sábado, 31 de outubro de 2009

Corsi di Formazione

Humano

Agora,

não igual aos instantaneos

amarelecidos

que fixaram o já visto, sou.




Sagrado & obsceno

Obscuro & sereno, em Si.


Ricardo Pozzo
pó&teias

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Informes Culturais Aedos

São tempos difíceis os que vivemos hoje no mundo. Difíceis não só em termos econômicos, mas vivemos tempos de intolerância e discriminação. Agora há pouco, uma Conferência das Nações Unidas para discutir o tema do racismo foi previamente boicotada por dez países, entre eles os Estados Unidos, que têm pela primeira vez um negro de pai muçulmano na sua presidência.
O mercado editorial brasileiro, nem de longe, reflete a pujança e a força da comunidade árabe existente no Brasil. Dados de censos passados afirmam existir no país, desde a primeira geração de migrantes ainda vivo até seus filhos e neto, algo em torno 13 milhões de brasileiros – ou ainda mais – aqui nascidos ou naturalizados e emigrados, que possuem um dos seus sobrenomes árabes (em torno de 8% da população). É mais do que o triplo da população do Líbano.
Existem muitas definições sobre o significado do que vem a ser “árabe”. A que mais gosto é uma que fala em pessoa nascida ou não em país árabe, mas que preza e cultua o que foi a grande civilização árabe-muçulmana, de seus feitos e realizações, criada a partir do século VII, fundada por Muhammad, mais conhecido o Ocidente por Maomé.
Talvez considerando esse passado glorioso e a imensa lacuna editorial é que os brasileiros poderão agora ter acesso ao livro Islã: esse desconhecido. Escrito pelo sociólogo, advogado e procurador de justiça aposentado, Samuel Salinas, essa obra tem tudo para vir a ser uma obra de referência. Ela resgata os valores, a cultura, a ciência de uma das mais adiantadas civilizações que já existiram em nosso planeta. Como disseram de formas distintas e em momentos diferentes, o vigoroso historiador inglês Arnold Toynbee e o sociólogo e médico francês Dr. Gustave Le Bon, não há que se falar bem de nenhum império. Eles sempre ocupam povos e territórios, tentam impor suas culturas e suas línguas. Mas, se pudéssemos tentar achar o menos ruim de todos eles, seguramente este seria o império árabe-muçulmano.
A chamada “Era Bush” chegou ao fim em 20 de janeiro deste ano. No momento em que escrevemos este prefácio, o novo presidente Barak Hussein Obama – que tomou medidas positivas e interessantes em várias áreas – ainda não mostrou a que veio com relação ao Oriente Médio, onde moram, nos 23 países árabes – considerando a Palestina que inexiste ainda no mapa – quase 400 milhões de árabe, dos quais mais de 90% são muçulmanos.
A mídia como um todo e mesmo a indústria cultural e cinematográfica ainda vê com um imenso preconceito e de forma estigmatizada, não só os árabes em geral, como os muçulmanos em particular. Nomes de origem árabe e islâmica, feições e traços árabes e orientais muitas vezes são suficientes para revistas em aeroportos, alfândegas, sujeitam cidadãos de várias partes do mundo a humilhações e embaraços.
Este livro procura resgatar, em linguagem simples e acessível ao público leigo, o que significou para a humanidade, em diversos campos do saber, o Império árabe-muçulmano. Não falará apenas de religião em si, mas da cultura, da ciência em seus vários aspectos. Abordará a sociedade e as relações humanas. Senão vejamos.

A estrutura da obra
Islã: esse desconhecido é fruto de imensa pesquisa bibliográfica realizada pelo autor. Percebe-se isso no capítulo bibliografia, onde 183 livros de 150 autores, nas línguas francesa, inglesa, espanhola e italiana – além do português, claro – foram consultados para a redação final do texto. Tal bibliografia de referência pode ajudar, inclusive, estudiosos e pesquisadores do mundo árabe.
Um dos capítulos finais do livro é o da Cronologia. Iniciada em 570 (sempre na datação ocidental e cristã), com o nascimento do profeta Maomé, a cronologia prossegue até 1492, data de referência como sendo da queda do Califado de Granada na Espanha, ou seja, a vitória final dos reis católicos na expulsão da presença islâmica (e judaica) na península Ibérica. Por coincidência, ano da conquista da América e do início da colonização do continente americano.
Um dos capítulos finais, quase que uma prestação de serviços aos leitores interessados no mundo árabe e muçulmano, é o chamado Glossário. Foram selecionados 173 verbetes que nos são apresentados, de forma resumida, explicando o seu significado. Quase que uma cartilha, um livro dentro de outro livro. Não temos traduções da Enciclopédia do Islã, de Oxford (em inglês), mas Samuel Salinas nos favorece com esse glossário extremamente útil.
Há seis grandes blocos de ideias no livro, que nos dão uma noção básica do conjunto da obra. São os seguintes:
1. Árabes antes do Islã – aqui é feito uma descrição histórica de como era a Península Arábica antes do ano de 622, quando se inicia a chamada Hégira, quando Maomé deixa a sua cidade natal, Meca, e parte em uma espécie de exílio em Medina e lá fica por dez anos (antes chamada Yathrib). Lembremo-nos que as primeiras revelações do Profeta ocorrem em 610, quando este tinha por volta de 40 anos.
Quem são os árabes é uma parte importante desse capítulo. Claro que o capítulo é centrado na história de vida do Profeta Maomé, sua tribo (dos coraixitas), as primeiras revelações vindas do anjo Gabriel, os seus primeiros seguidores. Há que se destacar o cuidado do Islã em proteger na sua religião, os seguidores do “livro”, ou seja, também os judeus e os cristão eram protegidos no Islã e no império que foi erguido em seu nome.
Aqui se destaca um estudo bastante referenciado sobre o significado da religião, visto pelos olhos de um estudioso, pesquisador, um sociólogos e advogado, ou seja, um intelectual com outra formação e outra influência religiosa, mas com um espírito científico dos mais aguçados. O significado histórico e o momento em que o Islã aparece esta bem caracterizado. A visão é equilibrada e justa para com essa religião. Chega-se a afirmar a existência de um “socialismo ético” no Islã. As características da religião, seus preceitos, obrigações e sua vinculação com a vida política são bem descritas.
2. A Conquista Islâmica – aqui é descrito a expansão do Islã. Maomé, um grande reformador social, homem de ideias avançadas para a sua época, chefiou pessoalmente nos primeiros dez anos, até sua morte em 632, os avanços da construção do futuro império islâmico e sua expansão religiosa. Apesar dos preconceitos e dos estigmas que sabemos existe na mídia, o Islã tem sido talvez a religião mais tolerante de todas as existentes na história da humanidade.
Neste capítulo estão descritos todas as dinastias, a expansão, as conquistas dos países próximos. Primeiro, aparece o domínio árabe no comando do Império e depois dos otomanos a partir da queda de Constantinopla em 1453.
3. O Império Islâmico e a Criação do Estado – aqui são tratados temas como o monoteísmo, sendo o Islã a terceira religião monoteísta no mundo e uma espécie de última religião considerada “revelada” por Deus aos seres humanos por um emissário (aqui interessante destacar o papel do Anjo Gabriel, o mesmo que teria aparecido para Abraão, depois a Maria anunciando que seria mãe e ditou para Maomé todos os capítulos e versículos do livro sagrado dos muçulmano, o Corão).
Os temas são amplos e diversificados neste capítulo. Trata da administração do império, da estruturação do Califado, das diversas correntes do Islã, das dinastias e seus governos, dos mongois, dos otomanos, dos mamelucos. Apresenta-nos a burocracia, a economia, a moeda e o direito. Por ter uma sólida formação jurídica, Samuel Salinas faz profundo estudo sobre o direito islâmico.
Nesse assunto, menciona as diversas categorias legais, fala do direito e a escravidão (o Islã foi a primeira religião a condenar a escravidão no mundo); aborda o direito internacional e os seus vários ramos. Trata em especial do direito de propriedade, a estruturação da justiça, as várias escolas do direito, como a justiça é administrada. Não conhecemos, no Brasil, livro específico que trata, com esta profundidade, essa temática do direito islâmico.
4. O Milagre Árabe – a frase com que este capítulo se inicia é fantástica: “uma hora de aprendizado vale mais do que um ano de preces”. Acrescenta a isso uma passagem do Corão que menciona “buscai o conhecimento (e a ciência) até na China, se necessário”. Sempre uso essa frase corânica em palestras e escritos, para demonstrar uma profunda mudança de conteúdo, de estilo, da forma de encarar o mundo entre o cristianismo e o islamismo. O Islã aparece como uma religião que preza e valoriza o conhecimento e a ciência.
Por isso neste capítulo – dos melhores do livro – são tratados de uma ampla gama de áreas da ciência. Entre elas, a lógica, a ótica, a fisiologia, a anatomia, a matemática, o sistema decimal, a física, a astronomia, a alquimia e a química. Especial destaque é dado à medicina e aos grandes mestres médicos árabes e muçulmanos, como Ibn Sina, conhecido no Ocidente como Avicena. Registra a fundação dos primeiros hospitais, realça a questão da higiene pública (há um preceito corânico que menciona “a limpeza é um ato de fé”); sabe-se que algumas cidades, como Bagdá, chegaram a ter seis mil banhos públicos. Fala ainda da farmacologia árabe, dos remédios, da fitoterapia, da criação das primeiras farmácias.
Por fim, trata ainda da geografia e história árabe, da literatura, da arquitetura, da literatura e educação (bem como pedagogia), além d agronomia. Por ser sociólogo, Samuel dá tratamento especial à Sociologia e escolhe para isso uma espécie de fundador da Sociologia árabe, Ibn Khaldun, que, entre outras obras, nos deixou Os Prolegômenos – Uma Introdução à História Universal (em árabe, El Mukhadima).
Aqui se faz uma discussão, que vem sendo feita há décadas na Europa e no mundo acadêmico. Foram os árabes produtores e conhecimento e ciência ou simples tradutores e transmissores desses conhecimentos? Vários autores são citados para defender a tese clara de que foram sim os árabes produtores originais de conhecimento e de ciência, em muitos campos do saber. Ainda que – ninguém nega isso – foram também excelentes tradutores em várias escolas e preservaram muito da ciência e da filosofia antiga, em especial dos gregos. Mesmo se só isso tivessem feito, muitos dos conhecimentos da sociedade helenística clássica só conseguiram nos chegar às mãos pelas traduções árabes, da escola da Sicília, do Sul da Itália entre outras.
5. Cruzadas – apesar de ser um livro sobre o Islã e sobre árabes, Salinas dedica um extenso capítulo sobre esse movimento religioso (ou teria sido apenas de peregrinações?), que tomou forma do que a história veio a chamar de Cruzadas. O livro nos brinda com uma cronologia específica sobre as Cruzadas.
A partir dessas datas, de forma resumida, é que vemos que as Cruzadas – todas as oito que foram classificadas pelos historiadores – têm início da partir de um discurso do papa Urbano VII, na cidade de Clermont, na França, quando este conclama a formação de um exército de cristão para “retomar a terra santa das mãos dos infieis”, em uma alusão aos muçulmanos. Enquanto a Europa se debatia em trevas, queimava livros e prendia e queimava vivo intelectuais e cientistas, todo o Oriente Médio preservava as maiores bibliotecas que a humanidade havia conhecido. A de Bagdá, no século XI, tinha mais de 600 mil volumes. Era o período das luzes do Islã e seu magnífico império.
As Cruzadas iniciam-se em 1095, com o discurso de Urbano VII, mas a primeira só sai em direção ao Oriente Médio em 1099. Elas terminam em 1291, depois de 196 anos e milhões de mortes, massacres, perseguições. Nesse ano, ocorre a queda de Acre e os cristãos são completamente expulsos do Oriente Médio. A tomada de Jerusalém ocorre em 15 de julho de 1099 e este ano completa 910 anos da sua ocupação pelos cruzados, que lá estabelecem o Reino de Jerusalém. Não só muçulmanos e judeus são mortos, mas até cristãos. Um banho de sangue. Ficam na cidade apenas por 88 anos, quando esta é retomada pelo grande general muçulmano Saláh El Din, conhecido no Ocidente como Saladino (ano de 1187). Trípoli e Beirute foram tomadas há exatos 900 anos.
O capítulo aborda ainda as ordens militares formadas à época e seu grande poder (templários, hospitalários, cavaleiros teutônicos entre outras). Analisa o Islã depois dessas cruzadas. Aborda a questão do anti-semitismo e da intolerância religiosa, a marca dos cristãos, completamente diferente os muçulmanos. Por fim, fechando o capítulo, como se um Box fosse introduzido, fala do Islã em terras brasileiras, com a vinda dos escravos africanos já islamizados. Especial destaque é dada à Revolta dos Malês.
Uma carta do conde Joseph Arthur de Gobineau, o polêmico estudioso sobre as desigualdades das raças humanas (como se houvesse mais do que uma), trazida à luz por Salinas com base em suas pesquisas, nos revela a descrição da superioridade dos negros conversos ao Islã, sua sagacidade, seu domínio da língua árabe, sua forma de se comportar e até das suas lutas pela sua libertação. Livro escrito por George Bordokan, A incrível história do Capitão Mouro, mostra-nos que o braço direito (ou seria esquerdo?) de ninguém menos que Zumbi dos Palmares, era um muçulmano e grande estrategista militar, responsável pela resistência por décadas desse Quilombo dos Palmares. Chamava-se Ali Saifudin.
6. A Espanha Muçulmana – o fecho dos capítulos é feito com história da presença por quase 700 anos dos muçulmanos na Espanha. Há uma pormenorizada descrição de como se deu essa ocupação, as culturas que se miscigenaram (judaica, cristão e islâmica), a forma da conquista, a produção industrial e o desenvolvimento da região. No capítulo são tratados de temas como o comércio, a administração, analisando inclusive a composição social da população, a vida urbana. Ao final a reconquista, retomada e a posterior invasão da América.

Um livro valioso
Se a parte da população brasileira que tem origem no mundo árabe é relativamente grande e influenciou e ainda influencia a nossa cultura, nossos costumes, nossa língua e literatura, nossa culinária, em contrapartida o Islã segue ainda muito desconhecido. Não apenas desconhecido. Segue ainda até discriminado.
Este livro recoloca as coisas em seus devidos lugares. Sem usar uma linguagem erudita, este advogado e sociólogo traz para o grande público – mas também para especialistas – uma obra que nos faltava. Supre uma lacuna que existia. É profundamente esclarecedor, elucida fatos, descreve minúcias de acontecimentos e fatos históricos, muitas vezes despercebidos pela maioria das pessoas.
Nada nesta obra é lugar comum. Ao contrário. Mesmo para muitos especialistas e estudiosos dessa região do mundo – estratégica diga-se de passagem – uma gama imensa de novos conhecimentos são trazidos á luz.
Uma leitura atenta ao Islã: esse desconhecido, nos ajudará a fazer justiça a uma das mais ricas e próspera – se não a mais próspera – de todas as civilizações e de todos os impérios que a humanidade conheceu em sua trajetória. Colocar luz sobre o povo árabe – 400 milhões de pessoas – e sobre a religião islâmica – mais de 1,3 bilhão de pessoas – e dar a sua contribuição para a paz em um mundo ainda cheio de guerras e de injustiças.
Da nossa parte, temos que agradecer ao amigo e colega Samuel Sérgio Salinas por nos trazer mais essa luz.

Editora Anita Garibaldi:
http://www.anitagaribaldi.com.br/loja/detalhes.asp?codigo_produto=354&codigo_categoria=1

Prof. Lejeune Mirhan
Sociólogo e Arabista
Outono de 2009

Serra Pelada.1986

Autofagia

escavei mil covas
e enterrei meu corpo
chacais não me alcançam
nem aves negras me avistam

na verdade
o que me devora
vem de dentro para fora

Carlos Couto

Woman Planting Rice, Toyama, Japan 1955

Memória da Pele

tolo ,

vim de um braço de mar

mistura de sol e gente

o vento na enseada da memória




estranho,

aportei na terra branca

sem história nem bagagem

a alma no exílio do silêncio






negro,

encarei os olhos de gelo

expulso além do entendimento

uma árvore na margem do desprezo




sozinho,

lambo o sal das cicatriz

e arrasto a pedra bruta dos dias

um estrangeiro em mim mesmo


Carlos Couto
No Poem

Children Going to New Year´s Event, Niigata, Japan 1956

passo e passante,somos a busca de uma chegada ou a própria chegada na ressonancia dos nossos calcanhares;desaparecemos no horizonte da lembrança,revivemos nos portos da catarse;o que existe sempre,é um ser que caminha.

Tullio Stefano

Patricinha de Bordel

benetton, eram os óculos
o batom, era givenchy
valisère, era o sutiã
a camiseta, hering
triumph, era a calcinha
a calça, era wrangler
de artesanato barato, o cinto
as meias, eram still

e era fila, o tênis da puta


RAUL POUGH

Daydreaming.1931

Sangra Sono

acordo! dou de cara
com o lado noturno da cama
viciado em vazio

mas, e o sobressalto?
de estranho isso tem o que?

afinal, naquela época
era pegar ou largar

eu peguei
e você largou...


RAUL POUGH

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Tracajá

Poema só

Desejo um poema
Em que a luz da lua
Serpenteie a sua aura fria
No absinto azul
Marinho.
Fada verde
Tecendo mandalas enigmáticas,
Perfumadas de ópio e alecrim.

Desejo esse poema só, para mim.
Sem o sol causticante de amarelo rajado.
Na penumbra de um sono caiado,
Me exorciza a lua negra.
Angela Gomes

Y es plata Cemento y Risa, Ciudad de Mexico

Canto mudo

Com açúcar.
Mas,
Sem palavras.
Foi a última partitura rasgada.
As notas soltas,
Descompensadas,
Ignoram com passos quebrados
O equilibrado ritmo.
Nenhum harpejo.
Nada.
Nenhum solfejo.

Apenas, um grito desfigurado no asfalto.
Um beija-flor devorado por um gato.
O mimetismo de um lagarto.
O útero crepuscular do tempo
Enchendo-se de estrelas
Num canto mudo.

Angela Gomes

Volando Bajo, Ciudad de Mexico.1986

sábado, 24 de outubro de 2009

Letras Celestiais

caído do céu poema azul
ácido pássaro
abatido de gozo e riso
banido do paraíso
ferido em tombo preciso
letra de fado
ritmo de samba
soar colorido
feito blues
de branco tingido
que deus me prove
vai que o céu é mais ao sul
e deus me love
e deus me livre
de ser eu
a besta do após calipso
vai que eu sei
que viro a mesa
luso-afro-brasileira
de madeira nobre
expondo os restos coloniais
desta nação de hipócritas
mostrando o rastros
desta história corrompida
vai que sei
não estou só
e não é só meu esse nó
e esse bom gosto
na língua.

rodrigo mebs

visite: http://frutafarta.blogspot.com

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"Uns viram Messias e andam no mar,
uns andam armados pra te matar,
fazem amor por esporte,
vivem a vida - não pensam na morte"
Aneliese Todt

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Alger

Informes Culturais Aedos

Na próxima quarta-feira, dia 28/10, no Paço da Liberdade (Praça Generoso Marques), terá início uma Oficina de Crônicas, ministrada pela escritora Gloria Kirinus. Terá duração de 4 semanas (4 quartas-feiras), no horário das 19:00 às 21:00. Sem custos! Inscrições no local ou por telefone, 3234-4207, com Elisson ou Liliam.
milhares milhões
de olhos abertos
dedos demais
roçando a pele
a vida total
a língua inteira
todas as línguas
dentro da boca
círculos fechados
barreiras forcas
na clareira nada
nem depois
eu ou você
vibra o silêncio

Alberto Lins Caldas

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Steel Liner, Ft Peck Dams

Casou-se com um arqueólogo que a trocou por outra múmia. A caminho do Egito, para restauro, foi resgatada de naufrágio por pescador que teima haver encontrado uma sereia. Naturalmente enrolada, necessita de um oftalmo que a oriente para o ocidente, onde a sua alma repousa no sarcófago sem o seu grito, digo, mito.


ANGELA GOMES

Desterro

Imagens passam como póstumas
obras de um cinéfilo desvairado entre os anjos
estrelas de sangue e luz brotam da tela
quanto se tange o inatingível
quando se tinge o intangível
e o possível é só coincidência
ou lembrança destas bestas que me cercam
ciência só já não me explica
imagens lavram o poema
e a palavra fogo
trança os olhos de quem pensa
pensando o quê mero poema
palavrinhas são areias
destas praias tão estranhas
pensando o quê mero poeta
que entre folhas entre galhos sóis e sombras
caminha um monge nada casto
enquanto uma lua virgem e nua
lhe adorna a testa
pensando o quê mero palhaço
que entre montanhas verdes e dunas
o monge claro escorre quase líquido
e carrega em seus braços uma sereia de sal
e suas pegadas profundas e largas
são lagoas e mais lagoas de mágoas
imagens varam a retina
e a escrita cristalina já não existe em meio ao sangue
a areia então vermelha vira mangue
e quem sabe entre os carangueijos albatrozes e abutres
haverá um deus pra traduzi-las

Rodrigo Mebs

domingo, 18 de outubro de 2009

Submerso...

Sem mais cansar-se...

Assim, mais adiante, digo a mim mesmo para hoje ouvir...

Enquanto árvore e sorriso de polvo, entre recifes de sonhos...

Pois o fundo se expressa onde sem mais pressa existe-se...

Nas razões sem luz, nos mundos nascidos na escuridão profunda...

Distantes do que se sabe por consciência...

Onde não se sabe, onde multidões semiológicas aproximam-se e afastam-se...

Sais de logos são partículas na fluidez do imenso...

E o movimento entorna, revolto com toda a intensidade por onde quer que exista...

E no inteiro de seu som, recortam-se pedaços de silêncio profundo...

Onde movem-se uma infinidade de céus...

As criaturas incomunicáveis em presença fazem-se todas uma...

Assim, submerso posso experimentar as imagens que se criam...

Na imensidão de instantes...

Onde em cada recorte do silêncio, em cada fragmento de silêncio está uma pintura...

Em ânimo próprio, tais fragmentos do silêncio autorecortam-se e unem-se...

Sempre de modo inusitado...

Há em cada uma de suas partes o desvio do entendimento...

E a percepção nas profundezas afóticas, se apresenta...







MOSIAH SCHAULE
Temo
temo a tu
temo a mim
temo a todos
quero mim
a mim mesmo
distúrbios mentais
físicos
olhares grades
prisões da minha vida
não tenho mais nada
a tecer
tenho a tu a querer
tenho a tu a viver
visto
o cheiro
o olfato
o tato
desnutrido
velhice
Abner Paessens

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Sobre a Maneira de Construir Obras Duradouras

Bertolt Brecht

Tradução: Paulo Cesar Lima de Souza


I


1


Quanto tempo

Duram as obras? Tanto quanto

Ainda não estão completadas.

Pois enquanto exigem trabalho

Não entram em decadência.



Convidando ao trabalho

Retribuindo a participação

Sua existência dura tanto quanto

Convidam e retribuem.



As úteis

Requerem gente

As artísticas

Têm lugar para a arte

As sábias

Requerem sabedoria

As duradouras

Estão sempre para ruir

As planejadas com grandeza

São incompletas.



Ainda imperfeitas

Como o muro que espera pela hera

(Ele foi incompleto

Há muito, antes de vir a hera, nu!)

Ainda pouco sólida

Como a máquina que é utilizada

Mas não satisfaz

Mas é promessa de uma melhor

Assim deve ser construída

A obra para durar

Como a máquina cheia de defeitos.



2


Assim também os jogos que inventamos

São incompletos, esperamos;

E os objetos que servem para jogar

O que são eles sem as marcas

De muitos dedos, aqueles lugares aparentemente danificados

Que produzem a nobreza da forma;

E também as palavras cujo sentido

Muitas vezes mudou

Com os que as usaram.



3


Nunca ir adiante sem primeiro

Voltar para checar a direção!

Os que perguntam são aqueles

A quem darás resposta, mas

Os que te ouvirão são aqueles

Que farão as perguntas.



Quem falará?

O que ainda não falou.

Quem entrará?

O que ainda não entrou.

Aqueles cuja posição parece insignificante

Quando se olha para eles



Estes são

Os poderosos de amanhã

Os que necessitam de ti, esses

Deverão ser o poder.



Quem dará duração às obras?

Os que viverão no tempo delas.

Quem escolher como construtores?

Os ainda não nascidos.



Não deves perguntar: como serão eles? Mas sim

Determinar.



II


Se deve ser dito algo que não será compreendido imediatamente

Se for dado um conselho cuja aplicação toma tempo

Se a fraqueza dos homens é temida

A perseverança dos inimigos, as catástrofes que tudo destroem

Então deve-se dar às obras uma longa duração.



III


O desejo de fazer obras de longa duração

Nem sempre deve ser saudado.

Quem se dirige aos não-nascidos

Muitas vezes nada faz pelo nascimento.

Não luta, e no entanto quer a vitória.

Não vê inimigo

A não ser o esquecimento.



Por que deveria todo vento durar eternamente?

Uma boa sentença pode ser lembrada

Enquanto retornar a ocasião

Em que foi boa.

Certas experiências, transmitidas em forma perfeita

Enriquecem a humanidade

Mas a riqueza pode se tornar demasiada

Não só as experiências

Também as lembranças envelhecem.



Por isso o desejo de emprestar duração às obras

Nem sempre deve ser saudado.


© ViverCidades 2001–2006.

Goethe na Campagna Romana

Elegias Romanas

Johann Wolfgang von Goethe

Tradução: Manuel Bandeira


Falai-me, ó pedras ! Oh falai, vós altos palácios !
Ruas, dizei uma palavra ! Gênio, não te moves ?
Sim, tudo tem alma nos teus santos muros,
Roma eterna; só p'ra mim tudo se cala ainda.
Quem me diz segredos, em que fresta avisto
Um dia o ser belo que queimando me alivie ?
Não pressinto 'inda os caminhos, pelos quais sempre,
P'ra ir dela e p'ra ela, sacrifique o tempo precioso ?
Ainda contemplo igrejas, palácios, ruínas, colunas,
Homem composto, decoroso, que aproveita a viagem.
Mas em breve passa: então haverá um só templo,
O templo do Amor, que se abra e receba o iniciado !
És um mundo em verdade, ó Roma; mas sem o Amor
O mundo não era mundo, e Roma não era Roma.


© ViverCidades 2001–2006.

Canto dos Emigrantes

NA CONTINENTE



Matéria minha na revista Continente Multicultural. Um texto sobre o poeta Alberto da Cunha Melo, um dos grandes amigos que tive e um dos mais importantes poetas da literatura brasileira. Quem quiser conferir o texto na íntegra, basta acessar o site da revista: www.continentemulticultural.com.br Não tem link direto pro meu texto. É só clicar no hiperlink “literatura”.

Agora, abaixo, uma obra-prima deste poeta que emigou:



Canto dos Emigrantes



Com seus pássaros

Ou a lembrança dos seus pássaros

Com seus filhos

Ou a lembrança dos seus filhos

Com seu povo

Ou a lembrança de seu povo

Todos emigram



De uma pátria a outra do templo

De uma praia a outra do atlântico

De uma serra a outra das cordilheiras

Todos emigram



Para o corpo de berenice

Ou o coração wall street

Para o ultimo tempo

Ou a primeira dose de tóxico

Para dentro de si

Ou para todos

Para dentro de si

Ou para todos

Pra sempre todos emigram


Astier Basílio
http://www.desliguemseuscelulares.zip.net

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Professor

Quando tudo era escuro
As palavras não sabia como falar
As letrinhas você me ensinou ajuntar
Um novo som para elas dar.

Quantas vezes com ternura
Pegou minha mão
Com meiguice e atenção
Repetia varias vezes
O que não conseguia aprender.

Pouco a pouco meus olhos foram se abrindo
E um mundo novo fui descobrindo
A beleza existente a minha volta
Por muitos lugares levou-me a conhecer.

Passo a passo fui aprendendo
Somar, dividir, diminuir, multiplicar
Meus horizontes tornaram-se amplos
Ensinou-me a sonhar
E eles realizar.

Fez-me descobrir os valores
Sentir-me um idealista de pé no chão
Por isso, dedico esta humilde poesia
Com tamanha alegria e terno amor
A você mestre, meu querido professor.

Ataíde Lemos

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Capoeira

Mulher (Em Definição )

Mulher-Poesia
que deixa no meu corpo bocados de poema


Mulher-Criança
que desce à minha infância
e me traz adulta


Mulher-Inteira
repartida no meu ser


Mulher-Absoluta
Fonte da minha origem

Manuela Amaral
Amor no feminino, Fora do Texto, 1997 – Coimbra, Portugal

Fundação Pierre Verger

Caixinha de Música

impregno-me em ti como um perfume
como quem veste a pele de odores ou a alma de
cetins
quero que me enlaces ou me enfaixes de muitos
laços
abraços fitas ou fios transparentes

em celofane brilhando uma prenda
uma menina te traz vestida de lumes
incandescendo incandescente
te quer embrulhada em véus de seda e brocado

encantada a serpente a flauta o mago
senhor toca
e quando me toca
o corpo eu abro

caixinha de música
dentro
com bailarina que dança


Ana Mafalda Leite
Rosas da China, Quetzal Editores, 1999 – Lisboa, Portugal

http://www.blogdofavre.ig.com.br
Ouro esgueirando-se nas frestas da escuridão
refletindo arco-íris numa taça de cristal
Sondam sonhos nos quadros empoeirados
bailam lençóis de teias.
memória no caledoscópio
quebra-cabeças de crânios a solta
clamam por chamas
casa vazia tão cheia de histórias...

Wilson Roberto Nogueira

domingo, 11 de outubro de 2009

Incomensurable Amistad


Bairrio los Laches-Bogotá.
Http://www.woostercollective.com
O Professor é um latifundiario do céu.
Professor Douglas

Urban Piano


Herakut Goes Berlin for the Art Totale Festival
http://www.woostercollective.com
O sr e sua aposentadoria esperam no barraco;
A noiva abre o zíper.
Chove lá fora, alaga ainda mais.
Tem barro, limo, sujo.
As mães não dão mais banho aos sábados nos piás;
Jogam o lixo o cachorro Uóchitom Buxi boiando com a barriga inchada.
A noiva fecha o zíper,
Sai do barraco,
Na poça reflete a porta do carro abre.
Abre o zíper:
A noiva gospe,
Corre de manhã pra casa do piá tem cherinho e as pedras que ela quer.
Bate cinza na lata furada,
Os homens da noite que acaba viram fumaça,
O chão do quarto é seu espaço.
O fantasma Chico admira a noiva da janela a lata vai além:
Pousa no Belém.


RODRIGO CECCON

Poesia, Idioma da Percepção

"Mesmo no meio do nevoeiro, não é difícil constatar que também não sei fazer poesias."

Parto do princípio que poesia não é matéria resultante da arte ou ofício de se fazer, com um bolo, uma parede ou uma estrada. A rigor, entendo que ninguém inventa poesia.

Não se trata de uma mera questão de ir encaixando palavras ou garimpando rimas, tentando encontrar uma melhor composição, como estruturar uma melodia de sonoridade aprazível.

Entendo que poesia mesmo é uma espécie de idioma, uma linguagem da percepção, uma certa fatia da capacidade sensitiva do indivíduo. Quem sabe até uma faculdade muito próxima da clarividência.

Escrever poesias é, portanto, dentro deste raciocínio, mergulhar em busca da melhor semelhança entre aquilo que é captado pelos sentidos e as palavras que melhor possam expressar-lhes. Escrever poesias é demonstrar a habilidade em expor este estado sublime de entendimento.

E quanto mais elevada esta capacidade de combinar os sinais captados e seus respectivos símbolos, através de uma linguagem acessível, mais apropriado será o trabalho poético e melhor será compreendida a intenção de seu autor.

No meio da confusão, do burburinho, da falta de clareza e precisão, até surgem aqueles que, juntando meia dúzias de palavras, chamam a luz para si, falam alto, gesticulam e citam fragmentos literários e acabam sendo confundidos com poetas, mas, do alto da colina, por sobre o nevoeiro, a alma do verdadeiro poeta sorri com complacência e experimenta o exercício da tolerância.

Carlos Couto
(ensaio publicado no livro "Sangue Novo na Anemia" da Confraria Terra dos Poetas)
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A Ordem das Coisas

(primeiro o medo)
somente minha sombra ao mar rugia
como se fosse um arpão
atado às minhas tíbias
então ruminei o silêncio
junto ao grave rosto do medo
fuga foi o que desejei
mas estar acordado
apontava-me setas e dedos
e então vi que o medo é um animal assustado
engolindo seu próprio corpo
e o medo digere a pedra de seu peso
e tece suas próprias algemas

o medo é um grito na escuridão
com medo de ser ouvido


(depois o anseio)
quando eu morri
inclusive o medo era escasso
os dias foram noites lentas
e cada minério do sono
cumpria o peso das horas perdidas
inaugurei então o esquecimento
extinguindo o fogo de estar vivo
depois verti o anseio de estar afundando
no redemoinho do tempo breve

morrer não é partir
é desistir
deixar-se levar

carlos couto

grupo no poem

Do Entendimento sobre o Homem

segundo Platão:
o homem é um bípede implume;

segundo Dostoiévski:
o homem é um bípede ingrato;

segundo Millôr:
o homem é um bípede inviável;

segundo minha própria concepção:
o homem é um bípede decadente

o homem é o único animal que pensa
que os outros animais não pensam

o homem é um animal que se adapta
e dificulta a adaptação dos outros animais

o homem é um animal solitário que articula
conchavos e aproximações
para amenizar sua melancolia.

Carlos Couto

grupo No Poem

sábado, 10 de outubro de 2009

Ibiscos

Entre raízes, caules e folhas me perdi,
na fotossíntese entendi
sobre flores e inflorescências aromatizadas
polinização fertilizadora
frutos carnosos
frutos secos
germinação e reprodução
Plantas de deserto
Plantas aquáticas
Carníboras, epífitas e parasitas
_Esse pedúnculo vem sempre aqui
Estigma de aluno aéreo
_Voce está com o estame de fora
Zero em biologia
Já pra secretaria
Nem te ligo
Floema e Tilema funcionam bem

Deisi Perin
Publicado primeiramente em Pó&Teias

domingo, 4 de outubro de 2009

Informes Culturais Aedos



pressupondo que existe
memória na morte
e dentro dela um calendário
feliz aniversário

O poema acima está no livro 'Dois em Um", de Alice Ruiz, que acaba de ser anunciado como vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura, o mais tradicional do país, que está na sua 51ª edição. A poesia ali no alto é dedicado a Miguel Angelo Leminski, filho da poeta, que morreu ainda criança, em Curitiba, há uns 30 anos.

foto:acervo pessoal da poeta.
informe:portal.rpc.com.br/blog/sobretudo.

Saudação da Saudade

minha saudade
saúda tua ida
mesmo sabendo
que uma vinda
só é possível
noutra vida

aqui, no reino
do escuro
e do silêncio
minha saudade
absurda e muda
procura às cegas
te trazer à luz

ali, onde
nem mesmo você
sabe mais
talvez, enfim
nos espere
o esquecimento

aí, ainda assim
minha saudade
te saúda
e se despede
de mim

Alice Ruiz
http://www.aliceruiz.com.br

Karaoke Coral

Informes Culturais Aedos

Amigos,


mando o link do Karaoke Coral na Gazeta: http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/blog/sobretudo/
se puderem comentem no blog sobretudo, quem sabe não ganhamos uma matéria no dia 07?


Beijos e espero vcs la!



Celeste Fernandez
www.karaokecoral.com

Mercedes Sosa (1935-2009)

Onde as emoções são banais
Qualquer uma serve
Nada as diferencia
Nenhuma se torna eleita

Tornam-se dispensáveis
Palavras incompreensíveis
Ações acrobáticas, dizeres melosos
A quantificação do incomensurável

Apenas uma sinceridade autêntica
A conquista não premeditada
Aquela pitada de imperfeição
Do tipo que "faz bagunça"

Não é receita ou manual
Apenas um ponto de vista
Quiçá um ponto do peito
Ou um ponto de interrogação...

Angelo Portilho

sábado, 3 de outubro de 2009

Carlos Gardel

Suíte do Pescador

Minha jangada vai sair pro mar
Vou trabalhar, meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer

Meus companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer

Adeus, adeus
Pescador não se esqueça de mim
Vou rezar pra ter bom tempo, meu bem
Pra não ter tempo ruim
Vou fazer sua caminha macia
Perfumada com alecrim

Composição: Dorival Caymmi

Astor Piazzolla

Mais uma Noite sem Sono

É estranho estar acordado na escuridão. É como estar consciente sem saber do quê. A lâmpada fluorescente é como se fosse a lua, e o interruptor a primeira estrela no céu. Dizem que, quando vemos uma estrela no céu, às vezes ela não está lá. É que ela fica tão longe, mas tão longe, que a luz leva alguns milhares de anos pra chegar aqui. Se todas as pessoas, quando ficassem deprimidas, pensassem que as estrelas podem nos pregar esta peça, talvez deixassem escapar um sorriso, nem que fosse o riso frio dos que riem só pra mostrar que entenderam o raciocínio, mas ririam assim pra si mesmas, como quem raciocina sozinho, ao ler um texto, por exemplo. Ler um texto é sempre muito solitário, sobretudo quando se vê, pelo reflexo da janela no seu monitor, que constroem muros do outro lado da rua. Mas, cá entre nós, que sabem eles das estrelas? É uma questão de lembrar que uma estrela existe, mesmo que esteja bem longe, e que ela pode brilhar, mesmo que não exista. Sim, porque as estrelas têm o humor que só os suicidas sabem ter, os suicidas que deixam sobre a mesa apenas um bilhete engordurado dizendo "fui", talvez "adeus" e quem sabe até "I love you, I love you, I love you". E o leitor que não ria: sofresse da insônia que eu sofro, também transformaria seu quarto num planetário, onde há apenas a lua e uma estrela, que não existe. Mesmo que descobrisse depois, num artigo de Astronomia, que era tudo mentira. Afinal, que sabem os astrônomos das estrelas? Talvez eu ainda possa contar esta história num desses muitos momentos da vida em que nos falta assunto. Quero dizer, não quando se está conversando e a conversa esfria, digo quando nos falta assunto a nós mesmos, quando se está sozinho no escuro, às três da manhã, e não há mais nada pra pensar. O telefone está cortado, ninguém irá ligar e dizer: "eu sabia que você estava acordado, eu também estava..." Não, o telefone já não pode inspirar mais esperança que uma lâmpada fluorescente. Logo mais, às quatro horas, o jornaleiro virá de moto e eu ouvirei o som do jornal caindo no chão, e o barulho da moto irá diminuindo, diminuindo, até sumir. E eu finalmente fecharei os olhos, devagar, e pegarei carona com o jornaleiro. E iremos, então, até o infinito.


OTÁVIO KAJEVSKI JR.
postado primeiramente no Pó&Teias

Library of Congress

Mais uma Noite sem Sono

Idem eu,insône insano que sou; as madrugadas esfoliadas dos nossos pensamentos em que um vazio cresce nas batidas tão certas quanto erradias do coração, a válvula do amanhecer já tem sinais de esgotamento, o sinal externo anuncia por segundos que a vida continua, independente da nossa letargia, insône como a lógica insâna como a consciência.
Tullio Stefano

1939
A urbana selva arremessa-se para o oceano dos sentidos
mistos oléo e gasolina encharcam até a retina eletrônica,
paladina da ordem e do progresso em círculos.

Ricardo Pozzo
"...meu endereço
é a minha carne.mordemos drágeas dos amanhãs..."

Rodrigo Madeira

Cristo Redentor. Rio de Janeiro

Dias
mastigados
nos limos da língua,
palato
estala etílico
mais um dia.

Tullio Stefano

Essência

Às vezes
Sinto-me batendo nas teclas de um piano mudo
Surpreendo-me camponês
Semeando terras estéreis
Vejo-me voando com asas de cera
Cada vez mais alto, tentando alcançar teus olhos
Tentando alcançar com a ponta dos dedos
Uma lágrima que cai com o vento
Uma gota que se estilhaça ao me aproximar
Me faz parar, deitar e chorar
E te abandonar
E te deixar só em tua ilha distante
Longe dos meus versos azuis
Longe do meu olhar suplicante
Nunca saberás, então
Quanta saudade sentirei no primeiro segundo
No instante em que me rasgar tua ausência
Nunca saberás qual é o gosto de minha essência
Não posso mais vagar pelas trevas
De tua velha mansão em ruínas
Não consigo buscar-te às cegas
Numa queda livre que nunca termina
No entanto
Se tudo que fomos foi poesia
Deixo-te uma garrafa de minha essência
Infelizmente
Vazia.


Eduardo B. Penteado in "Sal em Bocas Secas" em
http://eduardopenteado.blogspot.com/