinco Sentidos – O Ouvido, 1979

· Provavelmente Alegria. Lisboa, Livros Horizonte, 1970.

· Que farei com este livro? Lisboa, Caminho, 1980.

· Segunda Vida de Francisco de Assis (A). Lisboa, Caminho, 1987.

· Terra do Pecado. Lisboa, Minerva, 1947.

· Todos os Nomes. Lisboa, Caminho, 1997.

· Viagem a Portugal. Lisboa, Círculo de Leitores, 1981.



Prêmios recebidos:



· Prêmio Internacional Literário Mondello (Palermo), 1992 (Conjunto da Obra).



· Prêmio Literário Brancatti (Zafferana/Sicília), 1992 (Conjunto da obra)



· Prêmio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores (APE), 1993



· Prêmio Consagração SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), 1995



· Prêmio Nobel da Literatura, 1998



Suas obras são publicadas em diversos países. Seu romance “Memorial do Convento” foi adaptado para a ópera pelo compositor italiano Azio Corghi, com o título “Blimunda”.



A peça de teatro “In Nomine Dei” foi adaptada para a ópera por Azio Corghi, com o título “Divara”.



O texto acima foi extraído do livro “O Conto da Ilha Desconhecida”, Companhia das Letras – São Paulo, 1998, com aquarelas de Arthur Luiz Piza

In memoriam: O conto da ilha desconhecida, de José Saramago


José Saramago – Projeto releituras



Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco. A casa do rei tinha muitas mais portas, mas aquela era a das petições. Como o rei passava todo o tempo sentado à porta dos obséquios (entenda-se, os obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez que ouvia alguém a chamar à porta das petições fingia-se desentendido, e só quando o ressoar contínuo da aldraba de bronze se tornava, mais do que notório, escandaloso, tirando o sossego à vizinhança (as pessoas começavam a murmurar, Que rei temos nós, que não atende), é que dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria o impetrante, que não havia maneira de se calar. Então, o primeiro-secretário chamava o segundo-secretário, este chamava o terceiro, que mandava o primeiro-ajudante, que por sua vez mandava o segundo, e assim por aí fora até chegar à mulher da limpeza, a qual, não tendo ninguém em quem mandar, entreabria a porta das petições e perguntava pela frincha, Que é que tu queres. O suplicante dizia ao que vinha, isto é, pedia o que tinha a pedir, depois instalava-se a um canto da porta, à espera de que o requerimento fizesse, de um em um, o caminho ao contrário, até chegar ao rei. Ocupado como sempre estava com os obséquios, o rei demorava a resposta, e já não era pequeno sinal de atenção ao bem-estar e felicidade do seu povo quando resolvia pedir um parecer fundamentado por escrito ao primeiro-secretário, o qual, escusado se ria dizer, passava a encomenda ao segundo-secretário, este ao terceiro, sucessivamente, até chegar outra vez à mulher da limpeza, que despachava sim ou não conforme estivesse de maré.



Contudo, no caso do homem que queria um barco, as coisas não se passaram bem assim. Quando a mulher da limpeza lhe perguntou pela nesga da porta, Que é que tu queres, o homem, em lugar de pedir, como era o costume de todos, um título, uma condecoração, ou simplesmente dinheiro, respondeu, Quero falar ao rei, Já sabes que o rei não pode vir, está na porta dos obséquios, respondeu a mulher, Pois então vai lá dizer-lhe que não saio daqui até que ele venha, pessoalmente, saber o que quero, rematou o homem, e deitou-se ao comprido no limiar, tapando-se com a manta por causa do frio. Entrar e sair, só por cima dele. Ora, isto era um enorme problema, se tivermos em consideração que, de acordo com a pragmática das portas, ali só se podia atender um suplicante de cada vez, donde resultava que, enquanto houvesse alguém à espera de resposta, nenhuma outra pessoa se poderia aproximar a fim de expor as suas necessidades ou as suas ambições. À primeira vista, quem ficava a ganhar com este artigo do regulamento era o rei, dado que, sendo menos numerosa a gente que o vinha incomodar com lamúrias, mais tempo ele passava a ter, e mais descanso, para receber, contemplar e guardar os obséquios. À segunda vista, porém, o rei perdia, e muito, porque os protestos públicos, ao notar-se que a resposta estava a tardar mais do que o justo, faziam aumentar gravemente o descontentamento social, o que, por seu turno, ia ter imediatas e negativas consequências no afluxo de obséquios. No caso que estamos narrando, o resultado da ponderação entre os benefícios e os prejuízos foi ter ido o rei, ao cabo de três dias, e em real pessoa, à porta das petições, para saber o que queria o intrometido que se havia negado a encaminhar o requerimento pelas competentes vias burocráticas. Abre a porta, disse o rei à mulher da limpeza, e ela perguntou, Toda, ou só um bocadinho. O rei duvidou por um instante, na verdade não gostava muito de se expor aos ares da rua, mas depois reflexionou que pareceria mal, além de ser indigno da sua majestade, falar com um súdito através de uma nesga, como se tivesse medo dele, mormente estando a assistir ao colóquio a mulher da limpeza, que logo iria dizer por aí sabe Deus o quê, De par em par, ordenou. O homem que queria um barco levantou-se do degrau da porta quando começou a ouvir correr os ferrolhos, enrolou a manta e pôs-se à espera. Estes sinais de que finalmente alguém vinha atender, e que portanto a praça não tardaria a ficar desocupada, fizeram aproximar-se da porta uns quantos aspirantes à liberalidade do trono que por ali andavam, prontos a assaltar o lugar mal ele vagasse. O inopinado aparecimento do rei (nunca uma tal coisa havia sucedido desde que ele andava de coroa na cabeça) causou uma surpresa desmedida, não só aos ditos candidatos mas também à vizinhança que, atraída pelo repentino alvoroço, assomara às janelas das casas, no outro lado da rua. A única pessoa que não se surpreendeu por aí além foi o homem que tinha vindo pedir um barco. Calculara ele, e acertara na previsão, que o rei, mesmo que demorasse três dias, haveria de sentir-se curioso de ver a cara de quem, sem mais nem menos, com notável atrevimento, o mandara chamar. Repartido pois entre a curiosidade que não pudera reprimir e o desagrado de ver tanta gente junta, o rei, com o pior dos modos, perguntou três perguntas seguidas, Que é que queres, Por que foi que não disseste logo o que querias, Pensarás tu que eu não tenho mais nada que fazer, mas o homem só respondeu à primeira pergunta, Dá-me um barco, disse. O assombro deixou o rei a tal ponto desconcertado, que a mulher da limpeza se apressou a chegar-lhe uma cadeira de palhinha, a mesma em que ela própria se sentava quando precisava de trabalhar de linha e agulha, pois, além da limpeza, tinha também à sua responsabilidade alguns, trabalhos menores de costura no palácio como passajar as peúgas dos pajens. Mal sentado, porque a cadeira de palhinha era muito mais baixa que o trono, o rei estava a procurar a melhor maneira de acomodar as pernas, ora encolhendo-as ora estendendo-as para os lados, enquanto o homem que queria um barco esperava com paciência a pergunta que se seguiria, E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei de facto perguntou quando finalmente se deu por instalado, com sofrível comodidade, na cadeira da mulher da limpeza, Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem, Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando o riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar logo de entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida, A quem ouviste tu falar dela, perguntou o rei, agora mais sério, A ninguém, Nesse caso, por que teimas em dizer que ela existe, Simplesmente porque é impossível que não exista uma ilha desconhecida, E vieste aqui para me pedires um barco, Sim, vim aqui para pedir-te um barco, E tu quem és, para que eu to dê, E tu quem és, para que não mo dês, Sou o rei deste reino, e os barcos do reino pertencem-me todos, Mais lhes pertencerás tu a eles do que eles a ti, Que queres dizer, perguntou o rei, inquieto, Que tu, sem eles, és nada, e que eles, sem ti, poderão sempre navegar, Às minhas ordens, com os meus pilotos e os meus marinheiros, Não te peço marinheiros nem piloto, só te peço um barco, E essa ilha desconhecida, se a encontrares, será para mim, A ti, rei, só te interessam as ilhas conhecidas, Também me interessam as desconhecidas quando deixam de o ser, Talvez esta não se deixe conhecer, Então não te dou o barco, Darás. Ao ouvirem esta palavra, pronunciada com tranquila firmeza, os aspirantes à porta das petições, em quem, minuto após minuto, desde o princípio da conversa, a impaciência vinha crescendo, e mais para se verem livres dele do que por simpatia solidária, resolveram intervir a favor do homem que queria o barco, começando a gritar, Dá-lhe o barco, dá-lhe o barco. O rei abriu a boca para dizer à mulher da limpeza que chamasse a guarda do palácio a vir restabelecer imediatamente a ordem pública e impor a disciplina, mas, nesse momento, as vizinhas que assistiam das janelas juntaram-se ao coro com entusiasmo, gritando como os outros, Dá-lhe o barco, dá-lhe o barco. Perante uma tão iniludível manifestação da vontade popular e preocupado com o que, neste meio tempo, já haveria perdido na porta dos obséquios, o rei levantou a mão direita a impor silêncio e disse, Vou dar-te um barco, mas a tripulação terás de arranjá-la tu, os meus marinheiros são-me precisos para as ilhas conhecidas. Os gritos de aplauso do público não deixaram que se percebesse o agradecimento do homem que viera pedir um barco, aliás o movimento dos lábios tanto teria podido ser Obrigado, meu senhor, como Eu cá me arranjarei, mas o que distintamente se ouviu foi o dito seguinte do rei, Vais à doca, perguntas lá pelo capitão do porto, dizes-lhe que te mandei eu, e ele que te dê o barco, levas o meu cartão. O homem que ia receber um barco leu o cartão de visita, onde dizia Rei por baixo do nome do rei, e eram estas as palavras que ele havia escrito sobre o ombro da mulher da limpeza, Entrega ao portador um barco, não precisa ser grande, mas que navegue bem e seja seguro, não quero ter remorsos na consciência se as coisas lhe correrem mal. Quando o homem levantou a cabeça, supõe-se que desta vez é que iria agradecer a dádiva, já o rei se tinha retirado, só estava a mulher da limpeza a olhar para ele com cara de caso. O homem desceu do degrau da porta, sinal de que os outros candidatos podiam enfim avançar, nem valeria a pena explicar que a confusão foi indescritível, todos a quererem chegar ao sítio em primeiro lugar, mas com tão má sorte que a porta já estava fechada outra vez. A aldraba de bronze tornou a chamar a mulher da limpeza, mas a mulher da limpeza não está, deu a volta e saiu com o balde e a vassoura por outra porta, a das decisões, que é raro ser usada, mas quando o é, é. Agora sim, agora pode-se compreender o porquê da cara de caso com que a mulher da limpeza havia estado a olhar, foi esse o preciso momento em que ela resolveu ir atrás do homem quando ele se dirigisse ao porto a tomar conta do barco. Pensou ela que já bastava de uma vida a limpar e a lavar palácios, que tinha chegado a hora de mudar de ofício, que lavar e limpar barcos é que era a sua vocação verdadeira, no mar, ao menos, a água nunca lhe faltaria. O homem nem sonha que, não tendo ainda sequer começado a recrutar os tripulantes, já leva atrás de si a futura encarregada das baldeações e outros asseios, também é deste modo que o destino costuma comportar-se connosco, já está mesmo atrás de nós, já estendeu a mão para tocar-nos o ombro, e nós ainda vamos a murmurar, Acabou-se, não há mais que ver, é tudo igual.



Andando, andando, o homem chegou ao porto, foi à doca, perguntou pelo capitão, e enquanto ele não chegava deitou-se a adivinhar qual seria, de quantos barcos ali estavam, o que iria ser o seu, grande já se sabia que não, o cartão de visita do rei era muito claro neste ponto, por conseguinte ficavam de fora os paquetes, os cargueiros e os navios de guerra, tão-pouco poderia ser ele tão pequeno que resistisse mal às forças do vento e aos rigores do mar, o rei também havia sido categórico neste ponto, Que navegue bem e seja seguro, foram estas as suas formais palavras, assim implicitamente excluindo os botes, as faluas e os escaleres, os quais, sendo bons navegantes, e seguros, conforme a condição de cada qual, não tinham nascido para sulcar os oceanos, que é onde se encontram as ilhas desconhecidas. Um pouco afastada dali, escondida por trás de uns bidões, a mulher da limpeza correu os olhos pelos barcos atracados, Para o meu gosto, aquele, pensou, porém a sua opinião não contava, nem sequer havia sido ainda contratada, vamos ouvir antes o que dirá o capitão do porto. O capitão veio, leu o cartão, mirou o homem de alto a baixo, e fez a pergunta que o rei se tinha esquecido de fazer, Sabes navegar, tens carta de navegação, ao que o homem respondeu, Aprenderei no mar. O capitão disse, Não to aconselharia, capitão sou eu, e não me atrevo com qualquer barco, Dá-me então um com que possa atrever-me eu, não, um desses não, dá-me antes um barco que eu respeite e que possa respeitar-me a mim, Essa linguagem é de marinheiro, mas tu não és marinheiro, Se tenho a linguagem, é como se o fosse. O capitão tornou a ler o cartão do rei, depois perguntou, Poderás dizer-me para que queres o barco, Para ir à procura da ilha desconhecida, Já não há ilhas desconhecidas, O mesmo me disse o rei, O que ele sabe de ilhas, aprendeu-o comigo, É estranho que tu, sendo homem do mar, me digas isso, que já não há ilhas desconhecidas, homem da terra sou eu, e não ignoro que todas as ilhas, mesmo as conhecidas, são desconhecidas enquanto não desembarcarmos nelas, Mas tu, se bem entendi, vais à procura de uma onde nunca ninguém tenha desembarcado, Sabê-lo-ei quando lá chegar, Se chegares, Sim, às vezes naufraga-se pelo caminho, mas, se tal me viesse a acontecer, deverias escrever nos anais do porto que o ponto a que cheguei foi esse, Queres dizer que chegar, sempre se chega, Não serias quem és se não o soubesses já. O capitão do porto disse, Vou dar-te a embarcação que te convém, Qual é ela, É um barco com muita experiência, ainda do tempo em que toda a gente andava à procura de ilhas desconhecidas, Qual é ele, Julgo até que encontrou algumas, Qual, Aquele. Assim que a mulher da limpeza percebeu para onde o capitão apontava, saiu a correr de detrás dos bidões e gritou, É o meu barco, é o meu barco, há que perdoar-lhe a insólita reivindicação de propriedade, a todos os títulos abusiva, o barco era aquele de que ela tinha gostado, simplesmente. Parece uma caravela, disse o homem, Mais ou menos, concordou o capitão, no princípio era uma caravela, depois passou por arranjos e adaptações que a modificaram um bocado, Mas continua a ser uma caravela, Sim, no conjunto conserva o antigo ar, E tem mastros e velas, Quando se vai procurar ilhas desconhecidas, é o mais recomendável. A mulher da limpeza não se conteve, Para mim não quero outro, Quem és tu, perguntou o homem, Não te lembras de mim, Não tenho idéia, Sou a mulher da limpeza, Qual limpeza, A do palácio do rei, A que abria a porta das petições, Não havia outra, E por que não estás tu no palácio do rei a limpar e a abrir portas, Porque as portas que eu realmente queria já foram abertas e porque de hoje em diante só limparei barcos, Então estás decidida a ir comigo procurar a ilha desconhecida, Saí do palácio pela porta das decisões, Sendo assim, vai para a caravela, vê como está aquilo, depois do tempo que passou deve precisar de uma boa lavagem, e tem cuidado com as gaivotas, que não são de fiar, Não queres vir comigo conhecer o teu barco por dentro, Tu disseste que era teu, Desculpa, foi só porque gostei dele, Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar. O capitão do porto interrompeu a conversa, Tenho de entregar as chaves ao dono do barco, a um ou a outro, resolvam-se, a mim tanto se me dá, Os barcos têm chave, perguntou o homem, Para entrar, não, mas lá estão as arrecadações e os paióis, e a escrivaninha do comandante com o diário de bordo, Ela que se encarregue de tudo, eu vou recrutar a tripulação, disse o homem, e afastou-se.



A mulher da limpeza foi ao escritório do capitão para recolher as chaves, depois entrou no barco, duas coisas lhe valeram aí, a vassoura do palácio e a prevenção contra as gaivotas, ainda não tinha acabado de atravessar a prancha que ligava a amurada ao cais e já as malvadas estavam a precipitar-se sobre ela aos guinchos, furiosas, de goela aberta, como se ali mesmo a quisessem devorar. Não sabiam com quem se metiam. A mulher da limpeza pousou o balde, meteu as chaves no seio, firmou bem os pés na prancha, e, redemoinhando a vassoura como se fosse um espadão dos tempos antigos, fez debandar o bando assassino. Foi só quando entrou no barco que compreendeu a ira das gaivotas, havia ninhos por toda a parte, muitos deles abandonados, outros ainda com ovos, e uns poucos com gaivotinhos de bico aberto, à espera da comida, Pois sim, mas o melhor é mudarem-se daqui, um barco que vai procurar a ilha desconhecida não pode ter este aspecto, como se fosse um galinheiro, disse. Atirou para a água os ninhos vazios, quanto aos outros deixou-os ficar, até ver. Depois arregaçou as mangas e pôs-se a lavar a coberta. Quando acabou a dura tarefa, foi abrir o paiol das velas e procedeu a um exame minucioso do estado das costuras, depois de tanto tempo sem irem ao mar e sem terem de suportar os esticões saudáveis do vento. As velas são os músculos do barco, basta ver como incham quando se esforçam, mas, e isso mesmo sucede aos músculos, se não se lhes dá uso regularmente, abrandam, amolecem, perdem nervo, E as costuras são como os nervos das velas, pensou a mulher da limpeza, contente por estar a aprender tão depressa a arte de marinharia. Achou esgarçadas algumas bainhas, mas contentou-se com assinalá-las, uma vez que para este trabalho não podiam servir a linha e a agulha com que passajava as peúgas dos pajens antigamente, quer dizer, ainda ontem. Quanto aos outros paióis, viu logo que estavam vazios. Que o da pólvora estivesse desmunido, salvo uns pozinhos negros no fundo, que primeiro mais lhe pareceram caganitas de rato, não lhe importou nada, de facto não está escrito em nenhuma lei, pelo menos até onde a sabedoria duma mulher da limpeza é capaz de alcançar, que ir em busca duma ilha desconhecida tenha de ser forçosamente uma empresa de guerra. Já a ralou, e muito, a falta absoluta de munições de boca no paiol respectivo, não por si própria, que estava mais do que acostumada ao mau passadio do palácio, mas por causa do homem a quem deram este barco, não tarda que o sol se ponha, e ele a aparecer-me aí a clamar que tem fome, que é o dito de todos os homens mal entram em casa, como se só eles é que tivessem estômago e sofressem da necessidade de o encher, E se já traz marinheiros para a tripulação, que são uns ogres a comer, então é que não sei como nos iremos governar, disse a mulher da limpeza.



Não valia a pena ter-se preocupado tanto. O sol havia acabado de sumir-se no oceano quando o homem que tinha um barco surgiu no extremo do cais. Trazia um embrulho na mão, porém vinha sozinho e cabisbaixo. A mulher da limpeza foi esperá-lo à prancha, mas antes que ela abrisse a boca para se inteirar de como lhe tinha corrido o resto do dia, ele disse, Está descansada, trago aqui comida para os dois, E os marinheiros, perguntou ela, Não veio nenhum, como podes ver, Mas deixaste-os apalavrados, ao menos, tornou ela a perguntar, Disseram-me que já não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse, não iriam eles tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos barcos de carreira para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um impossível, como se ainda estivéssemos no tempo do mar tenebroso, E tu, que lhes respondeste, Que o mar é sempre tenebroso, E não lhes falaste da ilha desconhecida, Como poderia falar-lhes eu duma ilha desconhecida, se não a conheço, Mas tens a certeza de que ela existe, Tanta como a de ser tenebroso o mar, Neste momento, visto daqui, com aquela água cor de jade e o céu como um incêndio, de tenebroso não lhe encontro nada, É uma ilusão tua, também as ilhas às vezes parece que flutuam sobre as águas, e não é verdade, Que pensas fazer, se te falta a tripulação, Ainda não sei, Podíamos ficar a viver aqui, eu oferecia-me para lavar os barcos que vêm à doca, e tu, E eu, Tens com certeza um mester, um ofício, uma profissão, como agora se diz, Tenho, tive, terei se for preciso, mas quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és, O filósofo do rei, quando não tinha que fazer, ia sentar-se ao pé de mim, a ver-me passajar as peúgas dos pajens, e às vezes dava-lhe para filosofar, dizia que todo o homem é uma ilha, eu, como aquilo não era comigo, visto que sou mulher, não lhe dava importância, tu que achas, Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós, Se não saímos de nós próprios, queres tu dizer, Não é a mesma coisa. O incêndio do céu ia esmorecendo, a água arroxeou-se de repente, agora nem a mulher da limpeza duvidaria de que o mar é mesmo tenebroso, pelo menos a certas horas. Disse o homem, Deixemos as filosofias para o filósofo do rei, que para isso é que lhe pagam, agora vamos nós comer, mas a mulher não esteve de acordo, Primeiro, tens de ver o teu barco, só o conheces por fora, Que tal o encontraste, Há algumas bainhas das velas que estão a precisar de reforço, Desceste ao porão, encontraste água aberta, No fundo vê-se alguma, de mistura com o lastro, mas isso parece que é próprio, faz bem ao barco, Como foi que aprendeste essas coisas, Assim, Assim como, Como tu, quando disseste ao capitão do porto que aprenderias a navegar no mar, Ainda não estamos no mar, Mas já estamos na água, Sempre tive a idéia de que para a navegação só há dois mestres verdadeiros, um que é o mar, o outro que é o barco, E o céu, estás a esquecer-te do céu, Sim, claro, o céu, Os ventos, As nuvens, O céu, Sim, o céu.



Em menos de um quarto de hora tinham acabado a volta pelo barco, uma caravela, mesmo transformada, não dá para grandes passeios. É bonita, disse o homem, mas se eu não conseguir arranjar tripulantes suficientes para a manobra, terei de ir dizer ao rei que já não a quero, Perdes o ânimo logo à primeira contrariedade, A primeira contrariedade foi estar à espera do rei três dias, e não desisti, Se não encontrares marinheiros que queiram vir, cá nos arranjaremos os dois, Estás doida, duas pessoas sozinhas não seriam capazes de governar um barco destes, eu teria de estar sempre ao leme, e tu, nem vale a pena estar a explicar-te, é uma loucura, Depois veremos, agora vamos mas é comer. Subiram para o castelo de popa, o homem ainda a protestar contra o que chamara loucura, e, ali, a mulher da limpeza abriu o farnel que ele tinha trazido, um pão, queijo duro, de cabra, azeitonas, uma garrafa de vinho. A lua já estava meio palmo sobre o mar, as sombras da verga e do mastro grande vieram deitar-se-lhes aos pés. É realmente bonita a nossa caravela, disse a mulher, e emendou logo, A tua, a tua caravela, Desconfio que não o será por muito tempo, Navegues ou não navegues com ela, é tua, deu-ta o rei, Pedi-lha para ir procurar uma ilha desconhecida, Mas estas coisas não se fazem do pé para a mão, levam o seu tempo, já o meu avô dizia que quem vai ao mar avia-se em terra, e mais não era ele marinheiro, Sem tripulantes não poderemos navegar, Já o tinhas dito, E há que abastecer o barco das mil coisas necessárias a uma viagem como esta, que não se sabe aonde nos levará, Evidentemente, e depois teremos de esperar que seja a boa estação, e sair com a boa maré, e vir gente ao cais a desejar-nos boa viagem, Estás a rir-te de mim, Nunca me riria de quem me fez sair pela porta das decisões, Desculpa-me, E não tornarei a passar por ela, suceda o que suceder. O luar iluminava em cheio a cara da mulher da limpeza, É bonita, realmente é bonita, pensou o homem, que desta vez não estava a referir-se à caravela. A mulher, essa, não pensou nada, devia ter pensado tudo durante aqueles três dias, quando entreabria de vez em quando a porta para ver se aquele ainda continuava lá fora, à espera. Não sobrou migalha de pão ou de queijo, nem gota de vinho, os caroços das azeitonas foram atirados para a água, o chão está tão limpo como ficara quando a mulher da limpeza lhe passou por cima o último esfregão. A sereia de um paquete que saía para o mar soltou um ronco potente, como deviam ter sido os do leviatã, e a mulher disse, Quando for a nossa vez faremos menos barulho. Apesar de estarem no interior da doca, a água ondulou um pouco à passagem do paquete, e o homem disse, Mas baloiçaremos muito mais. Riram os dois, depois ficaram calados, passado um bocado um deles opinou que o melhor seria irem dormir, Não é que eu tenha muito sono, e o outro concordou, Nem eu, depois calaram-se outra vez, a lua subiu e continuou a subir, em certa altura a mulher disse, Há beliches lá em baixo, o homem disse, Sim, e foi então que se levantaram, que desceram à coberta, aí a mulher disse, Até amanhã, eu vou para este lado, e o homem respondeu, E eu vou para este, até amanhã, não disseram bombordo nem estibordo, decerto por estarem ainda a praticar na arte. A mulher voltou atrás, Tinha-me esquecido, tirou do bolso do avental dois cotos de vela, Encontrei-os quando andava a limpar, o que não tenho é fósforos, Eu tenho, disse o homem. Ela segurou as velas, uma em cada mão, ele acendeu um fósforo, depois, abrigando a chama sob a cúpula dos dedos curvados, levou-a com todo o cuidado aos velhos pavios, a luz pegou, cresceu lentamente como faz o luar, banhou a cara da mulher da limpeza, nem seria preciso dizer o que ele pensou, É bonita, mas o que ela pensou, sim, Vê-se bem que só tem olhos para a ilha desconhecida, aqui está como as pessoas se enganam nos sentidos do olhar, sobretudo ao princípio. Ela entregou-lhe uma vela, disse, Até amanhã, dorme bem, ele quis dizer o mesmo doutra maneira, Que tenhas sonhos felizes, foi a frase que lhe saiu, daqui a pouco, quando lá estiver em baixo, deitado no seu beliche, vir-lhe-ão à ideia outras frases, mais espirituosas, sobretudo mais insinuantes, como se espera que sejam as de um homem quando está a sós com uma mulher. Perguntava-se se já dormiria, se teria tardado a entrar no sono, depois imaginou que andava à procura dela e não a encontrava em nenhum sítio, que estavam perdidos os dois num barco enorme, o sonho é um prestidigitador hábil, muda as proporções das coisas e as suas distâncias, separa ás pessoas, e elas estão juntas, reúne-as, e quase não se vêem uma à outra, a mulher dorme a poucos metros e ele não soube como alcançá-la, quando é tão fácil ir de bombordo a estibordo.



Tinha-lhe desejado felizes sonhos, mas foi ele quem levou toda a noite a sonhar. Sonhou que a sua caravela ia no mar alto, com as três velas triangulares gloriosamente enfunadas, abrindo caminho sobre as ondas, enquanto ele manejava a roda do leme e a tripulação descansava à sombra. Não percebia como podiam ali estar os marinheiros que no porto e na cidade se tinham recusado a embarcar com ele para ir à procura da ilha desconhecida, provavelmente arrependeram-se da grosseira ironia com que o haviam tratado. Via animais espalhados pela coberta, patos, coelhos, galinhas, o habitual da criação doméstica, debicando os grãos de milho ou roendo as folhas de couve que um marinheiro lhes atirava, não se lembrava de quando os tinha trazido para o barco, fosse como fosse era natural que ali estivessem, imaginemos que a ilha desconhecida é, como tantas vezes o foi no passado, uma ilha deserta, o melhor será jogar pelo seguro, todos sabemos que abrir a porta da coelheira e agarrar um coelho pelas orelhas sempre foi mais fácil do que persegui-lo por montes e vales. Do fundo do porão veio agora um coro de relinchos de cavalos, de mugidos de bois, de zurros de asnos, as vozes dos nobres animais necessários para o trabalho pesado, e como foi que vieram eles, como podem estar numa caravela onde a tripulação humana mal cabe, de súbito o vento deu uma guinada, a vela maior bateu e ondulou, por trás dela estava o que antes não se vira, um grupo de mulheres que mesmo sem as contar se adivinha serem tantas quantos os marinheiros, ocupam-se nas suas coisas de mulheres, ainda não chegou o tempo de se ocuparem doutras, está claro que isto só pode ser um sonho, na vida real nunca se viajou assim. O homem do leme buscou com os olhos a mulher da limpeza e não a viu, Talvez esteja no beliche de estibordo, a descansar da lavagem da coberta, pensou, mas foi um pensar fingido, porque ele bem sabe, embora também não saiba como o sabe, que ela à última hora não quis vir, que saltou para o cais, dizendo de lá, Adeus, adeus, já que só tens olhos para a ilha desconhecida, vou-me embora, e não era verdade, agora mesmo andam os olhos dele a procurá-la e não a encontram. Neste momento o céu cobriu-se e começou a chover, e, tendo chovido, principiaram a brotar inúmeras plantas das fileiras de sacos de terra alinhadas ao longo da amurada, não estão ali porque se suspeite que não haja terra bastante na ilha desconhecida, mas porque assim se ganhará tempo, no dia em que lá chegarmos só teremos que transplantar as árvores de fruto, semear os grãos das pequenas searas que vão amadurecer aqui, enfeitar os canteiros com as flores que desabrocharão destes botões. O homem do leme pergunta aos marinheiros que descansam na coberta se avistam alguma ilha desabitada, e eles respondem que não vêem nem de umas nem das outras, mas que estão a pensar em desembarcar na primeira terra povoada que lhes apareça, desde que haja lá um porto onde fundear, uma taberna onde beber e uma cama onde folgar, que aqui não se pode, com toda esta gente junta. E a ilha desconhecida, perguntou o homem do leme, A ilha desconhecida é coisa que não existe, não passa duma ideia da tua cabeça, os geógrafos do rei foram ver nos mapas e declararam que ilhas por conhecer é coisa que se acabou desde há muito tempo, Devíeis ter ficado na cidade, em lugar de vir atrapalhar-me a navegação, Andávamos à procura de um sítio melhor para viver e resolvemos aproveitar a tua viagem, Não sois marinheiros, Nunca o fomos, Sozinho, não serei capaz de governar o barco, Pensasses nisso antes de ir pedi-lo ao rei, o mar não ensina a navegar. Então o homem do leme viu uma terra ao longe e quis passar adiante, fazer de conta que ela era a miragem de uma outra terra, uma imagem que tivesse vindo do outro lado do mundo pelo espaço, mas os homens que nunca haviam sido marinheiros protestaram, disseram que ali mesmo é que queriam desembarcar, Esta é uma ilha do mapa, gritaram, matar-te-emos se não nos levares lá. Então, por si mesma, a caravela virou a proa em direcção à terra, entrou no porto e foi encostar à muralha da doca, Podeis ir-vos, disse o homem do leme, acto contínuo saíram em correnteza, primeiro as mulheres, depois os homens, mas não foram sozinhos, levaram com eles os patos, os coelhos e as galinhas, levaram os bois, os burros e os cavalos, e até as gaivotas, uma após outra, levantaram voo e se foram do barco transportando no bico os seus gaivotinhos, proeza que não tinha sido cometida antes, mas há sempre uma vez. O homem do leme assistiu à debandada em silêncio, não fez nada para reter os que o abandonavam, ao menos tinham-no deixado com as árvores, os trigos e as flores, com as trepadeiras que se enrolavam nos mastros e pendiam da amurada como festões. Por causa do atropelo da saída haviam-se rompido e derramado os sacos de terra, de modo que a coberta era toda ela como um campo lavrado e semeado, só falta que venha um pouco mais de chuva para que seja um bom ano agrícola. Desde que a viagem à ilha desconhecida começou que não se vê o homem do leme comer, deve ser porque está a sonhar, apenas a sonhar, e se no sonho lhe apetecesse um pedaço de pão ou uma maçã, seria um puro invento, nada mais. As raízes das árvores já estão penetrando no cavername, não tarda que estas velas içadas deixem de ser precisas, bastará que o vento sopre nas copas e vá encaminhando a caravela ao seu destino. É uma floresta que navega e se balanceia sobre as ondas, uma floresta onde, sem saber-se como, começaram a cantar pássaros, deviam estar escondidos por aí e de repente decidiram sair à luz, talvez porque a seara já esteja madura e é preciso ceifá-la. Então o homem trancou a roda do leme e desceu ao campo com a foice na mão, e foi quando tinha cortado as primeiras espigas que viu uma sombra ao lado da sua sombra. Acordou abraçado à mulher da limpeza, e ela a ele, confundidos os corpos, confundidos os beliches, que não se sabe se este é o de bombordo ou o de estibordo. Depois, mal o sol acabou de nascer, o homem e a mulher foram pintar na proa do barco, de um lado e do outro, em letras brancas, o nome que ainda faltava dar à caravela. Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Carlos Gardel - Misa de Once

U2 - Bloody Sunday

CANÇÃO

quando você passar

por esta praia em qualquer

barco leve a canção

em que te aguardo



depois de ter partido

apenas antes para o mesmo

luar em que nunca

nos encontraremos



você sabe que esperarei o quanto for

preciso para tocar o interior de seus sentidos



deixe-me tecer o seu dia

inteiro com as cordas da minha

inédita noite a aquecer

a aridez pelo mar



quando você passar

a canção

Yuri Miyamura

terça-feira, 15 de junho de 2010

Angústias

Perder o nunca tido,

isso tenho perdido.

Areias, dedos, firo,

Faro, fúria, ímpeto.

Fera envolta em linho.

Feroz, em desalinho.

Choro, quando brinco.

Brinca, meu destino.



Brinca, o que há de ser,

sem ser tudo, brinca.

Brinca o desdizer.

Brinca o revelado.

Brincando, o clandestino,

lábio inflamado.

Brinca, o que não é,

pinçado entre as sombras,

caminho não nomeado,

futuro assombra,

segundos antes, de ser passado.



Julio Almada, Livro dos Silêncios

Testemunha

O Mar é o manto

Do choro lento

Do leve pranto

Da dor do tempo.



Julio Almada, Hora tenaz

Borboletas

Após a convulsão de corpos, feitos estrelas e redemoinhos, muito se perdeu: ou melhor: muito se deu por perdido: Um par de brincos não localizado na escuridão e nem depois do acender de todas as possíveis luzes: Perdidos ou escondendo-se. Imbuídos do desejo de poder decidir sobre seu destino: Permanecer entre os lençóis, viciados de carícias e lascívia, tornados portos de incineração da angústia. Borboletas: Pensei: As flores que voam sempre povoam nossa imaginação. Pensei havê-las visto: estilizadas nas femininas orelhas da mulher que amei. Ontem: Sexta-feira: Sepulcro da semana: os encontrei: Um par de brincos: borboletas? Não: laçarotes com pedras incrustadas. Adorno de um presente: o corpo dela amealhado a falta do meu.



Julio Almada, Caderno de Ontem

Asfixia

Versificar é moer o grito


Do não sonoro com as mãos do ouvido


Estender a presa respiração e


O suspiro




O desenho




Invade a tesoura do infinito.


Júlio Almada
Explica estrelas: sacia sedes: defende orvalhos: apascenta lobos: louva gostos: acaricia farpas: grita: geme: reflete: sangra: anuncia: bebe estrelas: sabe de saudades: verte cheiros doces: trança alvoradas e ocasos: grita o grito dos calados: engendra o erro dos sábios: afia o consolo dos caminhos: desenha o verbo das folhas do outono: invade a casa do impreciso: embebe de prazer o constante: inflama a flor dos campos: corrói a erva-daninha: raspa o segredo da lua: planta flores em seu corpo: diverte-se com o silêncio: fala a língua nascitura: bebe a ousadia das eras: desenha a flor da morte prenunciada: conversa primaveras, outonos, invernos, verões e verossimilhanças. Beija tempos e fatos inverossímeis: verbo, adjetivo e substantiva o desconhecido: ignora último e primeiro: legisla com a memória a dor de seu tempo: entende de titubeios e escândalos: queima desenganos: abre euforias: beija amanheceres. Delícia: corta o desvanecimento da virtude: aplaca o vício do vício: constrói o desprover, só de despedidas: extermina a solidão e a encurrala: descobre a casa das estrelas: ama o amor do tempo infinito: ensina a paixão dos redemoinhos: desaparece.



Julio Almada, Caderno de Ontem

Coragem, Ana !

perambulei


até

encontrar

um

lugar

onde

eu

pudesse

vomitar

minha

poesia

pagã





coragem, ana!,



que o sal que pinga nas lágrimas de quem tem fome

é mais salgado que os mares do mundo



nada melhor que a sujeira de muitos dias

as folhas e a terra confundindo os cabelos

as pernas cansadas e cada vez mais rígidas

o topo do mundo é debaixo dos galhos



suor escorre

pra unir as pregas do corpo

qualquer que seja o dia da semana

o sol não cede

esse é o preço de viver na brasa

cuidado com os pés, rapaz!

não faz muito tempo que o fogo apagou

não tem muito jeito de viver aqui



de noite tem sempre um barulho no meio do nada

um grito de ódio

um latido de cachorro

um estouro de cano de fusca

há sempre uma palavra rara que nos salta a boca como refluxo

há sempre uma tristeza rala que nos corta as tripas, que nos corta os pulsos



com o tempo, parei de zombar desgraças

evaporou-me o interesse



lá vai a bola

que cai na caixa

que tomba n’água

que cresce em onda

que leva o polvo

que aporta em terra

que cobre a vala

que guarda o morto

que não faz nada



faltam 10 anos para a minha morte súbita

faltam 10 vozes, 10 graves diferentes

sempre me faltarão cartas

sempre me faltarão filhos

e daqui a 10 anos

não me faltará mais nada

morrerei sem saber o que me acontece

do lado, uma cartela colorida

na mente, nada mais que desconexões

faltam 10 anos, meu bem

que eles sejam bem vividos

que eu encarne muitas janis

muitas, muitas, muitas vezes

faltam 10 anos

e eu prometo que não vou chorar



eu fui uma criança que sempre quis muito pular

mas eu não pulava alto nem bonito

só muito



muito


é que me atormenta o fim das coisas



* * *

Ana F. tem 19 anos,é libriana e escreve desde criança.Morou em Mateus Leme até recentemente, quando se mudou para Belo Horizonte para cursar biologia na UFMG. Publica exercícios de poesia no Blog: http://www.ornitorrincodefenestrado.blogspot.com/

E-mail: ornitorrincomendes@gmail.com

Fonte:Cronópios

Mozart Ave Verum Corpus por Leonard Bernstein

Měsíčku no nebi hlubokém (Canção à Lua)

Renée Fleming


Antonín Dvořák. Opera Rusalka.


Czech:



Měsíčku no nebi hlubokém,

světlo tvé daleko vidí,

po světě bloudíš širokém,

díváš se v příbytky lidí.

Měsíčku, postůj chvíli,

řekni mi, kde je můj milý!

Řekni mu, stříbrný měsíčku,

mé že jej objímá rámě,

aby si alespoň chviličku

vzpomenul ve snění no mne.

Zasvit mu do daleka,

řekni mu, kdo tu naň čeká!

O mně-li duše lidská sní,

af se tou vzpomínkou vzbudí!

Měsíčku, nezhasni, nezhasni!



Español:



Luna, que con tu luz iluminas todo

desde las profundidades del cielo

y vagas por la superficie de la tierra

bañando con tu mirada el hogar de los hombres.

¡Luna, detente un momento

y dime dónde se encuentra mi amor!

Dile, luna plateada,

que es mi brazo quien lo estrecha,

para que se acuerde de mí

al menos un instante.

¡Búscalo por el vasto mundo

y dile, dile que lo espero aquí!

Y si soy yo con quien su alma sueña

que este pensamiento lo despierte.

¡Luna, no te vayas, no te vayas!



English:



Silver moon upon the deep dark sky,

Through the vast night pierce your rays.

This sleeping world you wonder by,

Smiling on men’s homes and ways.

Oh moon ere past you glide, tell me,

Tell me, oh where does my loved one bide?

Tell him, oh tell him, my silver moon,

Mine are the arms that shall hold him,

That between waking and sleeping

Think of the love that enfolds him.

May between waking and sleeping

Think of the love that enfolds him.

Light his path far away, light his path,

Tell him, oh tell him who does for him stay!

Human soul, should it dream of me,

Let my memory wakened be.

Moon, oh moon, oh do not wane, do not wane,

Moon, oh moon, do not wane

Renée Fleming - Song to the Moon with Lyrics

domingo, 13 de junho de 2010

Persepolis - Oscar Nominee Best Animation

“It’s my body”

“Era-se um tempo em que a Barbie nem podia dobrar

os joelhos”, eu falo para minhas sobrinhas Kerri e Katie

que sentam na minha frente no chão da sala

desta América de colarinho azul e rosa. Estão abrochando as minúsculas

calças de courino

nas suas Barbies Roqueiras

e grandes guitarras pretas

sobre seus ossudos quadris de relâmpago. Katie me entrega

sua boneca porque precisa da minha ajuda

com os pequenos botões que serpenteiam nas costas

da blusinha tomara que caia da Barbie. “Minha primeira Barbie

nem podia mover a cintura”. Eu estou falando como alguém

que já vivesse o suficiente

para ver mudanças significativas. Minhas sobrinhas

estão de costas para a TV que parece estar sempre ligada,

onde eu estiver. E atrás de suas cabecinhas

loiras inocentes, Jessica Hahn

faz uma aparência-relâmpago num vídeo da MTV.

Ela roda como uma sexy bola de pinball ,

e tenta desesperadamente sair de uma jaula côncava.

“O corpo é meu”, recentemente ouvi ela dizer

numa entrevista matinal na TV. Ela começou

justificando suas fotos nuas na Playboy.

“O corpo é meu”, ela repete

como uma boneca Chatty Cathy

com um disco arranhado enfiado nas costas.

“O corpo é meu”, ela começava a responder

a toda e qualquer pergunta do entrevistador –

onde ela cresceu, se ainda vai à igreja.

“O corpo é meu?”

Ainda assim as palavras eram as mesmas,

mas quanto mais acusações, mais mudavam

suas inflexões. Jessica olhava para além

do set onde alguém lhe parecia estar dando

pistas. Meu namorado dava risada.

“Que tal pôr um pouco de convicção nisso, Jessica?”,

ele falava para a TV. Então, tentando estimular

mais a conversa, ele me dizia, “Olha, meu bem,

ela nem parece saber se o corpo é seu

ou não!” Ele tinha razão

mas sabia enquanto o colocava

que tinha escolhido as palavras erradas.

Eu tinha bebido muito café. Encontrei-me

defendendo Jessica energicamente,

culpando sua desorientação

como resposta a nossa sociedade misógina –

o deslocamento que todas as mulheres sentem

do seu eu corporal.

E depois com todas essas teorias que eu vinha lendo!

Ele foi trabalhar mais ou menos concordando

mas dizia também que o tinha deixado exaurido.

E agora minha irmã me culpa da mesma coisa

porque assinalo para Katie que ela está errada

ao pensar que só meninos devem sujar-se

e só meninas usarem brincos.

“As pessoas devem fazer qualquer coisa que desejarem”.

Discorro sobre minha amiga que usa capacete

quando vai ao trabalho onde mexe

com eletricidade igual seu pai.

Katie brinca com seus cadarços

e pede suquinho. Minha irmã diz,

“Deixe ela em paz. Nem entrou no primário ainda”.

Kerri, a maior, se concentra, tentando

passar um grande pente para humanos

no cabelo sintético cheio de gel

da boneca. Por tanta força que exige desemaranhá-lo

de repente, sem querer, sai a cabeça da Barbie,

e uma menor, sem rosto, suporte apenas,

emerge do pescoço. Por um instante

nós todas – dois pares de irmãs, com um

intervalo de vinte anos – compartimos a epifania

sobre Mattel: lavagem cerebral, pedaço de plástico

que nos diz quem Barbie é. Mas logo

o rosto de Kerri é todo pânico, como esperando um castigo.

As lágrimas despontam no canto dos seus olhos.

Faço um resgate rápido,

enfiando a cabecinha moldada

de novo no corpo, seus traços maleáveis

se distorcendo sob meu polegar. Apesar de boneca adulta,

sua moleira ainda está aberta. Sob a pressão

do meu toque, seu rosto esmaga, como alguém

que se olha na casa dos espelhos.

Mas ao soltá-la, ela imediatamente volta,

o sorrisinho educado, o nariz perfeito

e pronta para pôr tudo em seu lugar:

a Barbie pertence à América -

metade vítima, metade pequeno soldado

cor-de-rosa



“It’s my body”
(Orchises Press, 1997)
Tradução: Miriam Adelman
Revisão: Sabrina Lopes.

Alexander Petrov - My Love parte 1

Destino Manifesto

Nas Filipinas

as trabalhadoras das fábricas

de bonecas de moda

recebem um bônus em dinheiro

se se esterilizam. Nas esteiras,

rodam com excesso de velocidade

pedaços de corpos.

Nada a ver com o famoso episódio da tv

quando Lucy e Ethel experimentam

um dia de trabalho, botando chocolates dentro de caixas

numa linha de produção nos Estados Unidos. Elas

enchem suas bocas com uma boa parte

dos doces que vêm velozmente, dão risadas

de baba marrom quando são despedidas porque

realmente não tem importância –

Ricky e Fred têm bons empregos.

Para provar que são eles mesmos

os que devem trabalhar,

os garotos fazem uma bagunça na cozinha

da Lucy, uma panela de arroz explodindo

como um vulcão branco. As mulheres

nas Filipinas e noutros lugares ponderam

o big business, os benefícios de descontinuar

a própria linhagem. Nos seus sonhos

estas mulheres embalam úteros de Toys R Us

enquanto uma Barbie estéril, seu cabelo preso

sob um capacete de Lucite, finca a bandeira da Mattel

numa lua que pouco convence.



Denise Duhamel -Sibila
[do livro KINKY],
tradução Miriam Adelman

sábado, 12 de junho de 2010

Dostoievski - Alexander Petrov - El sueño de un hombre ridiculo part2

Last Anime from Koji Yamamura

Comi ela.

Comi ela.


Lágrimas correram.



Não gostei, mas comi.



Quando a vi



pisquei e decidi



vo pegá ela.



Disfarcei,



andei pra lá



andei pra cá.



Quando não havia



ninguém à vista



me acheguei



me abaixei



me estiquei todo.


Após tanto esforço



peguei ela



e comi ela.


Inteira.


A última cebola



do canteiro da vizinha velha



da prima da minha tia


que eu tava visitando.



Deisi Perin
po&teias

Masters of Russian Animation / Alexander Petrov - Rusalka [1996]

Espero...

Espero...


o que não vem.

De longe quero

o que de perto escondo.

Sentimento doído,

grito calado.

Ausência.

Só sofre

quem por amor

( ou sem ele )

morreria
.
Deisi Perin

Radetzky_Concerto Vienna 2007 - Wien New Year Concert 2007

Rusalka (1975) - Celý svět nedá ti, nedá + Květiny bílé

Psique reanimada pelo beijo do Amor

A ARTE DE AMAR



Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.

A alma é que estraga o amor.

Só em Deus ela pode encontrar satisfação.

Não noutra alma.

Só em Deus – ou fora do mundo.



As almas são incomunicáveis.



Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.



Manuel Bandeira

Tango Jalousie - Ning Kam & The Danish Chamber Players

Grau

sorte sua,

a minha

hipermetropia.

por conta disso,

de perto,

nunca enxerguei

direito

seus defeitos.



Lúcia Gönczy

Morre o “Samurai da sombra” da literatura brasileira

Por Ricardo Peruchi



Faleceu nesta madrugada o editor de livros Massao Ohno aos 74 anos. Responsável pelo lançamento de várias gerações de autores, principalmente poetas, Ohno atuou quase sempre como uma pequena editora independente, muito mais como um artista do livro do que como empresário. Foi considerado por especialistas, como o bibliófilo José Mindlin, como um dos principais designers de livro do Brasil, tendo inovado em formatos, uso de papéis e cortes especiais e introduzido no país elementos gráficos das escolas polonesa e oriental, algumas de suas influências, em trabalho meticuloso e artesanal.



Começou a Editora Massao Ohno em meados da década de 50, dando forma inicialmente a apostilas e títulos didáticos destinados a estudantes de cursinhos pré-vestibulares, especialmente o Anglo. Trabalhava para quem podia pagar e financiava os jovens talentos do próprio bolso a fundo perdido. Lançou em 1960 a “Antologia dos novíssimos”, uma das mais importantes coletâneas de novos poetas da História da Literatura Brasileira.



Revelou nomes como Roberto Piva, Cláudio Willer, Jorge Mautner, Renata Pallottini, Carlos Vogt, Cunha Lima, Celso Luís Paulini, Paulo del Greco, Carlos Felipe Moisés, Eduardo Alves da Costa, dentre muitos outros. Foi também o principal editor da carreira de Hilda Hilst. Quando todos os grandes editores se recusaram a publicá-la em sua dita “fase erótica” – ou “pornográfica”, para alguns – temerosos da polêmica, novamente foi Massao quem mandou imprimir sob seu selo “O Caderno Rosa de Lory Lambi”, que deu novo fôlego à trajetória da autora. Calcula-se que Massao tenha editado mais de mil livros ao todo, a maioria esgotados e hoje itens de colecionador.



Filho de japoneses, formado em odontologia, profissão que nunca chegou a exercer, dedicou toda sua carreira às letras, mas militou também no cinema, tendo co-produzido filmes como “Viagem ao fim do mundo” (1967), de Fernando Coni Campos, e “O bandido da luz vermelha” (1968), de Rogério Sganzerla.



O que disseram sobre Massao Ohno



“É um samurai da sombra.”



Antonio Fernando De Franceschi, poeta.



“Trabalhador do invisível, luminoso nissei, esbelto que, nas horas vagas, seduzia as poetas da nossa juventude, bebedor de uísque e filósofo oriental.”



Renata Pallottini, poeta e dramaturga.



“É talvez o maior editor desorganizado que melhor contribuiu para organizar a poesia brasileira jovem durante pelo menos três décadas.”



Carlos Vogt, poeta e acadêmico.



“Falar de Massao só será possível na linguagem da poesia. É um poeta dos livros, um monge que dedicou sua vida a isto. Publicou a Antologia dos novíssimos, em 1960, na velha prensa da rua Vergueiro. Ele está aí nesse meio como um Dom Quixote a combater a miséria de um tempo feito quase só de angústias.”



Álvaro Alves de Faria, poeta e romancista.



“Ele terá sido um dos poucos que, ao decidir uma edição, não levava em conta se ela seria vendável ou não. (…) Sua obra editorial, no entanto, permanecerá.”



José Mindlin



Fonte: Instituto Moreira Salles

terça-feira, 8 de junho de 2010

Madeleine Peyroux - Don't Wait Too Long

Enrique Vila-Matas

Carlos Fuentes

Eduardo Galeano, conferencia en Porto Alegre

Carmen Posadas encanto y Literatura

Vaivém

Vai…



Espaço curvo e finito



Oculta consciência de não ser,

Ou de ser num estar que me transcende,

Numa rede de presenças e ausências,

Numa fuga para o ponto de partida:

Um perto que é tão longe, um longe aqui.

Uma ânsia de estar e de temer

A semente que de ser se surpreende,

As pedras que repetem as cadências

Da onda sempre nova e repetida

Que neste espaço curvo vem de ti.



(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)



…Vem



Sublimemos, amor. Assim as flores

No jardim não morreram se o perfume

No cristal da essência se defende.

Passemos nós as provas, os ardores:

Não caldeiam instintos sem o lume

Nem o secreto aroma que rescende.



José Saramago, in “Os Poemas Possíveis”

segunda-feira, 7 de junho de 2010

sábado, 5 de junho de 2010

Tango tinto

No exílio do quarto escuro,

Tragando spleens de Baudelaire,

Entre três tangos e dois tintos

Redescubro meu lado impuro,

Amaldiçoado, sórdido, porém — por que não? — distinto!

Ora, sou caído, não minto...

A Decadência, velha rota, sem dentes,

Me diverte, pulando saltos frementes,

Tangueando, bêbada, só e torta...

Cambaleia a doida (coitada...) e ri, indecente...

Maldito sou! (a natureza condena)

Pois bem! Dancemos, bela bêbada velha!

Tornemos mais rota e impura a cena,

Sangremos de tinto a tela imperfeita,

Bailemos, para levarmos à Noite a cor vermelha!


Ricardo Ruiz


E-Mail: ruiz777@brturbo.com

fonte: Releituras

Gabriel García Márquez (El oficio de escritor)

Buddenbrooks /Thomas-Mann-Verfilmung

- do livro artesanal - cigarras no apocalipse:
pelo dia mundial do meio ambiente...


*


Decreto:

Proibido derrubar
qualquer árvore


(exceto para
construir
berços
e violinos)
Bárbara Lia

Poemas de P. P. Pasolini

Nella notte una precoce pioggia profuma

le insonni felicità dell’ esistenza.



Na noite uma precoce chuva perfuma

as insones felicidades da existência.



*



Bisogna bruciare per arrivare

consumati all’ ultimo fuoco.



E preciso queimar para chegar

consumidos ao derradeiro fogo


tradução: Berenice Lamas
fonte: Sibila

Prokofiev - Alexander Nevsky - Russia Under The Mongolian Yoke

Nome

O homem agiu sem dúvida. Nascida a primeira filha, sem consultar a mulher, partiu para o cartório já com o pensamento obstinado a inaugurar um nome que, faltando alcance geral para torná-lo algo como uma linhagem, seria ao menos causa de admiração pela beleza e ineditismo. Assinatura. Nasceu Assinatura apesar dos esforços escrivãos em dissuadir o pai. Uma ameaça calou mais que mil palavras e imprimiu a certidão com um sêlo, muito a contragosto.



Já a mulher se acostumara ao jeito do marido. na segunda gravidez acompanhava aquele remoejo de boca à elaboração do nome do filho ou filha, cujo segredo o pai impunha, ao calar com um simples olhar as investidas da mulher em torno do desejo de um nome. Ela, a mãe, não tinha direito ao nome já que tinha ao feto; calava-se.



A mesma história se repete. Do hospital, assim que vê a criança, examina-lhe a saúde, a normalidade, o sexo e dirige-se ao cartório. Dessa vez batizou Rubrica. O mesmo escrivão flexibilizou-se perante à logica das escolhas; balbuciou uns prós e contras, mas a repelência das lembranças deu causa ganha ao registrante.



E assim, ali estavam as duas certidões. Assinatura e Rubrica, como irmãs na carne, unidas pelo sobrenome comum, exercendo um forte laço e significado entre ambas. Mais que isso, faziam às vezes a representação uma da outra, papel este mais recorrente à Rubrica.



A terceira gravidez não foi adiante. A criança, um menino. Para frustração do pai, que não pode repassar seu legado. Que aliás, poderia não ser para o filho algo a que pudesse assumir. Afinal, quem seria ele de fato sendo Pseudônimo?
 
Maria José de Menezes

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Billie Holiday - Gloomy Sunday

Kronos Quartet - Lux Aeterna (Live 2008)

uma flor

não longe da noite

meu corpo mudo

se abre

à delicada urgência do sereno

Alejandra Pizarnik

Nessun Dorma- Franco Corelli

na hora da morte
quando tudo é tristeza
me entrego à minha sorte//
nenhuma certeza
só, em silêncio
choro lágrimas de beleza

Thadeu W

terça-feira, 1 de junho de 2010

'O escritor decidiu desvendar o mundo  e especialmente o homem para os outros homens,
 a fim de que estes assumam em face do objeto , assim posto a nu, a sua inteira responsabilidade "
 Jean- Paul Sartre

Parsifal

Delírio

Busco a canção que me toque

Desfaço prosaísmos e cálculos

Para rebentar em tuas salinas

O delírio de jabuticabas e abelhas

Tua língua desce

Infiltra-se no caminho da solidão

Vagueio no sombrio de teus medos

A canção afina enleios

procuro-te nos íntimos

Olhares estilhaçam manhãs

Cida Sepulveda
do livro Fronteiras – Poemas de Cida Sepulveda – editora Pontes

TODOS NECESITAMOS

Todos debemos alguna vez, creer

En el poder de los sueños

Que de un amor, somos dueños

Y que es posible, un mundo mejor.



Todos, debemos a menudo, creer

En la alegría. Esa fuerza que mitiga

Todo dolor, cualquier carga

Y abre puertas a alternativas

Menos amargas, más perfectas.



Todos, debemos alguna vez, creer,

En algo superior

En un Poder, capaz de derrotar el odio

En una fuerza, que diluya la amargura

E ilumine toda alma, ensombrecida.



Todos debemos a menudo, creer

En lo posible de conectarnos

A un universo sublime,

Que es creativo, que inspira

Mostrándonos lo mejor, de la vida.



Todos debemos alguna vez, creer

En el poder de nuestros sueños

Capaces de concretarse, en utopías.



Todos debemos a menudo, creer

En la magia de la vida.

Todos debemos siempre, creer

En el poder del amor.



Emilia Olivera 29/05/10
fonte: elfausto