segunda-feira, 28 de abril de 2014

Outono


Poética



ainda que fosse viagem
de metrô ou fantasia
e o assunto que eu mais queria
fosse o que não dissesse
e o mar apenas trouxesse
gaivotas sobre os cabelos
vento sol maresia
e o líquido que não bebemos
fosse conhac ou cerveja
mesmo assim que a vida seja
entre o que os pelos lateja
o que a tua boca não fala
o que a tua língua não prova
e a prova das dezessete
te levasse mais cedo
inda assim não tenha medo
a palavra entre meus dedos
é o que ainda não disse
miragem essa coisa nova
agora revisitada
naquela hora marcada
do encontro que não tivemos

Artur Gomes

www.pelegrafia.blogspot.com 

anos de chumbo

anos de chumbo

flores
no meio do caminho
não impedem
o avanço das tropas

sensibilidade
nunca foi o forte
dos homens de botas


© Ademir Antonio Bacca

Do livro: “Grito por dentro das palavras”

tear...


As linhas que tecem sua face,
fazem-na multicor…
meu corpo acalora-se e esvai-se
todo e qualquer sentido de dor.

O tear faz-se magia…
mãos ágeis, tecem novidades.
Como a luz se faz espargir no dia,
não fujo das minhas soltas verdades.

Talvez a tez que brilha e cintila,
possa ser a luz, que demarca meu percurso.
Absorto e absterso, meu corpo já não oscila.
Compreendo-me, dentre os segredos do impulso.

As linhas dão forma risonha ao seu jeito de ser.
Liberto-me… qual folha outonal.
Já desdenho a possibilidade de vir a sofrer.
Já aprendi que chorar ou sorrir, faz-se ato natural.

josemir (ao longo…)

LÍNGUA


NALDOVELHO

Língua profana
que invade domínios,
em busca de encantos,
ardidos segredos,
sementes molhadas,
iguarias sagradas,
revelações.

Língua vadia
que perambula abusada
por trilhas, atalhos,
e por todos os lados
semeia desejos,
colhe essências
de ervas curtidas,
alucinação!

Língua atrevida
em busca do orvalho
que brota suado
do corpo tomado
pela excitação.

Língua peçonha
deixou em meus poros
o veneno curado,
e trouxe a demência
de ser teu escravo,
teu pasto e repasto,
tirou-me as pernas,

já não posso fugir.

letra de mais uma canção novíssima. é totalmente sertaneja

Luiz Felipe Leprevost


preciso te ver agora
ou vou entrar num navio pro mar morto
se eu não te ver vou preferir ficar cego
voltar a ter crises de pânico
dedicar a minha vida a criar pitbulls
vou virar traficante de armas na áfrica do sul
preciso te ver agora
ou nunca mais vou sair de casa aos sábados
se eu não te ver não danço mais livro nenhum
vou virar cirurgião dentista
virar contador desentupidor
jamais vou querer outra vez ser artista
se eu não te ver agora
vou pedir pro meu irmão me
indicar pra trabalhar como assessor
de imprensa de um vereador do governador
pra ser estagiário
pra alguém mandar em mim
e me pedir pra buscar café
a cada dez minutos
e adeus shows com o Eugênio Fim
se eu não te ver agora
vou numa bruxa pedir
pra ela me transformar numa gata preta
vou passar todos os meus próximos natais
numa cidade do interior
com o nome de um animalzinho
com a família do Clélio e mais
vou invadir bêbado o natal dos teus sobrinhos
ou então, imploro, me prendam numa gelada câmara
se eu não te ver agora

se eu não te ver agora
Sofria de falta de importância.
Um dia, acometida de crise aguda, tomou um cafezinho num boteco e sumiu.
Anos depois, um poeta pós-moderno a encontrou e a levou para tomar ar e sol.
Curada da desimportância, ela agora sorria e aplaudia ao ouvir rimbaud
e baudelaire.

E o poeta jamais lhe disse que a encontrara morta, toda encolhida, misturada
com restos de açúcar demerara, dentro de um mísero sachê antigo de bar.


Lilly  Falcão

O Camelô Sobrenatural

                

Este fato aconteceu numa sexta-feira, dia 17 de fevereiro de 2012, na cidade de Curitiba. Naquela tarde eu saí do meu curso, no Centro, e virei a esquina da Rua Doutor Muricy com a Rua José Loureiro. Então passei, rapidamente, por dois rapazes que vendiam perfumes num carrinho de mão. Quando, de repente, escutei uma voz:
- Professora!
Logo pensei:
- Este chamado não é para mim, afinal a última vez em que dei aulas foi em 1993 e isto durou apenas três meses. Afinal, descobri que não tenho vocação para ser professora.
Continuei andando, mas ouvi outro grito:
- Tia da Poesia !
Então refleti:
- Poesia é algo que ainda escrevo. Portanto acho que, realmente, tem alguém me chamado.
Desta maneira olhei para trás e vi um jovem moreno olhando e acenando para mim, que era um dos vendedores de perfume. Então me aproximei e o rapaz disse:
- Professora, que saudades!
- Amo suas poesias!
- Sua mãe melhorou?
Deste jeito, eu pensei:
- Não consigo me lembrar desta pessoa.
- Mas, como este ser sabe que eu fui professora, escrevo poesias e tenho a mãe doente?
- Seria algum amigo virtual?
Mas, o moço continuou:
- Tia, eu cresci e agora sou camelô.
- Como sou seu fã, vou lhe dar uma colônia de presente.
- Não precisa pagar nada, pois para a senhora é de graça!
Assim ele pegou um perfume do carrinho de mão e colocou na minha mão. Desta maneira fiquei com vergonha e refleti:
- Será que devo aceitar o regalo?
- E se ele estiver me confundindo com outra pessoa?
- Será que é um novo tipo de golpe?
O rapaz interrompeu meus pensamentos falando:
- Também vou dar esta pomada para a sua mãe que está doente.
Então ele me ofereceu uma pomada chamada Gellus – Pomada Para Dores.
De repente, perguntei:
- Você está em alguma rede social?
Deste jeito, o vendedor respondeu:
- Na verdade, nem sei mexer com estas coisas de Internet.
Naquele instante, como eu estava constrangida retirei cinco reais, que era o único valor que eu tinha, da minha “pochete” e entreguei ao moço:
- Gostaria de pagar-lhe de alguma maneira.
- Por favor, receba este dinheiro.
O vendedor aceitou e resolvi me despedir dele. O mais interessante é que meu pai estava com inchaço nos pés e precisava, realmente, de uma pomada para dores.
Achei este acontecimento estranho e um tanto sobrenatural.
Dentro do ônibus eu me perguntei:
- Será que aquele camelô era um anjo ou tudo não passou de um surto meu?
Ao chegar a minha casa entreguei a pomada para meus pais e peguei no perfume, onde estava escrito na embalagem: “Carpem Die”, que é a citação de um dos meus filmes favoritos: Sociedade dos Poetas Mortos.
Com certeza, este dia foi especial.
Luciana do Rocio Mallon


O riso solto saltava de um coração preso e caia,


levantava e fugia cego ,rumo ao desespero a loucura .

O riso era um rio onde o coração -âncora afogado se nutria .

O riso enganava a tristeza que procurava ceifá-lo no lado escuro da luz.

Por isso o riso não dormia na escuridão

olhava para dentro e lhe matava o coração.

O riso era a máscara da alma rasgada em prantos despedaçada

chorando o fogo no suor desafiando a negra consorte

vertendo vida em gotas num mar de sal.

Rir desafiando a morte esperando por melhor sorte

espera rasgando o rosto numa sombra de sorriso

em olhos cegos de tanto olhar.




Wilson Roberto Nogueira

domingo, 27 de abril de 2014

Tente e retente que a tinta sairá do cuore ou do cérebro ou das cicatrizes ou da sombra
penso :equilibrar-se sobre um fio no alto do circo não tendo rede embaixo e ser franco e honesto consigo mesmo e com a morte.Usar o discernimento e o bom senso sempre senão cataplaft...
pode não ter nada a ver com a gíria parece uma erupção sem barulho de algo que assisti nas sombras dos sonhos.
levantar peso, a vida já faz; lançá-lo à distancia meu rapaz é o que satisfaz.A jóia do saber viver é aproveitar os detalhes da vida , focar na claridade sempre , mesmo no escuro...
preciso de drágeas de auto-engano para convencer a sombra que sou que sou sol
só sabendo ler na sombra que sou que existe sim a possibilidade da luz.

Wilson Roberto Nogueira.


a alma não ocultara a si diante do opaco espelho das opiniões
o caráter delineara mera sombra no empoeirado espelho
pálida vida velada de luares invernais sobre ruínas que prometiam sonhos
alicerces de nuvens
vidros partidos de janelas que não vêem o branco dos olhos dos dias
parindo da dilacerada visão cores onde apenas bruxuleiam fantasmas
janela aberta ao deserto nos olhos do abismo.

Wilson Roberto Nogueira
A cada dia, caía-lhe sobre os ombros pesados casacos de agonia
tão pesados, que os passos das horas eram grilhões a apunhalar
as veias da vontade de ser livre enfim .
Assim provava o sabor de saber-se vivo.


Wilson Roberto Nogueira
Ler no braço toda uma história - as placas de gordura , as pelancas, as casquinhas do ressecamento; tudo marcado pelas vírgulas das cicatrizes;cada letra com o devido pingo de sarna.Um pergaminho de deterioração, degeneração a espera do ponto Final.


O olhar perdia-se no opaco enredo de u'a estória de desenganos.

Wilson Roberto Nogueira
cada frase franze a testa do verbo abrindo sulcos
cicatriz do tempo a germinar rosas entre as pedras.


Wilson Roberto Nogueira
Alguns compenetrados, outros vagando pelos quadrantes da sala a consumir o tempo em lenta lenta agonia ou olvidando por completo os insondáveis caminhos das matérias .Outras personas a paisagem do teatro interpretando?Interpretando saberes e seriedades; outras profissionais catando códigos na busca por peneirar pedras preciosas de algum edital.Mais adiante zanzam a procura do que desconhecem, apenas flanando nas veias expostas de cidades imaginárias .Naquele canto ali , a natureza morta dos gestuais de sapiência dos abancados."Oito horas a Biblioteca fechará suas portas . "Os livros ficaram presos e dentro deles leitores fantasmas.Essa catedral não recebe sem tetos e suas correntes de pedras.


Wilson Roberto Nogueira.2009/19/09
Não existe só poesia-poesia. existe jornal-poesia, cinema-poesia, teatro-poesia, pintura-poesia...e o contrário: poesia-prosa, jornal-prosa, cinema-prosa, teatro-prosa, artes visuais-prosa...vivemos na era da prosa, um tagarelar sem fim sobre o que os outros fazem (ou o que apenas um autor faz, sem ser lido/ouvido por ninguém, como no facebook). a voz do autor é abafada ou mantida sob a moldura da "leitura correta" (a leitura única). o que aconteceria se regredíssemos e voltássemos ao tempo de prestar atenção a uma palavra ou imagem que fizesse olhar para além delas? palavra ou imagem que fosse além do entretenimento: o que se busca com a arte, prolongar a vida através da comunhão de espíritos.

Marilia Kubota
tateia o tempo o coração da memória
com espinhos a escrever uma nova estória.

Wilson Roberto Nogueira
Naquele café esfumaçado bebia a si próprio , a cada gole ,enquanto o tempo passava .Impreciso caminhar."Que horas 'serão' , será noite ou dia ?Não importava mais, sua juventude se fechara e só restara uma lâmina de luz cortando os pés da porta.

Chegou em sua sórdida morada embora não tenha lembrança de haver caminhado até lá .Pôs-se a descamar-se de suas roupas e a medida que se aliviava delas , não encontrava sinal de si.A sombra que o perseguia , perseguia o sobretudo que ora o cobre de seu derradeiro inverno .

Agora entre o pó e as teias de seu quarto tornara-se o vulto translúcido de seu trincado espelho.


Wilson Roberto Nogueira
Comprara livros .Lia ?Eram vidas que o mantinham em pé.De si só vidas dos outros.Pensamentos-velas e idéias âncoras munição para o espírito.Até o jogarem no arquivo morto da repartição.


Wilson Roberto Nogueira
Um pequeno sol escurecendo a visão.
Na escuridão do quarto o olho cego de uma lanterna.
A porta arrombada de uma morada.
Um sórdido quarto de pensão
testemunha a prisão de um insone ladrão
de sonhos.

Inocência ausente desertora precoce
prece silenciosa diante do abismo e seu sorriso.

Porta aberta sangrando histórias que só as sombras sabiam.

Sob o colchão mofado acorda como quem se livra de afogar-se
o morador da pensão olha no olho da lanterna
o cano de uma arma.

Esteja Preso !


Wilson Roberto Nogueira.
É assim mesmo, a foto vai se apagando ou vamos dia a dia passando a borracha, virando a página...Viver é conviver ,fazer vínculos caso contrário é só existir.Se penso já tenho companhia.Embora seja tal um porre de vodka de fundo de quintal.O rato só aproximava-se da luz de suas lembranças para melhor conduzir as letras em suas fracas patas sujas de tinta e mesmo assim conseguia produzir um modesto verso que lhe agasalhava de sombras e sonhos.


Wilson Roberto Nogueira
só o que sobrou do sonho
é essa sombra no teu olhar
o pesadelo trêmulo no teu caminhar
é o vacilar dançarino do demônio risonho
a busca por algo invisível que a razão não alcança
são os passos incertos dessa dança.
letras incertas qual chuva de prateados
gafanhotos
afastam chateados garotos abreviados
de sonhos de proletária vida
a morte renasce em cada sonho que assassina
essa é sua sina.
a sombra no teu olhar
é a alma que desaprendeu a dançar.
tua seda sua sem amar
o mar te convida mas
mas não há mais nada
nada sobrou do sonho
na razão do teu amar.

Wilson Roberto Nogueira

2009
Cumpre o rito
sumário
a soma de uma vida
um grito ordinário
numa cópia rasgada
de Munch.

Wilson Roberto Nogueira

2009
Cai um pingo de tinta
e a palavra se cobre
de mistério.

Nada tema com o trema
não trema com a reforma
da Língua
Ela é carne viva
e não é só portuguesa
brasileira
afrolusobrasilofona
deixem morrer de fome
os cães de pedra da tradição
tais jazem no chão.

só o sombra sabe
onde desabrolhou
feliz Deisi.
Está deisiando olor alí
aqui agora acola
lelé legal
tri humus do humor.

Wilson Roberto Nogueira

2009
Não lamenta

Não olha para trás

Não para

segue avante
Atrás caminha a Noite
a desenhar as curvas da alma.

A lembrança moribunda
seguir-te-á a serpe até o anoitecer
dos teus olhos.

Wilson Roberto Nogueira

2009



Impressionante era
esse sangue correndo em mim.
Cheio de heróis caídos, não
reconhecidos mas todos
verdadeiros. Era minha herança

Minha bandeira não tremulada

Redson Vitorino
fantasmas flutuam pálidos na meia da luz
cortina de sonhos na janela da alma.
pisca o vento murmurando antigas orações
coração do tempo bate aflito pulsão de morte
temperando a vida parindo da ferida uma semente de sangue.
Bate a porta e a morte desejada escapa deixando queimada
a morada da vida num beijo de aço e pus .
Na guerra a arma de destruição duradoura é o estupro.
No rosto da inocência a culpa eterna de ter nascido
a herança queimando na espinha a cada olhar
o silêncio estalando como um chicote
Passos na escuridão e no trovão uma bota no rosto
pegadas sonâmbulas na neve
velhos fantasmas da guerra
Ruínas de igrejas,mesquitas, sinagogas
Tantas casas vazias onde está o Senhor !!

Wilson Roberto Nogueira


VIZINHA DA FRENTE


— Você viu a gatona que se mudou pra casa da frente?
— Bonita, realmente.
— Bonita?! Então você não viu coisa nenhuma, é de fazer qualquer um perder o sono. Eu que o diga, passo noites em claro por causa dela.
— Talvez eu não a tenha notado direito mesmo.
— Pois deveria, é de enlouquecer. Esses dias, ela estava lavando o carro do marido, estava só de bermudinha e camiseta branca, e que alvura de branco aquele! Deixava ver a cor vermelha de sua calcinha e a sombra de seus... e a silhueta então.! Desenhada como se fosse uma obra de Michelangelo. E a camiseta, então! Depois de molhada, fixou-se em seu corpo, os seios são belos! Fartos, imponentes! Deu até para ver seus mamilos rosados. E as pernas, roliças, com pêlos dourados refletindo o sol.
— Que eu saiba Michelangelo pintava figuras sacras, ele pintou o teto da Capela Sistina. Não sei se ele pintava formas de mulheres, mas se pintava, certamente eram rechonchudas.
— Isso não tem importância. Na verdade, nenhum pintor teria imaginação para retratar aquela beldade.
— Deu para ver tudo isso daqui da janela?
— Deu, e ainda mais quando ensaboava aquela lata fria, deixou-se...
— Vamos parar com esse papo. Não viu não que a moça tem marido? Tem que respeitar...
— Eu respeito. Sempre que ele aparece, eu paro de olhar. Tem mais, nem te falei no dia em que estava plantando flores no jardim. Estava de saia, não era curta, mas ela a puxou até o joelho para se aga-char e daí...
— Já falei... Vamos parar, o senhor, com a sua idade, tendo esses pensamentos, faça-me o favor! O senhor nem enxerga direito mais.
— Não enxergo com o olho direito que a catarata tomou, mas o esquerdo está uma maravilha.
— Daqui a pouco, a vovó pega o vovô falando essas coisas.
— A tua avó está quase surda, ela não nos ouve da cozinha.
A velha, que estava fazendo o café, entrou na sala, olhou o velho com um sor-riso debochado e perguntou:
— O que está falando pro nosso neto, Alfredo?
— Pois é... é... Eu estava falando pra ele não ficar pensando só em namorar, principalmente agora que ele passou no vestibular. Que tem que levar os estudos a sério, ele vai ter um longo caminho pela frente, até se formar doutor.
— Ah bom! Pensei que estivesse falando da moça da casa da frente, que o deixa horas a fio plantado na janela, que nem um velho babão. Eu to quase surda, mas enxergo bem com os dois olhos, velho!

A Compota de Pimenta e outros Contos "Puramente" Picantes. J.Damasio
Noventa novenas para a névoa em forma de sombra
sobras de uma vida que dançava na tempestade
sonhando ser água pura fervendo no asfalto
marcas do silêncio no caminhar maldito da memória.
reza a estória que o fantasma sem nome alimentava-se
da fome, da guerra e da peste.
Faminto de fome não passou
da guerra bebeu todo o sangue
a peste sua assinatura nas crianças que não nasceram.
O espectro do esqueleto imortal perseguia a bruxa,
a macróbia camponesa pelos campos radioativos e rios
que suplicavam água para viver.
Voraz silêncio depois da chuva de metal
semeando campas em aldeias- lápides
só o fogo iluminando a lua ausente ao entardecer.

Wilson Roberto Nogueira

2009

OLHOS ENTERNECIDOS


Corriam seus olhos enternecidos pela beleza do corpo da jovem ainda nua na cama. Inspirado, ele falou:
— Como pude lhe tocar sem lixar sua macia pele com minhas mãos ásperas de calos? Não entendo como meu corpo de-sajeitado e embrutecido coube na delica-deza do seu... Que encaixe perfeito! Na loucura de ir e vir perdi os sentidos... Com seu jeitinho de menina, é tão mulher, com sua úmida língua me tirando a razão, o domínio do meu ser! Ao banhar sua pele, clara e doce, com vinho tinto e seco embri-aguei minha alma! Com olhar indiferente, ela falou:
— Deixe de me enrolar. E vai...
— É insensível às minhas palavras, entendo, não tenho e nem posso lhe falar mais nada, apenas... Me faz por oitenta?
— Qual que é? O combinado é cem reais por duas horas, fiquei quinze minutos a mais só pra ouvir suas asneiras...

A Compota de Pimenta e outros Contos "Puramente" Picantes, 2006, J.Damasio
Olhos sem alma
mortos refletidos
em luzes fantasmas
do que foi um dia.
Algo tão comum,
como uma vala
onde anônimo repousa
o espírito da lembrança
de que um dia existiu um homem
que amava a vida e que caiu do topo
dela sem contudo alcançá-la
sem que ela lhe devolvesse um sorriso sincero.


Wilson Roberto Nogueira
deves deixar de ter as entranhas expostas
no açougue

falar em voz baixa para que meu coração
apenas seja ouvido pelas vísceras.

O coração é a luz intensa que dita os passos
da razão
É a luz que encobre as pedras dos ocasos
é a ração
diária de sangue que a vida cobra
daquele gauche que por hora veste
a armadura da razão

Wilson Roberto Nogueira

A CABRA DE PAUL


Paul Smith Silva era um menino nem menos inteligente e nem mais arteiro que os meninos da sua idade. A única coisa que o diferenciava dos demais meninos de sua cidadezinha, era que ele havia nascido com uma perninha mais curta que a outra.
Certo dia, no final da manhã, quando voltava manquitolando da escola, viu sua mãe saindo do curral. Seu suor não era apenas do calor que fazia. Ela, ao vê-lo, disse:
— Filhinho, vai pra cozinha que a mamãe já serve o armoço. A sua cabra pariu hoje.
— O que é, é hominho, mamãe?
— É sim, meu fio.
— Bonito ele?
— É de uma belezura que dá gosto de vê.
Ansioso, ele falou:
— Deixa eu dá uma oiada nele, mamãe, uma oiadinha só.
— Não, ainda tá tudo sujo de sangue, a mãe dele tá limpano ele agora.
— E a minha cabra, mamãe, vai ficá boa.
— Ela sofreu um bocadinho, mamãe teve que dá uma força, mais agora ela tá bem.
Paolzinho, como carinhosamente era chamado, entrou na casa. Começou a andar de um lado para o outro da sala, pisava firme pelo assoalho barulhento, passava a mão na cabeça como se estivesse muito nervoso. Lembrou que sua avó, quando ficava nervosa com as galinhas que não botavam, fumava cigarro de alecrim para tentar se acalmar. Enrolou um bem fininho, e em meio às baforadas, pensava: “Será que o cabritinho é parecido com eu, será que o bichinho vai andar cocho também?”.

A Compota de Pimenta e outros Contos "Puramente" Picantes, 2006, J.Damasio
Entre u'a novela e outra.Pausa para o comercial telejornal.no mercado do entretenimento a noticia é show.mercadoria embalada a ouro de tolos alimentando de pedras de luz a angustia de mergulhar no vazio;alugando o tempo à névoa densa da ideologia onde a reflexão não encontra os próprios pés e segue informa(ta)da,fidelizada manada de consumidores tocada pelos apelos do carisma do olho luminoso da tele-visão, do galã e da mocinha.O IBOPE atesta a audiência da hipnótica força do dogma do verossímil travestido de verdade, na máscara do sorriso fácil ou da calculada expressão de seriedade .Seguimos contudo a desligar a caixa de ilusões e procuramos aquela edição do Hommo Videns de Giuseppe Sartori e caímos a larga na Sociedade do espetáculo mais uma vez .


Wilson Roberto Nogueira
As pessoas se procuram em sonhos, nas páginas de carências dos classificados de jornais, em redes sociais, na voz do locutor da radio AM. Na real, elas se esbarram no elevador do prédio aonde moram, tropeçam nas filas dos ônibus e dos bancos, e não se encontram! JDamásio
De Mara Paulina Arruda


As mãos nodosas de dona Amália seguravam um copo com suco. O cabelo fino penteado para trás. Estava encostada na varanda enquanto o sol se punha... Contava o número de aves naquela tarde. Ela aprendera ler o tempo: Uma dorzinha no pulso ou um estralo na coluna anunciava mudanças...
Ela gostaria de falar de amor mádiosanto a vida não lhe deu trégua e o amor ficou no longe dos olhos. Não queria nem falar naquele lá. Que ficasse no canto dele! Já bastava ter lhe enrolado nos anos passados.Ela gostaria de falar do cantar, ah ela gostaria...quando moça cantava bunito mas nem a voz e nem o corpo alcançavam mais as notas necessárias. Trabalhar foi o rio da sua vida. Esse foi o canto. Esse foi o amor na comunidade granjeira que viveu. Depois de tudo tava ali sentindo o cheiro da uva, o cheiro dos pêssegos e o cheiro das flores.

Por gentileza, façamos silêncio!
Revestida de cinza e brancas rotas vestes
voam plácidos no abismo olhos de luz negra.
Cinzas voam livres e velhas prisões famintas
agora são ossos morada de flores.
flores de pétalas doces .
Janelas em prantos esperam horizontes
cicatrizes costuradas no aço arames são caminhos
veias da liberdade.Bebe a paz no elmo caído da guerra.
Todos nossos ossos secos ao sol são brancos.


Wilson Roberto Nogueira

DANÇA DE ESTRELAS



não me vi quando dei por mim
vindo de não sei onde
e isso não se faz

eu andava meio assim
meio James Bond
meio litro a mais

havia um Rimbaud
sob meus braços
e um morto no hotel inglaterra*

não foi a dor que me enforcou
nem fios elétricos gastos
dando sete voltas na Terra

quanta felicidade pode haver aqui?
2014: cem anos sem Augusto
e mais cem cruzes para Cruz e Sousa.

sete salvas de tiros para Stan Lee
ao poeta de lei o mais que merecido busto
que à poesia importa quem mais ousa.

se a mim algum mérito sobre
nenhum ouro valha mais
que a língua que me critique e cobre!

antonio thadeu wojciechowski

*Sierguei Iessiênin (1895-1925)


...

Lenda da Cigana da Bola de Cristal


                  
Na época da Pré-História existia uma civilização que era nômade, vestia-se com peles de animais, brigava com outras tribos e vivia de caverna em caverna.
Um certo dia os homens, desta civilização, entraram em guerra com pessoas de uma outra aldeia. Por isto, esconderam suas mulheres numa gruta. De repente, uma destas senhoras, olhou para o céu e fez a seguinte oração:
“– Lua, proteja nossos maridos!
Como eu gostaria de ter um pedacinho seu para me ajudar a ver o futuro.”
De repente, algo caiu do céu. A mulher foi verificar e achou uma bola de cristal no chão. Assim, ela levou o objeto para dentro da caverna, colocou em suas mãos e passou a ver o futuro através de imagens que apareciam na própria bola, como por exemplo: que o líder daquela tribo morreria na batalha.
Como a previsão deu certo, as mulheres daquele clã passaram a adorar a bola de cristal e fizeram até um templo para este objeto. Porém os homens não aceitaram que a bola de cristal  fosse mais importante do que eles. Desta maneira as esposas abandonaram seus maridos, pegaram os filhos e formaram uma cidade, onde a bola de cristal era a principal deusa. O problema é que como não havia homens neste lugar, para reprodução, as pessoas foram morrendo pouco a pouco. Então, quando sobrou uma única velhinha doente, ela colocou o cristal numa gruta onde existiam figuras rupestres, olhou para o céu e fez a seguinte oração:
- Lua, faça com que um povo místico encontre esta bola de cristal.
Após falar estas palavras, esta senhora faleceu.
Muitos anos depois, uma caravana de ciganos aproximou-se deste local e decidiu armar acampamento. Deste jeito, uma cigana chamada Cristal avistou a caverna e decidiu explorá-la. A menina ficou encantada com as figuras rupestres. Porém, ela viu um brilho que vinha do fundo, seguiu a luz e avistou uma bola de cristal. Então, esta garota levou o objeto até sua tenda e começou a admirá-lo. De repente, a cigana avistou sua irmã, Rubi, se afogando num rio próximo. Desta maneira ela foi até a este local e salvou a garota. A partir daquele momento, Cristal passou a utilizar a bola para adivinhar o futuro e numa época de crise no acampamento, esta cigana resolveu dar consultas com este objeto para as pessoas de fora. Assim ela espalhou o uso da bola de cristal para os ciganos do mundo inteiro.
De acordo com Cristal as figuras e as cores que aparecem dentro da bola tem vários significados:
Nuvens para cima: dinheiro e boas notícias.
Nuvens baixas: faça algo para que seus sonhos se realizem.
Nuvens para direita: toda a ajuda espiritual é bem vinda.
Nuvens para a esquerda: escolha outro dia para pedir ajuda à bola de cristal.
Raios: mudanças
Bolinhas e chuvas: cuidado com o perigo.
Cores:
Branco: o auxílio está a caminho.
Preto: tristeza.
Azul: felicidade
Vermelho: nova paixão à vista.
Laranja: novo emprego.
Verde: ganhará dinheiro.
Amarelo: o dinheiro virá junto com sucesso e reconhecimento.
Rosa: terá um amor puro e verdadeiro.
Como invocar a cigana Cristal para ler o seu futuro na bola:
Primeiro compre uma bola de cristal puro. Depois, em uma mesa redonda, acenda duas velas: uma na esquerda e outra na direita. Após isto acenda um incenso de sua preferência e faça a seguinte oração:
“Cigana Cristal, minha eterna guia
Abençoe esta bola com harmonia!
Mostre-me o futuro de um jeito real
Aqui e agora neste mesmo, local!

A sua alma sempre me conduz
Com vibrações cheias de luz!
Cristal, traga-me a vidência e a sensibilidade
Para que eu veja o futuro de verdade.

Luciana do Rocio Mallon

sábado, 26 de abril de 2014

não fujo de uma rosa dolorida
nem quero a solidão tumultuada.
para morrer eu só carrego a vida."

RR

Prefiro a palavra que inaugura
um espaço novo na mente
do leitor. Aquela que o arranca
do torpor e o faz embarcar no trem,
na carroça, no ônibus ou avião.
A palavra que o arranca do chão
ou da poltrona. No poema a palavra
é travessia. Por isso, venha comigo

Vamos descarrilhar esse trem.

Rubens Jardim

em nome


Estava no ventre da mãe havia quatro meses. Esperto, chutava imaginando-se jogando futebol, quando batia os bracinhos se via nadando numa piscina olímpica. Safadinho, já pensava na primeira namorada. Projetava seus sonhos para o mundo exterior. Curioso, começou a prestar atenção nas conversas dos seus pais, queria saber qual o nome que lhe seria dado:
__ Falei pra você, não era hora de mais um filho, já temos dois.
__ Eu sei amor, não queria, você sabe, esqueci de tomar...
__ Por que não tomou a do dia seguinte?
__- Verdade, mas pensei que não ia dar em nada.
__ Mas deu, olha a merda que deu. Agora é tarde, mais um filho!
__ Eu também não queria, olha meu corpo, estou deformada.
__Verdade, está sim!
__Talvez dessa vez, venha uma menina.
__Menos mal, pelo menos isso, que venha uma menina!
Com o coraçãozinho apertado, o menino encolheu o seu pintinho.
__ Se for uma menina qual o nome que daremos?
__ Poxa! As despesas que esse bebê vai nos dar. Depois a gente vêm, pode ser o da minha mãe.
__ Sei... Tudo tão caro. Temos de arrumar uns padrinhos que nos dê um enxoval... Fale para seu chefe amor, faça uma media com ele.
__Verdade, falarei com ele, ele vai ficar lisonjeado, no mínimo nos dará o enxoval ou o berço.
Deprimido, o menino ao ouvir tudo, percebeu que seus sonhos não poderiam ser realizados naquela família. Decidiu não ter um nome! Enrolou o cordão umbilical em seu pescoço!
JDamasio


Pães amanhecidos


Zequinha lentamente andava, não tinha porque ter pressa. Não tinha ninguém a esperá-lo e nem tão pouco um casebre para chegar. Carregava uma bolsa ordinária, dessas que trazem o nome do colégio estampada, ela não pesava muito nos ombros, pois nela só havia três pães amanhecidos que ganhara de uma senhora em uma casa onde batera pedindo o que comer. Dera-se por feliz e agradecido, pois os pães ainda estavam macios perto da dureza da fome que ele sentia. Queria encontrar apenas um lugar tranquilo e sombreado para se sentar e se farta. Sabia que mais à frente havia uma praça.
Pelo caminho, porém, foi atraído pelo cheiro de carne assada que se alastrava pela rua. O cheiro saía caprichosamente pela porta de entrada de uma recém-inaugurada churrascaria. Deteve-se diante dela, passou a língua sobre os lábios e ficou a admirar o rodízio das carnes que passavam pelas mesas. Via tudo, pois a parede da churrascaria era de vidro.
Primeiro viu a lingüiça borbulhando, depois a costela tostada, a picanha suculenta. Quando viu passar o galeto brilhando aos seus olhos, colocou o dedo na boca, lambendo-o como se fosse uma coxa de frango. Zequinha começou a comer com os olhos e a saborear com o cheiro. Sentia o sabor de todas as carnes que ali passavam. Então, sem perceber, tirou um pão velho e começou a comer.
De repente, deparou-se com uma carne que nunca havia visto antes. Pelo cartaz que, com dificuldade, soletrando havia lido, imaginou que só podia ser carne de carneiro, pois sentiu na boca um gosto diferente, de carne adocicada. Tirou de sua bolsa outro pão. Seus olhos estavam perdidos, os garçons andavam rápido demais. Resolveu fixar seu olhar em uma única mesa, sentindo-se como se estivesse nela. Vieram-lhe de novo a linguiça, a costela, a picanha, o galeto e a carne doce de carneiro. Com a boca quase seca, engoliu o que ainda tinha de saliva como se tomasse o refrigerante da mesa que se havia transportado. Sem perceber, tirou o último pão da mochila e comeu o rodízio todo de novo.
Por fim, passou os olhos em um canto do salão, onde estavam as sobremesas. Visualizou as guloseimas, pêssegos em caldas, pudins, tinha também salada de frutas, mas não o apeteceu, já que tinha a saliva doce por causa do leite condensado do pudim.
Saiu empapuçado, nunca comera tantas carnes diferentes e doces tão deliciosos. Andou por alguns metros e começou a sentir-se mal, veio-lhe a imagem da linguiça borbulhando, da picanha suculenta, do frango brilhando e da carne adocicada, das sobremesas que por fim desfrutou. O cheiro também ficou impregnado em suas narinas. Tinha um embrulho no estômago. Zequinha havia sido guloso, visto e saboreado demais!. Pensou até que seu mal-estar devia-se ao pudim, o qual se imaginou comendo seis pedaços. O coitado deu mais dois passos para começar a vomitar, vomitou muito. Viu, além dos três pãezinhos velhos e secos que comera, as carnes nobres de várias espécies que imaginou ter comido esparramadas pela calçada.

J.Damasio /Oração de Um Quase Descrente/ 2006


Pelas estradas


Em uma estrada esburacada da região do extremo do Brasil, o motorista se viu obrigado a parar, queria certificar-se se não havia perdido o pára-choque ou alguma parte do caminhão devido aos solavancos.
Depois da vistoria, aproveitou para urinar. Quando fechava o zíper da calça, percebeu que vinha ao seu encontro uma senhora que aparentava aproximadamente cinqüenta anos, embora não tivesse ainda chegado aos trinta, a diferença de idade lhe era acrescentada na aparência por conta do sol fustigante e da miséria da região. Vinha ela empurrando um carrinho de mão abarrotado de frutas, ao seu lado caminhava uma menina que aparentava não ter ainda oitos anos, mas já completara treze, a fome é que lhe roubara a formosura da adolescência. A menina carregava nos ombros meia dúzia de redes, para serem oferecidas aos viajantes. A mulher parou diante do homem, pegou um saco de laranjas, levantou sobre a cabeça e falou:
— Olha a laranja doce, seu moço! Só paga cinco real!
Com desdém, o caminhoneiro olhou para a fruta, dizendo:
— Está verde, deve ser azeda, cinco reais é caro.
A mulher assimilou a recusa do caminhoneiro, pegou do ombro arcado da menina uma rede:
— Olha a rede branquinha de puro algodão, é vinte mas vendo por quinze real, seu moço.
Com indiferença, o homem entrando no caminhão falou:
— Essa rede está amarelada de sol, encardida de poeira, pago dez reais, só pra ajudar vocês.
A mulher abaixou a cabeça, depositou a rede no ombrinho arcado da menina, meio que resmungou:
— Eu tenho de pagar doze real na rede, como posso vendê ela por dez?
O motorista calou-se, subiu no caminhão, acomodou-se no banco, olhou para a menina e para a mulher que continuavam paradas à sua frente, e disse:
— E a guria?
A pobre, mesmo não conhecendo aquela palavra, olhou assustada para a mãe, ouvindo-a falar:
— A menina? A menina é dez, mas posso deixá por oito real, seu moço!


J.Damasio /Oração de Um Quase Descrente/ 2006