domingo, 31 de janeiro de 2016

VIAGEM


- Parece bobo! Está há horas parado aí na frente da pintura dessa estrada de terra!
- Eu não estava parado, andava , fui longe e já voltei!
- Está louco!
- Você duvida? Olha a minha roupa molhada e a bainha da minha calça suja de barro. Peguei chuva quando voltava.

Julio Damasio
desconfio que uma das grandes motivações para as mulheres gostarem de barba é o fato de você, com barba, nunca poder trair - o cheiro de mulher impregna na barba (o de boceta, idem), occam estava certo.

William Teca
enterrem-me com minha kalashnikov
na curva do rio
na beira da estrada
no fundo do vale
onde caíram os homens, as mulheres, as crianças
na noite mais funda
na hora mais dura
no tempo mais sujo
e cujo sangue é este
que no céu estrelado
já avermelha a aurora


Otto Leopoldo Winck

Autoajuda para a Época da Aparência

Al Reiffer

I – não se martirize
não se sacrifique
pelo bem comum:
ninguém reconhece o sacrifício
pelos outros
só se reconhece o sucesso.
ponto.
e ainda mais se esse sucesso
for em cima do sacrifício
dos outros
II – não seja profundo:
ser profundo pode fazer
com que se sinta e se pense:
sentir e pensar
pode lhe deixar infeliz:
quem é infeliz
não aparenta sucesso
III – não cultive seus valores:
quem é que o verá
pelo que você vale
ou deixa de valer?
onde será
que sua honra
dignidade
sabedoria
o tornarão mais bem visto?
melhor dizendo:
cultive seus valore$

O Fim: Autoajuda para a Época da Aparência



ARTEDOFIM.BLOGSPOT.COM|POR AL REIFFER
Não se ama a quem se ama quando se ama
ou, mais raro, quando se é amado.
Ama-se o amor. Só o amor.
Não o amante. Nem o amado.
Pois só o amor merece ser amado.


Otto Leopoldo Winck

CONJUGAÇÃO DA AUSENTE



...Tua graça caminha pela casa.
Moves-te blindada em abstrações. Como um T. Trazes
A cabeça enterrada nos ombros qual escura
Rosa sem haste. És tão profundamente
Que irrelevas as coisas mesmo de pensamento.
A cadeira é cadeira e o quadro é quadro
Porque te participam. Fora, o jardim
Modesto como tu, murcha em antúrios
A tua ausência. As folhas te outonam, a grama te
Quer. És vegetal, amiga...
Amiga! Direi baixo teu nome
Não ao rádio ou ao espelho, mas à porta
Que te emoldura fatigada, e ao
Corredor que para
Para te andar adunca, inutilmente
Rápida. Vazia a casa
Raios, no entanto, desse olhar sobejo
Oblíquos cristalizam tua ausência.
Vejo-te em cada prisma, refletindo
Diagonalmente a múltipla esperança
E te amo, e te venero, e te idolatro

Numa perplexidade de criança.

Vinicius de Moraes
gosto de ver coisas escusas no youtube, depois de semanas vendo documentários de psicopatas, resolvi assistir exorcismos, e é putamente divertido, ainda não acabei minha lista, mas, já vou me solidarizar com quem ainda luta contra o sistema manicomial, cá na nossa terrinha (luta que até o fim o grande carrano manteve); eu sou um estudante de psicologia amador - da parte que me interessa: lacan e jung; camaradas, a moral cristã mata pessoas (e já matou muito), que são só doentes: o diabo, não existe (deus, também não), não sei se nosso problema é cultural ou intelectual.

William Teca

sábado, 30 de janeiro de 2016

A gente nunca sabe quando vai ser a última vez: o último encontro, a última conversa, o último beijo, o último aperto de mão... Se a gente soubesse, a gente se prepararia melhor para este último gesto. Nossas palavras seriam mais solenes, nossas atitudes mais circunspectas. A gente tomaria mais consciência do que está fazendo ou falando. Mas talvez seja melhor que não saibamos. Não suportaríamos a certeza de que aquela seria a última vez. Foi assim com ele aquele dia. Eles se encontraram, eles se se beijaram, eles se amaram, eles se despediram, achando que iam se ver outras vezes, muitas vezes. Só que seus caminhos de repente se afastaram, sem que nenhum tivesse previsto ou pretendido isso. Nunca mais se viram. Ainda se falaram algumas vezes pelo telefone. Mas depois de alguns meses nem isso. Até que muitos anos depois a notícia chegou aos ouvidos dele. Ela tinha morrido. Ou melhor: tinha se matado. Um tiro na cabeça. Se ele soubesse que aquela ia ser a última vez que se viram, ele teria dito: Olhe, não leve a vida tão a sério.

Otto Leopoldo Winck

Escrevo

Escrevo
não com o que sobra
mas com o que falta
de mim.
Não com o que resta
mas com a fresta,
a fenda,
a fímbria do abismo.
Só com o gosto
do nada na boca
é que podemos
aspirar ao tudo.
É do vazio profundo
que nasce o desejo
de encher esta página
de riscos -- e tua boca de beijos.
Escrevo com o oco
de mim,
com minha alma virada,
meu corpo do avesso
e o coto de meus desejos
rotos.
Sei que há outros
que escrevem
com rosas e lírios,
do alto de píncaros.
Quanto a mim,
escrevo do fundo
do poço
seco,
com o que falta
de mim,
de ti
e de tudo.
Escrever
não é promessa
ou descarrego,
missa
ou formatura.
Escrever
tem mais a ver
com caminhar de banda
sabendo que tua hora
se foi.
Otto Leopoldo Winck



O ENTERRO DO LOBO BRANCO

"Haverá um tempo em que os ossos dos santos se prostrarão nos tubérculos frouxos das árvores esses mesmos ossos desviarão o curso dos tendões e romperão a carne rouxa dos cadáveres contarão os causos de homens antípodas e de mulheres perversas que cortavam as cabeças de seus maridos e afogavam seus primogênitos em rios pardos de crianças que desmembravam suas bonecas e faziam firmes ataduras antes das veias nascerem de velhos que morriam contando os átomos e as estrias de suas células podres e de flores que preparavam o descanso dos mortos" 

Marcia Barbieri
Ser poeta é mergulhar no rio
da linguagem
e colher as palavras mais límpidas
e com elas compor um fábula,
um castelo, um hidroavião
ou um exército de terracota.


Otto Leopoldo Winck

O CAMINHO DA POESIA


No dia que nasce,
antes que ele passe,
siga o caminho da poesia,
para maior garantia
de emoção em tua vida,
ou, então, uma leve corrijida,
na rota,
se é que anda torta.

- por José Luiz de Sousa Santos, o JL Semeador de Poesias –

SOPA LITERÁRIA


Lave uma boa porção de porquês
em prosa corrente
e reserve.
Com um lápis bem apontado,
separe as sílabas
de inconstitucionalissimamente
e tempere com interjeições emotivas
e tremas a gosto.
Após desmanchar o sal da terra
em águas de março,
leve ao fogo da paixão,
com todos os demais ingredientes,
até se consumar o tempo
e o sentimento do mundo.
Depois de pronta,
sente-se naquela mesa,
em companhia da amada amante
e é comer e amar,
que rezar, só após a digestão.

- por José Luiz de Sousa Santos, o JL Semeador de Poesias, noite dessas, na Lapa –

NÃO


Se não vens o dia não é.
Se não chegas
A claridade é um esboço
Que Deus esqueceu no bolso
Da sua túnica negra.
Se não vens a noite é alma vivente
E transita latente
Nas veias da dor de não poder morrer.
Se não chegas o dia é aquilo
Que o tempo ainda não incluiu
Em seu calendário
E cansa de ser nunca.
O sol aniquila-se
Um inútil desgraçado.
O poema sufoca
Na mediocridade
Da página em branco
De um livro fechado.
E eu também já nem quero ser.
E aborto-me.
Para sem culpa ou remorso
Amaldiçoar a mãe
Que um dia não me pariu.

Viviane Barroso

O ENXADRISTA


Disputava partidas de xadrez
com o passado
apostando num futuro
sem desesperança
Como sempre perdia
desistiu de adquirir
da vida um cheque
em branco
Conformou-se em viver
num eterno
xeque-mate

-Bruno Junger Mafra-
Estou num pequeno templo da alta burguesia curitibana. Tomo um café expresso. Leio um ensaio sobre Baudelaire. A alguns metros, um casal muito antigo – ela, de casaco vermelho, cabelo armado tingido de loiro, deve ter pelo menos 80 anos – cantam New York. Ele toca uma guitarra modernosa, dessas que tem só o contorno. Ela canta. Até que bem. “O tempo não se deixa perceber somente através de ruínas e monumentos, mas também por sua ação corrosiva que ataca tudo, até o novo” – leio. Atrás de mim há uma festa de criança. Gritos, uivos, choro, pais em polvorosa. Mais à frente, uma jovem amamenta. Seu rosto transpira frescor e otimismo. A tarde do sábado avança e de repente, quando me dou conta, é noite – vejo através do teto envidraçado. Não sei se peço mais um café (é caro, daí minha hesitação), se volto para casa, se leio mais um pouco. Agora a dupla – seria um casal? – tocam Yesterday, a música mais executada de todos os tempos. Em Baudelaire se mesclavam amor e ódio à modernidade que então nascia. Repulsa e fascínio. As coisas nunca são claras. A gente sempre ama aquilo que odeia. A gente sempre odeia aquilo que ama. Vindo para cá topei com um rapaz escarafunchando sacos de lixo – no bairro mais rico de Curitiba. Fiquei constrangido ao passar por ele. Constrangido por ele? Por mim? Talvez por ver que ele via que eu o via nesta situação degradante. Mas ele nem ligou. Quem tem fome não se importa com aparências. Um estômago vazio não quer saber de etiquetas. Temi (sim, temi, vejam como somos egoístas) que ele me pedisse um trocado e imediatamente me lembrei que não trazia moeda alguma comigo. No entanto, mais adiante gastei oitenta reais com dois livros. A anciã canta agora outro clássico kitsch. A modernidade é isto, Baudelaire, um pastiche de si mesma. As crianças correm, perturbam, como é natural das crianças. O nenê parou de mamar. As pessoas conversam, sorriem. Sim, aqui nesta ilha estão protegidas dos noias, da violência policial, da guerra de gangues... Se queixam da crise mas não conhecem a crise. Talvez tenham um sobrinho morto num acidente de automóvel ou até um conhecido assassinado num assalto. Mas nunca saberão o que é ter um filho executado pela polícia. Vou me levantar e me dirigir até o ponto na Praça Osório, a um quilômetro daqui. Sei que lá fora está frio e eu não vim agasalhado. Não estou na Paris do século XIX mas na Curitiba do século XXI. Mas sou, como todos, um homem na multidão. Anônimo. Sozinho. Perdido. E só tenho esta certeza: nunca serei Baudelaire.

Julho/2015


Otto Leopoldo Winck

Rarefeito



O que desperta
Depois da noite desfeita
Falsas certezas
Razões perfeitas
Na praticidade da desilusão?

Nem tudo são escolhas
A luz do dia cega e seca
O cobertor, o frio...
E, num arrepio
Tudo que parece o fim
Será
Como o que surge de um vazio
Cheio de deserto trancado no peito
E, ainda que eu não entenda direito
Tudo se parece com tudo
Como um passado incerto
Coberto pelo orvalho perfume da deusa
Difuso pela superfície ondulada do mar
Mas, tangível no aroma da terra molhada

 Angela Gomes

CABELOS COLORIDOS



Mulheres de cabelos coloridos
passam em desfile
uma cor
para combinar
com cada vestido.
azul, verde, fuccia
tons abaixo e acima
do arco-íris
moda vazia
ou inconformismo e rebeldia.
Viajo nas ondulações
desses cabelos
a colorirem o vento
passos ora calmos ora apressados
no ritmo de seus corações. . .

José Luiz Santos‎ 

- por JL Semeador de Poesias, dia desses, pela minha cidade -

fonte : Vidráguas

alguma poesia


poema do livro Couro Cru & Carne Viva - 1987

não. não bastaria a poesia deste bonde
que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a lapa
carregada de pivetes nos seus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos.
não. não bastaria a poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô.
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigem
no tal circo voador.
não. não bastaria todo riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhos.
não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e uma cheiro de fêmea no ar devorador
aparentando realismo hiper moderno,
num corpo de anjo que não foi meu deus quem fez
esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
uma mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos
não. não bastaria toda poesia
que eu trago em minha alma um tanto porca,
este postal com uma imagem meio Lorca:
um bondinho aterrizando lá na Urca
e esta cidade deitando água
em meus destroços
pois se o cristo redentor deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre-nossos
e na certa só faria poesia com os meus ossos.

Artur Gomes

In Couro Cru & Carne Viva

Prêmio Internacional de Poesia - Quebec - Canadá 1987
A literatura nunca me deu nada. Só me roubou horas, sono, saúde, dinheiro. É uma frase de efeito, boa pra se dizer num bar depois do sexto copo ou no início de uma palestra para sensibilizar os ouvintes a comprarem depois o seu livro.
Mentira. A literatura me deu muitas coisas. Horas maravilhosas de leitura, epifania, abertura de horizontes. Amigos. A maioria de meus amigos hoje são ligados direta ou indiretamente à literatura.
Nunca tive a pretensão de ganhar dinheiro com literatura, mas até dinheiro já ganhei com ela. Prêmios, bolsas. E viagens. Ao postar hoje mais cedo "Tarde em Itapoã", me lembrei que conheci Salvador e esta mítica praia graças a literatura.
Sim. Meu romance "Jaboc" ganhou em 2006 o prêmio da Academia de Letras da Bahia e por conta dele fui duas vezes a Salvador, uma pra receber o cheque, outra pra lançar o livro. Até o governador veio me pedir autógrafo. E eu de terno, engravatado, num calorão danado, enxugava a taça todas as vezes que o garçom, solícito, vinha enchê-la. Nem sei como me levantei dali.
Fiquei hospedado num hotel quatro estrelas, com um motorista à minha disposição. Entrevista a jornais, noitadas e passeios com os escritores locais. Todos queriam conhecer quem era aquela cara do sul, desconhecido, que "roubara" o prêmio deles. Eita vida boa!
Literatura, minha amada, você não é uma madrasta: você é uma mãe. Uma mãe ciumenta, exigente, às vezes crica, mas uma mãe. Toma um beijo nas fuças e vê se me dá mais dinheiro!

Otto Leopoldo Winck
flor, paisagem, rosto, concha, tela
com o cio a pisar nos meus ouvidos
essa mulher é um riso e uma cadela."

RR
A beleza é castradora do nosso olhar antecipado porque em muitas é preciso demorar - se nesta vigília. O olhar apressado, descuidado, aniquila a possibilidade de ver além das camadas mais imediatas. E mesmo assim poderão tomar a visão bruta como delicadamente repulsiva. Não há remédio para uma beleza que te alcance e consuma , resta tua gargalhada, tua alegria que não pede licença pra transportar as pontes varridas pra debaixo do tapete da história, a excelência das garras no pescoço, bolas de ferro nos tornozelos, asas no teu café, música de silêncio para nervos exilados.

Só numa beleza como a tua pra desobedecer a minha contemplação fragmentada. É que desse ângulo exótico exorcizado o que se vê é sagrado.

Rita Medusa

falar de política

falar de política é uma treta espinhosa, sobretudo quando se julga que política é meramente partidarismo e: panfletagem (que defino como a ausência de senso crítico e uma ideia tonta de que se você não se alia é inimigo); devo dizer que o governo federal está aquém do que eu esperava, e é uma hipocrisia lazarenta e laxativa dizer que tudo vai bem; o governo estadual é uma piada e, tirando o bando de camaradas que conheço e estão mamando em projetos, não há uma alma que possa defender o poncherello. da prefeitura não há nada a esperar, a urbs ainda mantém seu cartel na câmara de vereadores, os sindicatos são uma massa de manobra; e daí? bem, daí que vivemos numa sociedade "pacu", e se algum desavisado me chamar de "coxinha", ganha a rima. eu nunca vi uma esquerda tão burra e uma direita tão reaça. 

William Teca
Ariano Suassuna, na abertura do XIII Fórum do Imaginário (Recife), começou seu discurso de maneira informal, sem nenhum tom de cátedra e sem nenhuma gravidade ou impostação de voz.
Discurso de primeira, em primeira pessoa, concluindo com a declamação de um longo poema de Fernando Pessoa. Perdi toda a concentração ao ponto de não lembrar o poema declamado, acreditem, no meu caso, isso é grave.
Fiquei distraída nos muitos Arianos Suassunas que a sombra projetava na parede. Claro, os anéis do imaginário me levaram perto de Saturno e outros planetas.
Uma interrupção de energia elétrica permitiu que as velas tomassem conta da plateia, num crescendo pra lá de aumentativo.
Primeiro vi uma sombra dele fazendo gestos contrários ao Suassuna real. Depois vi dois, três, quatro, quarenta Suassunas, com oitenta braços subindo e descendo, abraçando e desabraçando o nada e o tudo, diante de um público absorto, paralisado pelo espetáculo em 3D, sem direito a óculos escuros.
Eu, no meu canto, pensei entre as sombras: com este homem quero casar. Depois lembrei – mas eu já sou casada – a luz das velas bachelardianas distorce os pensamentos e retorce os sentimentos.
Poesia não dialoga óbvios. E para ver melhor, por vezes, é preciso que a luz artificial fique desligada. Ariano Suassuna foi desligado da vida de luzes artificiais. Hoje, hologramas dançam multiplicados no meio de outra plateia que repete seu nome e seus gestos. Abraços e desabraços que sobem e descem eternizam seu nome, e de certa maneira, muitos casamos com ele.

Glória Kirinus

Absolvição


Eu te absolvo, meu querido
pelo teu desamor
Tu não podes me dar
o que tu nunca teve
Tu não podes me dar
o que tu desconhece -
o amor verdadeiro
Eu te absolvo , meu amor
e não me sinto derrotada
e nem sinto que te perdi
na verdade nunca te tive...
Então, ficamos assim
Tu diz que me ama
e eu finjo que acredito
E é isso... e fim.


Mô Schnepfleitner

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

a única conclusão verdadeira (no sentido forte de termo - pra usar o jargão acadêmico) que chego, enquanto estou aqui, neste terrível domingo de sol, me dedicando à minha tese, é que, quando terminá-la, quero me dedicar à plantação de batatas e criar galinhas (talvez, coelhos, como o raduan); não porque tenha me cansado de estudar - não sei ao certo porque meu saco está cheio (no sentido forte do termo), estou longe de ter raiva da universidade - diria que é o contrário disso; talvez, o que me chateie é o excesso de falsa intelectualidade que envolve todo este mundo de que faço parte, falta um certo sentido de autenticidade ou "arqué" (no sentido forte de termo), ou talvez seja o fato de estudar a porra do herberto hélder. estudar poesia e chegar a um princípio de pensamento é dilacerante, uma morte, uma catarse (no sentido forte do termo), donde daí, há que se reconstruir a si. ficar de babação de ovo, depois de ter dito tudo o que já tinha a dizer, é uma contradição. já matei vários eus de mim e renasci: matei a criança doce; o adolescente rebelde; o poeta menor de botequim e, em breve, matarei o acadêmico. quero me dedicar a criar o "seu teca", preferencialmente, num sitio, quiçá dando aula para criancinhas - que possuem uma visão de mundo isenta desse clichezão culto do qual todo mundo quer fazer parte.

ps: e terei um alambique. hehehe.

William Teca
Por que a gente escreve? Não sei, não sei. Tem coisas que não podem ser ditas com as palavras do dia-a-dia. Então a gente se afasta e reorganiza as palavras gastas no uso cotidiano. E de repente, bem de repente, você diz uma coisa que joga nova luz sobre o mundo e a vida. A literatura vai ver é isso: se afastar um pouco para chegar mais perto. Recuar um passo para dar um salto.

Otto Leopoldo Winck

O ENTERRO DO LOBO BRANCO

"Carpo metacarpo falange unha uma radiografia expunha todos os ossos da sua mão e eu cogitava macacos não se masturbam entre seus dedos-cadáveres explodia um manancial e os peixes procriavam vermelhos na encosta rochosa do seu pulso eu desesperado imaginava os holofotes me cegando batia uma punheta e pensava na inabilidade dos gorilas me entristecia a ignorância do autoprazer e do riso"
Marcia barbieri
Ela tinha olhos de reticências e seus dedos eram compridos pontos de exclamação. Debaixo da interrogação negra de suas sobrancelhas, sua boca era um "o" cheio de promessas. Ele podia escrever uma 'Comédia humana' inteira de tanto que falava nas conchas marinhas de seus ouvidos. Eram história de poetas tristes do século dezenove, que fumavam haxixe e tomavam absinto nas espeluncas mais sórdidas de Paris. Ela ouvia quase sem palavras. O mundo era belo e trágico e o pecado ainda não fora inventado para eles. A única angústia era com o tempo que passava e pesava sobre suas costas como uma condenação ao degredo. Uma hora ele quase chorou. Foi quando tudo se tornou claro. A vida, que fora horrível antes deles, voltaria a sê-lo depois que deixassem aquele quarto. Por isso o desespero de viver, o desejo da eternidade dentro da ampulheta frágil dos instantes. Ela tinha olhos de reticências e ele um coração cheio de histórias não vividas. E a vida era bela -- e besta -- quando estavam um diante do outro. Como um escândalo silencioso. Ou como o suave olor do sândalo.

Otto Leopoldo Winck
Mais um caso de (s) amor
Ambos jovens.
Ela desamarra e amarra nervosamente o biquini para deixar a bunda empinada.
Ajeita ansiosamente os seios no top.
Troca a face enfadonha por um sorriso facebook.
Bunda, areia e sorriso do lado esquerdo.
Bunda, mar e sorriso, lado direito.
Volta a cara enfadonha para verificar a selfie.
Logo ao lado, ele!
Para mostrar a cueca, puxa mais para baixo a bermuda de surfista cheia de bolsos. Ela fica abaixo dos joelhos e é dois números maior que o corpo esbelto.
Demora pra decidir o que fazer com as mãos: "positivo", "rock" ou "hang loose".
As outras fotos são mais rápidas: mortal na água, derrubando os amigos, pulando na areia e na água.
os berros e palavrões ficam fora das fotos.
Ele fala delas.
Ela pensa neles.
Pena que não olharam ao redor.

Deisi Perin
 ·
da série: novas memórias modestas (o olhar clandestino da periferia)

um dos arquétipos (pra falar junguianamente) mais comuns e ao mesmo tempo exóticos, cá das quebradas em que vivo, é o híbrido advindo do cruzamento cultural de seis elementos: raul seixas, paulo coelho, programas policiais, maconha, nietzsche e a bíblia. trata-se de um sujeito curioso cujo discurso transita o intransitável; tudo começa com: "dae maluco, tem um careta?" e, a partir daí, não há questão metafísica que o intrigue - kant por aqui é fichinha (embora, tenha sido confundido com uma banda de rock e colocado na categoria [kantiana?] de "não curto esse som"). acabei de me deparar com um desses - que me custou dois rolivudes - e na verdade um terceiro (de despedida). depois de perceber "in loco" ou "ad hoc" a profundidade das relações entre tempo e espaço, sai de banda (ou à francesa), antes que ele fumasse meus últimos cigarros.

William Teca
Dostoiévski, Flaubert e Machado tinham epilepsia. Baudelaire e Oscar Wilde, sifílis. Um monte morreu de tuberculose. Mais recentemente de Aids, como Foucault e Caio Fernando Abreu. Depressão, então, quase todos. Em alguns era crônica, e chamava-se melancolia ou 'spleen'. Enfim, se você quer ser escritor, tem que andar continuamente na companhia da morte e da doença.

Otto Leopoldo Winck

SUSTENTAÇÃO


Nestes dias de sol alto demais
a tristeza viceja no meu rosto.
Sou sintomas de luz esburacada
olhos sujos de cenas que não gosto.
Há lembranças dum sonho de herói
que forçaram ir rasgando aos poucos.
Assim mesmo disfarço que suporto
inventar de buscar a minha sorte
calo calos de mágoas que me mordem
respirando este tempo que me dói
pra fugir de ficar a fim da morte.

Altair de Oliveira – In:O Embebedário Diverso

P R O C U R A


Ah...se eu fosse você
Iria compreender
que este meu coração
É feito de amor
É feito de paixão
Por querer ter você, menina
E o meu querer é por estima
Com a intenção de mostrar somente
Que o amor que a gente sente
É feito uma estrela cadente
Que descreve uma tangente
Se eu pudesse na vida
Tê-la dividida
Feito um malmequer
Com outro amor qualquer
Meu coração batendo portas
Pelas ruas desertas...mortas
De sola fina, as minhas botas
Encontrassem você... Mulher!

Geraldo Aguiar

Os Mosqueteiros e os Agentes de Saúde


Dias atrás eu estava na rua de um bairro humilde quando, de repente, uma senhora gritou do portão:
- Olhe!
- Os três mosqueteiros!
Eu olhei para trás e só fiz agentes de saúde. Assim comentei:
- Mas estes são os funcionários da prefeitura que combatem a dengue.
Deste jeito, a velhinha explicou:
- É isto, mesmo!
- Quem mata mosquito é mosqueteiro!
Desta maneira comentei:
- Eu esperava ver os Três Mosqueteiros do livro do Alexandre Dumas, ou seja, três cavalheiros com trajes de época com espadas na mão.
A anciã disse:
- Aqueles lá com certeza matavam mosquitos também, e, só com as lâminas das espadas!
- Hoje em dia é um por todos e todos contra o mosquito da dengue.
Depois desta conversa toda, fiquei com vontade de comprar aquele tecido apelidado de mosqueteiro, só para colocar em cima da minha cama, com a finalidade de proteger o meu corpo dos ataques noturnos do pretensioso mosquito assassino. Afinal, dizem que até o conde Drácula está com inveja dele.

Luciana do Rocio Mallon


em 1993, se não me falha a memória, fui estagiário da biblioteca pública - eu dava aula de xadrez e organizava meus horários pra conseguir ler tudo aquilo que queria (fiz amizade com os bibliotecários e dava pra eles listas do que eu queria ler e que, por alguma razão, nunca estavam disponíveis nas estantes - daí descobri que existia uma certa máfia e que, pra conseguir essas coisas, era preciso fazer parte dela - os livros que me interessavam, iam direto pra gaveta e somente partilhados com os "escolhidos"); foi um momento crucial na minha vida e na minha formação, graças às indicações de camaradas, que já tinham lido quase tudo e muito, pude caminhar numa estrada com menos pedregulhos. eu já tentava escrever há algum tempo - devo ter meus cadernos aqui em algum lugar e, obviamente, vou destruí-los, já que a posteridade só terá o que é mais ou menos bom de mim. é bem curioso quando ouço alguém dizendo que não lê para não ser influenciado e descobrir sua propria "voz", pra mim isso é piada, e já ouvi muito isso. creio que pra escrever, é importante ler muito, escrever muito - óbvio, e ter paciência, leva tempo e trabalho, creio que também é importante confrontar sua voz com outras, sobretudo, com gente honesta em sua crítica (não existe esse papo de "ai, eu escrevo pra mim", mentira, o sujeito escreve pra ser lido): os condescendentes são uma praga, mas os que só esculhambam também o são; nem todo mundo precisa ganhar um jabuti, escrever é um exercício de autoconhecimento e humanidade. tem muita gente de qualidade por aí que pra muitos são ilustres desconhecidos. mas, se ocorrer de você ganhar um jabuti, ótimo, da próxima vez, você paga a cerveja.

William Teca
Tenho medo de acordar de um sonho e descobrir que estou em outro. E em outro, e em outro... No último sonho encontro você. Dormindo. Mas não é só isso. Descubro que estou no seu sonho. Que eu sou o sonho que você sonha. E que se você acordar deixarei de existir. Começo a suar frio, choro, rezo... Não acorde, meu amor, não acorde nunca. Uma lágrima minha rola no seu rosto. Você abre um olho -- e eu sinto que começo a desaparecer. Grito, desesperado. Você se assusta e acorda. Pronto. Acabou o último sonho que me sustentava. Agora sou só uma sombra de ideia, o eco de um eco, sem corpo, sem forma, sem nada, vagando nas solidões dos espaços vazios. Ser poeta é isto: ter consciência da irrealidade de todas as coisas. E mesmo assim amá-las. Amá-las desesperadamente. Como amei você.

Otto Leopoldo Winck

madrugada em antonina

um galo cego
infla o seu ego
e lança o canto
que rompe alvorada
de luzes e cores
em sua noite interior
nenhum outro galo
responde a seu canto
dormem, olhos cerrados
a esperar a alvorada
na rotação dos astros
para poder cantar


fábio campana

ASSASSIGNO


Nas fileiras das estantes
s-obram palavras e traças:
não reverse o veio dantes
e por melhor que o faça.
A linguagem só se inventa
E joga com dado lance:
Não poete de requenta,
Por mais ilusão alcance.
Não amArele rolls-joyce,
Não faça mallarmelada,
Não eufemíssil à coice,
E não cante por cantada.
Não reboque barrocávila,
Não confisque mais de cláudio
Nunca re(x)clame dah! Vida,
Não se corrompa por gáudio.
Não panfleteie ideologia,
Não holografe em atari,
Não loversonhe as marias,
Não palavre: signatari.
Não venha com requevedos,
Não lenhe em tom de gregório,
Não ordenhe ofício do aedo,
Nem o público-notório.
Não saque a 45
Não inverse poema-processo
Não use mel, goma ou, em vinco,
Divã-guarde retrocesso.
Não provencie a goliardo
Não reenlouqueça os ar(t)naudt,
Não faça da fala fardo,
Não insume com o cocô.
Não vá, não fique na onda,
Não caia naquela ou de porre,
Não refaça plagioconda,
Não suje o marfim da torre.
Não publique o poetego,
Não bajule a panelinha,
Não se desdenhe de cego,
Não fale nas entrelinhas.
Não Tradúzia o neo dos campos
Não antifugue bachstianunes
Não entre – linguagem é grampo,
Não julgue a poesia impune.
Não oswaldolatre perjuras,
Não vá de bandeira-dois,
Não relate as escrituras,
Não esqueça do nome aos bois.
Não leréie pounderação,
Não geléie de cummings-kaze
Não restréie rimar em Ão,
Não coquetéie a nova fase.
Não se distraia, lendo vico,
Não se traia, sendo ovídio ou
Subtraie obra do pinico,
Não vaie nunca versuicídio.
Não bissexte pelo reto,
Não se iluda sem ver gílio,
Não discursobre o concreto,
Não purguevara ou idílio.
Não almaminhe vaz camões,
Não redobregue huidobro,
Não prosopopeie os sermões,
Não estruturalize o adobo.
Não transuje o blanco-paz,
Não urbanize joão cabral,
Seja per-verso: abra o gás.
E cheire as flores do mal.
Não drummondeie substantivo,
Não se cordeire em escola,
Não academize ledivo,
Não stanislauda o que assola.
Não sugarana de rosa,
Não chanteie a éluard,
Não diz que a rosa é a rosa,
Não liberte que será tarde.
Não dê uma de alcagoethe
Resousândrade o discurso,
Não best-seller ou verbete,
Não desmaiakovski os russos.
Não envie desc-arte postal,
Não deixe de re-leminski,
Não derrame ode em sarau,
Decubo-versal, kandisky.
Não pseudografe pessoa,
Não freudelire breton,
Não escreva, a sério ou à toa,
Não unte a língua de baton.
Não faça kilkerrelease,
Não passe por elliotário,
Não (se) banalize em silk.
Não suplemente literário.
Não passe replei, desista,
Não há vítima ou lição:
Versejar, ora!, não insista,
O melhor poema é o não.
Márcio Almeida
contatos com o autor:


da série: novas memórias modestas (o olhar clandestino da periferia)

um dos arquétipos (pra falar jungianamente) mais comuns e ao mesmo tempo exóticos, cá das quebradas em que vivo, é o híbrido advindo do cruzamento cultural de seis elementos: raul seixas, paulo coelho, programas policiais, maconha, nietzsche e a bíblia. trata-se de um sujeito curioso cujo discurso transita o intransitável; tudo começa com: "dae maluco, tem um careta?" e, a partir daí, não há questão metafísica que o intrigue - kant por aqui é fichinha (embora, tenha sido confundido com uma banda de rock e colocado na categoria [kantiana?] de "não curto esse som". acabei de me deparar com um desses - que me custou dois rolivudes - e na verdade um terceiro (de despedida). depois de perceber "in loco" ou "ad hoc" a profundidade das relações entre tempo e espaço, sai de banda (ou à francesa), antes que ele fumasse meus últimos cigarros.

William Teca

POEMA UM TANTO ABSURDO


Existe por aí um doido
que diz morar
um pouco acima
e do outro lado
da própria alma
- uma figura rara
Ele - quando sofre
inventa poemas
um tanto absurdos
com rimas perfeitas
para que o livrem
de seus pesadelos
Seu coração se dilacera
quando – em insanidade
ele dispara dados mortais
que apagam a claridade
e a frágil paz que nascera
no dia de nunca mais. . .


- por Hans Gustav Gaus, hetrônimo de JL Semeador de Poesias, concluído em 23 de janeiro de 2016 -

sargaço em tua boca espuma


poema do livro SagaraNAgens Fulinaímicas

em armação de búzios
tenho um amor sagrado
guardado como jura secreta
que ainda não fiz para laís
em teus cabelos girassóis de estrelas
que de tanto vê-las o meu olho vela
e o que tanto diz onda do mar não leva
da areia da praia onde grafei teu nome
para matar a sede e muito mais a fome
entranhada na carne como flor de lotus
grudada na pele como tatuagem
flutuando ao vento como leve pluma
no salgado corpo do além mar afora
sargaço em tua boca espuma
onde vivem peixes - na cumplicidade
do que escrevo agora
arturgomes

Lenda da Freira das Chaves do Colégio Interno



Nos anos cinquenta, Laura estudava num colégio inteiro de freiras em Curitiba. Ela gostava de todas as irmãs da escola. Porém a professora que mais lhe chamava a atenção era a irmã Claudina, mais conhecida como Freira das Chaves. Pois, ela carregava um molho de chaves na cintura e dava aulas de Geografia. Afinal, todos os recintos daquele lugar eram trancados: biblioteca, enfermaria, cozinha, alojamentos e, principalmente, o porão misterioso. Sempre quando alguém precisava ir a algum lugar, tinha que pedir para a Irmã Claudina abrir o local com as suas barulhentas chaves.
Naquele colégio, surgiu a lenda de que o porão levava para outro mundo, boato que atiçava a imaginação de Laura. Uma certa noite, esta menina esperou todas as freiras dormirem. Então ela pulou a janela do quarto da Irmã Claudina e roubou seu molho de chaves, enquanto ela roncava. Assim a garota foi até o porão e experimentando chave por chave conseguiu abri-lo. Porém quando entrou neste local, a porta se trancou sozinha e ela entrou numa espécie de transe. Logo, começou a sentir calor e a escutar gemidos de dor. De repente, um esqueleto encapuzado aproximou-se da pequena e disse-lhe:
- Bem vinda ao Inferno!
Laura fechou os olhos e começou a orar.
Após algum tempo, ela abriu os olhos e viu que estava em sua cama.
No dia seguinte, a Irmã Claudina aproximou-se com o seu molho de chaves na cintura e disse-lhe:
- Quem rouba o molho de chaves do colégio pode acabar no Inferno.
Os anos se passaram, Irmã Claudina faleceu de pneumonia e aquela escola foi abandonada.
Mas os vizinhos dizem que até hoje conseguem ver uma freira com um molho de chaves na cintura, fazendo um barulho típico.
Um certo dia Vivi, uma garota da região, estava brincando de esconde-esconde naquele bairro. Deste jeito, resolveu se esconder dentro do colégio abandonado. Porém ao entrar numa sala de aula vazia, do andar mais alto, notou que a porta se trancou sozinha. Assim a pequena começou a rezar. De repente, apareceu uma freira que disse:
- Sou Irmã Claudina, a Freira das Chaves, moro aqui há mais de cem anos e tenho a chave que abre esta sala.
Após estas palavras, esta senhora abriu a sala de aula. Porém quando Vivi olhou para trás com a intenção de agradecer, a mulher desapareceu.
Ao voltar para suas amiguinhas, através de conversas, Vivi descobriu que a pessoa que lhe ajudou foi o fantasma da Freira das Chaves.
Reza a lenda que toda a irmã de caridade, que carrega molho de chaves de colégio interno, ou, convento tem a alma com a missão de proteger estes lugares mesmo depois de sua morte.

Luciana do Rocio Mallon
a única conclusão verdadeira (no sentido forte de termo - pra usar o jargão acadêmico) que chego, enquanto estou aqui, neste terrível domingo de sol, me dedicando à minha tese, é que, quando terminá-la, quero me dedicar à plantação de batatas e criar galinhas (talvez, coelhos, como o raduan); não porque tenha me cansado de estudar - não sei ao certo porque meu saco está cheio (no sentido forte do termo), estou longe de ter raiva da universidade - diria que é o contrário disso; talvez, o que me chateie é o excesso de falsa intelectualidade que envolve todo este mundo de que faço parte, falta um certo sentido de autenticidade ou "arqué" (no sentido forte de termo), ou talvez seja o fato de estudar a porra do herberto hélder. estudar poesia e chegar a um princípio de pensamento é dilacerante, uma morte, uma catarse (no sentido forte do termo), donde daí, há que se reconstruir a si. ficar de babação de ovo, depois de ter dito tudo o que já tinha a dizer, é uma contradição. já matei vários eus de mim e renasci: matei a criança doce; o adolescente rebelde; o poeta menor de botequim e, em breve, matarei o acadêmico. quero me dedicar a criar o "seu teca", preferencialmente, num sitio, quiçá dando aula para criancinhas - que possuem uma visão de mundo isenta desse clichezão culto do qual todo mundo quer fazer parte.

ps: e terei um alambique. hehehe.

William Teca

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

DO IT YOURSELF

faça você mesmo
suas feridas
suas lástimas
suas lágrimas
seus óbitos
suas mentiras
suas verdades
seus medos
seus shows
suas tragédias
suas trouxas
suas crises
seus trustes
seus vermes
suas quedas
seus brinquedos
seus espasmos
seus santos
seus demônios
suas ojerizas
suas biritas
seus tropeços
seus espinhos
seus fracassos
seus êxitos
faça você mesmo
sua vida
e deixe que eu faça a minha

do meu jeito

Otto Leopoldo Winck

GODIVA

"não sei pra onde irá
correndo minha sombra (me assombra)
nesse cavalo de eletricidade"

mas em sua néon crina
escanchada nua em pelo
me espera na esquina, regina
teu versar desatina
essa cabeça, maluca
que sina, regina.


{jairo lima] 

Jardins da noite


Desoladas
as minhas mãos
cobertas de silêncios
disfarçam a ternura,
assente num colo sem ninho
suplício, nas manhãs
em que acordo insónia,
flor sem fragrância...
agonia, nas noites
em que adormeço pétala,
num leito sem rosto...
Reclusa
nos jardins da noite,
abrigo-me na penumbra
onde despontam
luares de coral:
exausta de quimeras,
embrulho os sonhos de cristal
e fecho a cadeado,
as paixões
que o céu não quis enxergar...

Ana Andrade
ELEGIA ATUAL
De ansiedade
ou tédio
será a
causa mortis
Nas redes sociais
será postado um link
para que ninguém
se sinta incomodado
Quem quiser
poderá assistir
aos ritos do funeral
através de seus smartphones

- Bruno Junger Mafra –

rua de pedras gastas

rua de pedras gastas
onde mulheres, gastos corpo
desfilam insólita exposição
treze de Maio, 113
boêmios e almas perdidas trilham
rentes ao abismo da vida
rua dos sonhos despedaçados
morada dos sonhadores e desvalidos
estudantes
cafetões
prostibulares

[texto: antonio de jesus anjes]

SOLA SCRIPTURA


Inscrevo
em teu corpo
as marcas da minha salvação.
De um lado,
uma cruz, um horto, um coração
vazado.
De outro,
uma terra que mana leite e mel.
Entre um ponto e outro,
soletro minha bíblia
e de joelhos confesso:
tu és a minha luz
e a minha danação.
Otto Leopoldo Winck


PORTÃO DE FLORES


Em frente ao muro de pedras antigas,
as margaridas crescem...
E, aos poucos, tomam conta
Do pequeno portão de madeira
Que fica entre o muro,
E a casa branca de janelas amarelas.
O portão permanece fechado,
belo e misterioso!
Portão de flores, encantado.

Van Zimerman

fulinaimânica sagarínica


minha poesia não é prosa
minha poesia é muito cínica
quando tenho sede quando tenho fome
sei muito bem o que fazer
quem nunca bebe nunca come
nunca sentiu o leite do prazer
eu tenho o signo de virgem tatuado
dos dedos dos pés aos fios da cabeça
mas não se esqueça do significado
quando se trata de signo
nos gumes da carnavalha
ela fez um pacto comigo
de só querer o que mora
embaixo do teu umbigo
afora a coisa do signo
permaneço dadaísta
flor de vênus sempre dada
flor do sexo sempre a vista
pronta para o cio pronta para o vício
nas flores do mal-me-quer
mas meu corpo só joga dados
nos pelos de outra mulher.

Federika Lispector

devorAção dentro da farra


fosse apenas mar na flor da tua pele
fosse apenas flor no mar das tuas coxas
abro as comportas do desejo
e beijo teu sal dentro dos poros
onde água do mar flutua na porta do teu cais
morde meus nervos e músculos eriçados
atraca-me com dentes e unhas
até o instante mágico onde tudo é místico
e o poema é música no cio das catedrais
fosse apenas gozo no mar dos teus mistérios
e tua flor de vênus na boca do desejo
fosse então pulsar na língua quando beijo
e o impulso fosse toque embaixo o teu vestido
pelo por pelo em algazarra
fosse o nosso amor apenas um jogo
devorAção dentro da farra

Artur Gomes

MINHA VACA MALHADA

Hoje pela manhã, troquei algumas mensagens com um amigo que mora um pouco na fazenda e outro na cidade. Tomando café, foi desenrolando a historinha que vou contar referente a uma parte muito gostosa de minha infância em Pirai do Sul. Alguns irão se arrepiar, irão ter nojo e querer internar-se para ver se não pegaram alguma infecção por bactérias ou vírus! Muitos não vão conseguir imaginar a cena! Outros, eu acredito que poucos, irão adorar! Como em tudo tem os a favor e os do contra, não importa! Conto para todos os que quiserem me ouvir.
Toda a manhã, meu pai ia até a chácara para tirar o leite que tanto para bebermos, como para a produção de manteiga, nata e queijos. E tudo isto, de verdade, natural, nenhum enlatado ou empacotado como os mais novos conhecem. Pasteurização? Nem sabíamos o que era.
E havia um ritual delicioso. Primeiro, curtíamos estar com meu pai que era nosso ídolo. Depois, estar na chácara que era nosso paraíso, onde tomávamos o leite quentinho ordenhado na hora e direto em nossas canecas, vinha espumando. Meu irmão e eu seguíamos meu pai com um caneco cada um, alguns dias com açúcar e chocolate e em outros com um pouquinho de conhaque. Sim conhaque! Estão estranhando? Não existia muita frescura em nossa educação.
A vaca era muito mansa e nem precisava amarrar, pois ficava quietinha, esperando que meu pai lavasse suas tetas com água morna. Pela cara dela, até parecia que ia ter um orgasmo. Já a bezerra, tinha que ser amarrada e só ficava solta antes da ordenha e depois dela, pois era uma esfomeada e queria nos lograr tomando toda a produção. Enquanto a bezerra estava presa, aproveitávamos para brincar com ela, fazer carinho e fingíamos ordenhar também! Era uma relação de amizade, de companheirismo, de paz, de felicidade, de liberdade e tantas outras coisas boas que acontecem quando estamos em sintonia com o universo.
As vacas eram trocadas quando nascia outro bezerro e a que estava conosco já tinha ganho sua vida com seu trabalho, e merecia dar todo o leite na hora que seu filhote quisesse, solta, bela e formosa no pasto. Parecia que tudo era muito organizado e planejado! Meu pai devia ser Mestre de Planejamento Estratégico.

Depois de tanta propaganda em televisão, notícias em jornais e revistas e todos os tipos de mídia, nem sei se teria mais coragem de tomar o leite do jeito que fazíamos. Mas que era muito bom era. E nunca, nunca e em nenhum momento, nos fez mal. Éramos uns touros de fortes, com os rostos corados e extremamente felizes! Pena que muitos de vocês nunca souberam e nem saberão o que era aquele sabor dos deuses

Lauro Volaco
COLETÂNEA DE CRÔNICAS E POEMAS "PIRAÍ DE ANTIGAMENTE"

deus nos detalhes

deus nos detalhes
nada no depois...
ah! as armadilhas
- somos cobaias -
a tatear a tatear
as horas de êxtase
afogadas por dogmas
ah! as horas a pescar
pura metafísica
não apenas vento
surreais momentos
cri, amei e criei
paraísos pessoais
e sempre toquei
deus nos detalhes
nadei na centelha
abriguei nos ossos
um mapa precioso
sempre vivi ali
espaço paralelo
pena não ter rasgado
o último véu
só os loucos o fazem
só eles veem o real
tarde demais para mim
tarde demais para nós
deus nos detalhes
a sussurrar:
é só aqui a vida
é só aqui
toda nossa eternidade

Bárbara Lia

antimetafísica - I


quem me dera ter a antimetafísica
dos cães vadios o rito fidefigno e ontológico
de mijar nos postes com olhar esnobe
e sair de banda ganhando no grito
pois este meu dasein anda encharcado
de cervejas baratas e cigarros
enrolados em papel alumínio
camus não dormiria nesta filosofia
por aqui a carne é fraca e o mundo devastado
em minha cabeça às sete da manhã
pede clemência
o pior de tudo é que perdi a inocência
e nestas ignaras veredas ou seja lá o que for
procuro uma rima para o amor
que não seja lua rua nua
e enquanto me encara este copo vazio de existência
peço mais uma
william teca


Céu de Corumbá


JARDINEIRO


No jardim, podava as plantas. Fazia calor, tirou a camisa. Espionava para dentro da casa, a sedutora mulher que preparava a limonada. Ela, ao perceber que estava sendo admirada, soltou os cabelos, abriu um botão do vestido, pois o dia estava quente. Foi até o jardim. O homem pegou o suco, tomou. Sem falar nada, agarrou a mulher pela cintura, trouxe-a junto ao seu corpo, deitaram-se na grama e sem oferecer resistência a bela senhora disse: “Venha meu jardineiro". Camuflaram-se entre os arvoredos. Sexo selvagem à luz do dia! O sol deu vez à brisa, depois do gozo. Rapidamente se vestiram. Quase foram flagrados pelos netos.

JDamasio

HOMEM RÚSTICO


Meu tio, homem rústico, trabalhador braçal, ao ver uma matéria sobre um livro meu, disse: " Esse vagabundo, para não trabalhar virou até artista"

JD
em 1993, se não me falha a memória, fui estagiário da biblioteca pública - eu dava aula de xadrez e organizava meus horários pra conseguir ler tudo aquilo que queria (fiz amizade com os bibliotecários e dava pra eles listas do que eu queria ler e que, por alguma razão, nunca estavam disponíveis nas estantes - daí descobri que existia uma certa máfia e que, pra conseguir essas coisas, era preciso fazer parte dela - os livros que me interessavam, iam direto pra gaveta e somente partilhados com os "escolhidos"); foi um momento crucial na minha vida e na minha formação, graças às indicações de camaradas, que já tinham lido quase tudo e muito, pude caminhar numa estrada com menos pedregulhos. eu já tentava escrever há algum tempo - devo ter meus cadernos aqui em algum lugar e, obviamente, vou destruí-los, já que a posteridade só terá o que é mais ou menos bom de mim. é bem curioso quando ouço alguém dizendo que não lê para não ser influenciado e descobrir sua propria "voz", pra mim isso é piada, e já ouvi muito isso. creio que pra escrever, é importante ler muito, escrever muito - óbvio, e ter paciência, leva tempo e trabalho, creio que também é importante confrontar sua voz com outras, sobretudo, com gente honesta em sua crítica (não existe esse papo de "ai, eu escrevo pra mim", mentira, o sujeito escreve pra ser lido): os condescendentes são uma praga, mas os que só esculhambam também o são; nem todo mundo precisa ganhar um jabuti, escrever é um exercício de autoconhecimento e humanidade. tem muita gente de qualidade por aí que pra muitos são ilustres desconhecidos. mas, se ocorrer de você ganhar um jabuti, ótimo, da próxima vez, você paga a cerveja.

William Teca
mergulhada na estética das borboletas
águas interiores transmudadas em flor
fosse rocha viveria rindo aos andarilhos
fosse vento só acariciaria os tristes
nunca vesti a normalidade no dia a dia
o que quis ser alcanço neste tempo
ser imperceptível, invisível...
ser silêncio absoluto e branco
ser silêncio absoluto
ser silêncio
ser

Bárbara Lia

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

pra qualquer um que estuda essa tal literatura, ou que finge fazê-lo, há umas pedras no sapato, eu, por exemplo, não suporto a dona clarice lispector, é uma batalha íntima, sempre que me deparo com ela (e isso não tem nada a ver com gênero, antes que alguma tonta aí me acuse de preconceito: eu sou fã de tia hilda hilst, da ana cristina, da agustina bessa, simone e virginia wolf, e mais um monte que não me lembro, agora), e não é, também, porque ela escreva mal, ela é foda, e eu reconheço isso (quem escreve mal mesmo é a marta medeiros e - pasme - a adelia prado); só que ela me causa uma gastura intestinal, e definitivamente, não rola - quem sabe depois do meu avc, eu consiga - devo ouvir u2 por essa época (porque é outra coisa que não consigo ouvir, justo eu que tenho perfilzinho cult e gosto de james joyce), clarice me soa como mesmerismo, e mesmo com tanto talento técnico, chove no molhado. creio que é isso que justifica minha ojeriza: clarice me deixa com um resfriado psíquico.

William Teca

da série: novas memórias modestas (o olho clandestino da periferia).



descobri um novo boteco de esquina, bem ordinário, com mesa de sinuca e ex-presidiários, com muita história pra contar, tem até um velhinho embalsamado com sua eterna cachacinha com amargo; se houvesse uma biblioteca por aqui, eu provavelmente nunca sairia da periferia - veja só: o carro da pamonha, o carro do sonho, o carro do churros, o carro que arruma panelas, o carro do produto de limpeza, o carro do peixe, o carro da laranja, só falta o carro da cachaça - o que me lembra que alguns dos alambiques clandestinos mais renomados, estão logo ali no sítio cercado - tive um conhecido que era garçom e se ria disso, boa parte dos meretrícios nem se dá ao trabalho de ir pro paraguai, servem o produto feito por aqui mesmo, daí o sujeito quer fazer uma média com as gatinhas e compra um burbom que não passa de álcool um tanto hidratado e aditivos. de qualquer maneira eu "si divirto", e prefiro a pirassununga com mentruz mesmo. ah, sim, também há uns meretrícios por aqui, dia desses eu falo a respeito.

William Teca

O apartheid social que existe no Brasil há 500 anos acontece também na literatura. São Paulo conhece o Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro conhece São Paulo. Os dois conhecem um pouco de Minas Gerais e Paraná. Ponto. O resto do país não existe em nosso sistema literário (com as exceções de João Cabral de Melo Neto, regionalismo da década de 1930 e pouco mais do que isso). Quem conhece a poesia contemporânea da Bahia? A prosa atual do Maranhão? A dramaturgia do Espírito Santo? A ensaística de Sergipe? A crítica literária de Alagoas? Precisamos derrubar os muros.

Claudio Daniel
Mais um trecho da minha tese:

"Até que ponto nossa linguagem – sobretudo nossa língua materna – determina nosso pensamento, nossa relação com o mundo e, por conseguinte, nossa identidade? Entre outras coisas, hoje em dia, essa questão é associada à hipótese Sapir-Whorf, originada das pesquisas de dois linguistas estadunidenses, Edward Sapir (1884-1939) e Benjamin Lee Whorf (1897-1941). Sua formulação mais dura, o determinismo linguístico, afirma que é a linguagem que produz o pensamento. Sua versão mais branda, porém, a relatividade linguística, declara que são as diferenças entre as línguas que originam em parte as diferentes visões de mundo. Ainda que atualmente não se encontrem defensores da versão mais rígida, a moderada ainda goza de alguma aceitação. Se a linguagem não determina nosso modo de pensar, ela pode sim exercer efeito em nossa maneira de sentir, evocar e apreender a realidade."

Otto Leopoldo Winck

CAMPINHO DE FUTEBOL


Ao ver o jogo de futebol no campinho em frente a sua casa, o menino na janela, a cada lance, gritava: “Seus pernas de pau! Suas ruindades! Perebas! Ah! Se eu ...”
Ele ficava inquieto em sua cadeira de rodas.


JDamasio NUM PISCAR DE OLHOS, 2015
estou apreensivo com a vinda do gato (sim, um felino habitará meu modesto lar - negro como o carvão, sutil, astuto, mais jovem e mais bonito do que eu), temo pela minha peixe, temo pelo xixi e rasgos nos meus livros. farei o possível para não ceder aos seus encantos - duvido que conseguirei, mas já está na mão minha edição completa do poe. espero que ele goste de rum e de bach, porque entrei na minha fase erudita. na pior das hipóteses, ganho um tamborim.

William Teca

SIMBOLISMO


Recolhi todas as estrelas
nas minhas mãos em concha
e aqui as deponho
como instrumentos
de iniciação.
Com elas desenho um outro céu
num novo firmamento
com duas luas, dezoito sóis
e o cometa dos seus olhos
encabulados.
Neste outro mundo
tudo se corresponde: o eco da sua voz
é o pássaro que me acordou
de madrugada. Suas mãos
no regato
é o tempo que me segreda
mistérios novos.
Recolhi todas as estrelas
e descobri que tudo é símbolo:
cada astro, cada planeta
é o signo de um antiquíssimo alfabeto
que só agora decorei.
Recolhi todas as estrelas
e elas palpitam como peixes vivos
nas minhas mãos
maravilhadas.
E descobri que ser poeta
é saber lê-las
para você.

Otto Leopoldo Winck

LEMBRANÇAS


Esbarro na toalha
pendurada no banheiro
me deito no travesseiro
tudo tem o teu cheiro
na almofada do sofá
em toda casa
lugar não há
que não inflame
meus sentidos
minha libido
meu desejo
doido e atrevido
do teu corpo
da tua respiração
em sopro
quando me deito
sobre o teu coração. . .



- por Adelphus Mongiardino, heterônimo de JL Semeador de poesias, em 19/01/2016 –

Poética 47


ou: Mallarmè reVisitado

poema do livro SagaraNAgens Fulinaímicas
o sentido oco
da cultura é tanto
que a cada lance
desse jogo quântico
o poder é cínico depravado
quando o cheiro podre
passa a ser semântico
entre os três poderes
deus não joga dados

Artur Gomes

http://artur-gomes.tumblr.com/…/po%C3%A9tica-47-ou-mallarm%…

poÉtika 68


poema do livro SagaraNAgens Fulinaímicas
era para ser assim como se foice
no papel de seda era língua e sangue
unhas muitos dedos dentes
nos teus céus de boca
era assim como se fosse
meus olhos no cinema
nos teus olhos presos
e o destino do poema teus lábios indefesos

Artur Gomes

http://artur-gomes.tumblr.com/…/po%C3%A9tika-68-poema-do-li…

GILDA

na praça da pegação
Gilda conversava com Chain
a praça toda parava
ninguém falava com ela
era feia era suja
fedia
em cima do carro alegórico
todas as prostitutas
da Cruz Machado
Bem-oladas do Operário
Gilda apareceu de boca sangrando
queixo arrebentado
deram um chute na boca da Gilda
para não subir no carro alegórico
sinistra banda polaca
o lider dos machões da Boca Maldita
esse que deu um chute na boca
Gilda não durou muito
casal de velhinhos
mandou em envelope lacrado
a certidão de nascimento
veio do interior
os velhos não vieram
tremenda vergonha
ter uma filha assim
como Gilda
nunca houve uma mulher assim
assim como Gilda


 regina bostulim

Insônia


Este é o século da nossa insônia
Mentes plugadas em telas isonômicas
Longe dos mitos e da cosmogonia
Dopados de “soma” e monotonia

Este é o século lavado à amônia
Escravos cardíacos da luz de néon
Escravos maníacos dos mantras
Escravos agônicos do abutre Mamon

E havia esperança no pássaro
Havia luz nas colmeias tardias
Havia ar nas barricadas de Paris
Havia armar-te. Havia amar-te... Havia.

Bárbara Lia

Respirar (2014)

domingo, 17 de janeiro de 2016

EON


Com cacos de cristal
e
fragmentos de metal
– viu? –
teço
um tapete
irreal
(que a noite
aleivosamente desfaz),
vitral
sob o qual se filtra o sem-final,
mural
que reordena o ordinário,
e mais:
mosaico de arco-íris,
cloaca de metáforas
– indefinidamente.
Do tempo que passa
– e como passa! –
o meu poema
é sucata.
Tão-somente.

Otto Leopoldo Winck

EON - II


Com cacos de caos
e fragmentos de Éden
componho um poema:
vitral ao reverso,
antiuniverso,
talvez um mosaico
ou um arco-íris
sem tesouro algum
ao final – ou sim.
Mas não reconheço
o poema. Não
me contemplo nele
– pálido reflexo
de um inútil verso.
Será isto o fim?
Não: só recomeço.

Otto Leopoldo Winck

CANTO CHÃO

Este soneto é um cantochão,
um pouco chão, um pouco canto,
no qual eu canto em cantochão
ora este chão, ora este canto.
Ora este chão onde o meu canto
se salmodia em cantochão
e ora o canto, o próprio canto,
um metacanto, um metachão.
E se este canto que ora canto
não se parece a nenhum canto,
é que é duro cantar do chão.
Eis o motivo porque o canto,
mais que acalanto ou desencanto,
torna-se a brecha deste chão.

Otto Leopoldo Winck