segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

domingo, 30 de janeiro de 2011

POEMA DO DUPLO VINCO ( UM EM CADA PERNA DA CALÇA) ESCOLAR

Se pensas que Andy

andou apenas nas ruas

por onde suas pernas carregavam

sua calça

convém saber

que nada morre

e ele anda

ao seu lado

na rua, no automóvel

na nave que corre o espaço

carregando os dez mais da Forbes

Tchau Andy



E Guimarães?

Pelo sertão,

pelo certo da diplomacia,

no avião,

no casamento,

no quarto,

nos quartos de um cavalo?

Olha que pode estar aí agora

vendo diante dos seus olhos

uma vitrine



Sua nota é sua para você

procure isto e isto

vá adiante



Quanto ao seu compromisso,

os resultados de seu exercício,

a aprovação de resultados:

procure o ponto aberto.

Maria José de Menezes

O PATINHO CISNE

Houve o tempo em que os animais falavam menos que hoje como homens. Naquela ocasião, aconteceu um dia de uma patinha chocar três ovos. Deles saíram três patinhos.

Patinhos, como se sabe, aprendem rápido a andar e nadar. Assim, logo logo já seguiam a mãe pelo bosque onde viviam, e nadavam lindos todos no lago.

Um dos patinhos no entanto, era diferente.Nadava com as asinhas de um jeito que fazia com que a pata estranhasse sua aprendizagem e a confundisse, às vezes, com alguma inabilidade.

Pois bem, assim que os patinhos cresceram um pouco, a pata considerou levá-los para um exame de saúde. O posto de Serviço Patológico Nacional ficava do outro lado do lago; era autarquia do governo e funcionava bem como sempre quando se trata de atender aos cidadãos que dela tem necessidade.

Por precaução, decidiu levar os dois patinhos de nado sincronizado e deixar o outro para o ano seguinte, quando mais velho estaria em melhores condições para um nado de fôlego como aquele.

Preparou o ninho para o filhote, deixou instruções, indicou as comidinhas, transmitiu cuidados e partiu com os outros dois.

No Sepana as coisas demoraram...e demoraram...e preenche requerimento, e aguarda fila, e agenda por isso e por aquilo. Três longos dias se passaram.

A pata preocupada não conseguia comunicar-se com o filhote do outro lado, para dizer-lhe ao menos "meu filho, mamãe está bem, te ama, voltará logo, cuide-se".

E do outro lado o bichinho preocupado, abandonado, crescia, pois tres dias eram muito tempo para seu metabolismo.

Enfim, a pata chegou. Ao avistar a casa, deu de olhos naquele pato pescossudo, forte e grandalhão, com ares de dono do terreno.

Por Deus do céu! A primeira idéia foi que aquele emplumado atacara seu filho, comera-o e agora se abancava. Preferiu averiguar. Junto com os dois patinhos, escondeu-se atrás de uma moita e ficou espiando o bicho.

O bicho, por sua vez, já por demais preocupado com a ausência paterna - que seria materna se fosse filho da mata - resolveu entrar no lago e ir a procura da pata e dos irmãos.

Nadava maravilhosamente; sua elegância, a graça, causaram espanto e aumentaram a desconfiança parental. A pata pensou: "quem será este que não reconheço?", um patinho pensou "que nado lindo, diferente do de meu irmão"; e o outro: "esse bicho tem um quê de pato, mas é outro tipo". (Continua no próximo episódio)

Maria José de Menezes

O PATINHO CISNE (parte II)

A pata achou mesmo que seu filhote nadava agora no estômago daquele ali. E pôs-se a chorar, baixinho, mas um soluço escapou.

Do lago, o pato que não estava ainda longe, ouviu e reconheceu um som de mãe. E gritou: "mamãe, mamãe".

Nisso, a pata reconheceu a voz do filho. E disse: " Aqui, aqui!", acenando, enquanto os patinhos repetiam-lhe os gestos.

Assim, o patinho voltou para junto dela e deles. Comovidos e contentes se abraçaram e foram contar os havidos! E foi assim que todos passaram a conhecer a história do patinho cisne, ou do cisninho pato. Que já ganhou tantas versões... mas essa é uma em que tudo acaba bem, porque termina bem!

Maria José de Menezes

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

As ondas do mar tramam

uma rede que nada pesca.



Tecem e

          destecem,

Retecem,

                tecem

a efêmera renda

que de alvura

tudo cobre

e nada segura.



Toda sobre,

por invisível mão

lançada.



Língua de rendada água,

que lambe o sal e não se salga.

Ou de Sísifo uma lembrança

a agarrar o que pra sempre lhe escapa?



Tessitura incessante, insone

que se faz e refaz,

toda uma, a mesma

sempre e nunca.

Envolve e não retem:

o mar.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Picasso ao contrário

Sempre tive necessidade de criar teorias. Naquela tarde, suspensa entre verão e inverno, essa era minha ânsia. Aí surgiu dentro de meu olhar, um entendimento. Pude quase sentir e escutar, no silêncio da casa, a faísca e o estalo da compreensão.

O chá de boldo já adquiria a tonalidade verde-escuro-amargo perfeita para o gole. Sentei-me, o livro de Picasso sobre a mesa. Essa seria a função do dia: folhear Picasso. Ainda sem saber que dele brotariam cúbicas reflexões.

As pessoas desfiguradas ali, os olhos verticais. Pescoços que não sustentavam cabeças, chão que não construía retidões. Mas a beleza repousando exata.

Também, de mim, vindo uma lembrança: sempre desconfiei de gente figurativa demais, com cabelos renascentistas, sapatos que luzem, costuras que não desfiam, camisas que não amassam. Ou a ordem excessiva, de estantes de livros novos, de jogo de louça completo combinando com os copos, me assinalando um tipo particular de morte interna. E ainda aquele homem, cuja presença me havia feito experimentar o gosto de ruína e desespero.

Picasso era então como o provérbio chinês: desconstruía para manter a essência. Banal, comum o lugar, mas assim, assim era. Mesmo do violão desconectando planos conseguimos imaginar a música de uma chuva tórrida sobre suas cordas não-paralelas. A desconstrução do visível para mostrar, o que , num descuido, desenxergamos.



Luciana Cañete

sábado, 22 de janeiro de 2011

Curitiba

o interventor do estado
era um pinheiro inabalável

inabaláveis pinheiros igualmente
o secretário da segurança pública
o presidente da academia de letras
o dono do jornal
o bispo o arcebispo o magnífico reitor

ah se naqueles tempos
a gente tivesse
(armando glauco dalton )
um bom machado !

José Paulo Paes
que tudo passe

passe a noite
passe a peste
passe o verão
passe o inverno
passe a guerra
e passe a paz

passe o que nasce
passe o que nem
passe o que faz
passe o que faz-se

que tudo passe
e passe muito bem.

Paulo Leminski
In: Caprichos & Relaxos
confira

tudo que respira
conspira.

Paulo Leminski
in:Caprichos e Relaxos.SP:Brasiliense,1983, p,105

Difícil

Cavar na rocha o escuro
degrau de cada dia.
Sangrar mas não ceder.

Helena Kolody

Como no céu

Todo homem,
Antes ou depois de se revelar,
é filho de um parto
onde sua mãe morreu.

Alcançar na terra
o que o ventre cedia
de água, vento e córneas.

Fabricío Carpinejar

Presença

Coragem de andar
sobre os precipícios
sem desfalecer,
entre labaredas,
mas sem se queimar,
com os violentos
e os indiferentes,
no mundo inimigo,
sem deixar de amar.

Helena Kolody.

Cartilha

A MATilha
contra a ilha

Ilha recUSA?
Ilha reclUSA

USA e abUSA.

José Paulo Paes
in:Anatomias.Cultrix.São Paulo

Noite Carioca

Diálogo de surdos, não : amistoso no frio.
Atravanco na contramão. Suspiro no
contrafluxo. Te apresento a mulher mais
discreta do mundo: essa que não tem nenhum
segredo.

Ana Cristina César

A urgência como motor da escrita

Aguardado na Flip de 2011, o angolano Valter Hugo Mãe fala sobre o premiado romance O Remorso de Baltazar Serapião, lançado no Brasil e comparado a um ”tsunami” literário

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

E os sismógrafos não registraram nada?, quis saber José Saramago (1922-2010) quando, em outubro de 2007, descobriu que O Remorso de Baltazar Serapião, romance então agraciado com o prêmio que leva seu nome, estava à venda desde março do ano anterior. Só semanas antes da premiação o escritor havia lido a obra do angolano Valter Hugo Mãe e sentido o impacto daquele “tsunami linguístico, semântico e sintático”.

Hoje devidamente reconhecido em Portugal, Valter Hugo Mãe já esteve cinco vezes no Brasil sem que os sismógrafos literários dessem sinal de abalo. A visita mais recente, em 2008, foi como convidado de uma feira literária em Brasília, mas sem nenhum livro lançado por aqui; das outras vezes veio em nome da extinta Quasi Edições, que publicou no além-mar Ferreira Gullar e Caetano Veloso, entre outros. O próximo desembarque será diferente. Confirmado para a 9.ª Flip, o autor chegará ao público já com seus dois mais elogiados romances lançados por aqui. O Remorso de Baltazar Serapião está previsto para os próximos dias pela Editora 34 (leia texto abaixo), e A Máquina de Fazer Espanhóis, que arrebatou a crítica portuguesa no ano passado, foi comprado pela Cosac Naify, que pretende publicá-lo a tempo da festa literária, em agosto.

Dono de uma narrativa desconcertante – a começar pela grafia, toda em letras minúsculas, o que vale inclusive para o modo como assina o próprio nome -, o autor de 39 anos se diz entusiasmado por voltar à terra onde fica “como menino sonhando com água de coco e queijo coalho”. Veja, a seguir, trechos da entrevista que concedeu por e-mail ao Sabático.

Em O Remorso de Baltazar Serapião, você coloca o amor desse personagem em contraponto às violências que ele comete contra a mulher que ama – e ela não faz mais que cumprir seu papel na sociedade. Nesse sentido, embora transcorra num tempo medieval, a história não poderia se passar nos dias atuais?

Sim. O livro é uma ostentação de estigmas sociais que sobrevivem até hoje. Lutamos ainda para que a dignificação deixe de ser um problema de gênero, mas a cultura continua a exigir do homem uma predominância que atira as mulheres para um poder quase sempre apenas sensual e muito objetificado. O baltazar serapião julga fazer tudo pelo bem, instigado por uma mentalidade que parece reclamar dele uma intervenção sempre impiedosa. Como advogado, defendi quase só mulheres em processo de divórcio cujas vidas poderiam ultrapassar no horror a vida da bela ermesinda do meu livro. Não poderei nunca esquecer essas conversas e o desespero dessas mulheres com idade para serem minhas mães e absolutamente perdidas num preconceito social que não as protege e permite ao homem toda a devassidão e agressividade.

A desconfiança por uma traição feminina nunca confirmada, como a que atormenta Baltazar Serapião, é tema de Dom Casmurro, que causa discussão entre leitores mais de um século depois. Consegue imaginar efeito similar numa história de traição do homem?

Claro que não. A sociedade quase espera do homem essa traição, de uma mulher nunca. A mulher traidora é corrompida pelo mal, o homem traidor pode ser um herói, o galã sedutor que não faz mais que exercer com esplendor a solicitação do seu código hormonal. Interessa muito, em termos simbólicos, que a desconfiança acerca da traição da mulher nunca seja comprovada ou justificada, porque o tempo ainda não se redimiu da história das mulheres. A história ainda não conseguiu desculpar-se e, nesse sentido, aquilo por que as mulheres passaram e passam continua a ser assente no disparate e no abuso revoltante do poder por parte do homem. As mulheres são, de algum modo, um ser humano para o futuro, porque o passado e o presente não lhes pertenceram e não pertencem.

Como foi recriar, ou inventar, a linguagem arcaica do livro? Fez algum tipo de pesquisa ou foi um exercício de imaginação?

Sou fascinado por deixar a imaginação decidir quase tudo, mesmo correndo riscos. Gosto de trabalhar a partir da minha quietude e da possibilidade de fabular. Não pesquisei, só estive atento para não usar algo descabido. Com a linguagem, no entanto, tudo pode caber se houver coerência e sentido estético. Claro que o sentido estético não pode abdicar do conteúdo. Importa ter algo a dizer, porque é fundamental que um romance, mesmo sendo ficção, contenha uma tese, um pensamento que provoque no leitor a necessidade de decidir algo, de concordar ou discordar de um tema maior.

A relação entre sagrado e profano também é central no romance. São características indissociáveis do homem?

Estou sem convicções na transcendência, mas a questão espiritual me acompanha. Somos votados a uma sacralização de nós mesmos, ainda que sem deus. É importante que vejamos o homem, o planeta, a vida, como algo de dimensão interior, urgente de respeitar e apaziguar. Meus livros têm a ansiedade perante o respeito e a dignificação das coisas relevantes, do que pode produzir felicidade. Como não acredito na felicidade após a morte, gosto de pensar na criação de uma espiritualidade diferente, que seja feita de acreditarmos em nós, e uns nos outros, em vez de num deus inventado.

Você diz que o uso de minúsculas cria uma aceleração na leitura que lhe interessa. A leitura mais lenta não pode, por vezes, permitir ao leitor a percepção de mais significados?

Sim, concordo que a lentidão pode fornecer esse tempo de reflexão, mas tenho urticária a coisas chatas, textos, filmes, conversas que não progridem logo e ficam ritmadas. Talvez meus livros revelem essa impaciência. Sou até um indivíduo contemplativo, mas em pouco tempo de contemplação posso já ter ficado impressionado, comovido, chorado litros de lágrimas e mudado minha vida. Não fico nunca parado muito tempo. Meus livros têm todos um sentido de urgência, quer porque sempre ando ocupado com assuntos que me agridem e sobre os quais quero pensar melhor, quer por essa vontade de envolver logo o leitor e o fazer correr dentro da história sem travão.

Como editor da Quasi Edições, você ajudou a levar ao público português autores brasileiros como Caetano Veloso e Ferreira Gullar. Quais chamam a sua atenção hoje?

Tenho estado a ler Rubem Fonseca, que é maravilhoso. Tem de haver uma onda Rubem Fonseca por todo o mundo porque adoro o modo, como vocês dizem, desenrolado e inteligente de ele dizer as coisas. Gosto do humor dele. Faça o favor de dizer no Brasil que estou apaixonado por ele. E minhas paixões brasileiras não ficam por aí. Tem sido importante a edição em Portugal dos livros do Chico Buarque, que os portugueses amam por inteiro desde sempre. Fiquei contente com o sucesso de Leite Derramado. Fico contente que ele assuma seu lugar de grande escritor, porque foi sempre um escritor genial que tinha de gastar mais tempo com os textos para eles virarem romances. E Marcelino Freire, gosto muito, Nelson Rodrigues, gosto muito, Marcelo Mirisola diverte-me muito (maravilhosa cabeça suja), Evandro Affonso Ferreira, muito exuberante, gosto muito, Bernardo Carvalho e Rubens Figueiredo, gosto muito.

Você já definiu seu livro A Máquina de Fazer Espanhóis, que também sai no Brasil este ano, como um “exercício de justificação para a vida depois de uma perda desta dimensão”. Como foi escrever sobre sensações da terceira idade estando tão longe dela?

Perdi meu pai e fui imaginação adentro buscando o que sobrava dele na minha vida. Foi assim. Procurei bem na minha imaginação como seria um homem de 84 anos e encontrei muitas possibilidades. Os leitores disseram que entendi. Chorei em sessões com o público porque é milagroso que pessoas com 80 ou 90 anos me digam que sou um deles, que estou entre eles como igual. Consegui, de alguma forma, conviver com a terceira idade de um homem que poderia ter sido o meu pai. Só não foi porque ele morreu antes de deixar de ser novo.

Fonte : O Estado de São Paulo.220111

Sim, por favor

Uma mão quente.

Uma casa quente.

Um pullover quente

para cobrir meus pensamentos gelados.

Um corpo quente

para cobrir o meu corpo.

Uma alma quente

para cobrir a minha alma.

Uma vida quente

para cobrir a minha vida gelada.

KRISTINA LUGN, poeta e dramaturga sueca, nasceu em 1948. Diversas vezes premiada, foi diretora artística e diretora do Dramaten Theather de Estocolmo.

O poeta

No telefone do poeta
desceram vozes sem cabeça
desceu um susto desceu o medo
da morte de neve.

O telefone com asas e o poeta
pensando que fosse avião
que levaria de sua noite furiosa
aquelas máquinas em fuga.

Ora, na sala do poeta o relógio
marcava horas que ninguém vivera.
O telefone nem mulher nem sobrado,
ao teleefone o pássaro-trovão.

Nuvens porém brancas de pássaros
ascenderam a noite do poeta
e nos olhos, vistos por fora, do poeta
vão nascer duas flores secas.

João Cabral de Melo Neto
in:O cão sem plumas,RJ, Alfaguara,2007

A primeira neve do ano

Cidade perto do porto. Imagens feito miniaturas de cristal. Baía. Ela preguiçosamente folheava livros em francês. Lápis com pontas agudíssimas acompanhando folhas eternamente vazias, imaculadas. Talvez pretendesse escrever poemas de profundidade incontestável. O sol raquítico parecia istaurar o paraíso onde nos perdíamos, a cidade de tão poucas vozes onde nos comprazíamos em dividir solicitudes, admiração, sentidos. ela os olhos mais melancólicos, meu deus o que escondem ? Às vezes sorri. Descemos as ruas desertas. Por dentro os beijos mais deselegantes, invejáveis, fundos. Por dentro bemóis que acentuam a delicadeza do momento, fazem o sol se arrefecer e instaurar lilazes, porventuras. Arestas desaparecem. Por dentro coros de meninos virgens cantando a capela. Melismas talvez. Por dentro o silêncio transformado em flores .

Luci Collin

Fragmento de ' A primeira neve do ano ', do livro Precioso Impreciso, de Luci Collin
(Edições Ciência do Acidente,2001)

Poema I

Um risco no espaço. Depois um ponto. A sirene enrouquecida esgarçando a teia
da noite. O desespero de uma boca vermelha. A mão que de repente se ergue
por entre os lençóis e abona o relógio com um toque de dedos quase cegos. A
cisterna no fundo do quintal , como está na alma a trave da ansiedade, como
está no medo do não-ser , a inquieta sombra do que há de vir.A certeza de uma
porta verdejando a noite e um olho seguindo o traço, estacionando no ponto,
compreendendo na chegada da sirene que é hora de partir.Sobre a noite, so-
bre seus seios em resguardo, balança uma cortina de neblina. Algo passou por
ali e deixou no movimento de brandura a marca de uma passagem.

Paulo Venturelli
 

Poema II

Três hemisférios em cada olho, o matizado disfarce da mesma
impulsão: o abismo que há de vir,o tragar da energia, músculos
desfazendo-se sob a luz amarela de um corredor escoando-se
para a bruma, ali, onde não há barganha nem movimento, ali, o
espaço em cripta para absorver o que medrara um dia como ser
arfante, ser de espuma, seus gestos em busca da perenidade a
esboroar-se no seio da palavrae da atitude e de todos os gestos.
Os três hemisférios do olho, de cada olho, não gerenciam mais a
passagem, e a passgem dobra todos os enpenhos, até que nada
mais é.Pressentimento?
Não,apenas a especulação a tomar corpo diante do que move cada
ato,diantedo que chama em cada pensamento.

Paulo Venturelli

Poema III

Mineral, com todos os cristais desfeitos, eis
a hora, entidade de mãos
frias colhendo o que mal brotou.Nada poupa
sua voracidade e só ela é maiorque a própria
sombra. Recolhendo-se na camuflagem dos
ramos, na borda dealguma palavra nem se-
quer pronunciada, ela espera, está na tocaia
de umabismo ocasional. E como sua carne,
seus braços atraem qualquer ser
errante. Próximo dela tudo já é cinza, nada
flutua numa composição que se infiltre devida.
Mineral, a hora forja o ferro, seu magnetismo,
e nele capta todos os tons, nivela todos os
sons. Na esquina das horas, a igualdade dos
sereschama e os homens decifram sua vonta-
de nos corpos a perder escamas,
asas, filamentos.

Paulo Venturelli
Liberdade,

Tenho saudades


Do tempo seduzido por você

Novas asas jamais sonhadas

Azul novo para o mundo.

Tão vasto!



Somos,

Ainda os velhos errantes

Da igualdade desejada

Doce como a espuma domar.

Tão vasto, tão real !



Loucos,

Procuramos fraternidade

Neste concreto jardim

De células vermelhas.

Tão vasto, tão real, Tão próximo !



Antonio Adilson Lovato

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Sete

você procura sempre o eterno.
quer materialidade no etéreo.
intenta amanheceres de glória,
cambraias, rotinas e finais felizes.
mas coito não se delonga em gestação
e nosso cego fétido feto agoniza
a penumbra morte de sete meses.

Marcio Knoblauch
Se desejares ouvir
a voz do vento
traz consigo a tempestade.

Assim também
quando o amor tu desejares

lembra que o amor ,
mais ainda que a procela ,
por mais augusto e singular
que ele seja,
destrói e mata,
marca, fere e desespera.

Paulo Gatti
os olhos da película
passam cegos
ao calor da boca

(natural mensagem
mente outra )

a incerteza da retina
traz fé
à realidade pouca.

Willian Tecca

Paragem

segue
o desejo
feito cego
que ousa
conhecer o in
sight incerto
certo do coito
desta coisa.

Gerson Gomes da Cunha Filho

Fuga

Parti sem nada
Nas costas curvas de um burro.
Eta! Vida danada,
Dá nada.

Denise Espildora Girdell

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

mudo,


o velho

serpentea flores...,

dores.

descalso, flori vida

insistente pelas calçadas

da XV avenida.

a rua flor passa

há quem passe e não se importe

a flor vestida de rosa

brilha mais que a sorte.
 
Foto:Ricardo Pozzo
Texto :Ângela Gomes Brochier
Fonte :pó&teias

olhai o lírio dos campos

eu conheço a coreografia
dos seus gestos a fúria
do seu corpo quase quieta

quando rasga as veias
e saboreia o gozo eu sei
da primazia dos seus sonhos

seu jeito bobo
de falar estranho
simulando o medo

sob as cobertas
dando de ombros
pra ganhar a palavra certa

na ponta dos meus dedos
a geografia do seu sexo
-o segredo do universo

sussurrado na cama
cúmplice perfeita
dos nossos invernos.

William Teca
in.Espeto de Pau.
Boca do Inferno.10.maio-junho 2001.
Uma mente sem endereço.
Cabeça de ruas tortas,
sem atalho.

Longe que vai...
esquece de voltar,
não guarda o caminho.

não precisava, mas vou dizer;
às vezes se perde.

------------------------------

equilibrio perdeido
com as mãos ao vento

fora do tempo
nada mais se acumula

Ivan Carlos de Souza

Circuito Fechado

Ele corre pelas ruas cravejadas de poeira e luar. Sabe que vai encontrar aquela que ama, embora não saiba seu nome, e seu rosto seja uma sombra. Quando conseguir encontrá-la, saberá que é ela, pois sabe da solidão que contêm os olhos daquela que ama. As ruas da cidade são cinzentas; caminha por ruínas, vê altos edifícios. Entre escombros, pó e medo,pessoas se movimentam, catam coisas, gritam. Uma menina chora. Um gato corre e sobe em latas de lixo prateadas pela lua. E o homem continua correndo em busca da mulher cujos olhos irradiam solidão. Ela não aparece, mas sabe que vai encontrá-la. Vê um prédio em ruínas, uma casa onde há muito tempo uma família teria vivido. No jardim cresce o mato. As vidraças estão quebradas, as paredes, manchadas. A porta se abre para um salão imenso e devastado. E uma incrível solidão passa pelo seu rosto como um vento e lhe cerra os olhos. Quando os abre, reconhece os olhos de solidão que brilham diante dos seus. E naquela lúgubre solidão, ambos bailam ao som de cigarras boêmias. Já reconhece o rosto daquela mulher que sempre conheceu. Não sabe seu nome. Mão precisa sabê-lo. É como se já soubessem tudo. E um estranho abandono os harmoniza. E ele entoa uma canção silenciosa que exala solidão e nácar. A canção os faz bailar pela noite cheia de sonhos, através da cidade passiva. Mas a cidade não entende seus anseios de libertação. A cidade não percebe em seu anonimato cinzento, repleto de dores e gritos a ânsia que os move e os torna contraditórios. Entre ruínas, edifícios, lâmpadas, fios, fagulhas, pontilhões, ele e ela se movimentam leves, borboletas perdidas entre automóveis. Sobrevoam a cidade. Se escondem. Ela ri. Ele vê seu véu, longínquo, seu vulto.



Ele acorda em meio à desordem do velho apartamento. Na cama, no quarto, nenhum vestígio da presença feminina. Tenta recordar do rosto, mas no lugar dele, novamente uma sombra. Somente um riso vago de mulher. Se lembra da casa em ruínas, das ruas de pessoas tristes, mas do rosto...



Sai ás ruas, percorrendo-as entre ruídos, fumaça, automóveis,pontes, céu cinzento. Ele corre pelas ruas cravejadas de poeira e luar.



Juliana Pretto

sábado, 15 de janeiro de 2011

Aridez

Corpos e espaços de aridez intensa,
em um compasso de natureza vacilante
lastimam esta nefasta contínua ausência
que tornam a alma seca e a vida arfante.

Das lágrimas faz-se o júbilo das crianças
que se embriagam em salgado néctar derramado
pelo rosto de olhar profundo e vago
que não se cansa de sonhar em esperanças.

E pro corpo intruso do desapercebido viajante
que traz consigo velhas chagas já curadas
em sua culpa, em uma eterna vida errante,
levará para outros campos de fartas searas
a aridez sepulta em olhar infante

E serão para outros olhares, estas imagens,
lúdicos opróbrios indignados,
alimento volátil, desfigurado,
sina de uma eterna vida errante.

Rodrigo Turin
Só gosto de bares
Às terças e quintas.
Nesses dias,
Todos os pares são ímpares.
Aos sábados,
Todos os gatos são pardos
E as gatas persas.
Si...tutti persa! Tutti perduti !
Segunda é dia de amantes.
Amantes...até os falsos são brilhantes.
As quartas, são todas cinzas.
Jejuo.Sou ranzinza.
Sexta,é a extensão de expediente
gente barulhenta
fingindo que está se divertindo.
Das feiras da semana
gosto mesmo das de domingo:
feira de artesanato
feira de livros
feira livre...
livre pra ficar dormindo.

Marilda Confortin

Eclipse

Somos dois corpos
em chamas
ateando fogo na cama
ardentes
Incamdescentes
Mais parecendo
dois sóis
se pondo
sob os lençóis.

Zé Carlos Baptista de Pilar

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

De bebedeira e confusão

Juro dizer a verdade, nada a mais que a verdade, a não ser pela grandiosíssima mentira que contarei a todos. Mas excluindo-se tudo, o que sobra, pode-se dizer que é parte da verdade.Parte pequena, claro. Mas quem não tem pedras, que atire o primeiro pecado.

Para os que ainda não leram este, lá vai uma dica.Segure-a senão ela foge. Isso segure bem. Quase me esqueço. A dica é:eu sou um narrador onisciente. Nem tão onisciente assim, mas pode-se dizer que sim, ou não.

Pois bem, disse ao Juca, polaco louco esse Juca, bebia mais que um Galaxie mal regulado. Dizia já ter sido famoso jogador de futebol. do Madureira. Mas como alguém pode ficar famoso jogando pelo Madureira? Bom, mas isso agora. semana passda tinha sido cantor de renome. De fandango. Fandango !Como alguém fica famoso cantando fandango? Fandango se canta ? Retiro o que eu disse, não sou onisciente.

Pois bem , me respondeu. Aí deu-se a briga. Dizia eu a ele,pois estando acompanhado não poderia dizer a mim mesmo, que a Semana de Arte Moderna de 22 , tinha acontecido em 22. E o "futebolista" agora me contava, sobre quando estudava medicina e namorava uma dona.

Não pude suportar a audácia do borracho! Todo mundo sabe que oano de 22 aconteceu em 22, portanto tudo que aconteceu em 22,aconteceu em 22. Não posso dizer que não estava mais pra lá do que pra cá, mas com Raul e Leminski na cova , alguém tem de fazer um esforço para beber a parte deles, que desperdício também é pecado, e alguém tem de manter a indústria nacional do tiro-e-queda. É até uma questão de patriotismo! Era Quaresma ou Cubas, opatriota ? Não importa. O triste fim chegou para ambos. sei é que Juca, ficou indignado. Nos atracamos. Ele tentando me derrubar, como se eu não pudesse cair sózinho!!! Paras citar Homero: "o prélio foi sangrento" , "a pugna terribilíssima''.Pelo menos foi o que me disseram.

Só sei que quando dei por mim, estávamos os dois caídos na sarjeta, numa possa de sangue e um punhal jazia entre nós. Até hoje não sei quem morreu naquela tarde, Seu Juiz, e, a propósito, isso aqui é o Juízo Final ou eu estou preso ?

Cláudio Ornellas
Boca do Inferno.16ed.junho 2006

Cortinas quebradas

Já é de manhã e eu vou dormir
Ferindo meus olhos na insõnia
O café está gelado, os papéis jogados
num canto qualquer da mente.

O dia está propício
aos sonhos diurnos da história
As palavras se arrastam pelos lábios
Pernas bambas e sensações dormentes
Um feitiço melancólico, corrosivo
Eles saem das suas tocas
e espreitam a caça do orgulho
Mausoléu de ratos
de sinistra podridão

Jorro água em meus olhos
E é difícil acreditar em fábulas
Procurei o convívio com o silêncio
Profanei a noite e os meus fantasmas
A febril angústia consola o meu recuo
Víboras de mágicos sorrisos
rastejam aos pés da indelével máscara
Mentindo risos e sufocando gemidos.

Sou pássaro de olhos míopes !

Hoje a dor está mastigável,
Mas ainda queima quando é engolida
Os ouvidos estão atentos ao "silêncio"
As minhas sombras gritam com a astuciosa luz
Eu tenho fobia de mim.

Ted Rocha
Boca do Inferno.16 ed.junho 2006.
Mito do teu beijo
O lampejo alumia
A lua minha sinfonia
No repente presente.
Maestria das
estrelas:
Fios de luz
transmutam-se
Num emaranhado
Novelo de desejo.

Michelle Santos Jeffman

Olhos sobre você

O MEU silêncio
penetra nos corpos
como se fosse ossos cristalinos,
fazendo ranger
os dentes da inveja.

Giuliano Gimenez
Mudar;acabar,recomeçar.Um enorme
dégradé. Uma pintura que expôe o
desbotamento de suas mesmas cores.
Estágios indefinidos que se alternam.
Depressões. Revoluções. Orgasmos.
Fantasias.Ilusões. Cretinices.Utopias.
Alucinações. Sacações. As coisas
realmente mudam ?Em relação ao quê
(independentemente da resposta) ?
Automatismo.Pra que o poema precisa
de versos, se na vida a poesia não tem
métrica; o muito e o quase nada num
aquário de água poluída. E a eterna
metamorfose do que não muda nunca.

Marco Aurélio.
in.Boca do Inferno.n11.ano III

Linguística Aplicada II

quando o teu aparelho fonador
encontra o meu
tenho memórias vibrantes
sons e silêncios que a gente
como nunca foram antes

sei que tentaram nos bloquear
interromper e obstruir

mas isso não passa de intriga
inveja de um bilabial
e de outras labiodentais
que se diziam suas amigas

mesmo as fases e frases
que foram fricativas
tiveram o seu porquê
aquela oclusiva inclusive
um dia você vai entender

quando o teu aparelho fonador
encontra o meu
sonho sons aproximantes
tudo que se possa sentir
entre as vogais e as consoantes

esquecer eu não sei dizer
o quanto significa

antes depois e ainda
só o céu da boca
na minha ponta da língua.

Fernando Koproski
in:Boca do Inferno.11.Ano III.

Adeus Amor

com uma mijada
escrevi teu nome
enquanto caminhava

alua tola lia
minha distante
caligrafia

madrugada escorria
pela rua nem lembrava
como mesmo se chamava

Jorge Barbosa Filho

Délivrance

Se te ofertei as tranças
que teci em insondáveis
crepúsculos

Se te esperei banhada
e limpa açucena

Se recatei e ocultei
sob sedas e rendas as luas
de meu corpo

Se noite após noite
vestal me vesti e me penteei
renovando bodas

Se cuidei do que comi
para não corromper meu
hálito

Se nem suar diante de
ti ,refrescando comlavanda
meus calores

Se até meus ardores
te servi em frescos linhos
de imaculado branco

Se me lavei de teus
fluidos e ao leito regressei
refeita e núbil

E assim permaneci trigo
fiel, erva fresca a teus pés,
entreaberta corola

Tu, que me deste?,de
que modo retribuíste o doce
sopro com que inflei as
belas palavras?

Peidos!

Peidos,sim,foi o que
me deste e assim desvaneço
Não me supliques-
peida-me e esquece.

Jamil Snege

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Tudo dito
 nada feito,
fito e deito.

Paulo Leminski

in:Distraídos venceremos.SP:Brasiliense,1995,p.131.

Olhos

Na face menina,
Os olhos antigos
Como a dor do mundo.

Helena Kolody
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

Paulo Leminski

in:Caprichoe e relaxos.SP:Brasiliense,1983,p.89

Pranto

Às vezes, soluço por mim,
como se pranteia alguém
que há muito deixou de existir.

Helena Kolody

Amor Platônico

...e se não me quiser,
bastar-me-á o amor platônico,
que nada traz,
mas que deixa
o gosto amargo,
contraditoriamente bom,
das coisas belas
que não nos pertencem...

Francisco Spisla

Amor

Apesar de su induración,
el hierro,
obstinado e inflexible,
consiente la humedad
el gozo escarlata de la herrumbre.

Edival Perrini

domingo, 9 de janeiro de 2011

Pulsar Forte

é respirar a verde natureza
ou estar sentado na areia,
e do mar azul saindo, cheia de graça,
a escultura viva da mulher amada.

Gerson Guerra
lambeijar-te
os cílios
Até que sequem
Os rios
Vis avisos avisto:
Nem só de arrepios
Vivem os
Cios

Gigio Venturelli
a noite enorme
tudo dorme
menos teu nome.

Paulo Leminski

in:winterverno.Curitiba:Fundação Cultural de Curitiba,1994,s/p
Agora, vejo minha mulher
ao meu lado, seu corpo
já passou pelos filhos,
os filhos já passaram pelo seu corpo,
a pele reluziu, dilatou-se,
voltou ao estado
de contenção e apuro,
e aos poucos se mantém
recolhida como um carretel
e sua corda de amanhecer.

Fabricio Carpinejar
vão é tudo
que não for prazer
entre parceiros

vãs
todas as coisas que vão.

Paulo Leminski
in:Polonaises.Curitiba:Ed do Autor,1980

sábado, 8 de janeiro de 2011

Eu vendo a venda

para que vejam com a alma
ninguém compra a escuridão
tendo tanta luz à mão do olhar
Eu vendo a escuridão à cantar;
decantando da imagem o lôgro
da imagem a roubar do pensamento
o don do pensar
aceita a imagem o sofrimento o gôzo
mais do que o som do silêncio a implorar
nas letras as idéias do torturante imaginar
no delírio da razão prefiro
as cores do sangue a pingar do sol a suar
na tela de televisão
no meu bairro a rodar
a roda a moer
a imagem a atropelar
Não sou feito de aço,
eu enferrujo,
por isso evito ventos fortes
lágrimas à toa.
Como da primeira vez.
Pareço feito de areia, então escorreguei por entre seus dedos.
Mas foi a última vez.
Sou um bandido alado, impreciso, roubo a substância do abstrato.

Me comunico em panfletos colados nos postes, cartazes nos tapumes, muros piccahdos, estampas de camiseta, adesivo de carro. Tenho apenas cinco sentidos, todos voltados para a contra-mão, e mesmo assim reconheceria a sua voz até no inferno. Eu viajei vezes e vezes por você sempre um segundo atrasado leve, leve, leve e esperei... as 7 voltas nas muralhas de Jericó os 3 dias pela ressureição os cem anos de guerra e solidão os nove meses no ventre da tua mãe mas somente aprendi as leis do tempo quando li as linhas da tua mão. A poesia não espera pela inspiração o amor não espera amadurecer a dor não espera o perdão a fome não espera a sede a vida não espera o fim do expediente o sol nunca espera pela lua e eu não espero mais por você.

Luíz Belmiro Teixeira

Mário de Andrade ("Macunaíma e a Máquina")

ARTE CATARINENSE Tolentino Sant'Anna

domingo, 2 de janeiro de 2011

No início eu era verbo
No presente do indicativo
Depois era verso
No pretérito mais que imperfeito
Agora não quero saber
Se é certo ou errado
Virei passado.

Yuri da Lua

Santuários tantos

Sou todo teu,
porque teus olhos sempre me contêm
Sou lobo teu,
por mais que tuas idades não me contem
Sou tão ateu,
pelo tanto que minha alma te devota
Sou à toa em teu seio;
Tua teia que me devora.

Gilson Hack

sábado, 1 de janeiro de 2011

Canções

Há uma porta absurda que abre para o Nada.


Há sonhos que são maçãs, e tudo é possível-até a invenção do real.

É então que me pego de bem com a vida , arejo a casa , deixo o chão limpo. Eu sei que ficará sobrando uma cadeira. Farei assim de propósito, para ferir minha vida com tua marca, que só a dor de te lembrar me faz ciente que viver é tão fugaz e tão precioso.

Meço os gestos,o movimento dos dedos, a lentidão da faca cortando maçãs.Valorizo cada movimento.O zumbido do inseto.A cor do musgo . A tênue brisa que faz o mato farfalhar.

Aí é que uma lágrima foge em meu sorriso. É que me faz muita falta,mano, tua presença nesta tarde de musgos e maçãs.

Mas me mantenho inteiro, sabendo que q ti só resta o quebrar-se,como uma xícara se quebra,não um sonho, que nele você permanece igual a um dia que eu estava de bem comigo,arejei a casa ,deixei o chão limpo,enquanto esperava você chegar da escalada.

Se sonho que me sonhas,um perfume de frutas vem não sei de onde e se estende por todo o aposento.

Além do sonho há uma porta,eu sei.

Já tenho o sonho e a senha,tenho a sanha e a covardia,tenho a noite e a luz do dia,tudo o que via e havia.Tenho lascas,corpo inteiro,matagal,caminho aberto,lances de longe e de perto.Tenho a chuva que caía cerca da boca da noite.

Lembrança de um céu riscado por lâmpadas e açoites. E o sol que tudo clareia quando a vida vai a meia distância entre agora e ontem.Tenho ventos e ventanas ,portas e salas vazias,paisagem de calmarias,copas,troncos,galhos,rama,tenho todo o panorama.Tenho(mais !)a casa cheia;cadeiras,a mesa,a cama,repletas de gente amiga compondo à maneira antiga pelos trajes com que assoma. Pois tudo é ontem. Acabada, a história descansa em paz. Hoje,tenho o sonho e a senha,a sanha ficou para trás. (Faço silêncio pro moço finado que em mim jaz.)



Nelson Padrella

O jardim, a tempestade

Minha filha é um animal rústico , espécie de lebre ossuda e selvagem.

Não tem ternura, só cartilagens.

O impacto de seu corpo lembra o de um saco de correio atirado de um trem.

Tem sete anos de idade imemorial da terra.

Ao seu redor sempre pululam girassóis e uns estranhos céus de tempestade.

É aparentada com os líquens, as algas, os pólens, as angiospermas.

Suja ou banhada, cheira igual; sua pele repele a água como as penas de pato e asas de mariposa .

Aproxima-se de mim como se eu fosse um grande degenerado tubérculo; experimenta minha rótula,meu gasnete-e seu hálito leporino congela meus gestos.

Aninha-se entre minhas pernas até que um fruto ou um gafanhoto atraia seu olhar pardo;dispara num átimo retorna,chocando sua cabeça contra as raízes tuberosas de meus dedos.

Não faz perguntas nem comete maldades ;apenas passeia seu corpo seco  por entre o jardim, e a erva cede à sua passagem como se fosse o vento.

Minha filha preenche meus dias como o fazem os corvos, as formigas , as tempestades.

É grande meu jardim.Em quinze anos, jamais consegui atravessá-lo na minha cadeira de rodas.

Jamil Snege
O Jardim,a Tempestade.
Edição do autor.Curitiba,1989.p82.
Mascularam-se à medida que feneciam seus encantos juvenis...O tempo impôs uma decisão:virilizaram-se.Um furtou a imagem de Narciso do espelho do outro, o demônio de trejeitos adocicados foi expulso para além do jardim.E um do outro fizeram-se arrimo e arado.
Jamil Snege
O Jardim, a Tempestade
Idéia inquietante: a mãe vestida de lã( era inverno ),como se pudesse sentir frio.Um retêngulo de terra revolvida ficou bem nItido no gramado(era inverno )...Raízes não comem lã-por que essa imagem de raízes perfurantes?
Jamil Snege
O jardim,a tempestade

O jardim das Coníferas

Há dois homens no jardim
das coníferas.
Um corta a grama e o outro
carrega um pedaço de crepúsculo
nos ombros.

Jamil Snege
O Jardim,As Tempestades
Esta semana fomos todos chacinados.Eu, você, nossos vizinhos, a velhinha do segundo andar , o garoto loiro da esquina.Fomos todos massacrados e nossos cadáveres, inchados e perplexos, amanheceram nos passeios, nos monturos, junto às casas derruídas.Somente as moscas nos fizeram companhia...As moscas vieram e não nos deixaram sós nessa longa noite de abandono com nossos crânios partidos,o branco do olho a mirar a impoderável solidão a que nos obrigam os assassinos...Esta semana,fomos todos chacinados.E como ninguém nos lamenta, só nois resta...inchar,apodrecer e corromper com o nosso fedor esta vossa primavera.

Jamil Snege.
O jardim, a Tempestade
Como o vivo vomita o morto,como a ave regurgita o seixo venenoso,como a fêmea rejeita o s~emen indesejado, eu vomito você, amor.

Jamil Snege
O jardim, a tempestade
Edição do autor.Curitiba.1989