segunda-feira, 30 de abril de 2018

RANCOR


O coração engambela a gente.
Nos tira dos eixos.
Nos joga de cima do muro.
A gente planeja o percurso,
meticulosamente,
com etapas e alvos,
epílogos e proêmios
– e aí vem o desgraçado
tresmalhar nossos passos,
transtornar nosso tento.
(Órgão muscular oco dos vertebrados,
do tamanho de um punho fechado
e cheio de incongruências,
o coração é um engodo,
um óbice, um óbelo, um oroboro,
além de um estúpido conselheiro...)
Como botar a mão no arado
e seguir em frente
se a cada instante o louco
nos faz olhar para os lados?
O coração devia ser arrancado da cavidade torácica,
queimado, reduzido a cinzas, espezinhado,
e no seu lugar instalado
uma clepsidra, um astrolábio, uma casamata...
Ou então
uma bomba de hidrogênio
para acabar logo com tudo.
Otto Leopoldo Winck



Todas os tardes numa tarde
e dentro dela a glória inoxidável das manhãs
e o encantamento das palavras aprendidas ao anoitecer.
O paraíso foi um lapso de luz e medo e contorções
e um rosto no escuro me buscando
e mãos que desfaziam muros e erguiam ao lado da velha sinagoga
o mais soberbo gesto de alforria. A Via Láctea que desataste em mim,
a coca-cola que tomamos e os risos como éclogas ensandecidas
foram o sinal de que resgatáramos enfim
o que ficara no fundo da boceta de Pandora.

Otto Leopoldo Winck

MAIS UM BLUES


um blues na cabeça
um aperto no peito
um fogo na alma
este é meu destino
vagar pelas ruas
sem rumo
sem rima
sem metro
só pra ver se te vejo
num bar
num beco
ou na sombra
das cortinas
de tua janela
Otto Leopoldo Winck



MOCIDADE MORTA


adeus ócio
adeus vícios
entre vinicius
e sid vicious
eu vou ficando por aqui
de cara
pros edifícios

Otto Leopoldo Winck

VIVER


Quando algo cai e se espatifa na sala
uma estrela se congela em alguma constelação.
O azul pode ser luz, o azul pose ser céu
mas hoje é punhal que fere
meus olhos míopes.
Viver poderia ser simples
como percorrer o caminho
entre a casa e a venda.
Mas viver é um estilhaço
de uma guerra distante que ainda retine.
Quando algo cai e se espatifa no quarto
é porque em alguma galáxia um astro morreu.
Saí cedo de casa e não encontrei a venda.
Estrelas morrem todo dia.
Há mil atalhos para cada caminho
e ainda estou tentando refazer a louça estilhaçada.
Otto Leopoldo Winck



DECLINAÇÃO


De repente
eu vi que tinha caído a noite
e eu me vi perdido
num mundo sem você.
Tinha que voltar para casa
mas não sabia o caminho.
Na verdade não havia caminho:
a noite era tão densa
que todos os caminhos haviam se fundido.
Como fazer para começar de novo?
Viver é irremediável: você não pode voltar atrás
e a memória é enganosa.
Tateando, perambulei por becos
que semelhavam bosques
e vaguei por vales
que me lembravam salas
inóspitas e vazias.
Agora que o dia nasceu,
eu não posso mais contemplar o céu.
A noite grudou de tal modo nas minhas retinas
que, para onde quer que eu olhe, é tudo breu.
Só há uma luz brilhando em mim.
E é uma luz tão frágil e estúpida
(como um candeeiro ao vento)
que tenho até vergonha de declinar o seu nome:
saudade.
Otto Leopoldo Winck


IDADE DO OURO


Não aprendi nada com a vida.
Troco nomes, troco as pernas.
Me atrapalho com as etiquetas
e é com extrema dificuldade
que troco lâmpadas (portanto,
não vá querer agora que eu conserte esse chuveiro elétrico).
Mas ainda me fascino com as palavras
como se elas fossem coisas, bichos, pedras preciosas.
Ser poeta para mim não é destino
mas simplesmente continuar criança
em meio a uma multidão atarefada.
Não aprendi nada com a vida.
Mas, se você quiser, posso te ensinar
tudo aquilo que eu não sei.
Otto Leopoldo Winck


vou ser plural e singular, muito mais belo
que os cavalos febris de salomão.
por sobre a vida que piso, parabelo
serei belo e infeliz, poeta e cão."

RR

FLORES VOTIVAS


Eu
não tenho
medo da morte.
Eu tenho medo quando uma coisa cai
e quebra
como porcelana,
seja uma velha amizade,
um novo amor
ou o sentido – fortuito – dos orbes.
Aí vem o vazio,
pior que a morte,
que não cola mais os cacos espalhados no chão.
Eu
não tenho
medo da morte.
Eu tenho medo da ode
inconclusa, da carta interrompida,
do beijo suspenso,
seja este poema – que em si nunca estará completo –
seja a vida, esta obra sempre aberta...
Por que o medo então,
se tudo é acidental
e acidentado? Por que não assumir de vez
que este medo – que me paralisa no trabalho, na fila do banco, no amor –
não é, no fundo, no fundo, o medo da própria morte?
Talvez seja
para não dar o braço a torcer
a esta velha desmancha-prazeres
que corta os brotos
antes das flores, ou, quando não,
colhe as flores antes dos frutos
– e as oferece ao Nada.

Otto Leopoldo Winck
Descontente de todos os meus descontentamentos e de mim mesmo, gostaria de me recuperar e me orgulhar um pouco no silêncio e na solidão da noite. Almas daqueles que amei, almas daqueles que exaltei, fortificai-me, sustentai-me, afastai de mim a mentira e os vapores corruptores do mundo; e Vós, Senhor meu Deus! concedei-me a graça de produzir alguns belos versos que provem a mim mesmo que eu não sou o último dos homens, que eu não sou inferior àqueles a quem desprezo."

Charles Baudelaire, A uma da manhã - Pequenos poemas em prosa
Com mãos pacientes
reelaboro os contornos da memória.
O que ora era névoa
hoje é ferragem, cadeado, estrutura.
Não ouso olhar de frente
a sombra comprida do poente:
só sua insinuação nos meandros remotos do remorso.
São laboriosos meus passos na alameda de concreto.
Pedra por pedra, edifico minha estela:
sou o mensageiro da vigília e da rotina.
Já não mais arde o fogo antigo nas lareiras.
A brisa já não sopra como um eco.
Sei no entanto que encontrarei no último aposento do palácio
a lembrança morta da manhã perdida.
Sou o que faz, constrói, edifica:
sem sonho, sem treva, sem absoluto .

Otto Leopoldo Winck
Bocas roxas de vinho
Testas brancas sob rosas,
Nus, brancos antebraços
Deixados sobre a mesa:
Tal seja, Lídia, o quadro
Em que fiquemos, mudos,
Eternamente inscritos
Na consciência dos deuses.
Antes isto que a vida
Como os homens a vivem,
Cheia da negra poeira
Que erguem das estradas.
Só os deuses socorrem
Com seu exemplo aqueles
Que nada mais pretendem
Que ir no rio das coisas.
Ricardo Reis


Se há trevas no céu,
inventa-se um sol.
Ou uma lua – se se prefere a noite.
Se a terra é sem forma e vazia,
desenha-se um paraíso, um rio
e em seu leito nós dois.
O rio é o tempo.
Mas o tempo não passa por nós,
pois cancelei seu passar.
Agora eu tenho tudo quero: o sol (ou a lua),
um rio que não para e não passa
e dentro dele, me olhando,
inteiramente nua,
você.

Otto Leopoldo Winck
mais amaríeis meu cortado canto
se mais soubésseis como sois amada
e navegásseis pelo meu espanto."

RR

MOCIDADE MORTA


adeus ócio
adeus vícios
entre vinicius
e sid vicious
eu vou ficando por aqui
de cara
pros edifícios

Otto Leopoldo Winck
me decidi te ver
inteira, nua
uma mulher que é vento
e que é rua.
me decidi te amar
em meu quebranto
uma mulher que é sopro
e é espanto.
me decidi dizer-te
e fiquei mudo
uma mulher que é só
e só, é tudo."

Romério Rômulo
de tudo, meu bem, me lembro:
não chegaram, por ainda
os licores de dezembro.
do teu amor me padeço.
me faltam agora, viu?
na minha paixão infinda
os teus licores de abril.
de nada, meu bem, me esqueço."

Romério Rômulo
eu caibo na manhã
eu caibo todo
com a minha febre terçã
e o meu lodo."
RR
se eu brotar do silêncio
chame a vida
chame qualquer coisa
que me caiba
seja poesia, mulher ou desavença."
RR

segunda-feira, 23 de abril de 2018

BAD TIMES



aguardo notícias
que não virão
pelos Correios

palavras
que não serão ditas

sentenças
que não serão proferidas

preguiça imensa
me invade
num bocejo estagnado

sou prisioneiro do tempo
& de senhores afins

a alma anda escura

embora o sol
insista em brilhar lá fora
e doar energia & calor.

Ricardo Mainieri

3. (A CASCA MÍTICA – continuação...)




Sobrevivo de estar bêbado
de luz. Entornado

ao nevoeiro
das coisas ínfimas.

É insano cantar --
uivar sobre os lírios secos
nesta planície ancorada.
É insano morrer.

Nada esplende
entre o deserto e o som das ruínas.

Imagino a melodia
do corpo ardente,
no prolongado rito da palavra,
no passaporte para ser pássaro.

E transbordo desta caligrafia
de dardos;
não há sonho que escape
ao espinho.

SALGADO MARANHÃO
(DO Livro “A CASCA MÍTICA”)


de tudo, meu bem, me lembro:
não chegaram, por ainda
os licores de dezembro.

do teu amor me padeço.
me faltam agora, viu?
na minha paixão infinda
os teus licores de abril.

de nada, meu bem, me esqueço."
RR

domingo, 22 de abril de 2018

Illusion

Esqueça  a poesia , ela não virá .  A poesia está na escuridão  tentando encontrar uma estrela guia. Ver os pássaros poetas descordenados de suas frágeis bússolas de fibras e penugem ,baterem-se no ar rarefeito dessa fábrica de esgotos e coprófaga existência  na terra sequestrada pela angústiosa ambição tanática do Deus Mercado.Tornou a muito a alma zumbi um arremedo de luz , um fio de fumaça se perdendo entre as luzes de neon refletido nas telas de computadores .



Wilson Roberto Nogueira

preconceito e xenofobia

Cada passo uma caminhada encarcerada num sujeito sem rosto que procurava uma face no espelho do outro e aos tropeços só conseguia sentir o sabor da dor e do sangue."Como encontrar no outro o reflexo de quem sou ? " É melhor para de arrastar o peso da incerteza e da busca da palavra -ponte na boca de outras cores ou a tradução das fibras nos intestinos de quem não queremos ver. Nossos fantasmas se agigantam nas sombras do que ignoramos, o outro veste-se de espinhos e chagas.Cavalgamos nosso ódio em direção a essa figura que invade a janela de nossos lares ameaçando invadir.
O que é a alteridade além do mugido dos fracos a rasgar as fronteiras de nossas consciências míticas .Segregar , compartimentar assim como congregar no odiar é tão mais empoderador como ser uma partícula de tsunami numa torcida de futebol ( ou num templo ), onda humana avassaladora .Incandescentes flechas de ódio projetando-se pelo poder do anonimato, manada de bestas feras se lançando  ao abismo.Parideiras de frutos tumorosos  que urgem sangrar nos amanheceres sombrios.

Cuidado com o fascismo ele mora em todos nós aguardando devorar nosso idealizado altruísmo, generosidade e igualitarismo. Muitos acreditam ainda serem cristãos , mas amam odiar o próximo e usam a bíblia como se fosse o Mein Kampf.


Wilson Roberto Nogueira
Há dias em que a poesia não vem. Que fazer, se não esperar? Passear ao sol. Ver um pintassilgo do lado de fora de um viveiro cheio de pássaros. Ouvir conversas de namorados. Perder o caminho do restaurante. Tentar ajudar um bebê a beber água , e em vez de ajudar, atrapalhar. Evitar polêmicas no Facebook, digitando devagar. Ler um best-seller recomendado há tempos por uma amiga. Comer pão com pasta de queijo. Não atender a nem um compromisso. Ver a lua no céu. Lembrar de uma conversa e responder, mentalmente. Desejar que amanhã o dia retorne mais lento. Entender com o corpo o que é carpe diem.

MK

sexta-feira, 20 de abril de 2018

de tudo, meu bem, me lembro:
não chegaram, por ainda
os licores de dezembro.
do teu amor me padeço.
me faltam agora, viu?
na minha paixão infinda
os teus licores de abril.
de nada, meu bem, me esqueço."

RR

ISABELA ADORMECIDA


Isabela perambula
sob pálidas estrelas
contando passos e luas
por ruas, praças, vielas
Esmolambada e banguela
Magrela e sem sobrenome
ela é somente Isabela
filha do vício . . . e da fome
Quase não come . . . nem fala. . .
se fala, fala sozinha
(ninguém se presta a escutá-la)
caminha, pena . . . e definha
Louca de ‘pedra’ e ‘farinha’
desnorteada no sul
Isabela ‘perde a linha’
sob o sol e o céu azul
Tão arisca quanto um bicho
vagueia de pés no chão. . .
buscando em latas de lixo
restos de paz, sonhos, pão
algum beijo enferrujado
um crepúsculo lilás
um poema inacabado
um dom . . . que ninguém quer mais
qualquer verdade encardida
um túnel com luz no fim. . .
um milagre . . . uma saída
uma porta, um trampolim
um naco de amor, de bolo
um lírio , um favo de mel
qualquer alívio ou consolo
um mapa que a leve ao céu
Mas, Isabela não acha
mais que esperanças perdidas. . .
e segue assim, cabisbaixa
pelos becos e avenidas
Cheia de medo e feridas
Cheia de angústia e torpor
ri das luzes coloridas
que piscam pra sua dor
Vaga só e desvalida
entre os ‘cidadãos normais’
‘gente de bem’, ‘bem nutrida’
‘semelhantes desiguais’
Passa desapercebida
por todos . . . mas, não por mim
que enxergo em sua tez desiludida
um não sei quê de anjo (Querubim)?
Quisera dar-lhe guarida
um fardo menos ruim
um’ outra chance . . . outra vida
mais feliz, menos doída
outro começo, outro fim. . .
Guardá-la em mim, protegida
e nunca mais vê-la assim
desacordada, caída. . .
‘Isabela adormecida’
sobre a grama dum jardim
entre flores sem perfume
e gente sem coração
num mundo em que a piedade
é um ‘mau costume’
e a fria indiferença . . . ‘convenção’
Os olhos de Isabela não têm lume. . .
São negros . . . são da cor da solidão
Da cor da sua pele de betume. . .
Tão negra . . . quanto o ébano e o carvão
Tão negra quanto a negra escuridão
que assombra minha alma (tão pequena)
ao escutar da boca de um ‘cristão’
---- Não sinta compaixão. Não vale a pena. . .
Eu guardo em mim os olhos de Isabela. . .
e sei que ela guardou os meus também
Tomara Deus . . . um dia . . . os olhos dela
enxerguem toda a luz . . . que os meus não veem.

PAULO MIRANDA BARRETO

Pássaros Ruins T3 #2 - Marcos Pamplona

segunda-feira, 16 de abril de 2018


pensam que faço poemas a machado?
faço poemas com fino tratamento:
no corpo do poema o meu tormento

na sua pele meu corpo revelado."
RR


os meus silêncios fracassaram."
RR

terça-feira, 10 de abril de 2018

Amizade

Um cofre onde sao depositadas as vísceras d´alma d'outro e não só o coração
onde reside a difícil substância que ninguém quer d´outro beber.
é fácil tomar o néctar da felicidade forçada para não desagradar outrem com o peso da vida.
é o cofre onde se deposita o lôdo negro doutr'alma e a decanta, e a torna,aos poucos
cristalina, refletindo a luz enfim.
Um cofre a guardar a  pesadalma e a torna-la leve pela lealdade.

E fácil ser superficial em mornos tempos liquídos.

Wilson Roberto Nogueira