sábado, 30 de novembro de 2013



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Eu tenho todas as raças liquidadas em meu sangue,
Eu tenho todos os povos tombados em meus braços,
Eu tenho o estigma desse tempo,
E tenho o sangue e a terra misturando-se e restaurando-se
In memorian.
Eu tenho as trincheiras nas costas e asas nos pés,
Que me levam a todos os continentes.
Eu tenho em cada olho uma bomba detonada,
E na boca uma granada por explodir.
Eu sou o produto desse tempo discutido em dialética.
Eu sou a hipótese e a síntese matemática dos acontecimentos.
Eu sou a criança metralhada,
Eu sou a angústia da humanidade toda,
Que se desfaz,
Aprendendo a morte,
Dia a dia.

(poema de Nilza Barude , poeta paulista, fez parte da Catequese Poética e atuou como jornalista em São Paulo e na Bahia. Dirigiu, criou e apresentou programas na TV. Recebeu título de Cidadã da Cidade de Salvador e publicou Amor/Ação(1995), Contos &CartasMemórias de um Coração e Reticências (2011).É também artista plástica. Nilza está na série AS MULHERES POETAS...Se quiser ler mais, clique no link

Um passeio pelas ruas de Curitiba



Curitiba se veste bem de cinza. O sol, apenas acessório. A noite, Curitiba é confeccionada de gotículas brilhantes sapecando seu preto básico. Elegante, suas ruas tem duplo sentido para as meninas de programa do Passeio Público. As estátuas da Praça 19 de Dezembro, fazem amor nas entrelinhas da poesia. Os craqueiros atrás da catedral se drogam numa rua sem saída. Pela Riachuelo, passeio turístico obrigatório, novas fachadas nos prédios antigos. Cenário com outra roupagem para as mesmas personagens. Espetáculo trágico: prostituição, drogas, violência, roubos sob as luzes dos postes que enfileirados iluminam a degradação humana.
Curitiba é envolvida pela névoa. Molhada e seminua sua sensualidade aflora pelas madrugadas nas velhas calçadas do Largo da Ordem. Seduzidos, temos o passado a nossa frente, caminhando nos paralelepípedos escorregamos em sua história.
 JDamasio


February 1912. "Rear view of tenement, 134½ Thompson Street, New York City. Makers of artificial flowers live and work here."
"Nunca sei ao certo
 Se sou um homem de dúvida
 Ou um homem de fé
 Certezas o vento leva
 Só dúvidas, continuam de pé"

 [Leminski]


Pelas frestas da janela seus olhos arregalados corriam pela rua para contar os poucos carros, três , estacionados para comemorar seu aniversario e vê-la apagar as noventa velinhas sobre o bolo. Meses depois, uma fila de carros dobrava a esquina. Olhos fechados. As duas velas acesas a cabeceira do caixão apagavam insistentemente sopradas pelo vento.
JDamasio






Anos de doutrinação marxista
De acordos com a mente acerca
Da metafísica e de seu útero movediço
A diluição do sujeito, o virtual incorporando o real desdobrando um novo modo de produção existencial e o corpo cibernético
A opressão dos dispositivos a opressão corporativa,
A humanidade e a falta de humanidade os direitos humanos e toda a necessidade de se preocupar com os direitos humanos e com os deveres humanos
A fome e seus diversos reflexos a fome se alimentando de carne humana
As guerras e suas sequelas ironicamente pacíficas
As doenças sexualmente transmissíveis vírus bactérias e todo medo residente na possibilidade de armas biologicas

Tudo isso
Eu disse
TUDO isso
Não irá me impedir
De escrever
Um poema
Pra você

Somente
Pra você

E mais nada

Alexandre frança 


A Serenata


Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mãos incríveis
tocar flauta no jardim
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobro
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
— só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?

Adélia Prado/

Ao vê-la ali na sala se deu conta que nunca fora um homem romântico nos gestos, menos ainda com as palavras. Saiu discreto, voltou com uma rosa vermelha. Entrou em casa tímido. Aproximou-se da esposa de longos anos, balbuciando sua confissão: “Eu te amo” Colocou a flor entre as mãos a amada e chorou sobre o caixão.

JDamasio




A Deus : Curitiba


6 de setembro de 2011 às 22:08
Te entrego a Deus Curitiba
Cidade que sempre nos pariu
Pra dentro
Que sempre fez vista grossa
E um olhar sonolento
De todos tão iguais e todos
Separados cruelmente
Do olhar longe de
E a resposta gemendo em silêncio
Não fale com estranhos
Mas por favor
não se assuste no espelho
Acho que já faz tempo que o outro
Não te consegue mostrar você mesmo
Aqui aprendo a morrer e peço
Não me mostre vida em polvorosa
Porque eu verso sobre ficar na minha
Só pra não sair de moda.

Julio Urrutiaga Almada


Do Livro De Olho:Embriagado

Derramando em meu estômago o líquido negro o líquido doce caramelo-cafeína, deitando nas valas de respiro ofegante da noite, me atirando de varandas e olhando o solo duro da queda - calo em meus dentes a frase "estou de volta" e misturo vodka à caixa d'água do prédio onde vejo escrito na fachada "funcionamento do universo". As fumaças, as sirenes e os clitóris do corpo carnudo da noite em meu rosto sujando o meu rosto untando a pele de angústia - obsessão. "Estou de volta", falo mastigando para mim, derramando o falso glamour de um cigarro mal cheiroso no pulmão - tusso e escarro - um cigarro, fruto da vaidade languida de sucumbir as tentações as tentações rotineiras, a língua sangrenta da falta de perspectiva - "estou de volta", falo peidando e arrotando as bebidas que agora me engolem. "Estou de volta" e o que me resta é escrever feito o louco que fui nas noites de fogo da velha Curitiba de guerra - agora, o espaço é maior - devo lidar com toda esta falta de centro
- estou de volta sim
para não mais me

reconhecer.

Alexandre França

Ônibus público em Tirana .Albânia


Dei para cair no Walmart, acho que não vou mais lá. Três quedas nos últimos meses. Outro dia alguém quebrou uma garrafa de Cidra e eu não vi o chão molhado e cacos ao redor, um pouco atrasada queria ir preparar o almoço do filho _ era domingo _ escorreguei e cai entre cacos pontiagudos. Por ter uma proteção do céu, nem me arranhei. Só ganhei uma marca roxa na perna esquerda que entrou com tudo embaixo da prateleira. Cair é uma coisa horrível. Hoje cai de novo, no Walmart. Estou com a cabeça estourando de dor e uma sensação estranha que é quase dor no rim direito. Veja só, posso morrer só de sair para ir ao Supermercado. Hoje, um moço saiu do carro e veio me ajudar ali na entrada. Ele disse _ troque o sapato _ como assim? Eu vou à padaria, açougue, mercaria, café, restaurante, todas as lojas da região. E nunca cai por estar usando este sapato. Eu vou ao centro, eu ando pela cidade, devagar, mas, ando... E não caio. Eu só caio ali, que tem pisos horríveis que vivem molhados. Então, lembrei meu amigo Clifton dizendo que eu devia comprar uma bengala. Sim, quem sabe. Uma bengala e os cabelos sem tingir, pronto _ A senhora veste seus quase sessenta anos de fragilidade e saúde abalada. Só espero não ter que decepar meu pé direito, como Frida Kahlo, pois estou assim desde 2007 com o pé direito detonado e sentindo dor na sola, caindo em lugares públicos. Ave! Mas, agrada-me a ideia da bengala. E quem sabe quando andar de ônibus vão ceder o lugar, e não caio mais no Supermercado. E fico com ar de escritora de romances de mistério. Vou comprar a bengala.

Bárbara Lia

Pelas frestas da janela seus olhos arregalados corriam pela rua para contar os poucos carros, três , estacionados para comemorar seu aniversario e vê-la apagar as noventa velinhas sobre o bolo. Meses depois, uma fila de carros dobrava a esquina. Olhos fechados. As duas velas acesas a cabeceira do caixão apagavam insistentemente sopradas pelo vento.

JDamasio

nem toda poesia
poesia
até que se
prose ao contrário.

Gil Jorge

DO QUE EU NÃO SEI MAS DEVERIA



se nada sabes do amor
bem melhor então que cales
só minúcias dessa flor
livram pétalas dos caules

como dizer o que sinto
se o que sinto me amordaça
e um barril de vinho tinto
dá-me um porre que não passa?

mil imagens na cabeça
e aos carinhos mais me furto
se não sinto que os mereça
o meu corpo entra em surto

fui à caça de uma acácia
quis meu verso perfumar
paguei caro pela audácia
naufraguei sem ver o mar

as palavras não têm casco
nem as velas nem os mastros
muito menos sou um Vasco*
que navega sob os astros

mas, no abismo, estou em casa
ancorado em meu dilema
se o amor me tira a asa
para o voo eu tenho a pena

antonio thadeu wojciechowski


*Navegador Vasco da Gama


Coração de mulher é sobrevivente de guerra. Enfrenta o perigo e esgarça como tecido fino, não é à prova de nada, derrete, mas deflagra sempre uma bandeira de paz.
Como não vivo sem paixão, a fada dos mosaicos ensinou-me a colar caquinhos. Assim, trago no peito uma obra de arte ou, em outras palavras, um coração vermelho, maduro, cheio de lembranças, climas, paisagens, cortes, suturas, quinas, saudades e que permanece quase, quase inteiro.


(Célia Musilli, fragmento de "Fala Coração" in Todas as Mulheres em Mim/ 2010)

Navegar...



O sol...
o partilhar
de luz,
são ecos...
deixo-me
exposto.
O rosto
ganha brilho.
O corpo
faz-se porto.
A alma,
faz-se mar.

Vou navegar...

josemir(aolongo...)


Borboletas


Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta seria, com certeza,
um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos

homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de
uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.


- Manoel de Barros, em "Ensaios fotográficos", Rio de Janeiro: Record, 2000.
“não existe poema sem acidente, não existe 
poema que não se abra como uma ferida, mas também que não cause ferimento”

 DERRIDA


ESTILO DE LA BOCA

Estilo da boca é um poema que escrevi para a querida Jardelina da Silva (fotos). Abaixo, em tradução de Víctor Sosa, da edição mexicana do meu livro Corpo sutil que sairá em 2014.

ESTILO DE LA BOCA
Para Jardelina da Silva

1.

está viva la letra...

en el rastro del enigma
mira de nuevo

(mi madre leía el libro de la tierra
y todo lo que hago es por eso)

huellas juveniles
en la húmeda floresta

2.

la luna blanca intercepta
reflejos

(soy el rabo y ellos no pueden conmigo
(cargo el mundo entero)

en la dorada arpa
del ángel desnudo

3.

clonado
sobre el filo del lago

(jardelina salvó el mundo,
desencantó a la laguna)

sobre
carpas en alborozo

4.

en el blanco del caos
en el culo de una estrella candente

(ja ja ja ja ja ja
ja ja ja ja ja ja ja)

en la primer risa
después del humano

5.

después del mono
antes de la hiena

(porque el primer indio es el chamán
¿ya lo sabías?)

el primero, después
del ni fin ni comienzo

6.

en el pasaje
en el envés del paisaje

(entré dentro de los quintos infiernos
pero todo lo que hablo es el planeta)

mira para dentro
mira para fuera

7.

Mira con la espalda
del globo ocular

(todo lo que hablo sale en un afirmado
olvidé el estilo de la boca)

deja la vieja poesía
atrás

8.

(Mi madre leía el Libro de la Tierra:

“Esa gitana, ella usa carmín,
ella usa todo lo que es tintura
y nunca deja la moda de ella,
y no acompaña la moda de nadie,
la moda de ella sólo ella la hace.”


¿cómo iba a saber que era yo?)

Me perguntam se eu acredito em cura pela poesia. Respondo, sem o fazer diretamente, que desconheço processo de cura que não passe pela palavra - ou, antes, pela voz que profere a palavra que tem poder. Mas você já curou alguém com sua poesia?, insistem. Digo, entre constrangido e intrigado com a pergunta, que prefiro não responder, me sentindo curado, quando menos, da antiga mania de dizer que, sim, já me curei de mim mesmo, do sujeito pretensioso que eu era quando - por conta das minhas pesquisas no campo da performance -comecei a me interessar pelas técnicas do sagrado, há coisa de uns vinte anos. A pessoa que mora dentro da minha pessoa sabe que nem desse tipo de vaidade eu me curei ainda.

Ricardo Aleixo

O teatro, o circo e eu

"uma das imagens mais completas da estranha representação da vida, do estranho destino do homem sobre a terra. O Dono-do-Circo é Deus. A arena, com seus cenários de madeira, cola e papel pintado, é o palco do mundo, e ali desfilam os rebanhos de cavalos e outros bichos, entre os quais ressalta o cortejo do rebanho humano – os reis, atores trágicos, dançarinas, mágicos, palhaços e saltimbancos que somos nós."

- Ariano Suassuna em "O teatro, o circo e eu" - Almanaque Armorial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008, p. 209 - 210.
http://www.elfikurten.com.br/2013/09/ariano-suassuna.html

“Para entender nós temos dois caminhos:
[o da sensibilidade que é o entendimento
do corpo;
e o da inteligência que é o entendimento
do espírito.
Eu escrevo com o corpo.
Poesia não é para compreender,
[mas para incorporar.
Entender é parede; procure ser árvore.”


- Manoel de Barros, do livro "Gramática expositiva do chão: poesia quase toda". Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990, p. 212.

Velhice


vai perdendo o humor
vai perdendo a beleza
vai perdendo o tesão
vai perdendo os amigos
vai perdendo a paciência
vai perdendo a memória
vai perdendo a visão
vai perdendo os dentes
vai perdendo os cabelos
vai perdendo tempo
vai perdendo-se
vai perdendo
vai


Gil Jorge
Vivo em minha pele duramente
Romélio Romulo
neste sábado azedo
acordei defenestrado
e montado num segredo."

RR


*sabe quando tu toma uma opinião interna como projeção de sua ação e encontra aquela massa coletiva insurgente te dizendo: tua liberdade termina onde começa a minha. e tu continua e diz: liberdade não tem começo nem fim? pois pois. estou neste momento. "faz o que tu queres. há de ser tudo da lei."

*"agora sabes que sou verme"


Andréia Carvalho Gavita

Vocabulário de Recife

Abotoar – ATACAR
Desabotoar – DESATACAR
Colar (em prova)- FILAR
Oi! – QUE É QUE HÁ?
Tchau! – ATÉ MAIS!
Tudo de bom! – FELICIDADE!
Beijo! – CHEIRO!(também na Bahia)
Dar a volta – ARRODEAR
Infernizar – APERREAR
Bagunçar – TRELAR
Uma pessoa sabida – UMA DANADA!
Sentir medo – TORAR
Mão de vaca – PIRANGUEIRO
Muito bom – TAMPA
Quiosque – FITEIRO
Latoeiro p/ desamassar carros - LANTERNAGEM
Gay – FRANGO (Não pedir 2 Kg de frango no supermercado nunca, ele riem)
Bobão- tabacudo
Botão- pitoco
Fazer gozação- MANGAR
 Rabo de cavalo- Pitó


Recifense via Jussara Salazar e Raimundo de Moraes 

“Serás tudo para mim: mulher, amante, amiga e companheira. Sim, querida, hás de ajudar-me, a escrever os nossos livros. Não só passarás à máquina que eu escrever, como poderás auxiliar-me muito. Tu mesma não sabes o que vales. Eu sei, e sempre disse, que tens extraordinário gosto, para julgar coisas escritas. Muito bom gosto e bom senso crítico. Serás, além de inspiradora, uma colaboradora valiosa, apesar ou talvez mesmo por não teres pretensões de ‘literata pedante'. E estaremos sempre juntos, leremos juntos, passearemos juntos, nos divertiremos juntos, envelheceremos juntos, morreremos juntos."


- Guimarães Rosa [6/11/1946].
Percorrer
a trilha
é inversar.

O hispter
almeja o
hippie star.



Ricardo Pozzo

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O CAMINHO


Não é medo de chegar sozinha:
é medo de não chegar.
Não é angústia de saber longa a estrada:
é de não saber escolher entre todas
a verdadeira.
Oh! Meu segredo inviolável!
O longo mapa a percorrer!
Quantas vezes penso ter chegado à paz
e é apenas uma encruzilhada.


(poema de Reni Cardoso, 1945-2008, poeta paulista, atriz, professora, pesquisadora e tradutora. Também integrou o movimento Catequese Poética nos anos 60. Fez mestrado e doutorado na USP e destacou-se como grande especialista em teatro russo. Reni também está na série AS MULHERES POETAS... Se quiser ler mais, clique no link http://www.rubensjardim.com/blog.php?idb=39792

100 ANOS DE ALBERT CAMUS



"A consciência do absurdo é pensada por Camus como o oposto da filosofia socrática. Ela não deve ensinar os homens a morrer, mas a viver. Ela não conduz a nenhuma forma de consolo, mas repelindo a servidão, gera um estado de permanente revolta. Ela não se assenta em nenhuma moral de renúncia, de resignação, mas numa 'paixão do absurdo', sob a qual tudo é permitido."

Ricardo Musse comenta o romance 'O estrangeiro', no Blog da Boitempo: "Contra a moral, a religião e a filosofia" - http://wp.me/pB9tZ-27b


Homens e Caranguejos

 “Cedo me dei conta deste estranho mimetismo: os homens se assemelhando, em tudo, aos caranguejos, arrastando-se, agachando-se como caranguejos para poderem sobreviver. Parados com os caranguejos na beira d’água ou caminhando para trás como caminham os caranguejos”

- Josué de Castro


 “O problema difícil é criar valores. O homem se justifica pelos valores que tem. A sociedade se aglutina a partir da comunidade de valores. Numa sociedade determinada se criam valores novos e isso é um mistério para nós. Vejamos no plano da estética. Há períodos de criação de valores, como foi o século de Péricles, o século de Leonardo. Períodos em que a humanidade cria valores excepcionais, estéticos, e há outros longos períodos em que ela não cria quase nada. Isso nos escapa, mas nos mostra que potencialmente o homem é capaz de fazer tais coisas. Nada indica que ele tenha perdido a faculdade de criar novos valores, abrir novos horizontes, criar uma civilização nova.”

- Celso Furtado


fragmento

a vida como é que finda
-por candeia e por cartola-
pelas ladeiras de olinda?"

 romério rômulo

POEMA PARA ACORDAR A MIL


pule da cama
imaginando um recorde
em salto de alta dificuldade

sob o chuveiro
nade água acima
até levar um choque de realidade

depois respire fundo
e ao abrir a janela
festeje a descoberta do novo mundo

tome um café forte e quente
e saia pintando o sete
o oito o nove o dez infinitamente

está mais que claro
ser feliz não custa nada
só o infeliz paga caro

antonio thadeu wojciechowski

A Morte da Tragédia


"Em alguma vila obscura da Polônia central, havia uma pequena sinagoga. Certa noite, o rabino entrou e flagrou Deus sentado num canto escuro. Ele viu Seu rosto e gritou: 'Senhor Deus, o que vós fazeis aqui?' Deus respondeu-lhe com uma voz miúda, que não vinha nem de um trovão, nem de um redemoinho: 'Estou cansado, rabino, estou morto de tão cansado'."

(Parábola medieval judaica recontada por George Steiner em "A Morte da Tragédia")

Ade Scndlr

Luzes da Ribalta A luz quente e a cobertura da rampa, dão ilusão de aconchego aos sem teto, no do Teatro Guaira.


fragmento

vou traduzir-te toda em anacoluto
e revelar-te ao mundo em ampersand

como se faz na razão do ferro bruto."

 romério rômulo


água : milagre
que gira o rio
e a rosa
dos ventos
gira giram
os papéis
sobre a mesa


js.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013


Até encontrar a sua voz, o poeta imita as vozes de outros escritores. E a imitação da voz é a imitação do pensamento fascinado pelo outro, passo anterior à descoberta de sua beleza. A voz que tateia no escuro (voz cega?) busca eco, mas não encontrará, tantas vozes ele é para ser Um.

Marilia Kubota


INTUIÇÃO



não matarão o amor
jamais
em tempo algum
mesmo que não tenham onde o pôr
e anunciem sua morte nos jornais
ou nas lentes em milimétrico zoom

não matarão o amor
a tiro
faca
porrada
nem com todo o sexo
todo nexo
toda grana
toda trama

não matarão o amor
com masmorras
casamatas
torturas
não
não matarão!

eu ainda amo
o dia a dia
a ousadia
o convívio
o livro
que me quer vivo

amo minha família
curitiba
a arte
o estudo
a poesia
e não há outra saída!


antonio thadeu wojciechowski

parece que o flamengo venceu uma jogo qualquer, e a situação econômica do brasil é a melhor possível, teremos copa , e o rio de janeiro continua PODRE! não, está ótimo, tem um dos melhores índices de eqüidade social do país, e digo com absoluta certeza, um dos lugares mais devastados do planeta, não, erro meu; apenas lhes digo:o Rio de Janeiro tem uma rede de televisão que esnoba a ignorância do populacho coitados....,- que assim são e gostam de ser; sim, o futebol ''alegria do povo'' e o itacarerão está lindamente desabado para o povo, então eu quero que se foda o povo! e viva a alienação !salve o governo! comam a merda que aduba seus gramados!
em uma cidade chamada teresópolis [que até hoje sofre sérias conseqüências de uma catástrofe] algumas pessoas se reúnem em frente à prefeitura, reivindicando direitos, mas os bares se aglomeram de povo que quer ver o mengão jogar. sim, o mengão pode ter vencido, mas o custo da passagem é baixíssimo na cidade,o I.D. H local está cada vez melhor, e possivelmente nem enchentes haverão mais, afinal deus é brasileiro, o que houve foi uma provação soterrada em bairros, onde jazem alguns elementos do ecossistema.


ah, talvez hão de me perguntar do menino anônimo eternizado por mim no face_bock, através da foto de Farkas, e do goleiro que fui dos 14 aos 16 anos, do rugbier que também fui, e não pude prosseguir.dirão que sou um ''frustrado'' - Que se DANEM! já disse e reitero sou do time '' tô cagando e andando!'', sou quem sou porque continuo goleiro diante do mundo, havendo em mim o scrum-half a cada milionésimo do segundo que existo sem precisar de um deus ou de uma bola.



T.S.

Trovadores do Miocárdio

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Geraldo Lima

Uma enfermidade de gente deitada ali, onde, há pouco, o sol se esparramava todo, ilha de luz convidando ao exílio, ao evadir-se do mundo. Agora a penumbra serve de esconderijo, e o corpo mescla-se ao turvo, deixando quase de existir.


(Trecho do conto Baque, do meu livro BAQUE)

O menino no Espelho

"O homem disse que tinha de ir embora – antes queria me ensinar uma coisa muito importante:
- Você quer conhecer o segredo de ser um menino feliz para o resto de sua vida?
- Quero – respondi.
O segredo se resume em três palavras, que ele pronunciou com intensidade, mãos nos meus ombros e olhos nos meus olhos: - Pense nos outros."


- Fernando Sabino
Roberta Tostes Daniel


Todas as casas me violaram.
Deponho elementos ao andar.
O tempo é de desamparo, chão de rodas;
patas e estradas são flores que não vicejam.
Mas ando como se me encaminhasse ao paraíso.
Aos meus pés, a vertigem dos seixos,
a aura afogada dos rios.
O ninhal dos ventos consuma seu voo
desfazendo as minhas pegadas.
Na terra em que não piso,
quero construir minha morada.


(2012)

Espera



A vida se compara a uma constante espera
Traçar metas, trilhar caminhos
Alcançar objetivos
Exigir de nós mesmos algo
Que muitas vezes é ilusório
Mas que nem sempre temos certeza< /span>
Um sonho pode se concretizar
Mas nos demanda cautela, abstinação
O fato de não se concretizar algo
Não faz de nós seres propensos ao negativismo
Pois além de seres capazes, somos sem dúvida
Pessoas demasiadamente aptas a buscar a realização
Buscar inovação
E livres para tentar novamente
Numa inexplicável conduta
De equilíbrio e auto controle
Dentro de nós existem medos
Frustrações, inseguranças
Mas todos esses sentimentos
Podem ser censurados
Por nós mesmos
Desde que haja confiança,
Fé e perseverança
Esperamos alcançar
Esperamos reavivar
Esperamos tudo aquilo
Que em nós ainda está
Por vir
Força e determinação
Fatores da longa espera
Mas nunca do fracasso
Mesmo que o novo
Seja amedrontador
A espera e a realização
De certo nos fará
Plenos da busca
Espera sentimento valioso
Para a efetivação de nossos atos.


Ana Paula Peixoto Fernandes
Geraldo Lima

A filha quis saber quando ele voltaria. Ainda sente seus braços em volta do pescoço. Sabe, no entanto, que a nave nunca mais voltará ao ponto de partida.


(Micronarrativa da série Lascas)
sobra a minha voz, fino lamento
como desejo secreto na cidade."
RR

Casa de Antiguidades

Vínhamos por uma rua ensolarada num sábado de manhã. Paramos e entramos numa loja de antiguidade.
O interior da loja era um tanto escuro por conta do acúmulo de objetos. Mesas, armários e estantes continham um mundo vivido. Comentei com ele que em cada objeto havia uma história de amor, talvez uma história de batalhas perdidas e, possivelmente, histórias do cotidiano de famílias que nunca saberemos como viveram. Ele sorriu.
Acostumado a conviver com as letras pensei -ele não disse nada- que estaria nominando cada um daqueles objetos. E, talvez, criando neologismos na polifonia da loja.

Relógios cucos, conjunto de mini-xícaras, bules esmaltados, cachimbos, Sherlock Holmes? chapéus de feltro, bengalas ao modo de Charles Chaplin, valises, coleções de selos, cadeiras de diferentes tipos, máquinas de costura, adagas e faquinhas de cozinha. Olhamo-nos de soslaio.
Adiante pulseiras e colares nos levaram ao passado vivido com Helena. Uma batuta ao canto, perguntamos ao mesmo tempo:seria de Katherine Mansfield?

Líamos os objetos no corredor.


Oh mundo enigmático!

Mara Paulina Arruda
Minha oração da seis:

Oh, Senhor das Letras! olhai por aqueles que não conhecem a palavra escrita, eles pecam por ignorância, guardai um cantinho aconchegante para esses irmãos, mas aos que governam e promovem o analfabetismo, desviando verbas da educação e da cultura, pecam por ganancia, oro para que sua bondade não seja misericordiosa com esses, permita que o capeta reserve um lugar quente para essa cambada de filha da puta! Perdão Senhor, o mal jeito com as palavras. Amém!

Júlio Damásio

O Semeador



quando os números estão iguais, grão de poeira, faz um pedido
se bem que pela magramagreza cocainímica logo se vê
que este barba branca fatalmente não é o papai Noel
a beleza leva nada no tempo é uma lembrança ou está
na carteira a carteira na jaqueta de couro, digo
uma resposta com naftalina e alegre feito alguém passando o débito
num lugar que posa de artista e o óleo quente da morta da cozinha
boceja o star sem banda música própria nem mancha
e a marota, só um lado do cabelo raspado, vira a tequila vira a tequila
e a anodinia do velho historiador ainda por chegar dentro de um tratado
a beleza é uma lembrança né ou vem um cheiro de produto de limpeza
o Baixo Trajano é um ralo sei que vou definhar
hoje perdi forte tudo se apresenta lista de supermercado
o poeta quer praticar budismo kkk logo na sociedade dos homens
ou até mesmo o choro contido dentro do copo com sua faz tristeza
é claro, por causa de uma mulher, abismo-coração, ele morre de medo desta área
e a cada na minha terra há um ditado mallarmaico
a psicanálise na terceira porção de fritas o Baixo Trajano é um rabo
e a gente faz desastres faz desastres faz desastres
caro cineasta considere que você é rico e dá pra viver que a maconha sempre chega
considere que as portas logo baixam o tempo transcorre monótono
por baixo da camada bem maquiada da euforia o Baixo Trajano é um trânsito
traficantes murmuram do outro lado da calçada
a frase “estes são meus princípios, se não gostarem, tenho outros”, do Groucho
foi aí que você surgiu síndrome das pernas inquietas na minha vida
não posso voltar a beber ela dança o bolero estou apurada pra mijar
lamber toda sujeira pornografia faz fila pro banheiro da desolação, Bob
sou uma criança cabeluda faixa na cabeça e uma tesoura do Conselho Tutelar na mão
aqui conheci um pai uma vez depois conheci de novo e não o reconheci
a beleza é uma lembrança do futuro as costas doendo são asas brotando eu sei
demoram dez e mais dez anos agora apareceu já desapareceu
um solzinho onde começa a noite mais funda

Luis Felipe Leprevost 

O Vampiro é aquele que não se enxerga [no espelho]


Adriana Zapparoli


- porque de dentro do fosso as mãos pedem socorro. mas agora é outro tempo em ampulheta de fogo, de onde trouxe a chave entre dedo-calabouço... então,amor, veja o sopro... é um beijo-espermatogônia, e um pouco de algodão em vertente doce, da ilusão do amor morto em olhos verdes que, por hora, vertem os castanhos ...
Adriana Zapparoli


--- dentro do fosso vejo um homem arcaico-preconcebido, agrário-delambido, trêmulo e mal vestido acenando para os outros...