segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Ela tinha olhos de reticências e seus dedos eram compridos pontos de exclamação. Debaixo da interrogação negra de suas sobrancelhas, sua boca era um "o" cheio de promessas. Ele podia escrever uma 'Comédia humana' inteira de tanto que falava nas conchas marinhas de seus ouvidos. Eram história de poetas tristes do século dezenove, que fumavam haxixe e tomavam absinto nas espeluncas mais sórdidas de Paris. Ela ouvia quase sem palavras. O mundo era belo e trágico e o pecado ainda não fora inventado para eles. A única angústia era com o tempo que passava e pesava sobre suas costas como uma condenação ao degredo. Uma hora ele quase chorou. Foi quando tudo se tornou claro. A vida, que fora horrível antes deles, voltaria a sê-lo depois que deixassem aquele quarto. Por isso o desespero de viver, o desejo da eternidade dentro da ampulheta frágil dos instantes. Ela tinha olhos de reticências e ele um coração cheio de histórias não vividas. E a vida era bela -- e besta -- quando estavam um diante do outro. Como um escândalo silencioso. Ou como o suave olor do sândalo.

Otto Leopoldo Winck

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