sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Inno del Primo Maggio - Pietro Gori

Bella Ciao - ORIGINALE

Vem, coração assustado, acalma teu ritmo
Há desesperos que surgem mesmo em dia claro
Formigas marchando entre flores
No enterro de um besouro, que há pouco zunia,
O motor das asas tonto ainda de alegria viva
Não gaste tua potência com superstições de datas
Esteja atento à fonte de silêncios que seus olhos gritam
Esse misto de alegria desesperada
Um tesouro desperdiçado junto a fezes de bichos
Cuja existência delira entre noites de festa e manhãs azuis
mergulhadas em angústias químicas
Tua figura emoldurada de sons
Dança em torno da árvore onde um deus chora cristais de tempo
Aquieta-te e sonha sem medo
Tua força atrai fraquezas que exaurem teu amor mais puro
Mas a fonte nunca estanca
E as nuvens, ao rasgar-se e recompor-se,
Maquinam verdades que nenhuma obscuridade poderá sufocar
Pois sabem mais de ti do que os inocentes que sufocam tua luz

Assionara Souza

Memórias


Mataram minhas lembranças.
Drenaram-nas de mim a pouco custo. Barato. Por quase nada. Arrancaram sonhos, ilusões, tempestades que me eram caras. Levaram os prantos, os risos e os cantos. De todos os cantos. Sorrindo, invadiram espaços, tetos, sobrados. Sombras. Lendas e histórias. As vozes, silêncios. As vezes. Trás, frente. Das costas, os idos. Os regressos. Fatos e dados. Comeram narrativas jamais criadas. Casos não contados. Vidas não vividas. Recordações de um passado ainda desconhecido e pronto a ser desbravado.
Mataram minhas lembranças.
Tiraram de minha boca o gosto de um doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância. Era parte de mim. Metade. Uma das mais importantes construções do meu ser. Derrubaram os tijolos que me ergueram. As paredes formadas por tatos e retratos de alguém que já não sei. Quem? Ninguém. Entre outros tantos que, de mim, fizeram abrigo. Destruíram os desejos, anseios. Até os medos. Os pavores da menina que temia as noites escuras. Que não suportava os dias de sol. Que admirava o cinza do céu nublado. Gargalharam a cada face transfigurada. Desfigurada. Remodelada. De cada risada deixada na estrada. Vícios perdidos em esquinas tortas. Vias mortas. Amores, ardores.
Mataram minhas lembranças.
Apossaram-se de nomes e sobrenomes. Sem autorização. Em atos vis, mortais, infames. Imorais. Regaram mato em vez de flores. Todos secaram. Ansiaram por dominar. Ambicionaram. Sem resgates. Tomaram como suas cada parte de minha estrada. Tombaram muros, pedras, casas. Mitos. Fito-os, agora, com ares longínquos. Estranhos a mim.
Estranhos.
Mataram minhas lembranças.
E eu? O que fiz?
E eu, que sou o que fizeram de mim?
E eu?

Paula Vigneron

Deixem-me Envelhecer


Deixem-me envelhecer sem compromissos e cobranças
Sem a obrigação de parecer jovem e ser bonita para alguém
Quero ao meu lado quem me entenda e me ame como eu sou
Um amor para dividirmos tropeços desta nossa última jornada
Quero envelhecer com dignidade, com sabedoria e esperança
Amar minha vida, agradecer pelos dias que ainda me restam
Eu não quero perder meu tempo precioso com aventuras
Paixões perniciosas que nada acrescentam e nada valem.
Deixem-me envelhecer com sanidade e discernimento
Com a certeza que cumpri meus deveres e minha missão
Quero aproveitar essa paz merecida para descansar e refletir
Ter amigos para compartilharmos experiências, conhecimentos
Quero envelhecer sem temer as rugas e meus cabelos brancos
Sem frustrações, terminar a etapa final desta minha existência
Não quero me deixar levar por aparências e vaidades bobas
Nem me envolver com relações que vão me fazer infeliz.
Deixem-me envelhecer, aceitar a velhice com suas mazelas
Ter a certeza que minha luta não foi em vão: teve um sentido
Quero envelhecer sem temer a morte e ter medo da despedida
Acreditar que a velhice é o retorno de uma viagem, não é o fim
Não quero ser um exemplo, quero dar um sentido ao meu viver
Ter serenidade, um sono tranquilo e andar de cabeça erguida
Fazer somente o que eu gosto, com a sensação de liberdade
Quero saber envelhecer, ser uma velha consciente e feliz.

Concita Weber

CORPO SANTO


Exausto das lides do amor,
lavo teus olhos
em que ficaram impressas
as imagens do dilúvio que nos afogou
e cujas pestanas se fecharam sobre o meu corpo torturado.
Escaldo teus pés
que conheceram as errâncias dos caminhos mais adversos
e calcaram a cabeça da serpente numa tarde de maio.
Banho o teu dorso
dócil às minhas mãos maduras
e acostumado aos trabalhos nas galés.
Com a água da primeira chuva do outono,
enxáguo teus lábios
que proferiram blasfêmias de inigualável encanto.
E finalmente banho o teu púbis,
escuro como a noite primeira,
e, dentro dele,
o fabuloso sol
que me incendiou.

Otto Leopoldo Winck
quando eu morrer amanhã não interrogue
da só devassidão dos meus ofícios
eu deixo um girassol, como van gogh
e um afro-samba bêbado, vinícius."

RR

THEOPHORUS


O abismo
é como um espasmo dentro de tudo.
Ou uma roda
que não gira,
cheia de limo.
Um dia eu quis o abismo.
E o abismo me quis.
(Menino conduzido pela mão do infinito,
meus olhos não viram
na carroça que passava
o sorriso de sarcasmo
do nada.)
Eu só queria
poder brincar de novo
debaixo da chuva do tempo.
(Olha, colhi todas as flores do jardim perdido.)
Voltarei mais tarde.
Ou nunca voltarei.
Viver é imaginar pulos
no além.
Hoje eu sei
que o abismo está vivo
e o agora não existe.
No fundo do abismo
EU SOU.

Otto Leopoldo Winck

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

atenção:


cada palavra
é uma arma
branca
calada
vira mágoa
falada
vira chaga
nos dois casos
ela sangra

Otto Leopoldo Winck
Quem se levanta pela travesti?
Não é a feminista.
Não é o militante LGBT.
Não é a figura do movimento negro.
Quem se levanta pela travesti?
Não é o marxista
Não é o anarquista
Não é o trotskista
Não é o stalinista.
Quem se levanta pela travesti?
É o homem
Negro
Hétero
Trabalhador.
Que aprendeu o que muitos militantes não sabem:
Vidas trans importam.
Luiz Carlos Ruas, presente!


 Carla Alvim

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Diálogos V


(das coisas que escrevi em 2016)

Paul pintava como quem compõe uma partitura. No final, somos todos: música A cor me possui, ele dizia. A palavra me possui, eu digo. Em meus escritos a dor grita nas entrelinhas. Tento compor a alegria, mas ela só cabe na Natureza. Quando digo da alma do homem é sempre dolorido. Paul pintou corpos desmembrados enquanto convivia com a doença (esclerodermia) que migrou para o seu corpo em 1.935 e ficou até sua morte em 1.940. A agonia vaza. Os nazistas o taxaram de incompetente. Voltou à Suíça, a cidadania não lhe foi concedida em vida, seis dias após sua morte ele tornou-se um cidadão suíço. Hoje vejo Klee como cidadão do mundo. Ao final da vida, cativo da dor. Não é bom ficar batendo nesta tecla. Não é bom gritar esta parte pequena do que somos: pura dor. Sinto uma mão úmida e tensa a tomar minha mão, ouço uma voz que me pede para não ficar martelando nesta tecla de agonia como se estivéssemos vivendo dentro de uma sinfonia de Stravinsky. Há o ponto de fuga. Penso que é isto que Paul sussurra setenta e seis anos depois de sua morte, nesta sala, na manhã cinzenta de um país tropical.


-- Diálogo com Paul Klee -- Bárbara Lia – 2016


Jamais estações definidas. Se quando definida cada estação fica tão irrelevante, porque mudo tanto. Ainda, as mudanças de pele. Trocando de quebradura de recorte de temperatura. A obediência a cada palavra transborda pelo corpo. Um corpo feito da palavra que também em mim se cala. Todos os dias. Sim. E já tudo não é mais como anteriormente. Nunca é. E talvez ainda não seja verão, exatamente. Mas baixo esse sol inclemente devo decidir o rumo dessas palavras. A criar essa mulher-animal desnuda frente ao amarelo, aos raios de sol. Se escrevo, se mais uma vez escrevo. Se nessa possível história as estações estão a tempo perdidas e embaralhadas. Jamais definidas.

por Maíra Vasconcelos

Jura secreta 18


te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo
os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
e as rendas íntimas que vestias
sobre os teus pelos ficção
todos os laços dos tecidos
e aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
e o sabor da tua língua
e o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes
e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa

artur gomes

oh meu capitão meu capitão



● oh meu capitão meu capitão ●
● não somos dos homens q morrem ●
● quando a mare se esvazia ●

● quando o mar se torna docil ●
● somos meu capitão dos q morrem ●
● quando as aguas são violentas ●

● quando se jogam contra as pedras ●
● como se fossem pedras tambem ●
● quando se espatifam feito vidro ●

*

● de semeadura a colheita ●
● dia se torna noite inverno verão ●
● então olha q agora é so a fome ●

● so temos a nos nesse desgosto ●
● segue teu caminho o desejo o sul ●
● q seguirei o meu pelo norte ●

● ate q essa fome se coma ●
● porq ha de vir pra todos nos ●
● o dia o tempo da fartura o teatro ●

● abre teus olhos ●
● q vem vindo a vida das palavras ●
● q inda não se escuta ou sabe ●

● olha a tua volta o sangue os ossos ●
● vc pro sul onde ha o todo mar ●
● eu pro norte no deserto todo azul ●

● assim nos tece a lingua ●
● a carne segue a carne recebe ●
● como a poeira segue o vento ●

● cada grão percorre a terra ●
● como se fosse por seu desejo ●
● quando é so o vento a tempestade ●

● eu pro norte o deserto todo azul ●
● vc pro sul o mar tão violento ●
● dia se torna noite inverno verão ●

*

● oh meu capitão meu capitão ●
● ate o ultimo minuto lutamos juntos ●
● agora a agua entra pelas brechas ●

● nossa grandeza meu capitão ●
● ta sempre com a maior loucura ●
● ?mas onde ta o barco o barco o mar ●

● a viagem ta terminada ●
● agora nem o sul nem o norte ●
● agora é afundar entre os tubarões ●

Alberto Lins Caldas
O Capitão! Meu Capitão! Nossa temida viagem está acabada;
O navio superou toda sua dificuldade, a recompensa que nós buscávamos já foi alcançada
Walt Whitman

Oh captain! My captain! Eu te queria vivo quando vencesses as ondas
Na areia rindo para o infinito - forte como o mastro e inebriado de sal -
O roteirista das esferas teima em matar o herói para melhorar o filme
Oh capitain! My capitain! Num dia qualquer plantarei uma amendoeira
Para honrar-te (em delicadeza) e em cada primavera, uma vela acesa
Se hoje morto jaz cubro-o com um pano alvo, onde um pintor tecerá
As horas augustas, as batalhas justas, o riso sal e tua saga sem igual
Oh capitain! My capitain! Os grandes morrem na batalha. É certo que
Fixam seus rastros como uma fornalha (a marcar caminho aos seus)
E como tenho sido toda tua – Capitain! My capitain! - dos pés ao crânio
Mergulho em tua luz que me leva a ser - também – eterna água triunfal

Bárbara Lia in Forasteira

Vidráguas / 2016 - coleção VentreLinhas

página 62

Te bloqueio
Por entrares em mil tretas
Que francamente, hein? Caceta
Não dá mais
Te bloqueio
Por mandares textão
Por encheres demais
Te bloqueio
Te bloqueio por partilhares
Coisas falsas aos milhares
Acho o fim
Te bloqueio
Por ergueres o dedão
Dar joinha pra mim
Te bloqueio
Quando anseio pelo instante do check-in
E fugir do restaurante
E me esconder de ti
Te bloqueio
Por quereres me ver
E pedir nudes pra mim
Te bloqueio
Por contares toda hora
Minhas adicionadas por aí
Te bloqueio
Te bloqueio porque postas
Até em cima de mim
Te bloqueio

Por me excluir

Adriana Brunstein

REFRÃO

Aqui:
a carne crua aberta
aos relâmpagos (sobras
de edificações da vontade).
Palavras que cicatrizam
granito; palavras
que viralizam o tempo
que se alcova
com os larápios.
Há que se varrer
a memória a serrote;
há que se brotar
com as sementes.
Tudo é o mesmo
estar-se
em substância:
os córregos que atravessam
as uvas; o desejo
esticado ao deserto.
Se eu pudesse inserir
a galáxia em meu leito,
seria só um refrão que late,
entre paixões ferinas
e revólveres de chocolate.
SALGADO MARANHÃO

(Do livro "Sagração dos Lobos")

sábado, 24 de dezembro de 2016

A LIBÉLULA

André Ricardo Aguiar


Não são voos rasantes, mas de helicóptero. E pequenos pousos, que o tempo sequer pisca, como se a superfície do rio soltasse pequenos choques. Pontos de um tricô no espelho d'água.


Melhor escolha...
... os risos tortos dos cantos presos em lugar comum,
exilam a visão do que fascina...
uma trilha a beira mar, um sonho desperto, um querer aberto...
... hoje talvez, beirar a já velha presunção de ser feliz,
talvez desperte dores de semi seca cicatriz...
... mas mesmo assim, das dores de cada um,
assume-se uma alegria.
Essa magia, seja de que cor for,
revela que o crer na bela e ávida proposta do Bem Querer,
ainda é a melhor escolha...

josemir(aolongo...)
Sérgio Villa Matta

Para um menino
jesus é um cara legal e merece uma boa festa
nós é q corrompemos isso tudo.
ele andava por aí arregimentando uns pescadores
e dizendo coisas insanas aos humanos tipo:
"amai uns aos outros"
e transformava água em vinho pra festar continuar
não parem a festa! ele dizia
e multiplicava os peixes
e caminhava sobre as águas
e conversava de boa com todo mundo
e tinha ódio a golpistas e aos donos do mundo
jesus é mesmo um cara legal
em sua profunda humanidade
verbo encarnado: menino




Fábula "quase" de Esopo

Dois tubarões brancos (pai e filho) observam os sobreviventes de um naufrágio.
– Siga-me, filho! - diz o tubarão pai.
E nadam até os náufragos.
– Primeiro, vamos nadar em volta deles, mostrando apenas a ponta das nossas barbatanas fora da água.
E assim eles fizeram.

– Muito bem, meu filho! Agora vamos nadar ao redor deles, algumas vezes, com nossas barbatanas totalmente de fora.

– Agora, nós podemos comer todos eles.
E assim eles fizeram.
Quando finalmente se saciaram, o filho perguntou:
– Pai, por que nós não os comemos logo de início, pai? Por que ficamos nadando ao redor deles várias vezes?

O sábio e experiente pai respondeu calmamente:

– Porque eles ficam mais saborosos sem bosta dentro...

Maj Menezes
Natal, 1987

O perdido gesto
de vasculhar os sapatos
na Manhã dos Sinos.
Os próprios sapatos
(itinerário de ti)
já quedam rotos
nas rugas do tempo.
E o menino antigo
só de teimoso
suporta o presente.
.

José Antonio Assunção.
o seu berro, a voz cortada
o infinito do fim
todos descem pela estrada
que morre dentro de mim."

RR


"Geisel, após chegar em casa, trocou a roupa, foi à cozinha comer alguma coisa, se sentou um pouco na sala e se direcionou ao quarto, seu local favorito. Pensava, ao olhar aquele espelho grande, em como o ganhara. Seus pais, antes de ele vir para Uberlândia, disseram-lhe para trazê-lo. Tinham-no comprado numa dessas lojas de móveis antigos, numa viagem ao Rio de Janeiro. Acharam-no lindo e instigante. Geisel tinha dez anos quando compraram o objeto numa loja do Rio. Agora, ele foi ao som e colocou uma música da Ivete Sangalo, deitou na cama e, embalado pela melodia da canção, olhando distraidamente a moldura desgastada do espelho, pensava em Jéssica. Achava que ela tinha sido a melhor coisa que acontecera em sua vida. No dia seguinte, sábado, acordou cedo e foi ao shopping trabalhar. Chegou em casa às seis da noite. O seminário começaria às sete. Precisava se arrumar rapidamente. Desde quinta-feira não falava com Jéssica, por isso, ao tomar banho, se vestir, pensava nela... Durante toda a tarde, tentara se comunicar com ela, falar-lhe do evento acadêmico no sábado, mas não a encontrara. Pelo telefone sua mãe dissera que Jéssica havia saído. Mas Geisel, agora em casa, não se preocupava em não tê-la encontrado, pois pensava nas últimas palavras ditas, estranhamente, na quinta-feira, último dia em que se falaram: Eu te amo, viu? Nunca deixe de acreditar nisso – e desligara o telefone. Falara meio soluçosa"

>>> Capítulos importantíssimos do folhetim Meus olhos verdes: http://bit.ly/NGUNW8

Rogers Silva 

Isso não é para um neto de russos que faminto procura por arenque  e vodka , sopa de beterraba e repolho azedo e o pão preto até isso encontramos naquela aldeiota de tantos temperos e cheiros .Bem,o som da balalaica  e a batida das taças em intermináveis brindes ficará para outra hora ,para o ano que vem ,até lá deitando lembranças no mar de trigo de sonhos  espera reunir moedas de realidade pois só assim não terá fim o seu caminhar para driblar no inferno o coxo ,para beber  mel com a angélica princesa do olhar dançante ...tão distante...

              Wilson Roberto Nogueira
Subindo o morro ,é essas veias urbanas segue o corpo da natureza herança lusitana do planejamento 'fadista' da adaptação ás sístoles e diástoles  das ruas e ruelas ,rua acima até as  ruínas  onde nasceu a cidade  em homenagem  a um tal santo que ,rico guerreiro virou amante de gaivotas e outros bichos , lá hoje,outra fauna e flora  variada na beira da boemia bebem vida ácida .
     Logo alí outro templo -como existem igrejas nessa cidade! A torre denominada Minarete apresenta-se para apontar  a fé em Alá  e praticamente ao lado está a Sociedade Beneficente Muçulmana onde poetas escutam alaúdes  e dálias de incenso e mirra no Diwan.

              Wilson Roberto nogueira
  Imagina o flanêur emprestar uma janela para 'viajens'  sem riscos de explodir na porta  dos infernos entrando no templo dos espíritos imortais ,na Biblioteca,antes talvez um toque na benção na mezuzah  da Sinagoga   ,quando de repente  a porta do quadrado sagrado de Abraão se abre  e saem umas crianças com passos rápidos  e sorrisos lentos  para marcar rostos  de olhos eternos  de luz ...enquanto são crianças.O ancião atrás era o rabino.Ele olha severo e levanta o senho numa gargalhada de sombrancelhas.

                                          wilson Roberto nogueira
...na traquéia daquela Galeria a voz gutural dos cedros o árabe com o acento elegante de distintos comerciantes ,recem-chegados de Beirut ,comendo as iguarias sofisticadas da culinária libanesa,enquanto outro "badrizio" chega falando português com sotaque fenicio para aprontarem  a embarcação para desembarcarem  ou pilharem novos mercados rumo a prosperidade .Aquele canto em particular é o pedaço da esfiha da cidade,um naco libanês onde reside a tolerância e a harmonia ,com uma Sinagoga  e um esquivo judeu mau-humorado de tanta felicidade!

                                                             Wilson Roberto nogueira
Em frente à praça onde nascia a rua do ilustre austríaco ou seria alemão existe um museu , e lá  ,antes de  se chegar à catedral dos livros uma alcatéia de ciganas espreitam,elas são ' rons' ,pertencem a fúria dos  elementos ,são rochas perdidas nas poeiras das eras rolando avalanches,o fogo das maldições  ou paixões  o vento da liberdade soprando na crina de corcéis disparando na estepe ou no pampa.Uma moeda em troca do mistério de decifrar o futuro nas linhas das mãos ,são ciganas mesmo.,a pele mais do que os rostos de restos de pano esturricado,os olhos que varam abismos.Quantas eras ela já testemunhou?quantos amores- brujos desde a expulsão do berço indiano até as escravizações na europa oriental e central passando pelas areias da àfrica até o nosso Portugal.Carmens de Bizet ou a bela Esmeralda do Quasimodo estão tão distantes das valas  feitas a ferro em brasa na carne daquele povo pária.
     Atravessando a praça em meio ao circo político de bandeiras desbotadas  e militantes de aluguel ,palhaços de narizes vermelhos  e rostos  pálidos de lágrimas secas onde lobos conversam com chacais enquanto hienas caem na gargalhada enquanto esperam o festim .O gado passa pelo rebanho de cordeiros ,o corvo crocita empolgado com seu discurso e os abutres "voam para o alto e avante".A arara só repete o que o pirata mente ;"eu não sou corrupto só presenteio o silêncio do meu filho na manutenção da felicidade da minha morada,minha eterna namorada".-a mulher ou a politica?Esconder o que é privado na privada e puxar a descarga,e seguir envernizado de alto colarinho para manter a cabeça erguida.
     O Banheiro mais próximo .Na praça entra na maldita Boca ondenasce as políticas da aldeia à procura da latrina na tentativa de ter alivio.só velhas almas fantasmas de sobrenomes fossilizados na pedra doirada de tolos aristocratas endividados,rôtos e assintosamente orgulhosos da hipocracia provincial.Sair deixando o lastro  a fome logo veio  e alí ...

                      Wilson Roberto Nogueira
  -Imagino-me cego andando sem poder orientar-me pelas ruas de um país exótico (em que pese o senso da margem) sem entender a algaravia, sentindo-me  incompleto e desamparado diante de outra cultura ,onde a identidade me é sonegada por mistério .Gerações passam em segundos de desespero represado.Quando finalmente,as luzes doiradas de luas iluminam o sorriso da alma ,por tanto tempo soterrada pela areia da velha terra.A chuva de punhais de prata passara para dar boas vindas ,não sou mais um alien,estou entre iguais.
     A cidade tropeça em calçadas onde pés de terras longinqüas passaram,legando o barro de suas cicatrizes de pungente vida ,em particular no centro,onde reverbera o pulso liquido,taquicárdico ,quando o Sol se vai afastando vagaroso no horizonte.Ainda o vozerio torna a vida  do cego plena de aventura: ao passar pelo sul da china , Libâno ou Damas ,ouvir a neve dos andes nas flautas andinas ou o sotaque italianado do espanhol bonaerense.
     É uma urbe pequena porém com o úbere pleno.Na pequenina mulher sina com o putinho às costas ,ela jovem e visivelmente perdida .Letras e números os quais não lhe revelavam nada,ela vagava feito morceguinha adolescente enquanto na lancheria à frente uma anciã esbraveja palavras curtas e supersônicas acompanhadas por terremotos faciais que provocaram  o desaparecimento do franzino ramo de arbusto expulso pela ventania das ventas ,ela voltou-se com um sorriso para atender o "fleglêis".
     A jovem chinesa com  a criança presa às costas olhava para placas que não lhe contavam como descobrir algum conforto .Quase fora atropelada pela manada atarantada no estertor do dia ,mas finalmente,quando a pedra do desespero estava prestes a esmagar a esperança,apareceu um outro oriental que falou alguma coisa para ela no disfarce do silencio de olhares e sorrisos ,e depois foram embora ,ele à frente  e ela alguns fantasmas atrás.
     Quantas lanchonetes e pastelarias ,restaurantes chineses,onde estarão os japas e os "brimos".
                                                                        Wilson Roberto Nogueira


FEÉRICA




Precisei de você, apesar
dos pesares.

Precisei te lembrar (te/você, vou misturar...)
lembrar do que não houve, mas ficou
retido, represado
fossilizado, petrolificado...
em tão pouco tempo, já pré-cambriano.
Mas como tudo que é composto
desses hidrocarbonetos em reserva,
nosso futuro do pretérito (nosso ou meu: whatever)
é altamente combustível:
explode e queima, à menor centelha.

Ficou bonita nas novas fotos.
Quem sabe, algum sorriso foi pra mim, apesar
dos pesares.
Por que ter sede do leite da tua pele,
se não posso bebê-la? Se não estava escrito,
programado
não havia ensejo para isto neste tempo-espaço?...
O objetivo talvez seja a poesia.
Se a poesia é o único aposento
a única cama
onde jamais irei te deitar.

De poesia construo uma rosa, então
uma rosa feérica, possível

           alva feita
      de alma nua
e mal visível...

com que acaricie os lábios teus.



Igor Buys

O livro "Manicômio"


O livro "Manicômio" não poderia ter um título mais adequado. Além das questões estéticas, formais e conteudísticas que explicam o livro, há uma outra questão, mais particular: a feitura/escrita/concepção do livro, que foi escrito num momento especial da minha, um momento de descobertas: dos 19 ao 23 anos. Muitos contos foram escritos quando eu morava numa casa onde dividia quarto com meus dois irmãos e um primo (até hoje não sei como consegui escrever os meus melhores textos nessa situação, num quarto em que havia apenas um espaço para uma pessoa passar...). "Clarissa", por exemplo, foi escrito à luz de velas (num dia em que a energia da minha casa estava cortada). "A última revolta de Jesus Cristo" foi descaradamente inspirado numa frase que um amigo sempre dizia: que Jesus deveria ter morrido pelas baleias. Aproveitei a frase e criei o que é um dos meus contos mais polêmicos. Outro fato interessante da feitura de "Manicômio" é que, mesmo 24 horas sem comer e com um pc emprestado, lá estava eu escrevendo o projeto da lei de incentivo à cultura. Enfim, "Manicômio" é fruto de uma obsessão (que puxei a meu pai, minha mãe e meus irmãos...) >>> http://rogerssilvaoriginal.blogspot.com

Rogers Silva


Natal sem Ceia



"Com medo de se atrasar
Ela acorda cedo
Pois hoje é dia de preparar a ceia de Natal
Na casa da sua patroa.
Ela limpa, passa e cozinha
Deixa tudo organizado e monta um grande espetáculo na mesa linda de mármore.
Quando está à caminho de casa
Já bem tarde da noite
Ela se lembra que hoje é dia 24 de dezembro
E que na preocupação com o seu serviço
Ela esqueceu de comprar o presente para o seu filho e o Chester para o seu natal.
Ela vai pra cama cedo abraçada com o seu filho.
Ele dorme e ela chora
Pedindo à Deus por um próximo ano melhor e mais igualitário"

24/12/14

Preta-Rara

Luta


    O cérebro pulsava
    pulsava os punhos
    o pulso

    As falanges em lança
    abriam e fechavam
    estalando dores

    Lembranças salmouras
    mão fechada de puro
    músculo

    diástole e sístole na avenida
    venal frenética de incêndio
    de chamas liquidas
    infernais,
    nadando em correntes
    elétricas
    nos micro-fios desencapados
    das sinapsis.

    Aquele espírito gritava
    pulsando
    vida.
    Enquanto o corpo ordenava:
    Respire morte.

    Na batalha de espectros e
    luzes
    sob as cortinas daquela
    ópera humana
    húmus humanos
    A carne se consumia
    alimentando-se
    dos seus excessos e
    sonho excelsos.

    De uma mulher só
    só uma mulher só
    presa por
    oito tubos
    por oito meses...
    no nono deu a luz à
    Liberdade

    levantou âncora do
    Purgatório.


          Wilson Roberto Nogueira

CRÔNICA DE UM CAMINHANTE

-- Jornaleiro: posso ajudar o senhor?
-- Eu: não, obrigado, só estou vendo quais são as mentiras de hoje nos jornais.

-- Jornaleiro: é verdade, os jornais mentem muito! E como mentem!

Claudio Daniel

Natalinas


I
papai noel sentou na garrafa de coca cola
II
a maionese do caos adentra o jardim
III
um calor entre abraços suados e sorrisos banguelas
IV
a infame piada do pavê
V
a árvore de natal comprada na promoção do ano passado
VI
haja cerveja!
VII
aquele tio golpista destroçando o peru e falando de boca cheia
VIII
o importante é a união familiar
IX
o cachorro rasgando o sofá
X

o som de jingle bells dominando o recinto

Sérgio Villa Matta

neste natal o facão da delação
pende perigosamente suspenso
sobre o país que navega à deriva
sem governo e sem comando

o presidente da república
junto com todos os seus ministros
está sob suspeita

os ministros do supremo
porque se suspeitam entre si
e suspeitas são as suas decisões
estão sob suspeita

todos os governadores dos estados
todos os prefeitos das capitais
estão sob suspeita

os políticos todos sem exceção
os partidos políticos todos
estão sob suspeita de corrupção
utilização de caixa dois
lavagem de dinheiro
e formação de quadrilha

os indícios de evidências
cabem em milhares de páginas
fedem a quilômetros de distância
e todos os deputados federais
todos os senadores da república
são suspeitos até a tampa

eles são dentre os suspeitos
os principais interessados talvez
e tecem na calada da noite
(seu habitat preferido), o cenário
para que tudo acabe em pizza

na calada da noite suja tramam
os facínoras e canalhas no poder
a manutenção dos seus privilégios
e novos assaltos aos direitos
e bolsos de quem trabalha no país

neste natal estejamos atentos
acho que no próximo ano
só nos restará promover desobediências
preparar barricadas nas ruas
e construir uma nova ordem
que a que está aí já não serve mais


Akira Yamasaki - 24/12/2016.

domingo, 18 de dezembro de 2016

CRÔNICA DA TARDE...


Estou ficando velho, coisa de velho, fazer poesia patético peripatético.
Durmo mais cedo, acordo mais tarde, amanheço a noite, anoiteço o dia.
A cidade, como era verde o vale verde, havia capim e cafezais.
O campo de bola não tinha rede, a bola era de pano, a escola caminho suave rumo ao horizonte, jogávamos pião, bilboquê, bafo com figurinhas de bala Zequinha, bocha, não havia fossa, a vida não era uma bosta, íamos às lagoas do Agostinho lambaris e carás pescar.
A água era fresca do poço com sarilho, não era com cloro da Sanepar.
O banco da praça ainda é o mesmo na matriz onde íamos orar.
O pipoqueiro fogueteiro do lugar pipocava sem bacon, morreu, coitado, consertava fogão a gás.
O pipoqueiro com bacon tá lá, não sei se conserta fogão a gás.
O amolador de facas e tesouras, às vezes ainda vejo uns afiando quinquilharias, coisas de cozinhas, tenho uma tesoura velha para amolar, faz tempo que não o vejo andando pelas calçadas com seu pedal.
O algodão doce, tão doce que era, só se for para meu filho, ele gosta, eu não quero mais.
Vou à missa das dez e aos funerais.
Já criei barriga de tanto beber, nem tanto igual de quem engoliu um capacete de motoqueiro, não espero emagrecer mais.
Pois, quando se morre, até dentro do túmulo se emagrece muito demais.
Ossos do espírito, disso não duvido nunca.
E assim, por fim, sem querer fui me perdendo em encantamento acantonado em meu canto em pensamento, segurando em desespero o pranto.
Nada, nem tudo me entusiasma, nem os parques funerários e os jardins da saudade, nada me satisfaz.
Sonho muito com os que já dormem na mansão do céu réquiem em paz.
Em meu calvário viário, ouço as trombetas dos anjos tocando pra mim.
Seria do mundo o fim?
Em bom alto som dizem-me: vinde a mim, faça o bem, evite o mal.
Cristo ressuscitado é uma grande mentira, Cristo nunca morreu.
Apenas eu morro, nunca desmorro, não mereço a imortalidade.
Perco-me como Dom Quixote errante no burburinho das ruas desertas, nos balcões dos bares, nas sacristias dos sacrificiais altares.
Os lares?
Deixa pra lá, já sofri tanto sem família, é muito pessoal.
Habeas copo, cachaça pra mim.
O éter eterno do infinito me satisfaz.
Quiçá eu volte antes que morra sem nunca ter saído do mesmo lugar.

José Aparecido Fiori‎

sábado, 17 de dezembro de 2016

DESLINDAR

DESLINDAR
são quatro e trinta da manhã
sozinha
dez horas o sol me esmurra a cara
sozinha
café
ração para o gato
banho
jornal
sozinha
um pouco de fome e náusea
migalhas na mesa
cabelo esvoaçado
(me dá a tua mão)
triste é me ver assim
e nem vejo mais
não passo pelo espelho
não lembro
mas me arrepiam os poros
quando penso
sozinha:
escrevo
pra te tocar.

(poema de MELINA FLYNN , poeta japonesa, nasceu em Myioshi, Japão, mas passou a maior parte de sua vida no Brasil. É atriz, escritora e tradutora. Gosta de cinema, fotografia, música, literatura e escrita. Canceriana é descrente de signos, novelas, futebol e religião. Explica o escrever como o expectorar. Não escreve para que se entenda e sim para que se sinta. Publicou o livro Amores Brutos (2011).MELINA FLYNN está na 84ª postagem da série AS MULHERES POETAS...Se quiser ler mais, clique no link http://www.rubensjardim.com/blog.php?idb=49066
você me diz que a morte é regra
nem me despedaço!
não acredito
não quero.
se essa for a grande verdade
me cego
me chago
me sangro
me esmero para não acreditar.
não será essa a cilada.
não será esse o tango
a dançar.
não agora nem nesse lugar
de demoras no seu quadril.

 LÁZARA PAPANDREA , poeta mineira, é formada em história e pós graduada em teoria literária. Coordenou até 2011 o grupo Café com Poesia e Arte, que ainda faz apresentações regulares no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes. Publicou o livro de poemasa Tudo é Beija - Flor(2016) Vive atualmente em Juiz de Fora. Lázara Papandrea está na 84ª postagem da série AS MULHERES POETAS...Se quiser ler mais, clique no link http://www.rubensjardim.com/blog.php?idb=49066


SALMO DA NOITE ESCURA


Já poetei com prosa, proseei com poesia, proselitei a morte do poema.
Então pergunto do mais profundo abismo e ninguém ouve minha voz.
Onde estás que não respondes?
O que seria da luz, não fossem as trevas?
Meu poema entrou em colapso cardíaco, eletrocutou-se nos postes da Copel.
Minha prosa foi cremada, as cinzas lançadas no esgoto caudaloso da Sanepar.
Ah esse dia com cara de missa de sétimo dia!
Esse frio rancoroso de nevoeiros nublando em pleno solstício de verão.
Fico nostálgico, melancólico, sorumbático, minha consolação é a Filosofia.
Quero dias tórridos, noites cálidas com hálito de verão.
O sentido da vida?
Nem me pergunte, que agonia.
Amordaço com o celibato, cinjo o rim, sublimo a irrefreável libido, amortalho-me no fundo do poço.
Que me dizem, amigos e amigas, desse sol embaçado, soturno, que era para fulgir na manhã de hoje na Serra do Mar, mas fugiu cinzelando o céu de um cinzento cruel?
Vou torcer para que a manhã de amanhã não seja invernal, seja de Natal em todos os quintais de pinheirais na terra da padroeira a Luz dos Pinhais.
Por hábito finesse, empunho a taça da cachaça, um cuspe no chão, um gole pro santo, outro pra mim.
Bebo uma pinga pra silenciar o sininho da goela, suavizar o gogó da garganta inflamada.
Enquanto isso, pingam faíscas de uma chuva finíssima.
Minha tristesse...
Estou spleen, sim, isso não tem cura nem fim, eu sei.
As flores do mal não me cheiram bem.
O espírito inserido no telúrico corpo-carcaça absorve a cachaça.
Entorpece a alma lírica.
Eclipso-me encapsulada no leito-mortalha.
Então vou dormir a noite purificadora de São João da Cruz.
E sonhar.
Subirei os degraus do altar de Deus, o Deus que alegra a juventude.
Chacoalharei turíbulos de incensos, fazendo soar a campainha.
Acenderei o candelabro do Chanuká.
Subirei o Monte Carmelo.
A dor aliviarei no Monte Tabor.

Boa Noite.

José Aparecido Fiori‎ para Feira do Poeta Curitiba

MEUS OLHOS


Quantas saudades eu sinto quando contigo,
não falo.
O coração apertado fica, o pensamento viaja
na ânsia de te ouvir.
E dentro de nós sem te ter, tudo fica ausente.
O teu silêncio preocupa a quem te ouvir quer.
Dificil já é não te ver,mas sem te ouvir pior fica.
Não o faças, quando comigo falas,o dia parece outro,
a tristeza se dissipa, logo embora vai.
E o que a mim faz mais gosto, é ver em frente aos meus olhos,
sorridende, o teu rosto que só para mim fica exposto.

Roldão Aires
Mamãe dava ordens com os olhos e carinho com as mãos. Papai falava alto mas nem sempre era obedecido. O amor dos dois por nós sim era determinante. Com a mãe a poesia veio no ventre, com o pai o amor pela pescaria e aventura, com os 9 irmãos a alegria, o convívio e a confraternização vieram de mãos dadas para o abraço único. Viver estabelece laços entre este e os outros mundos. A lição de casa é a visão de mundo, só enxerga a resposta quem está cego de amor. Aproveite o clima e se mude pra dentro do seu sobretudo. Leia no primeiro comentário e até segunda-feira.

Antonio Thadeu Wojciechowski

INSTANTE


Aquele líder incansável,
real, de voz enérgica
e gestos fortes,
enternece-me
quando está adormecido.
Guardo a sua calma breve
dentro dos meus olhos
e pouso ao seu lado,
em silêncio de algodão.

Badida Campos

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Tem que ter salvação, alguma coisa tem que ter salvação, ela pensava enquanto olhava o sol poente refletido nas vidraças do grande edifício debaixo das quais se estendiam os mendigos. Tem que ter salvação, ela pensava, ou pelo menos algum fio de sentido. Os automóveis buzinavam, as pessoas se acotovelavam, se esbarravam, e eram feias, as pessoas, e era feia a cidade, e a vida, sim, a vida era quase totalmente feia. Mas havia, atrás e por cima de tudo, o sol. Mas também havia os mendigos por baixo e atrás de tudo. E uma noite que se anunciava, e que seria fria, como todas as noites, com ou sem lua. Tem que ter salvação, ela pensava ao dobrar uma esquina, tem que ter salvação, com ou sem lua, para todos, para ela, para os mendigos, para o sol que se põe e um dia, depois que tudo ali estiver extinto, as ruas, os ônibus, os edifícios, os mendigos, se extinguirá também. Tem que ter, nem que seja um fio, um fiapo, uma míngua de sentido, ela pensava ao dobrar a esquina, distraída. O impacto com o ônibus foi fatal.

Otto Leopoldo Winck

QUADRILHA (by Odebrecht)



Caju amava Caranguejo que amava Boca Mole
que amava Todo Feio que amava Ferrari que amava Campari
que não amava ninguém.
Caju foi pra os Estados Unidos, Caranguejo para o convento,
Boca Mole morreu de desastre, Todo Feio ficou para tia,
Ferrari suicidou-se e Campari casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


 Otto Leopoldo Winck


Um dia eu fiquei tão triste que quis arrastar todas as estrelas do céu. Desejei que o sol não mais nascesse e a lua despencasse sobre os transeuntes. Amaldiçoei a esperança, este ídolo todo de barro, e tatuei na testa um signo obsceno. Disse de mim para comigo: não tenho irmãos nem a perspectiva de encontrar um semelhante sobre a terra. Nesse dia voltei para casa, a pé, pelo trajeto mais longo. Todas as pessoas que eu cruzava viravam o rosto, repugnadas. Mais tarde, rolando em meu leito, desejei de novo ser peixe e nadar para sempre no líquido amniótico. De manhã, ao me olhar no espelho do banheiro, constatei que estava transformado em Caliban. (Chorei como uma criança que perdeu os pais numa feira.) Apanhei então uma navalha. Apalpei meus pulsos. Mas mudei de ideia e esquartejei você.


Otto Leopoldo Winck

DECADISMO


Cortei os pulsos
do poente.
(Nas ruas onde descaminho o sangue escorre das nuvens
nessa hora em que outrora havia ângelus e anjos acendiam as estrelas
onde hoje se acendem os anúncios luminosos...)
Cortei os pulsos
do poema
e vim à rua
contemplar o sol desfalecido.
Era fatal que me tornasse poeta.
(O sangue espirra sobre a pia e sobre o copo
e sobre o tubo de dentifrício e sobre o espelho onde outrora eu via
um rosto...)
Cortei os pulsos
do poente
e vim à rua
perpetrar o meu último poema.

Otto Leopoldo Winck

domingo, 11 de dezembro de 2016

se bem me esqueço
nascer é um tropeço
se bem me lembro
morrer é dezembro
tudo é um jogo
de terra e fogo
a embebedar
a água e o ar."

RR

sábado, 10 de dezembro de 2016

[...]
Não entregue ao desespero
Seus sentido e sua alma.
Embarque sozinho
Procure tesouros
Percruze florestas
Conheça o faquir
Profane pagodes
Componha haikais
Visite Hiroshima
Encontre-se a si.
[...]

Antônio Pinto de Medeiros


in: Rio dos Ventos.
[não escrevo como mulher porque não sou mulher
sou um destroço que boia. um relato lendário.
alguém que tem a dor nas mãos e negrumes secretos no sexo.
estou secando e ouço gritos.
uma desesperada louçã se anuncia.
— o melhor do mundo é não viver nele.
em um escabelo sento a contemplar uma sede sem fim.
mrs. dalloway, você está ai?
senhora d., posso chorar ao seu lado?
euricléia, quando eu voltar você me lavará os pés?
sra. ramsay, então o farol é isso? só isso?
em contínua tristeza os forasteiros vivem.
hoje dormi com batom nos lábios.
o cansaço era tanto que esqueci que também sou homem.
e não canso. e não choro. nunca.
deslindo-me e me desarrumo porque sou gaveta.
telhado. quase cratera. olhicerúlea.
ah, teseu, qual o tesouro secreto que o pai te revelou?
hades me quer. eu digo não. ainda não.
é urgente falar com tirésias.
ir de uma ponta a outra do tâmisa. sozinha.
com uma alegria insuportável.
em mim, femíneos simulacros:
macabéa, qual o tamanho da solidão dos domingos?
blanche, também já dependi da bondade de estranhos.
cabíria, você me ouve?
choro contigo o sentimento trágico da vida.
clitemnestra assassinou cassandra.
mesmo assim eu a amo.
amo as arestas. o que é subterrâneo:
plutão. dioniso. osíris.
estou respirando e tudo é silêncio.
não deslembro mais. simulo.
já sou pélago.
poço. festim. mosaico.
esmerada forma de arder.

Marize Castro ]

.

TROVA


Só pode ser em Brasília
para haver coisa tão feia:
trocarem meia quadrilha
por uma quadrilha e meia.

Paulo Monteiro

Escrita e publicada no dia 28 de abril de 2016

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

RETALHOS



“Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa”.
Miguel Torga, in Orfeu Rebelde.


                Em tom quase imperceptível a voz rouca e interior de Ana Maria, bradava incisivamente:
                - Louca..louca...homicida!

                A agitação do pensamento levou-a até um tempo que imaginava perdido na memória.
                A cidade da fala escandida e suas majestosas araucárias, onde passou a infância e juventude, onde amou e deixou amigos e familiares quando partiu em busca de seus sonhos.
                Mulher decidida, correu o mundo, adquiriu conhecimento, destacou-se profissionalmente. Acreditava ser feliz, não obstante nela houvesse um quê de insatisfação que ora a impulsionava a viver intensamente, ora a tornava introspectiva e muda.
                Num destes momentos de banzo, algo inesperado e gratuito aconteceu. Uma brisa ligeira tocou-lhe a face e avivou a chama da Poesia. Incapaz de qualquer gesto contrário, deixou aflorar seu Eu-lírico, pondo-se a escrever sem parar.
                No frenesi de cada novo chamado da poesia, sulcava com frescura a avalanche de imagens criadas pela sua imaginação. Seus olhos percorriam caminhos rasgados pela densa vegetação, seus dedos ao segurar a caneta pareciam serpentear entre cadeias de montanhas e transpor colossais abismos.
                Não descansava, mal se alimentava. Só escrevia. Até o Trabalho  abandonara pela incansável busca do prazer que o texto lhe proporcionava.
                Neste contexto de descobertas, amigos tentavam inutilmente chamá-la à razão.
                - Não tens juízo! - diziam eles.
                Ensimesmada, pensava: - Ora, não venham com repressões!
                E com ternura apenas respondia.
                - Com licença, a lua arde nos contrafortes da serra do mar, não falta mais nada para iniciar nova prosa.
                Acompanhada pela melodia do seu Eu-Poético, sorria com doçura às intempéries da vida.
                Todavia, aquela insatisfação que lhe era inata ... sempre presente, por vezes sussurrava-lhe:
                - Mulher, toma tino!
                - A que propósito serve esta tal Poesia? Olhe em torno de você!! As contas se acumularam. Seus filhos cresceram e você nem percebeu ...
                -  Afinal o que queres da vida? Ficar aí pasmada... a escrever , escrever e engavetar?
                Passados alguns minutos, feito quem age em legítima defesa, lá estava Ana a rabiscar seus versos num fôlego só.
                O tempo passou, as palavras persistiam em escapar aos turbilhões, como se fosse uma vaga selvagem batendo forte numa rocha.
                - Sou a vaga e a rocha - pensou. Ao mesmo tempo em que bato, recuo e permaneço estática. O estar estática me incomoda, retira-me o ar!
                Naquela manhã de inverno, quando a exuberância do azul transbordava do céu, descortinando o destino louco e incompreendido dos homens, cheia de lembranças, ao ouvir sua voz interior decidiu jogar fora todo o amontoado de contradições que a intrigava.
                E, assim livre de pressões, escutando apenas o estalido ígneo do silêncio queimando seu peito.

                Assumiu.

                Andréa Motta


Busca




Estou caindo no abismo;
Como quem procura água no deserto.

Busco letra -a- letra, a palavra,
Que retire esse cansaço insustentável,
Das verdades mil vezes ditas,
À ouvidos moucos.

Cansaço real, da irrealidade alheia.

Procuro a palavra
Que impeça esta vontade de voltar
À caverna silenciosa,
Onde só habitam as vozes,
Dos meus poetas mortos.


Joselaine Mota
Manhã ensolarada.
Sobre a copa do abacateiro
Carcará repousa.

Andréa Motta

22/02/11

Metapoemas de Andréa Motta

Metapoema
Andréa Motta


Se meu verso não tem jeito
de soneto ou de epopéia 
se não é perfeito

com certeza tem um rito
não causa cefaléia
ou faniquito

é o encontro sublime
da fé e da quimera

Se a rima é disforme
o que não é nenhum crime
e não tem batalhas de outra era

com certeza é ditoso
traz a letra do corpo
sem ser incestuoso

Em cada fonema
o canto do melro
o vôo da borboleta indefesa

- a essência do ecossistema -

transcende com certeza
a consciência do leitor mais austero
18.06.07


VERSÃO 2

Metapoema
Andréa Motta


Se meu verso não tem jeito
de soneto ou de epopéia 
se não é perfeito

com certeza tem um rito
não causa cefaléia
ou faniquito

é o encontro sublime
da fé e da quimera

Se a rima é disforme
o que não é nenhum crime
e não tem batalhas de outra era

com certeza é ditoso
traz a letra do corpo
sem ser incestuoso

A cada novo fonema,
o vôo duma borboleta indefesa
e o canto da natureza

- a essência do ecossistema -
como anticorpo
transcende com certeza
a consciência mais austera
18.06.07



folhas amarelas
leveza nos rodopios
que levam ao chão



---------------------- josé marins
neve negra

Queima o clamor no pulmão ferve  no coração  a  chama
e chove  punhais penetrando na prole da revolta
e  solta o Sol da esperança
das correntes de elos  quais tentáculos de feras
-pesadelos de todas aas eras
as guerras a fome e a miséria.

Queima o clamor  no pulmão
uma pluma de sonho   no incêndio da razão
incêndio na Floresta Negra  a expulsar
os desesperados lobos cinzentos a invadir
aldeias       feras famintas  almas perdidas na lama
a perscrutar na treva a semente da luz.

Ferve no coração a chama  chama  negra
borbulhando borboletas de fogo chama
a voz do bater de asas de ceda da borboleta
á queimar  da seiva ácida    no pulmão de ramos finos

da  selva da tualma fumaça densa vela
a tua cidadela em ruidosas ruínas no luto de tantas guerras

Teus olhos crepitam fome de justiça diante da soberba miséria

voa alto o falcão com os olhos  famintos  
pelo vale perdido dos sonhos órfãos.

                         Wilson Roberto Nogueira.07/05/07


O crime silencioso do demiurgo Vulturino



O critico  crítico   cri-cri
gri-gri atrás do arbusto
de tocaia no deserto;
a  gritar crises
a despejar pedregulhos
a provocar   engulhos
pela afetada ostentação de vazio
zomba babando   saberes ausentes
de alma criadora
só constrói a ruína
e ri  o cri-cri  a crocitar
na esquina.

Na quina quebrada  atento  a forma
deforma.

mal pronuncia  o prenúncio do gênio que cria
a cria o cri-cri mata 
assassina o feto  no útero  da idéia.
arranca a dentadas o prepúcio  se fazendo de mohel.

crocitando o corvo a voar
voandosobre a cova 
reclama  da safra de milho
só sabem contudo
plantarem cadáverese deles
se alimentarem.

cadê o milho?
o espantalho furtou
e o corvo?

vôou para o México
lo dia de los muertos. 
Era um abutre disfarçado.
Carajo!! 


             Wilson Roberto Nogueira
Um pouco de pó  de pólvora seca
nas folhas molhada das palavras
voam vadias  nas vagas   das tempestades
no Hades   do seu dia-a dia.

                                         Wilson Nogueira


Excesso de suor


O suor  da palavra precisou ser enxugado
gotas fétidas de prolixa  verborragia
implorou-com a dor  pulsando dos olhos
do leitor"cura tal hemorragia"
O sangue da palavra coagulou
Na cega caminhada teu pensamento
na treva se perdeu
caiu no abismo
morreu.
Antes aos gritos na caverna mais profunda
implorou
Onde está a luz  ?
Venha para a luz...........
                                     Wilson nogueira


O sapo   ao   comer a rã
exclamou:
Merde!
-e   escargot.

                       Wilson
Um pouco de pó de pólvora seca nas folhas molhadas das palavras
voam vadias nas vagas das tempestades do Hades do seu dia-a-dia.
                                                    

O suor da palavra precisou ser enxugada,
gotas fétidas de prolixa   verborragia;
implorou com a dor pulsando dos olhos;
cada letra condoídas com o sofrimento
do leitor.
O sangue coagulou, ficou preto e imundo
como a treva da tua cega caminhada.
Olha ali a luz serena do farol
reta e simples.

VENHA PARA A LUZZZ!!


Wilson Roberto Nogueira

Lugar-comum pode ser Beira do Mar


> 
> Como pessoas comuns podemos rir de muitas coisas que lemos e são superficiais, tolices, piadas...mas quando compartilha com um grupo que se especifica dentro de um título de saber, a coisa se aprofunda! Se uma pessoa, por exemplo,conta-se entre psicólogos, qualquer auto-ajuda será tratada como tal, exceto psicologia. Será pouco provável que circulem entre esses pares, textos de qualidade inferior ao que o conhecimento sobre o qual se debruçaram admite leitura, interpretação, pois passa a haver quase que automaticamente, uma exigência qualitativa de salto maior.
> O mesmo, seria de se esperar, deveria ocorrer num grupo de pessoas que se interessa pelas letras, pelas palavras, pela literatura. A leitura de textos deveria passar por um crivo diverso do que usamos quando estamos "leitor comum". Subliminaridade, intertextualidade, singularidade estilística, o tratamento do tema, enfim, para dizer o mínimo, se é o caso de leitores interessados pela literatura mas sem formação em letras ou disciplinas correlatas, seria o pouco razoável
> na escolha de textos e imagens para circulação entre tal grupo.
> Para ficar ainda mais claro, a seleção de textos passa pela capacidade perceptiva do leitor enviante e demonstra para seu interlocutor sua profundidade interpretativa. Primeiro, de quem o lê; segundo, do quê e o como ele prórprio lê. O leitor depende menos da quantidade de leitura do que da demonstração daquilo por onde ele escoa sua fruição e gozo. Se sempre ri de texto simplório, seu riso o acompanha a esse lugar. Se geralmente se comove por uma banalidade, ali habita uma boa parte da carga emocional que comporta.
> Considero muito importante a presença do leitor comum se avizinhando do leitor de suas especialidades. É ele quem permite aberta uma porta para o fora do comum, por incrível que pareça! Pois é através dele, que pode ser o simples curioso e inicia a leitura de "uma qualquer coisa", à partir dele é que chega o tempo do "leitor aprofundado" que vem com a experiência. É através dele que também se pega qualquer papel com letras num poste, numa revista esquecida no banco ao lado e fazemos a leitura de algo que pode ser a grande idéia daquele conto
> do escritor certo! É, mas podemos lembrar dele também como um estrangeiro que conhece pouco o idioma de outra terra que, nos encontros do que ler à partir das palavras conhecidas, pode trazer à mente propagandas reacionárias,equívocos distantes da humanização e até bobagens tão inúteis que quando trazem algo pode ser a perda de tempo!
> Por isso, apesar do carinho com que trato o leitor comum em mim, sempre verifico o trinco, pois a porta por onde ele passa leva a um corredor por onde se pode percorrer muito mais chão!
> Sempre gostei de pegadas na areia!
> Obrigada pela leitura!

> Maria José de Menezes