sábado, 30 de maio de 2015

para provar
que o nosso amor
morreu

vou enterrar
o meu olhar
no teu."

RR
se amo o teu olho dilatado
enterro o mais duro destas beiras

me mordo no desvão do teu pecado
e vou morrer na sobra das fogueiras."


RR

jornalista



jornalista
é todo cheio de laudas
matemático
de números
químicos
de fórmulas
médicos
de profilaxias
professores
de conteúdo
lixeiro
corre atrás de todos os restos
maquiador de funerária
põe um sorriso na cara da morte
coveiro
enterra rindo
atores pornô
fazem só papai-mamãe
na vida cotidiana
vida
continua
vestida
de indecentes

morais

Júlio Alves

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Depois da guerra



Nas ruas que serpenteiam o  caminhar dos  sorrisos provam  o ensanguentado sabor seco da  pólvora . driblam crânios os fantasmas que ora dançam em espiral fumaça o coagulado destino dos ausentes.
Ali ,enquanto o açoite da memória transforma os restos da morada em masmorra ,urra no coração a vida e a despeito das bombas semeadas e das vidas ceifadas ,o sorriso das crianças brindam o sol que dissipa as pegadas das sombras e seus  muros florescendo o aço da determinação  pedra por pedra até novas histórias
tenham como testemunha as paredes de mais uma esperança .

Wilson Roberto Nogueira

A Prisão o humo do ódio

A prisão estraçalha a razão e desconstrói o coração enterrando na merda a esperança
nas sombras que espreitam à ladrar ferozes à noite   esmagando as ruínas ossificadas da alma
A lei pesa mais que a justiça e o som de sua voz uma oração distante cortando o céu em fatias
presas na grade de uma boca sem palavras num rosto sem face.
No continente de espinhos de aço e lodo  apodrece o pergaminho dos dias exalando estórias de fundas cicatrizes de portos em chamas sem barcos para aproveitar a maré da humanidade

Wilson Roberto Nogueira

Parei

Parei
Fiz a hora pra dizer que  me cansei
Que já não posso mais aguentar tão calado
Que não aguento ver o meu povo enganado
Sendo refém do estado sem conhecer a lei

Parei
Sob a benção das águas de março
Como o abraço de uma nova estação
Que inunda de esperança e força
Este aflito e apressado coração

Eu caminhei
E minha voz ecoou pela cidade
Mobilizando a inerte sociedade
Para mostrar que só marchando juntos
Construiremos um país mais justo.

Eu caminhei
juntei-me aos meus num sonoro contachão
Sete mil vozes cobrando por promessas  feitas
E que por elas, as pessoas eleitos
Lavem a boca pra falar de educação.

Alex Sandro Alves Moreira
Funcionário de escola da região sul de Curitiba, Março de 2012

Escrevo como quem late pro vazio da noite.
Não espero que o eco das minhas vísceras façam com que a lua partilhe da minha escuridão
Que os olhos escutem o latido rouco que rasga me a fome dos meus sonhos mortos
nas pegadas afogadas de lodo.

Wilson Roberto Nogueira
Nuvem de areia cortinando a precária luz velada
humo de esperança dançando sobre a seda da vida
grãos se perdem no horizonte devorados pelas cicatrizes da cidade .

Wilson Roberto Nogueira

A  vida  escorre em gotas preciosas diante da sede dos  sonhos em meio a escuridão raios rasgam os céus das bocas com maldições cegas enquanto a  escuridão  a vela precipícios  .Embriagados passos flertam com a morte da razão.Na miragem da planície sem sol delira a esperança .


Wilson Roberto Nogueira
A vida é curta, a arte é longa. A ocasião fugidia.
A esperança falaz. E o julgamento difícil.

Hipócrates. Aforismos, 1.1

Um cubículo de gente num cubículo de apartamento

detonar o poema com as teclas
para que pulse vital a poesia
no mistério distante da meta
que dita no verso o arrepio

na paisagem sombria e absurda
do sonho que vive desperto
na cabeça do transeunte
que ao atravessar a rua suspira

como se tudo desatasse
deste momento em diante
feito flor que desabrocha
no fértil vazio da página- voz

deste circo mambembe vida
em única apresentação hoje
do mísero frente ao universo
instante-agora em nossas

veias e artérias degradadas
pelo cruel sistema que dita
o sinal vermelho, quando
se quer seguir o rumo

da canção nunca antes assobiada
pelos índios simulacros da praça
este desejo de origem-raiz
faz cavar mais fundo que a mera

superfície do visível e palpável
e leva a arqueologia daquilo
que duvidamos e resiste
independente de bússola e horário

José Alberto Amarante. Fonte: Jornal Relevo






Tenho velha queda por certas palavras
elas preenchem o buraco da minha expectativa.
são feitas uma tradição intangível
nomeando coisas que se alteram ou se unem
à medida do ângulo
ou simplesmente essas palavras
abrem uma mancha bem no meio da minha testa
a cada vez que grita
uma chama aqui dentro
é que eu tenho velha queda
por certos sentimentos.

Fonte : Jornal Relevo

Súmula

Por vezes perdido
largado
caído

marcado
pela estrada
sem luz nem parada

massivo
impressionista fiel
- com que mão
deus criou o céu ?

Fonte : Jornal Relevo
Carne fraca é alimento (para os fortes) seria a tradução exata. = Lei da selva. Weak meat is strength diet (to the strong ones). = Law of the Jungle. Japanese proverb.

Fonte. Teka Ayra


AQUELE-QUE-NÃO-SABE


No tempo do plantio eu fiz minha colheita.
Agora, que o jarro já quebrou na fonte
e a roldana rebentou no poço, eu chego ao meu pomar
e não vislumbro um fruto. No tempo dos abraços,
quando um sol de bronze se elevava sobre mim,
eu fugi por todos os caminhos. Agora,
que a noite cai e eu recolho as ovelhas magras no redil,
não há ninguém para dizer adeus.
Levantei muralhas quando era para derrubá-las.
Destruí castelos quando devia refazê-los.
No tempo de chorar, eu ri.
No tempo de falar, calei.
Quando a hora era de buscar, eu me perdi.
E agora choro em vez de gargalhar
e cerro os lábios para não gritar teu nome nas encruzilhadas.
Se há um tempo para cada coisa,
como diz o Eclesiastes,
para mim os tempos já vieram temporãos.

Otto Leopoldo Winck
Por entre as pedras silentes da Escola,
Há de surgir Babel, mãe das línguas e dos saberes
Multiplicidade que confundiu os babilônios,
Será agora reunida
Que encha de cor os prédios mortos,
De vida seus habitantes
Vida que vem da arte.
Arte que vem de nós


(Arthur Salles)
Fonte : Revista Babel
Jamais se disse a mesma coisa.
Jamais ninguém se entendeu.
Babel
Não adianta, no papel não está escrito o que você entendeu,
Não está escrito o que é,
O que é?
Não está escrito deu f deu x, integral
Ou a demonstração da equação diferencial
Não está escrito você.
Está escrito arte.
Está escrito algo
Do qual você só faz parte
Se mergulhar
Em babel
Seja música, literatura,
matemática ou pintura:
Nas múltiplas infinitas línguas
Que contornam seu mundo
Você só adentra se perceber
Você, única, tem sua própria língua:
Cada um é sua própria Babel.
Vem fazer parte?


(Martim Zurita)
Revista Babel

Mecânica


Essa brisa forte que bate
só te importa
se for derrubar
a obra?
Não se preocupe.
Pois sei precisamente
o torque necessário para que ela caia;
assim como sei a tração do elevador
para que ele suba na velocidade adequada;
da mesma forma que sei descrever minuciosamente
como tudo
no universo
anda.
Mas ninguém perguntou
como anda
meu coração.
Não pergunte meu nome,
nem o que faço ou onde moro.
Leia este meu poema
para saber quem sou.
Me mostre seu desenho.
Me leve ao cinema.
Me deixe sorrir sem saber porquê.
Me deixe ver a arte atrás dos seus olhos
cinzas.
E me deixe,
também,
viver.


(Pedro Lui Nigro Chazanas)
Fonte : Revista Babel

O Ocaso da Alma

 "Água" será lançado este sábado.
O ocaso da alma
O vazio que me amanhece
tarda,
arde
tarde.
Tu, Sol, te atrasas em horas
quando intenta levar-te a luz.
Caro amigo, o buraco em meu ser
já há muito fez-se aparecer!
Em ti tudo se renova
As dores de ontem se enuveam em auroras
Os pássaros da manhã
trazem consigo um sopro de vida tratado
O cheiro do café e o beijo da amada
renegam as trevas,
fazem em olvidada a elegia de outrora.
Mas meu ocaso é outro
Infindável
irrenovável
imutável
A noite segue a noite –
monotonia monocromática.
O meu fim não é efêmero,
a eternidade o carreia – e já começou!

do Gustavo Andreoli. Do livro "Água". Fonte : revista Babel

O Eu líquido


Nas ruas ando eu e o mundo
Ando só.
Olhos baixos, atentos
à tecnologia comprada,
prazer barato.
O sorriso, outrora vindo de dentro,
agora é exibicionista
fetichistas.
Sete fotos por dia
(uma para cada pecado) –
tua masturbação me enoja.
O fluxo frenético de dados
nos deixa à deriva, livres e perdidos.
Não escapo.
O sabor não mais me apraz
O sol e a a chuva dados a nós
me deixa com cara de merda.
O vento já não traz mais
a facilidade de viver.
Chegar agora de mãos vazias
e me leva a calma embora.
Dão-me um carvão em brasa
mas não sei se seguro
apago-o
solto-o
ou o engulo.

de Gustavo Andreoli

Do Livro "Água". Fonte : Revista Babel





Como todo mundo que me conhece sabe, o arroz com feijão entra nesta casa graças a ocupações que o mundo do trabalho, "talvez por ignorância, ou maldade, bem pior", apenas ignora: a poesia, a performance, o design sonoro.
Cada novo trabalho, nesses campos, representa como que um recomeço. Para além da escassa interlocução crítico-criativa, sozinho aqui nesta minha reclusão benfazeja, existe a necessidade de contínua atualização quanto ao uso dos equipamentos a serem usados, o que torna tudo muito confuso e aparentemente sem rumo, por vezes.
Assim, é de encher os olhos e o coração um email profissional - relativo a um esboço de rascunho da hipótese de projeto de design sonoro para uma animação que apresentei ao contratante na segunda-feira passada -, recém-enviado, que começa assim: "estou emocionado, está muito bom. estou pregando, ainda grosseiramente, pois você ainda vai regravar... então colo nos vídeos e está batendo demais."

Uma "pausa de mil compassos" em memória dos melhores pai e mãe do mundo, por terem me incentivado a ouvir a intuição e a escolher, para ganhar a vida, só o que me fizesse (muito) feliz.

Ricardo Aleixo
Entre chegadas, partidas...Encontros, desencontros....e os antagonismos da própria existência...só posso afirmar: Estou indo, com muitos " talvez...e Se?...ou Se?...Será? Ou ainda, aquele sentimento que nos rouba a lucidez e que nos rouba a coragem de arriscar e sermos racionais...Ah, como admiro os que não tem medo de voar... se arriscam sem deixar que o sentimento que é o " louco da casa " devore o desejo de ser aquilo que tiver que ser...sem culpas...mas com um olhar de reconciliação, sobre o passado, que já foi ontem, já passou e não volta mais, nem mesmo um segundo atrás...E na ambivalência dos sentimentos, sensações, tomadas de decisões, até mesmo a livre escolha de nada decidir...Mas é preciso IR...e quem sabe ficar...e quem dera ainda não mais voltar...Por hora, estou apenas indo!!!!

Minha...,

Maria Jose de Paula

RESPOSTA DADA À PERGUNTA NÃO FEITA


Cheguei sem saber o que era o quando,
E não me importava como tinha sido a viagem.
Havia sim, uma luz que mostrava o caminho,
Porém, não havia rota,
Mapa ou manual de orientação.
Se..., cheguei a esse 'aqui'..., algum lugar,
Foi porque de um 'lá'..., parti.
Se..., parti foi porque onde era o lá,
Aconteceram desencontros.
Se..., os encontros salutares fossem,
Teria eu lá permanecido.
Será ?
A existência mostra paradigmas,
Mais antagônicos que conformes,
Mas, Socratianamente..., 'nada sei'.
Será ?
Do que me é mostrado ou identificado,
Por quem nada sabe e muito menos quem é,
Em nenhuma palavra posso acreditar.
Nem nas minhas ?
Incertezas fazem parte de minha certeza,
Nenhum sentimento me tira a lucidez,
Contanto que eu mantenha a coragem,
De arriscar e racionalmente, jogar.
A vida é um jogo impar de trunfo emocional,
Em que o instinto dá cartas e esconde o naipe,
E sem me roubar, blefa sobre minha jogada,
À espera que meu crescimento se mostre maturo.
Sem ser louco me alço a alto voo e flano,
De cima não admiro os que no chão se mantém,
Ao contrário me preocupo com cada um,
Pois, é mais difícil entender e aceitar,
O padrão antagônico da infelicidade,
Que ser livre, tirar os pés do chão e sonhar.
Sou aquilo que sozinho me fiz,
Por não ser sequitário não tenho culpas,
Meu passado é meu juízo de reconciliação,
Com um futuro que não sei..., se é certo,
Sendo que a ambivalência do hoje presente,
O divide num ontem que não mais existe,
E quando ontem..., se mostrava amanhã.
Minhas tomadas de decisões, ou escolhas de vida,
Meu livre arbítrio, ou meus erros a serem cometidos,
Traçaram meus novos passos de onde estava,
Para o aonde vim, sem que com isso,
Aqui deva eu permanecer, salvo dileto encontro.
Minha realidade é a estática vida física temporal,
E atualidade é minha essência dinâmica permanente,
Minha vida se esvai na conduta que degrada matéria,
Mas, meu 'Ser' espiritual se gradua na mesma proporção.
Enfim..., sei que são os reveses,
Que compõem os degraus íngremes,
E que patamares de muitos "Não's"
Ou corrimãos de alguns "Sim's",
Constroem a escada que...,
Todos..., subimos..., indo,
Ou descemos..., ao voltar...,
Sem ao menos sabermos..., por quê.
Resta, portanto, seguir a caminhada,
Subir a escada, escalar a montanha,
'Sonhar' e 'Voar' para que haja o viver,
Fazer poesia, e amar, e amar e sentir,
Que no mínimo..., tudo isso vale à pena!

Olinto Simões – 24/05/2015 – às 03,12 h.

Quem leu até aqui, e serão bem poucos, entenderão porque não vivo postando textos meus. É que não sei escrever..., pouco.

Risos.

Quem quiser comentar, inclusive o que escrevi no final, agradeço. Serão amigos, poucos bem os sei, que terão a 'Pachorra' de perder um tempão..., com poesia.


Abraço e meu respeito a você, que..., repito..., leu tudo até aqui.

ANTIBUDISMO


Que me perdoem
os de bem com a vida
mas para fazer poesia
a dor é fundamental...
É fundamental
uma dor de corno,
uma ressaca brava,
uma angústia kierkegaardiana,
uma vontade súbita de se atirar no mar...
Só a dor transfigura
o asco, o travo, o amargo da boca
em pétala, em cântico, em salmodias...
Se tudo é dor,
e toda a dor vem do desejo,
eu quero todo o desejo que existir neste mundo.

Otto Leopoldo Winck

quarta-feira, 27 de maio de 2015


O FIM DE TUDO


O fim de tudo
é triste
como um fio partido.
O fim do dia.
O fim da vida.
O fim do amor.
Depois de tudo
não há como retornar
ao Paraíso.
O sol se põe.
A vida passa.
O amor acaba.
O fim de tudo
é triste
como um fio partido
no labirinto.
E estar aqui,
perdido,
não faz o menor sentido.

Otto Leopoldo Winck

Chegar aonde festejas


Tudo tem seu ciclo



Tudo tem seu ciclo: o sol que morre é o mesmo sol que nasceu. A árvore tombada já foi uma árvore frondosa e antes disso um arbusto e um broto. O caixão tem o formato do berço. A mão que se ergue para o adeus é a mesma que apertou sua mão na chegada. Os lábios que hoje entoam um canto fúnebre já cantaram uma canção de amor e antes disso uma cantiga de ninar. Tudo tem seu ciclo. Felizes são aqueles que sabem quando um determinado ciclo se encerrou.

Otto Leopoldo Winck

Rio Pequeno


no fim
você está sempre só
como no fundo
sempre esteve
no fundo
você está sempre nu
como no início
sempre esteve

[olw]

Fotogramas da minha loucura


I
O nome dele cerrou meus olhos de pedra
O nome dele cegou meus olhos de cão
O nome dele matou todas as estrelas

Bárbara Lia

segunda-feira, 25 de maio de 2015

e leio as costuras e os plissados de um murmúrio de corpos mutilados com o punho, com a espátula, de onde sai a serpente... por toda esta fala embromada, por todas as mentes alienadas, o humo é o que escava o sopro da serpente ... os musgos e as flores aquáticas ... e
debaixo do ossos, seu olhar e a dureza úmida da distância...


(adriana_zapparoli)

GANGUE DAS ARTES

 - João Bello

Na periferia dos meus sonhos.
A quadrilha das artes.
Reuniu-se com a gangue da literatura.
E no mocó dos livros.
Tramavam sequestros de sorrisos e de alegria.
Roubos de inspiração.
Desvios de tristeza.
Falsificação da violência.
E prometiam uma guerra de beijos.
Na rua em frente, em baixo da marquise.
Dormiam livros abandonados.
Convidando novas crianças a viajar no sonho dos poemas.

Nas asas da imaginação, vivem histórias de amor e fantasia.
Rita Medusa

q o silêncio dá fundamento ao canto. O intervalo, a entrega, a escuta são tão ou mais árduos quanto o movimento da voz. O ataque é também redenção. Parar e escutar, absorver com entrega, compassar a respiração, deixar - se ir junto. sonhar voz para todos e silêncios também.

Sempre isso de pontes e escadarias para quem assim o desejar, q mania...

Autopsicografia

Meire Abe

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


sábado, 23 de maio de 2015

TELEPATIA


Quando fazia amor com ela,
cerrava os olhos
apertando-os
e mergulhava muito fundo
como fugisse ao entorno
como buscasse — a outra
para além da tona do real
lagoa adentro
de sua morna, morena acolhida.

Um dia, enquanto o fazia
ela me bateu,
me esmurrou as costas,
várias vezes... E urrou.
Saí de dentro dela
e a fitei. Atônito...
Estava triste, ferida;
virou-se.
                                 (teriam meus pensamentos
                                 sussurrado pelos meus lábios!...)
Estava tudo acabado.

Não foi necessária palavra.
Estava tudo entendido.
De algum modo.
Telepaticamente.


Igor Buys

17 de novembro de 2010

ESFINGE




A luz pintava-lhe uma face de ouro,
a treva esbatida a restante em segredos.

Olhos azuis refletindo outras cores.

Lua amarela por sobre árvores negras.
Palavras, emoções e sorrisos nossos
volviam a vapor... Noite fria.
Fogueira boa.

Vento que desalinha os cabelos,
excita na relva um cheiro de verde.

Dedos se enlaçando. Olhares
sem significações simples. Destino.

Desatino de não ter nada mais a fazer
se não devorar o amor, por ele devorado
ser e arde, gaguejar, e gemer.
Seio de ouro, ventre de negro e dourado,
cabelos de prata loura jorrando, esfinge
de unhas, enigmas. Lança minha
cravada na carne, mulher, leoa, menina.
Amor, vapor...

Silêncio. Nem os grilos ousam.

Igor Buys

17 de novembro de 2010

NESTA RUA


Postes pretos. Pingos dependurados nos fios. Noite gris ao fundo. Som de um carro que arqueja distante. Cores derretidas, formas fundidas; mundo impreciso. Poças de espelho e ácido, fogo branco a dissolver automóveis imóveis. Poças de tinta fervente adiante e outros carros queimando frios.
O salto do sapato me estala sobre o chão de pedras, cortadas, losângicas. Cigarro com gosto de água; chama exausta já se extinguindo. Preto e cinza sobre cinza e prata, sobre cinza e preto, azuis e roxos. E alguma chama vermelha, algum detalhe amarelo em qualquer parte. Atravesso
a rua, dobro
a esquina. E eis que a Lua quadrada se debruça no céu emparedado, derramando de si a su’alma feminina. Momento esperado e lento; liquoroso, amavioso vento a jorrar de tão longe... Aceno de dentro do escuro. Ternura eterna; sorriso meu entre vapores. Vislumbro-a fascinado, coberto de estrelas. E de súbito, alguém a chama, derrete-se a platina candente de seus cabelos. Janela vazia. Negra.

Respiro fundo, sigo andando; daí a dez passos,
se passaram vinte anos.

Igor Buys
16 de outubro de 2010


REENTRÂNCIAS

.
A vida por meus olhos passa
Sem que eu perceba exatamente;
Sou a vidraça que se embaça
E a nada vê tão claramente.
.
E ainda assim não sei notá-la
Ou distinguir a intenção
Da mesma imagem que se cala
Quando me escapa da visão.
.
Somente sei reconhecê-la
Até onde posso arguir;
Se o céu existe numa estrela
Eu fiz-me dela ao existir.
.

O.T.Velho

ROTA DO DESASSOSSEGO


NALDOVELHO


Rota do desassossego,
caminho trilhado em segredo
por ruas estreitas, esquinas desertas,
por noites chuvosas, esperas, insônia.

Na busca de um sonho,
uma janela que teime
em permanecer entreaberta,
um lugar onde eu possa sorrir.

Rota do desassossego,
por passagens camufladas,
estranhas, sombrias...

Num bar chamado desterro
um garçom atende nervoso,
não pergunta se eu quero beber,
vai servindo a mais pura aguardente.
Não pergunta se eu quero comer,
entrega a conta antes que eu possa fugir.

Rota do desassossego:
a loucura, o vazio, o desejo,
e no fundo do bar um bolero,
um sussurro, um quero não quero,
um sorriso amarelo e indecente,
e o veneno escorrendo dos lábios,
uma porta, o perfume, um atalho,
um lugar onde eu possa mentir.

Rota do desassossego,
amanhecer de maio, é outono,
inquietude, incerteza e abandono.

Pago a conta e saio às pressas,
chorando a dor que em mim é confessa,
dor de escolhas ainda latentes,
brotam em versos pesados, dispersos.

Vou pra casa e tento dormir.
letras celestiais

caído do céu poema azul
ácido pássaro
abatido de gozo e riso
banido do paraíso
ferido em tombo preciso
letra de fado
ritmo de samba
soar colorido
feito blues
de branco tingido
que deus me prove
vai que o céu é mais ao sul
e deus me love
e deus me livre
de ser eu
a besta do após calipso
vai que eu sei
que viro a mesa
luso-afro-brasileira
de madeira nobre
expondo os restos coloniais
desta nação de hipócritas
mostrando o rastros
desta história corrompida
vai que sei
não estou só
e não é só meu esse nó
e esse bom gosto
na língua.

rodrigo mebs


SUAS SEMENTES


NALDOVELHO

E Ele nos disse que fecundaria rios
que gerariam muitas vertentes
que espalhadas pela Terra
levariam águas sementes
para matar a sede dos ímpios,
e a fome dos dementes.

E Ele nos disse que mandaria as chuvas
que lavariam a alma dos céticos
e transformariam a palavra herege
em fonte preciosa do saber,
e ainda que houvesse enchentes,
Ele nos faria sobreviver.

E Ele nos disse que traria o vento
e com ele a dança do tempo
no inevitável desgaste das pedras,
dos braços, dos olhos, das pernas,
para quando chegássemos a um termo
colhêssemos o que fizemos por merecer.

E Ele nos disse que acolheria seus filhos,
mesmo os em desvios perdidos,
ou em rotas de cometer sacrilégios,
pois haveria sempre um novo rio,
um novo caminho, um novo tempo,
ainda que levássemos milênios para compreender.


MEDO DE SER FELIZ


Vence esse teu medo de ser feliz.
Deixa a natureza nua pensar por ti,
ouve a voz dessa tua pele de leite
e deita a tua cabeça no meu peito.

Não se prenda ao fato d’eu largar.
Se largo, ora: primeiro agarro.
Seja positiva, mulher... Madura.

Quem vai rasgar a tua blusa.
Quem vai te deitar na parede,
quem vai bloquear o teu tapa
e beber a palma da tua mão.
Quem se não eu vai te fazer
rir e sorrir, bebendo lágrimas.

Só eu vou-me sentar no chão
para auscultar teus esperneios,
decifrando esses olhos de menina.
É sério: só os ficantes e os viados
são amigos da mulher: escolhe.

Ninguém assistiu ao formidável
enterro da tua última quimera,
somente a ingratidão, essa pantera.*
Pois se a alguém ainda causa pena
a tua chaga, arranca essa roupinha
que te esconde; mostra esses seios
pontiagudos, essa púbis de louça,
morde e suga o sangue da vida!
Vem, amor, espero-te, há tanto;
vem cortar as minhas costas com
essas unhas, que a chama é breve
e a cinza do esquecimento, eterna!

______
*Alusão: Augusto dos Anjos; “Versos Íntimos”.

Igor Buys

20 de dezembro de 2010

DE: FALAR PRA ELA



Uma palavra
Uma palavra que rompa as distâncias
As pontes quebradas
O perigo das esquinas; que salte
Os montes e os castelos de pedra.
Uma palavra de te buscar no vento.

Uma palavra de tocar, não de explicar
Ou dizer; uma palavra: gosto, beijo
Desejo da tua boca perfeita, perfeita.
Uma palavra de beber as pontas dos teus dedos
De olhar nos teus olhos
Imensos e neles ser a água da cachoeira
Verde nua mão seio abraço
Dezembro fogo, espuma estilha
Sol e primavera: cristal despedaçando cores.

E já sem nenhuma palavra
Ainda ser poesia, corpórea
Entre os teus lençóis, cabelos e sedas;
Sim uma surda poesia, suada gustativa
Capaz de te morder no lábio, de te virar
De bruços, capaz de te deitar meu cheiro
E amanhecer febril e tatuada — a poesia —,
Nessa tua pele e no teu sonho azul de céu.


Igor Buys
31 de dezembro de 2010


KÁON


Entre tantas
que tenho
não tenho
que tive
deixei
e admiro,
entre tantas que
poetiso
que não poetiso
você,
só você de algum modo
me basta e
me pertence, sem ter
pertencido em suores.

Guardo o teu scarpin
cor de maçã do amor
cor de crime e desejo
no criado-mudo meu.

Guardo um abraço
de vidro, de aurora
de bruma em brasa.

Sua foto, seu nome
escondido no verso-
-da-pele e da noite.

E nada mais peço
que permanecer
assim... perto do
perto. E inebriado.


Igor Buys
02 de janeiro de 2011

DA METAPOESIA DOS FRACOS



note que alguma poesia contemporânea
quebra linhas formais em demasia,
mas nenhuma linha conceitual é fendida:
e giram-se, ainda, as manivelas mesmas
dos calhambeques dos anos vint’áureos.

centáureos, dinossáureos modernismos
ainda contestam os parnaseabundismos.

sejamos não-acadêmicos, usemos pa-
lavras simples, versos pequenos, vidas
minúsculas: quem tem gênio é técnico,
quem tem cultura, é um esnobe, elitista.
poesia agora se aprende, e se aprende
em clubes de chá para aposentado(a)s.

Ora, direi-te aqui algumas verdades, ainda que te doas!
Quem pregará que a verdadeira beleza é interior, se não o feio?...
Quem ensinará que o espadachim é cruel, se não o derrotado, o fraco?...

Irmão: previne-te contra a gramática dos ressentidos; cuidado com a estética
[estratégica dos medíocres, dos ignóbeis!

Sejamos leões, sejamos feras soltas na linguagem! Vamos entabular o discurso
[fúlgido das coisas, deixar de lado o translúcido, o culpado, o espírito!

Haja uma alma cárnea na voz e nas bandeiras! Um coração de fogo e martelo na
[pulsação dos ritmos; viva o dizer físico, tangível, a concretude da imagem!

Quero a poesia de beijar as bocas, de abraçar os amigos; de espancar os canalhas,
[de vencer as guerras, desnudando a moral, as mentiras; clamando, berrando,
[arrancando do útero de um tempo intumescido em suores e ânsias convulsas,
[ensangüentada e viva de prantos,

— a Pós-modernidade!


Igor Buys

03 de janeiro de 2011

VEM CÁ (FRACTAL)


Vem cá
Deixa o peso físico
Sentado, nessa cadeira
E caminha, descalça, pisando
Um chão de pedra fria: gruta azul
Adentro, vem me encontrar. Vem, agora,
Vem cá. Vem ser minha, onde tudo é possível,
Tudo é real, nada é mentira. Pisa esse chão, caminha;
O que há a tua frente? Podes ver? Vem, vem pra mim, vida.
Há uma luz branca muito intensa? Como o sol, no âmago da caverna?
Então, caminha mais depressa; corre agora! Vem, delícia; sonho meu de amor.
                                     Sente o meu abraço, de repente.
                                  Sente. Deixa ser real. Beijo-te...
                               Bebo teus lábios, teu rosto. Cá,
                            Onde sempre fui teu. Mãos, luz,
Nem podes me ver, mas me sentes; barba por fazer na tua pele, pescoço, rosto.
Gosto, cheiro. Deixa... deixa ser real. Beijo apaixonado; bebo a tua saliva,
Tua respiração apressada; desalinho os teus cabelos, mordo, de leve,
O teu ombro. E beijo, beijo, beijo, beijo... Saudade: cem anos,
Talvez, de saudade da tua boca. Do mel desses teus olhos.
Vem, vem cá. Dá-me a tua mão, confia; vem fugir,
Comigo, do peso do tempo. Ai, meu amor...
Vem... Vem cá. Existe uma praia
Aqui, atrás desta via; vamos.
Vê o mar: azul, verde.
Vem cá...


Pisa a areia macia, quente. Sente, sonha. Hoje, eu peço teu sonho.
Teu seio, na minha pálpebra... Tua palma, no meu rosto, e língua.


Igor Buys

06 de janeiro de 2011

humanicice


eu sei
que você sabe que eu sei
que essa tal
insanidade
já é lei nessa cidade

afinal antes dos fins de semana
e feriados nacionais
o que emana
não irmana

eu sei
que você sabe que eu sei
que essa tal
insanidade
agora é lei necessidade

afinal antes dos fins de semana
e dos periódicos semanais
palavra é só
o que engana

eu sei
que você sabe que eu sei
que essa tal
insanidade
já é unanimidade

afinal antes do fins de semana
e das cinzas dos carnavais
é tudo carne
e grana

eu sei até de mais
que todos os anos
antes dos dias santos
somos menos humanos
que os animais


rodrigo mebs

Silencio sobre o rio que me deságua.
É inútil a resistência. Contra este rio
sempre nós perdemos. O que fica, o que resta, o que sobra
não é a obra sobre a qual eu me debruço,
acabrunhado, nem a fibra que se enrija
neste empenho. É a hora, igualmente perecível,
em que o cio, no ventre mesmo do silêncio,
o desafia a ser presente. (Horas a fio
eu vigiaria o teu corpo adormecido.
Anos a fio eu chorarei nossas tardes
sepultadas.) Silencio sobre o rio
que me deságua. Não haverá discursos fúnebres
nem lamentos. Dentro da madrugada
viveremos, todavia. Como um facho.
Ou: um cometa. O rio corre, a tarde morre
e o cio atroz que me arrebenta
me confessa imperecível
nesta hora passageira.


Otto Leopoldo Winck
sou aquela nuvem
que assombra
de tão inofensiva
entendo
os que se apavoram
com minha alma
escandalosa
sub-rosa
nuvem
assombrosa
Bárbara Lia

Respirar (2014)
 “O silêncio como um oceano laminado”
(Emily Dickinson)

Garras negras da morte
Farpas azuis da noite
Branca coruja de tocaia
Minha mãe rezando
Na sala
Meu pai fazendo
Um cigarro de palha

Bárbara Lia

A flor dentro da árvore (2011)
A única felicidade
que se pode ter é aquela
de que não se sabe. Afinal,
saber que a temos nas mãos
é já começar a perdê-la
(a felicidade escorre
como a água das palmas molhadas).
Pois é próprio de toda posse
sua total precariedade.
Portanto, feliz é aquele
que é feliz e não sabe,
pois aquele que é e sabe,
ainda que o seja de fato,
jamais o será de verdade.
Saber é perder. E perder,
nós o sabemos, é sofrer.
Só o não-saber é gozar.
Este é o cruel paradoxo:
saber que o gozar é finito
é como deixar de gozar
muito antes de seu início.


Otto Leopoldo Winck
Camafeu Escarlate
*lendo o poema "animula vagula"**, na Sala SCABI (Solar do Barão), para o Sarau de encerramento da exposição "Mulher, este ser multifacetado".

Criatura hálito de anêmona, uniforme de archote.
Trespasso contigo o corpo dinâmico das embarcações.
Com dentes de telescópio, mastigo tua labareda: sonda.
Radar: a face pulverizada nas águas.
Desenha-me como um monge sassafrás no periélio dos templos,
trabalhando o óleo da pirâmide:
o holocausto líquido que assombra tua testa,
afogueada na crosta da terra.
Nada posso contra tua imolação na pedra fria do meu reino.
Persisto em oração de guilhotinas no pé marcial das tuas marés.
Teus tentáculos chicoteiam as organelas e os meteoros respondem
na cela das cristaleiras.
Meu manto amarelo dissolve como o leão no abraço de um sigilo.
É tua a maquinaria acesa em minha indústria de fantoches,
armazém de peixes e cordeiros.
Hoje, sou teu demiurgo no marinho fátuo de um papel leopardo.

Morcelâmpada,
fulgurita,
no folhetim de teus raios
que fui buscar
debaixo de sete palmos
no coração
hieróglifo do beato
entre nós.


**AC (do Grimório de Gavita)

NUMA NOITE DE LUA NOVA


Cada um consigo é louco
e traz dentro de si,
como num cofre, ou melhor,
como num sótão,
uma grande incompreensão do mundo.
Cada um consigo é louco,
mas em certas noites - quando estamos sós principalmente -
esta loucura aflora horrível
numa imensa flor
vermelha
que se embriaga das próprias gargalhadas.
Sim,
cada um
consigo é louco
mas nas ruas fingem que está tudo certo.

Otto Leopoldo Winck
“Toda coberta de insidioso musgo”
(Emily Dickinson)

Sol magenta de maio
Alma dos ancestrais
No corredor
As goiabeiras
O relógio cuco
O mundo tinha musgo
No chão
Nas paredes
Nos alfarrábios
O mundo inabitado - Esquecido
Que se fecha sem ruído
Em saudade - Evapora
Azul de signos
Molhado de lágrimas

Bárbara Lia

A flor dentro da árvore (2011)

SONETO DO INÚTIL AMOR


É a hora de cessar o gesto lídimo
da pena, do formão, da mão no arado,
pois toda lida ou arte encerra em si,
na própria essência de seu ser errático,
o seu destino de poeira e cinza.
É a hora de calar todas as árias,
silenciar o percutir dos tímpanos
e de parar a roca, a roda, a fábrica,
da boca extinta a voz da última fala.
Palavras não serão mais necessárias
em face do mistério a que se assiste,
cujo nome (talvez) amor será.
Pois quando os tempos estiverem findos
apenas ele – inútil – restará.


Otto Leopoldo Winck

MANUAL DO AMOR À CARIOCA


Quando se encontra uma deusa
É de mister amá-la.
Por uns dois dias
Esteja inteiramente apaixonado,
Que isso convém à poesia,
E a poesia é amiga do amor,
Mas no terceiro dia,
Ou te casa, ou sê amigo,
Pois que o amor nunca pode ser estorvo
Nem para si, nem para o outro.
E quando amigo, sê escudeiro,
O mais fiel cavalariço:
Para uma deusa, esteja sempre disponível,
Tal como um primo, tal como um pai,
Que toda deusa precisa disto.
Sê cavaleiro de sua angústia,
Do seu momento de solidão
E amansa o potro dos seus temores,
Se ela te der tal privilégio.
Sê cavaleiro dos seus sonhos,
Se numa noite, sem borda ou medida,
Ela quiser comparti-los,
― Eis o teu momento de sorte.
Mas cavalheiro, abdica de sê-lo:
Isto é excesso entre mulher e homem.
Sê espontâneo, segura firme,
Olha nos olhos, rouba seus lábios.
Beija como quem se despede
Ante a viagem que está por vir
E irá durar um oceano, um continente,
Mesmo que ela seja tua vizinha.
Pois, de fato, entre cada momento
Há um mar imenso e seu naufrágio.
Amar demanda filosofia.
Amar demanda religião
Mas o único deus é o coração
E o corpo nu, seu sacramento.
Toma os seus seios como quem faz
A santa ceia: come-a, amigo, não te deites,
Que deitar é pra dormir, comer
É para a vida!
Diz a palavra de fogo, a palavra
De rua: pede o de que precisas,
Pois de outro modo, irás morrer.
Nada prometas, nada perguntes.
Ouve-a como se ouve a Vivaldi.
Nota o seu menor desejo.
E depois de tudo,
Sê como irmão: sangue do sangue,
Cúmplice de um crime perfeito.
Nada cobres: nada dispenses.


Igor Buys
31 de janeiro de 2011


THE LONG AND WINDING ROAD...


Hoje senti tua falta.
Foi talvez a chuva fina sobre a rua prateada,
dourada,
o vento derrubando coisas, pensamentos.
Alguém correndo recurvado, alguém
sob a marquise. Uma criança,
seu olhar. Um cão molhado, sua ausência
de pressa e caminho certo a tomar.
Uma bicicleta seguindo ao lado do ciclista.
A rua cúprica.
A rua negro-azulada.

Foi talvez a falência prematura
de alguma aventura. O cabelo sob a toalha.
Os sapatos secando na soleira. Vela
que não chegou a valer: alarme falso.
Pavio queimado, cheirando.

Não sei.
Um feedback do último verão, decerto.
O tempo tem esse jeito de grudar nas fibras,
nos gostos, nos agasalhos.
Nosso tempo. Nossos calabouços,
tantos silêncios odiosos, tantas mentiras.
Tantas carícias de fogo, tremores e unhas
vermelhas, negras, brancas. E marcas.
Por um instante tive inveja
d’eu-mesmo
atravessando a rua, jornal sobre a cabeça,
correndo para o teu calor.


Igor Buys

11 de janeiro de 2011
(um abraço é um abraço é um abraço)
amar é sempre um nó
amar um amigo
é um nó de marinheiro
amar é sempre uma viagem
barco bêbado alma boêmia
na última onda
simplesmente me abrace
até à eternidade

Bárbara Lia
Respirar/2014

DÉJÀ-VU


Por hoje, queria ser teu irmão de sangue.
É sério: entrar no teu quarto, abraçar tua cabeça.
E nada dizer. Apenas auscultar tua respiração.

Eu tenho-te avistado debruçada na noite, como a lua,
tão próxima e distante: em halo.

E se algo dessa tua claridade já me banha,
logo estou sorrindo, e risco estes reversos
do silêncio e da palavra, nos quais te calo.

Palavras de fogo e desejo são um disfarce, às vezes
quando tudo o que se quer é
o que não sei dizer. Porque talvez seja silêncio.
Calma. Ai, lagoa verde, infinita...

De onde eu te conheço, há tanto tempo.
De onde...

Tempo.

O que será o tempo, enfim,
aquém dos estalidos do relógio,
sob a pele das horas, que nada são.
O que será o tempo.

Por que o gosto da tua boca está na minha.
Como... Há quanto tempo, isso vibra na espiral sem-fim.
Dejà-vu, talvez. Só isso. Ou nem isso.
Talvez seja: somente a saudade. Sim, a saudade de algo
(que esqueci...)

Mas não cumpre escrever sobre o espírito.
Quero a pele das coisas! A verdade entremeada
nas células, pregada de prótons! Quero a imagem honesta
e boa: clara; não a poesia da moral e da mentira!

Por hoje, queria ser teu irmão de sangue.
Mergulhar nos teus olhos... Tocar no teu rosto.
E nada dizer.


Igor Buys
04 de janeiro de 2011



um dia...escreverei

mas nos dias que são noites meu caminhar turva
e não encontro a tinta para começar a pintar a vida curva
numa reta rumo aonde não sei
perdido procuro no porto a pausa da lei
escreverei um livro não sei
só o sonho que ainda não sonhei
sabe o quanto meu fusca capota na curva
nas curvas das gurias
ria que o riso não custa nada
só o amor a dar gozo a mau sinada
desdita vida das musas que fogem
na folhagem procurando serem miradas
fogem quando se querem pegar
riem quando querem chorar
e quando choram tal a força do riso
das veias a ferver
ferve também a alma no poeta
que se crê amante de uma musa
que ora ausente chora
pois o poeta cego se acovarda
teme atravessar a vida para a eternidade da pallavra
lavra a dor acostuma-se a semear o pranto
a principio apenas de si depois dos outros
irriga a vida e se afoga na bebida amarga.
Não sou e nunca serei autor de livros pois a vida
me foge rápida demais para persegui-las e acorrentá-las
em persona aragens.
abraço.


Wilson roberto nogueira
qualquer homem
é pedra ardente
mesmo que seco
todo homem
é montanha
mesmo que bêbado
o levedo da arte
cabe em qualquer
boca."


RR

Tu nunca saíste de mim,
eu nunca sairei de ti...
De agora em diante, a todo instante,
estaremos juntos, seremos um,
como o infinito, que é múltiplo,
dentro cada segundo.

Otto Leopoldo Winck
"Uma das minhas primeiras tarefas, após ler o "Rei da Selva" foi ler Hamlet cuidadosamente e extrair elementos que poderiam ser usados no roteiro. Os desenhos animados da Disney foram concebidos para funcionar em todos os níveis da audiência, com gags físicos para as crianças mais novas, ações e tiradas irreverentes para os adolescentes e piadas subliminares para os adultos.

Rafiki, o babuíno maluco que é um misto de médico e feiticeiro, era um dos personagens mais interessantes no roteiro, combinando elementos de um mentor e de um pícaro. Nas primeiras versões da história, senti que sua utilidade não estava clara. Ele era usado para efeito cômico, como um cara lunático que aparecia para fazer ruídos mágicos mas que não merecia respeito. O rei o via como um estorvo e Zazu, o pássaro conselheiro do rei, o afugentava cada vez que tentava se aproximar do pequeno Simba. Ele tinha pouca função no roteiro após a primeira cena, e aparecia basicamente para dar um relevo de comicidade à história, mais um pícaro do que um mentor. Na reunião que se seguiu à apresentação do storyboard, sugeri que o levássemos um pouco mais a sério como mentor. Talvez Zazu ainda se mostrasse desconfiado e tentasse afastá-lo, porém, Mufasa, mais sábio e compassivo, o deixaria se aproximar do filhote. Tive o impulso de acentuar os aspectos ritualísticos do momento, fazendo referência aos rituais de batismo, ou às cerimônias de coroação nas quais o novo rei ou rainha recebe na testa a aplicação de um óleo sagrado. Rafiki poderia abençoar o leãozinho, talvez com um suco de frutos silvestres ou outra substância da selva. Um dos desenhistas disse que Rafiki já possuía uma bengala com estranhas cabaças amarradas a ela e teve a ideia de que Rafiki poderia quebrar uma delas num gesto enigmático e marcar a fronte do pequeno leão com um líquido colorido"

Don Ramon
 “Escanear os céus com um ar suspeito”
(Emily Dickinson)

Não olhes o sol
A olho nu
Isto se chama
Violentar Deus
Irado, Ele abrirá
Escaras em tua retina
Abrirá o portal
Do abismo
Para cegar teu olhar
Que ousa afrontar
A Luz!

Bárbara Lia

A flor dentro da árvore (2011)

SONETO DO ALQUIMISTA


Da mesma forma que o alquimista intenta
o bruto ferro transmutar em ouro,
e sem sossego tudo experimenta,
tendo por fim apenas tal tesouro –
o poeta é tal qual este alquimista,
que, com depauperados elementos,
sinais, palavras – sons sem sentimentos –
como um velho e experiente ilusionista,
um feiticeiro, um mago, um inventor,
ou então nada mais que um fingidor,
sonha altos monumentos levantar...
Mas não se iludam, simulacros vãos
são, afinal, as obras de suas mãos:
engenhosas catedrais feitas de ar.

Otto Leopoldo Winck

COÍBA OU NÃO-COHYBA


Se a ilha de Cuba
fosse colônia holandesa,
ou britânica,
ou norueguesa,
ler-se-ia num maço de Cohyba,
aqui seguro em minhas mãos:
— Fume com moderação.

Se as montadoras fossem russas,
ou vietnamitas,
ou norte-coreanas,
ler-se-ia em latarias zero bala:
— Cuidado: acidentes de trânsito
são a principal causa de morte.

Nas garrafas de um scotch
iraniano, escreveriam:
— O álcool pode causar
diversos males a sua saúde.
E abaixo do rótulo haveria
a foto de alguém com cirrose
hepática, delirium tremens,
ou impotente, ou infanticida.


Igor Buys

09 de janeiro de 2011

CÂNON


Eu acordei a ouvir o sanhaço azul
De ouvir o azul sanhaço despertei

Que privilégio viver nesta cidade inserto na floresta!
Incerto céu de pedra, e copa, e mais acima anil e anjo!

Polifônica alvorada do mundo: carro corre, e curva.
Bach e Braque pintando sobrepostos, som e cor, carro e flauta.

Depois vem a vizinha, liquidificando as formas.
O vórtice da máquina que volve fruto em fração molar.

E o sanhaço novamente me arrebata...
Rebate o anjo alhures — ainda é tempo de sonhá-la.


Igor Buys            

07 de janeiro de 2011
“Dame el ocaso en una copa!”
(Emily Dickinson)

Velhas estradas bifurcadas
Lentas aparições de fantoches
Nas alamedas do nada

Bárbara Lia

A flor dentro da árvore
y los ipês - ya estaban - más amarillos... de los perros, las patas más ligeras; el corazón más tardío. y el bordillo, en la calle, más limpio... una vez más....
***
e os ipês - já estavam - mais amarelos... dos cachorros, as patas mais ligeiras; o coração mais tardio, e o meio fio, na rua, mais limpo... uma vez mais...

(adriana_zapparoli)

AMOR DEMENTE


Tentar não pensar em ti é como
tentar não pensar por palavras:
um perigo ainda maior... Melhor
o pensamento que morde e roça.
Que mente à mente e ama o amor
nas vestes tuas, nuas. Amor met-
amorfo, delirante ser demente: nu.

Tão só. Tão absurda, loucamente
só. Ele dança, — a dois. Ri, sorri;
se alegra, e vira em versos, valsa.
Amor, demente e genial pintor...
Subversor das horas e semínimas.
Ladrão, saqueador de sonhos, de
pomos que se não sabiam belos,
— ou nus.

Amor, marginal e meigo, amor.
Quase inocente...
Quase luz e quase treva inteira.

Amor: demente e genial amor.


Igor Buys

06 de janeiro de 2011

Lavoura Arcaica

"O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é, contudo, nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo, entretanto, prover a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo (...) o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é; (... ) Porque só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas".


Raduan Nassar
Felicidade:
teu nome devia ser riscado
dos dicionários.
De longe parece tanto,
de perto é quase nada.
Felicidade:
instante intenso
que o tempo dilata,
agora é saudade
que ao tempo se arrasta...
Felicidade:
estúpido castelo de cartas.
Basta um vento
e tudo desaba.
(Não liga não:
não é lágrima. É só a chuva
que molhou os meus óculos.)


Otto Leopoldo Winck

TALASSOCRACIA CARIOCA



O carioca é um povo do mar.
Tudo aqui gira em torno do oceano e do sol,
Mesmo que se o não perceba de pronto.

Ao carioca é feio estar-em: belo é o pôr-se
Andando, movendo-se permanentemente,
Como se move o próprio mar e os rios
Que nele encontram o seu ilimitado, azul.
Quem é do Rio deve ser também um rio
E estar rumando infatigavelmente ao mar.

É belo ter a pele dourada, bronzeada, roxa;
Quem está branco está doente, esteve preso,
Quem está doridamente rosado é um parvo,
Um gringo, algum tipo de pária que não sabe
Ser filho do sol e comungar da luz infinita.
É belo o calor, o gosto por experimentá-lo.
Quem vem com tudo não cansa,*
Não pára: é feio assistir muita TV,
Perder muito tempo diante do PC e da net;
Ganhar o tempo é mover-se, dançar a vida,
E a vida está na rua, na praia, no Carnaval,
No reveillon e nas festas, de preferência:
A céu aberto, sob auspícios do sol argento
Das madrugadas: verão é belo; inverno, não.

É feio ficar muito tempo sem sexo: sem nexo.

O carioca não possui arma de fogo, mas luta:
São belos os movimentos da capoeira, a dança;
Jiu-Jitsu é justo e brasileiro: pertence aos Grace,
E os Grace ao Rio, e o Rio ao mar que rola,
Que dá queda, pesa e imobiliza: deixa rolar...
Segura a onda, que a parada é dura. Não é mole.

A garota que vem e que passa, caminho do mar.**
A moça do corpo dourado é balanço, é marola,
Resíduo da aurora incandescente, madrugadora:
Ardente de vida. O seu balançado marca o tempo
Da poesia, da estação, da cidade que se redime
Do sono: acordar é belo. Ao ar livre, desnudar-se:
Isto é a vida, isto é o rio: o resto é selva de pedra.

______
*Alusão: “Quem vem com tudo não cansa”; Cazuza.
**Alusão:
“[...] é ela menina, que vem e que passa / Num doce balanço a caminho
do mar / Moça do corpo dourado / Do sol de Ipanema / O seu balançado é
mais que um poema”; Vinícius.


Igor Buys

10 de fevereiro de 2011