sexta-feira, 28 de agosto de 2015

EU SOU



Paradoxos
São óxidos
Para óxidos
Ácidos Necessários

Para, nós, Agentes
de Mudança
Reagentes
Químico
Físico
Alquímico
Nessa vida...

Paradoxalmente
Num TAO dia
Em união de opostos
Simplesmente,
Ele se foi...

Na mais,
Profunda Simplicidade...


Carla Ramos

LIBERTINA


miro no sol
acerto na lua
e nas suas anáguas
brancas de liberta
e libertina
enredo meus dias.


Jandira Zanchi 
(A Janela dos Ventos)

Flores e Poesia

Encantamento passou.
A noite veio calada
e logo virou madrugada...
Escrever um verso dói
na casa silenciosa...
Mas agradeço à poesia
pela doce companhia
em madrugada calada
que fez a chuva gelada
alagar um coração.


Maria Inês Venturi


sábado, 22 de agosto de 2015

Tem gente que se acha certo
Quando muitos outros acham errado
Tem gente que se acha esperto
Mas que é, apenas, um mal educado.
Tem gente de peito aberto
Ou então gente com ego inflado
Tem gente cujo palpite acerto
E outros precisam ser desmascarados
Tem os que seguem boquiabertos,
E uns que não se importam com quem tá do lado.
Tem gente perdida no deserto
Outros na multidão abandonados
Tem gente que não queríamos por perto
E alguns que seguimos apaixonados
Tem gente que odeia ser descoberto
E muitos a atenção têm procurado
Tem os cheios de razão, decerto,
Por não aceitarem ser ignorados.
Tem gente, minha gente, eu alerto
Que se acha mais gente que a gente...coitados!


(Fábio Granville)

ESCRITORES


Salto no vazio! Trapezistas pulam dos trapézios,
mexem-se no ar como gaivotas sem asas
desenham arcos e abraçam
um outro trapézio.
Escritores são trapezistas das letras,
dos parágrafos, das idéias.
Cada livro é um salto mortal!
Escritores saltam no vazio e expõem-se as críticas.
No lançamento
se alguém insinua com ironia falta de simetria
ou narrativa desconexa,
estende-se um burburinho
e o escritor é desmembrado entre as folhas de seu livro.


Poema de Isabel Furini 

ESSA PAIXÃO CHAMADA ESCREVER

 - Por Isabel Furini

Escrever parece um ato de magia.
A criação literária é como a frágua de Vulcano. Escrever nunca é morno. Escrever é angústia, raiva, incêndio, esperança, fingimento e desespero. É criar castelos de areia com palavras e temer a ventania.
Escrever é emoção primitiva, instinto de auto-expressão. É gritar, usando corretamente a linguagem. É, então, grito medido, sofisticado - chamo isso de fingimento - pois é grito visceral, mas contido. Educado para expressar-se através de figuras estilísticas, discursos e silêncios, focos narrativos e personagens.
Escrever é colocar rédea nos valos da emoção. Civilizar a cólera. Contê-la para não expor em demasia esse eu paradoxal que deseja expressar-se e ora aparece, ora volta-se sobre si mesmo.
,
Escreve é, às vezes, um ato de coragem e outras, um ato de estupidez. Mas sempre uma busca de catarse.

O texto é produto do transbordar de um eu - Netuno, escondido nas águas do inconsciente. E é esse eu desconhecido que brinca com as palavras, deleita-se com as próprias histórias e incentiva a navegar no tempestuoso mar da literatura.

Desculpa meu pessegueiro,
por ter podado seus galhos antes da florada.
Eu precisava de luz no resto do jardim.
O inverno quase terminou e o que você fez?
Permaneceu com sua paciente e revolucionária resiliência.
E quando eu não mais esperava,
você brota e me oferece sua flor,
sua única flor.
Como se me dissesse...
"Eu não tenho mágoa de você.
Sou natureza e, simplesmente, me adapto.
Você passa e eu continuarei sempre, o pessegueiro".

Antonio Maciel Botelho Machado

O ESCRITOR ESSE ESTRANHO


Por Isabel Furini

Alguns acham que escritores são seres estranhos. Solitários, reflexivos, diferentes...
O talento é inato. A natureza outorga ou não. Como as velhas fórmulas mágicas que as bruxas utilizavam em seus caldeirões - o dom e a técnica são os componentes primordiais que necessitam amalgamar-se para dar nascimento a esse estranho ser chamado escritor.
Esse ser que tem um pouco de anjo e um pouco de demônio.
Porque os escritores, todos eles, não importa seu tamanho, nem sua estatura - física e mental - são perigosos. Um escritor é visto sempre como alguém diferente, como um inovador, um criador de casos, um questionador, um desobediente, um sonhador, um louco com idéias perigosas.
Aos olhos do público, até o menor dos escritores - até um liliputiense - tem a coragem de querer deixar suas pegadas no mundo.
Parafraseando Platão, podemos afirmar que o escritor "quer ser mais ser".


Hiato


a vida
desenrola fatos
e eu
abro abismos e espasmos
em espaços internos
eu
deslizo por caminhos anímicos
e a vida
plural
desiste em hiatos sísmicos:
saídas corrompidas por infernos
a vida
anda na contramão das sinas
e eu
perdida
abro-me para os lados
perco-me
cínica
dos sons e do sol
no silêncio da cisma que antecede
a escuridão de saber-se
fujo
dos sonhos
mas nunca em vão
com eles vão os nãos
que
os sonhos
dão
finjo
ser mais forte
do que o orvalho
beijando o brilho
de uma flor de aço
sim
eu
faço e falho...
a vida
mergulha em mim
e me olha
eu
abraço feridas inesquecidas
invisíveis
invisível,
escondo-me da fogueira
da insensata juíza:
a vida só me mostra
da vida
cicatrizes...
a vida
e seus matizes
desenrolo-os em tentativas
sem expectativas ou saudades
sem asas ou pontes
eu
vivo
a vida
sem saída...
sem depois
nem antes

Samantha B. S.
Tenho tribos
e não bato os tambores
Tenho estrelas
que não caem do céu
Tenho esperanças
que vivem em mim
Tenho culpas
quem não tem
Tenho amigos
o resto desconheço
Tenho a vida que criei
mal criada
mal falada
mal vista por olhos insanos
bem vivida com quem é do bem!


Valéria Geronasso

(agosto 2015)
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes...
e calma

Sophia de Mello Breyner Andresen

Minuto de autoajuda (ou ottoajuda)

Otto Leopoldo Winck


Para todos que já pensaram, pensam ou vão pensar em se matar. O suicídio é um ótimo tema literário, poético, filosófico. Talvez porque seja a atitude mais radical de uma vida. Um gesto de recusa, sem volta. (É um lugar comum dizer isto, mas vá lá, a verdade às vezes é um clichê.) E tudo que é radical rende literariamente. Eu também já pensei em me matar. Faz tempo. Entre os 18 e 20 anos. Não há idade mais linda, doce, radical e amarga que esta. Sair da infância, tornar-se adulto não é fácil. De repente, o mundo a sua volta parece hostil, horrível. E mergulhar no nada parece ser a única saída. Bom, não me matei (como vocês devem estar percebendo, rs). A vida, depois, sem que eu me desse conta, mostrou-me faces mais aprazíveis, encantadoras, doces -- e outros adjetivos fofos. Sim, tive e tenho momentos que dá vontade não digo de me matar mas de dormir por dias. Mas estar vivo às vezes é glorioso. E viver um minuto desses êxtases que a vida nos proporciona (como o espetáculo de um ipê amarelo florido contra um céu de azul-cobalto) já dá forças para encarar os momentos sombrios. Então fica a dica: se quer se matar, não mate, faça um poema.
Como um objeto pontiagudo,
sinto aqui tua tristeza
e ela é doce e amarga como um penhasco
em noite de procela.
Tal uma gillette enferrujada,
tua insônia me corta a alma em postas
e raspa da superfície branca do papel
todas as palavras
que o vento semeou de madrugada.
Agora eu sei que teus olhos vermelhos
nunca mais me deixarão dormir
e eu não serei mais que um homem condenado
a ser-te estranho. Quando eu disse
que a lua branca enlouquecia,
teu coração se fechou como um punho no meu rosto.
Senti a têmpera do aço de teu corpo
que nunca chegarei a conhecer. Quantos agostos serão necessários
para apagar teus rastros do meu dorso? Quantas chuvas?
Olha, esta ruga foi tu que me fizeste
e estes versos, de intolerável beleza
(pois, menina, eu sou grande como um anjo),
foram escritos à sombra de tuas flores fenecidas.
No entanto, não serei mais poeta,
pois as palavras agora são um fardo.
Serei um homem simples,
sem pretensões,
um homem simples
que volta da panificadora com sete pães francês e um litro de leite desnatado.
(Tornar-se adulto
é celebrar o luto do menino
que nunca mais vai contemplar o sol,
pois, ainda que os seus olhos sejam os meus, o menino já morreu.)
Como um objeto pontiagudo,
sinto aqui tua tristeza
e ela é doce e amarga
como a vida.

Otto Leopoldo Winck
"Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada no bolso e nas mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso. Poetar é simples, como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena etc. Difícil é não correr com os versos debaixo do braço. Difícil é não cortar o cabelo quando a barra pesa. Difícil, pra quem não é poeta, é não trair a sua poesia, que, pensando bem, não é nada, se você está sempre pronto a temer tudo; menos o ridículo de declamar versinhos sorridentes. E sair por aí, ainda por cima sorridente mestre de cerimônias, 'herdeiro' da poesia dos que levaram a coisa até o fim e continuam levando, graças a Deus. E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi."


TORQUATO NETO (1944-1972)
Otto Leopoldo Winck


Às vezes tudo é nada. Às vezes nada é tudo. Não podia ser mais? Não podia ser menos? Não podia ser outra coisa? Não podia ser diferente? Não podia começar de novo? Não podia acabar logo? Pois é, a vida é como um cobertor curto. Você tem que escolher se quer passar frio nos pés ou na cabeça.

O ENTERRO DO LOBO BRANCO

"Cocei dentro da orelha para escutar melhor de quem era aquela voz era o homem preto suposto marido de Augustina desembestado novamente em narrativas estapafúrdias disse que Stela se fartava de laranjas limas da Pérsia ou seria Índia¿ principalmente nos confins de setembro fechei a cara torci a boca fiquei extasiado porque nunca atinei que ela se interessasse por frutas tão exóticas e longínquas a mim pedia cerejas ordinárias de quintais alheios e amoras vagabundas que se alastravam nos encostamentos daS estradas entre um asfalto e um corpo morto"


Marcia Barbieri


VISITA

 - Ferreira Gullar

no dia de
finados ele foi
ao cemitério
porque era o único
lugar do mundo onde
podia estar
perto do filho mas
diante daquele
bloco negro
de pedra
impenetrável
entendeu
que nunca mais
poderia alcançá-lo

Então
apanhou do chão um
pedaço amarrotado
de papel escreveu
eu te amo filho
pôs em cima do
mármore sob uma
flor
e saiu

soluçando

Considerações de uma tarde praieira ensolareira...

Dani Christie Loyola Oliveira se sentindo muito feliz em Florianópolis



Antes do lere lere de dona da minha casa,fui ao mar com meus lindos exuzinhos tito e sofia,até fumei um gudan que eventualmente meu marido fuma,tem um gostinho bom, e ficamos olhando o mar das quinze horas.Tanta poesia, tanto vai e vem, penso no quanto as ondas,o vento, meus cães,e até as coisas ditas inanimadas tem a nos ensinar,eles vão lá e existem.E insistem e mudam com o tempo,e aceitam sua condição.O muro,o poste, a arvore ,o galho que um dia foi, e não reclamam,reclamar do que se eles sabem a sua verdade,e cumprem,e e enquanto isso,assistem ao existir egóico dos humanóides.(putz!devia ter trazido um saquinho para o cocô dos meninos..rs.já foi,fazer o que?Desculpa Dona Yê do mar!)

Maquinações Interiores

 - Wernner Lucas


Não somos demônios
Não somos santos
Somos seres humanos
Não cabemos nessa dicotomia
Seu maniqueísmo não nos explica
Sua visão não nos alcança
Incompletos
Imperfeitos
Diversos
Plurais
Somos ou não somos
Vivemos

Sobrevivemos

comunicação acadêmica



"vamos falar de literatura"
"os gêneros literários"
"vamos falar de literatura"
"as escolas literárias"
"vamos falar de literatura"
"o cânone literário"
"vamos falar de literatura"
"a história da literatura"
"vamos falar de literatura"
"a crítica literária"
"vamos falar de literatura"
"literatura e história"
"vamos falar de literatura"

(...)

"não vamos falar de literatura"

uma cerveja
uma cachaça
um cigarro
ou o raio que nos parta

não nas letras
não nos livros
não no obséquio fingido
dos manuais oficiais

a coisa é a coisa e o resto
é uma outra coisa


William Teca. In  tecatatau 

SOL NEGRO


Crucificar a alma da rosa
No caos do sangue
De uma geração
Que é sombra em si.
No limiar do céu
A rosa mística
Abre apenas
Para Beatriz.
Liberar o humano
Só quando o verbo
Ungir as catedrais
E os estádios
E molhar as aquarelas
E os palcos
E o negro silêncio profundo
Dos megabytes.

Bárbara Lia in "O sal das rosas"

Colocou a cabeça entre o vão das grades, olhou a liberdade andando lá fora no pelo de um vira-lata. sem correntes, sem coleira. Sentiu inveja do cachorro de rua que vivia solto, sem regras e sem dono, ele se mandava e se mandava....

JDamasio NUM PISCAR DE OLHOS... 2015

Ontem, pude de ver meu continho antigo de forma inversa, uma perspectiva contraria na visão do cachorro: Um velho vira-lata colocava a cabeça no vão das grades , olhava a segurança la dentro da garagem da casa, estava sem correntes, sem coleira , solto, ele se mandava, mas ficava parado . Devia estar cansado, com fome e sede. Talvez apenas quisesse uma criança para brincar de pegar bolinha e depois uns carinhos no cangote, um pote de água fresca todo dia, uma porção de ração e uma cobertura para proteger do sol e da chuva. Queria só uma vida mais sossegada.

Fazer empatia com cachorro de rua, se ver na pelo do bicho, tem me dado coceira no lombo , coço com minhas patas. mas não mato as pulgas.
 JD

O ano da morte de Ricardo Reis


Não cante o desprezo dos deuses, Ricardo
Não colha as flores mortas ao lado do Tejo
Os fardos humanos são apenas isto – Fardos
E os beijos sensuais são apenas isto – Beijos
Sou toda verão na alcova, acesa, à tua espera
Estonteante mulher que levas a ver as flores
Enquanto os pássaros trinam alto – Neera!
Nada nos falta, mas, em ti brotam mil dores
Quando a morte te buscar, aquela que conheces
Voltarei aos prados colhendo as flores vivas
Tocarei a pele do planeta murmurando preces
Banquetearei na relva, as flores como convivas
Dói, Ricardo, saber que todos os campos serão meus
Ainda orvalhados de lágrimas dos belos olhos teus
Bárbara Lia

Respirar - página 75

CANTO DE ROXANA


Heras brancas de paz devoram meu coração
- Basta sentar ao teu lado
Vê a cortina etérea?
Os ancestrais, Bucéfalo, Aristóteles,
Os Templos. O sol que negastes a Diógenes?
Naqueles tempos necessitavam oráculos
Presságios de sonhos, sacrifícios a Amon
Dispenso a magia das mulheres da Trácia
- suas danças e suas serpentes -
Meu oráculo-coração acende uma fogueira...
- Basta pronunciar teu nome.

Bárbara Lia

(poesia da série "Águas de Alexandria", de 2005)

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Jura Secreta 34


Por que te amo
e amor não tem pele nome
ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos
mas não tenha medo
pode sangrar pode doer
e ferir fundo
mas é razão de estar no mundo
nem que seja por segundo
por um beijo mesmo breve
por que te amo
no sol no sal no mar na neve

Artur Gomes

Da amizade com o contraditório


não precisei imaginar o seu rosto
sob o sol
sobre a pétala perdida
da rosa jogada ao vento
mas no momento quase incerto
tive a impressão
de ver seu manto
sua voz chegou
bem antes da necessidade
de ouvi-la
aos poucos compreendi
o ânimo que absorve
a mente líquida
que por hora tem
rapidamente entendi
o senso da sua vida
e a astúcia
desperdiçada
na vala comum
da sinfonia
dos atolados
e mesmo assim
sabendo-lhe
posso dizer
gosto de você
e muitas vezes aguardo
por sua lira
e seu cantar
e sua intriga
e seu voejar
é um amor poético


Juleni Andrade

Pensei em Dora

Bárbara Lia

Pensei em Dora, que atirou-se nos trilhos de trem da estação de metrô Charlottenburg, em Berlim Ocidental. Banida, exilada, e pensei na verve literária, os revolucionários, manifestantes, os "terroristas" eram mentes pensantes, e por um sonho utópico, morreram, incinerados em suas almas, contra todas as possibilidades, Dora escreveu - “Foram intermináveis dias de Sodoma. Me pisaram, cuspiram, me despedaçaram em mil cacos. Me violentaram nos meus cantos mais íntimos. Foi um tempo sem sorrisos. Um tempo de esgares, de gritos sufocados, um grito no escuro”.

Pensei nas - Moças de Minas - que me fizeram chorar noites a fio quando li o livro de Luiz Manfredini. Os alicates torcendo seus mamilos, as baratas colocadas em suas vaginas, os estupros, a aniquilação, o grito.
Pensei em Iara, bela Iara, Iara amada de Lamarca, que puxou o fio para um país mais justo e foi aniquilada friamente, em um lugar tão longe das horas resolutas, longe de São Paulo, enfurnada no labirinto. O homem pisando na lua, e ela no espelho quebrado, onde tantos foram abandonados, acossados, fuzilados.
Pensei em Sonia que era a amada e na mãe que era guerreira, pensei em Angels, de Stuart, o corpo ralado no pátio, e a fumaça tóxica na boca.

Eram tantas mulheres e eu penso nelas, e nem preciso evocar a DIlma, e nem precisa. A Vera paralisada por eletrochoques, as mães no corredor polonês, e crianças ultrajadas, sim...

Bateu uma tristeza do tamanho da Pátria... Bateu tão fundo, e esta coisa vai corroendo, e vai minando qualquer esperança, e todo sentido vai desabando... A ignorância diz que deviam ter matado todos em 1964. Por Deus, os anos foram todos de extermínio. Esta coisa tão patética e incoerente, de quem pensa a ditadura como um dia, um mês, um ano em 1964 e nem sabe de Tito e sua dor em Fleur, de quando lhe doía saber que na França, flor lembrava Fleury. Todos os ossos da alma quebrados... E então, enforcar Herzog não bastou, insulto grotesco a quem foi jornalista como se deve ser. Insulto, escárnio.

Eu estou triste, e até poderia perdoar tanta ignorância sobre a própria Pátria, mas, é só o estandarte do bloco do fascismo. Era só a estampa do pensamento de tantos, então, eu estou triste e me permito ficar triste, e vou continuar um tempo ainda, imensamente triste.

e só falei de algumas mulheres, é pouco mais de quatrocentas vidas?

este ultraje não devia passar em branco, no entanto, fica assim, nada acontece, além desta tristeza que persiste...
........................................................................................................................................................
Quando eu estudei - sim - era tudo calado, e criaram matérias como OSPB e aquelas tentativas de imprimir uma moral cívica, enquanto escondiam o que acontecia...

Dei aula de História, e é tema nos últimos anos do Ensino Fundamental e Ensino Média. Quem Estuda o Século XX passa por todas estas revoluções... As Guerras Mundiais, a Revolução Cubana e nosso governo ditatorial...


 Bárbara Lia

Poema de Frei Tito Alencar de Lima


domingo, 16 de agosto de 2015





Trilhas do Olhar


Apogeu










Perdão amigos!

Hoje preciso-me-embriagar...
Vou preparar uma farmácia
Com algumas letras montarei frases e versos
Deixarei a solidão com um poema escrito á mão...
A cada gole estrofe verei o quando vou entornar
Se cair uma palavra amor ou tropeçar em linhas de dor
Já estarei bêbado e farto das letras que ainda sobem
Ao cérebro entortando-me mais e, mas palavras...
Deixando esparramado sobre a folha de papel marche.


Amauri Nogueira.

RUÍNAS


Eis o meu mundo, todo desabado!
Pois quem mandou meu coração ousado
Amar demais...a quem jamais o quis?
Eis as ruínas do meu universo!
Meu corpo-escombro, todo em si imerso
Num mar de prantos...o mais infeliz!
Eis os meus sonhos, um a um desfeitos!
Meus sentimentos todos não aceitos,
Se acumulam em meu coração.
Eis minha alma, a sangrar sofrida!
...Em várias partes, lá em si, partida
Por meu amor ser um amor...em vão!
Eis o meu corpo, a perder o prumo!
...Pois, dos meus passos, já perdi o rumo.
Por meu amor ser desprezado assim.
Eis tantas frases sem sentido agora!
Nas quais pensei a cada dia e hora,
Para dizê-las...a quem eu amo, enfim!
Eis minha mente, toda em si, confusa!
Pra que versar, se a dor de mim abusa?...
Se tanto amor já não me serve mais?
Eis o meu mundo, já fora de eixo!
E, com razão, ao deus Amor me queixo:
"Por que tu sempre vens roubar-me...a paz??"

Vilmar Costa.

POR SER POETA


NALDOVELHO

Por ser poeta
eu posso nascer inúmeras vezes,
viver outras vidas,
ser pessoas diferentes,
adormecer por aqui
e acordar distante,
numa outra cidade,
posso ter qualquer idade,
me apaixonar um milhão de vezes,
ser ternura, ser loucura,
ser delicadeza...
E ainda me dar o luxo
de transformar tudo em poema.
Posso ser pedra, posso ser janela,
posso ser porta e de preferência aberta,
posso morrer e renascer crisântemo,
ser beija-flor ou águas claras de um rio,
ser vento macio ou animal no cio,
ser perfume e eu escolheria sempre alfazema,
ser música suave a embalar suas tardes,
posso ser teclas de um piano,
melodia de desenganos,
posso ser remédio a curar sua nostalgia,
posso ser noite encharcada de orvalho,
posso ser palavra cheia de significados,
posso ser madrugada, posso ser magia!
Por ser poeta eu posso quase tudo,
só não consegui ainda ser poesia.



Poesia que emerge do litoral :
sempre aparece
um sábio da hora
pra dizer
que o melhor
é viver o aqui
e o agora
se ele estivesse
no meu lugar
ia ver que aqui
não dá pra ficar
e o melhor
a fazer agora
é ir caindo fora

(poema de Ricardo Silvestrin, do livro Metal, Artes e Ofícios Editora)



METRONIDAZOL


uma caixa de lápis de cor com trinta e seis cores
poderiam ser trinta e seis poemas
trinta e seis perfumes coloridos
trinta e seis armas de amor
são trinta e seis caminhos
para se chegar a um buraco negro
trinta e seis rotas de colisão
trinta e seis saltos de voo livre
com apenas um lápis eu perfurei o ventre
com apenas um lápis de cor azul
poderia ter escolhido o lápis carmim
trinta e seis formas de morrer cinematograficamente
trinta e seis cores para pintar a montanha de jodorowsky
mas escolhi apenas um lápis de cor azul
foi tenso, foi intenso
trinta e seis cilíndricos artistas malvados
de todos os tipos e más intenções
carmim, vermelho vivo, vermelho denso
vermelho cor de caqui pintado
vermelho boca aberta boca grande
tomei flagyl não pela perfuração no ventre
tomei para revestir o estômago de azul
walter benjamim escreveu:
o azul apenas mostra a aparência das coisas


Marcel Fernandes. 

Fonte : mallamargens

DESIGUALTOCRACIA


.
Um projeto europeu mal sucedido
Pelo ódio consumido, em injustiça envolvido,
diz reinar a democracia
Mas será que ela chega na periferia?
.
No exterior era idealizado,
onde Pretos e Brancos, Índios e Pardos
Sorriam em convívio harmonizado.
Aqui o negro é surrado, chicoteado
.
Socialmente desmoralizado,
de moreno é chamado
e quando é mulher de mulata é apelidada,
como objeto imaginada,
Machistas! Racistas! Falso moralista!
.
No País da igualdade a Trans é Espancada
O Bi rejeitado,
o Gay caricaturado,
a Mulher objetivada,
a Favela mascarada
e a Opressão, pelas ruas anda fardada.
.
Na cadeia a Criança querem colocar,
mas ensino e moradia de qualidade dizem não poder dar.
Nesta terra de ninguém, o Pobre é diminuído
e o Rico favorecido.
.
Como falar de Meritocracia, tem chances a
Criança pelo país esquecida? Porque não
ceder para o Preto que vai a Luta todos os dias,
.
Para a negra que sai ao sol todas as
manhãs, o espaço de Direito?
É assim tão grande o Preconceito?
Ao ensino superior, Todos temos direito!
.
A Mudança somos nós,
a Evolução vem de nós,
façamos Revolução,
Marchemos em direção
da nossa própria Restauração,
somos todos irmãos!
.

No País da Desigualtocracia, os jovens farão a Revelia!

Pablo Lucas

VERSOS MAL COMPORTADOS


NALDOVELHO

Versos mal comportados,
colaterais e indecentes,
parte deles descendentes,
raras vezes ascendentes,
tipo inquietude da alma,
coisa estranha, complicada.
Costumam ser revoltados
e espumam para todo o lado,
feito líquido efervescente
imprudentemente derramado.
Melhor tomar cuidado,
queimam como aguardente!
Se paridos desordenados,
preferem arrombar as portas.
Não se dá conta o poeta,
das entranhas destrambelhadas,
do limite que eles pretendem.
Parecem mais sortilégio,
flor cultivada no brejo,
mandinga, despacho ou feitiço
e não há como acabar com isso!
Herança maldita que o tempo semeou
e que ainda assim constroem poemas
de elegia ao enamorado
que sucumbiu apaixonado
pela mulher do vizinho do lado,
pela ninfeta fogosa e ardente,
ou pela mulher madura de frente.
Versos desgovernados,
ventania que fustiga o rochedo,
castelo tomado em noite de lua cheia,
maré vazante na praia.
Melhor se entregar à sereia
do que ficar assim, se agitando,
sem eira, nem beira.
Melhor morrer de paixão,
antes que seja tarde.
Melhor que seja em versos,

e que sejam, mal comportados.

INSTALAÇÃO


Rita Santana

Não me visitem sem olhos nas mãos
Nem toquem meus ossos expostos.
Sem precauções e recatos, não cheguem!
Estou aberta, em excessos e ócios.
Aqui o azul, que se resguarda em pó,
Testemunha a honradez das mentiras.
Nas compotas de vidro, meus erros,
E no cio da porta, minhas iras.
Adiante se verá o meu passado,
Engarrafado em tulipas amarelas.
As dores nuas gritarão em cofres,
E os amores se amarão nas celas.
No subsolo, preso às certezas,
O meu ciúme queima-se em pavio de velas.
Nas abóbadas, lembranças grotescas
De personas que foram querelas.
Nas sacadas, as donas que eu seria,
Não se sabem vertigem d’outrora,
Riem-se mosaicas,
Féretras senhoras,
E se despedem do salão das liras.


(Tratado das Veias/2006/Selo Letras da Bahia)

sábado, 15 de agosto de 2015

O esfolado e a tecedeiramari

Marina Tadeu

o esfolado a pingar
despistava os mais berrantes exibicionistas
cantando ópera correndo
fazendo da estrada
a cauda do seu sangue
perseguido pela matilha
queria por casacos no prego
mas onde estava era onde ia
tinha sentido as costas da mão
de Deus à nascença a abrir-lhe
um parêntesis para o corpo
que não fechou e a pele caiu
desde então de nervos desenfreados
à flor da carne que lhe sobra o pânico
da fome naqueles olhos
que abusando de seu próprio sono iluminam
como se lhe quisessem fazer mal
mas não fulminam
devoram apenas
e depois arrojam-nos para fora como um osso
insaciável aqui já
presente no meu casco
onde a casca de dão grossa
encarquilha imobilizada o barco
(nos despojos lassos da Marina, pudera)
ei-lo na alba encarniçado
resgatando do meu leito a pele
a arder tal como era
o esfolado no meu viço
remexendo entre agulhas
e uma palha com a ponta de seu punhal
encontra fanado meu fanado
e talvez sem dar por isso
transborda na borda do meu bordado
dá-se à estampa desobrigado
deixando-me presa ao fio
do tear de Clonos
enredando nada

a não ser o frio

Professora bem casada


--Hoje dei dez aulas, amor. Estou cansada, mas estou muito a fim! Sei que você anda trabalhando muito no escritório de cobranças também, porem a gente chega em casa e vai direto dormir, não estou te cobrando, mas você nunca mais me tocou, Podia pelo menos por uma horinha!
--Amor, eu não aguento, vamos dividir essa hora em quatro, quebramos ela também, vinte cinco minutos bem feito, eu não sou mais o mesmo, não tenho aquela disposição.

--Está bom, amor, mas deixa me deitar de bruços, vou pegar aquele óleozinho. primeiro nos ombros , ai! Depois faz um pouco de massagem nas pernas! JD

Woodstock 69 The Lost Performances The Band, Canned Heat, Joan Baez, Cr...

quarta-feira, 12 de agosto de 2015


Ciclos

dentro
da terra escura
a semente descansa
regada de água
& luz
amadurece
e vai explodir
em vitalidade
quando
chegar sua hora.

Ricardo Mainieri...Vidráguas

Poesia Escapista



Aqui, onde estamos morando,
O lugar não pode ser mais belo.
São duas colinas e, conseqüentemente,
Um vale. Há um rio. E há um lago.
Doutrinas não há, a não ser as do
"Centro Acadêmico Dom Casmurro".
Mas isso é distante.
De manhã vê-se se o céu está claro
Ou nublado.
Previsões só as sobre o decorrer
(Meteorológico) do dia.
Planos — os de ir a pé ou a cavalo
Para o banho diário.
Os temores locais são poucos:
Se a ponte de madeira fica pronta antes
De São João,
Se o leite chegará para o fornecimento
De manteiga.
Não há estação de rádio.
Alguns benefícios do mundo de 60
Nos chegam pela estrada — penicilina,
Tecidos, matérias plásticas,
Adornos pessoais.
Por milagre, ninguém pede jornais.
Mas as mulheres daqui são bem tratadas
E, felizmente, nada naturais.
Muito prazer de corpo, muito ar.
Luz, água, cavalos, muita vida animal.
Definitiva ligação ao essencial.
Poucos temores, poucos riscos.
Muito pouca aflição:
A China é antiga como antigamente
Não há televisão.
Mas vem, de algum recanto sutil,
A informação
E se planta e cresce insuspeitada
Com outro nome que, traduzido,
Um dia será lido.
Pois é com alegria que o menino
Entra pela casa com um cão,
Seu amigo, seu primeiro grande amigo,
E o apresenta: "Papai, ele se chama Desintegração.


[Millôr Fernandes]
Esta vida é um mistério
Perto da maternidade
também tem um cemitério

Álvaro Posselt

Dia do Advogado, 11 de Agosto



Hoje é dia 11 de agosto,
Uma data muito especial,
De um astro nada fosco
Que ilumina o espaço sideral!

Hoje é dia do advogado
Que entende muito bem de leis,
Sem deixar a justiça de lado,
Tratando os clientes como reis

Têmis, a deusa do juramento
Abençoa os advogados com luz
Com sua alma cheia de sentimento
Capaz de curar qualquer pus

Dice, sua eterna e forte filha
É a corajosa deusa da Justiça
Ela é uma estrela que brilha
Refrescando-se com a leve brisa

Têmis e Dice abençoam os advogados
Neste sensacional dia 11 de agosto
Não deixando os inocentes calados
Fazendo justiça com gosto.

Luciana do Rocio Mallon



Estilhaçar formas, enfiar a mão no fundo de si, lá onde a flor da Poesia vive, e onde alguns poetas a encontram...

Bárbara Lia

domingo, 9 de agosto de 2015

Otto Leopoldo Winck


Dostoiévski, Flaubert e Machado tinham epilepsia. Baudelaire e Oscar Wilde, sifílis. Um monte morreu de tuberculose. Mais recentemente de Aids, como Foucault e Caio Fernando Abreu. Depressão, então, quase todos. Em alguns era crônica, e chamava-se melancolia ou 'spleen'. Enfim, se você quer ser escritor, tem que andar continuamente na companhia da morte e da doença.

oleiro amoroso


                                              
de fazer-te estátua,
entre bruma e arpejos,
quebrei-te com gosto,
com presta destreza.
               
de atirar-te aos cacos
no charco, entre juras,
beijo de dois gumes,
sem dó atirei-me.
           
de colher os cacos
para rejuntá-los
com a lama mesma,
                
imunda, te amei,
com gosto e destreza,
sem dó, como nunca.

          Rodrigo Madeira

(sol sem pápebras, 2007)

QUANDO APAGAR A LUZ

    
(rodrigo madeira)


Quando apagar a luz, meu bem
Acenda as lanternas de suas mãos
Quando abrir os olhos que não veem
Me ilumine a luz de um lampião

Me vele seu facho-rosto
E sue a cera de tanto ardor
Bem no centro de seu corpo
A fogueira queime este pecador

Quando nascer o sol, meu bem
Seja ainda noite de sono e breu
Quando acordarem os pássaros e o trem
Só olhe à frente o urgente orfeu

Escândalo em silêncio
O incenso indecente da flor
Que eu seja terra e talo
Onde floresça o seu amor
    


POEMA PARA MEU PAI (que tinha nome de rio)



O meu pai: Francisco,
o Véio Chico,
tinha nome de Rio.
Como um rio passou,
deixando a saudade de suas águas
no leito seco e calcinado do meu peito.
Meu Pai era um rio caudaloso,
no seu modo rude e intenso
de viver e sustentar
radicalizadas opiniões.
Não foi famoso,
não ganhou medalhas,
não recebeu subornos,
não frequentou escolas,
- nem lhe sabendo explicar
a letra bonita -
mas criou, com amor,
três filhos:
ilhas protegidas em leu leito,
que não secava nem em tempo
de ausência de moedas
ou de chuvas.
O meu pai faz anos que evaporou,
virando nuvem a sombrear-me o caminho.
Hoje, a lembrança de meu Pai é o meu caminho.
Ele, que sempre procurou trilhar o caminho do Pai.

José luiz dos santos

- por JL Semeador, em 09/08/2009, para meu pai, Francisco Bispo dos Santos –

VERTENTES


Meu pai não tocava violão. Não ensinou-me música ou qualquer outro tipo de arte. Era um homem rude. Fora criado num batente duro, onde a aspereza era fruto de um solo árido. Um operário semianalfabeto, que trazia-me sempre restos de brinquedos e sobras das casas que ele ajudava a construir ou reformar. Era de pouco falar e olhava-me, como que pedindo desculpas. Seus olhos eram repletos de lágrimas e ternura.

Com ele foi que aprendi que o amor tem várias vertentes.

Luiz Medina
Narrar os pequenos acontecimentos do dia
uma lâmpada que queimou
um conceito lógico sobre a fofoca
cheiros e temperos
a salvação da humanidade
se um novo mar abriu
-se em óleo
os erros mais comuns da ortografia
se os pássaros aprenderão a fugir
a ciência chega a tempo
se virão tropas de choque
e colidirão imagens sobre todas as cabeças
o ouro das imagens sobre as cabeças
em um dia comum de pequenos acontecimentos
homens negociam
ideias de enriquecimento
homens como novelos
de uma lã tão tosca

Ana Peluso

 - 70 Poemas . p. 16.Editora Patuá . 2014

apagaram o meu rosto por aqui
(uma cara de fogo e argamassa
com um olho de visgo e de fumaça)
o que fiz com o meu corpo que eu não vi?"

RR
Cada um tem seu limite de fundar uma âncora
uma terra no fundo do mar
pernas pra cima sentindo o mundo
pernas sentindo o mundo
de água
o peso do mundo nos ombros
de ossos, carnes, sistema nervoso
boca aterrada, ouvidos mucos
de areia
cada um tem em seu limite de aterrar a cabeça na areia
seu limite de não voar
daí advém o surto
etimologicamente falando




Ana Peluso .

70 Poemas . p. 26 Editora Patuá . 2014

A GENTE NÃO PRESTA

 (rodrigo madeira)

                    
(MULHER)
Ele não vale nada
Mas no almoço gastamos seu vale
E não presta pra muito
Mas se peço me arruma emprestado

(HOMEM)
Ela vale bem pouco
Nos valemos de suas noitadas
E quem disse que presta?
Mas me empresta pro azar e o cigarro


(MULHER)
Eu não gosto dele
Ele não gosta de mim
Mas a gente dá samba
Mas a gente faz samba
Que fazer solidão é ruim
(HOMEM)
Eu não gosto dela
Ela não gosta de mim
Mas a gente dá samba
Mas a gente faz é samba
Que fazer solidão é ruim


(MULHER)
Ele não me completa
Mas completa o tanque do carro
Ele não me faz falta
Mas faz falta seu corpo enroscado

(HOMEM)
Ela não me faz falta
Mas faz falta seu corpo em meu corpo
Ela não me completa
Mas completa meu copo no Torto


REFRÃO
a menina atravessa a rua
                             
                 eu te fecundaria com um simples pensamento de amor,
                                  ai de mim!
                                  mas ficarás com teu destino.
                       
                                vinicius de moraes

     
      
está gravado numa árvore,
ou leio em bula de remédio,
ou ignoro no aviso do veneno:
esta árvore sem asas, de pedra
faz nas pernas dela
seu ninho de carne indormida.

mas ela não me sabe.

é como se o sol
que súbito nascera em seu lábios
se pusesse agora em suas coxas.
como se a paisagem do fim de tarde
que no jogo teso
                   de tentativa e erro
antes de concluída a noite chegasse
ao lume preto de seus cabelos,
chegasse
também ao susto de seus peitos.
a menina atravessa a rua
como quem caminha para dentro
de sua própria nudez.

ela
pistilo de flor que deflora
mal-me-quer
arroxeado amor-perfeito
no fundo do peito
no canto da razão
no canteiro de pelos.

ela
a grife sem roupas
o arabesco
a tatuagem no osso
uma espécie de murro
outra mordida
               na maçã mordida.
ela,
com botas sete-léguas
atravessando a vida,
não sabe que me atravessa.
(tal o ônibus em que se vai dentro
e atravessa a noite?
tal a rua à noite que atravessa
a cidade em que se perde?)

ela passa, pássaro líquido,
e transborda ao que vejo,
sozinha no coração de tudo quanto vejo,
ela passa...

e se eu –
do alento certo na tristeza,
do chão firme às quimeras –
lhe dissesse como maiakóvski:
deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa?
           
mas nunca ouvirá
o que não lhe digo.

ela passa,
entre carros e gente,
ela passa, pássaro líquido,
contemporânea
                de si mesma.

está gravado numa árvore,
ou leio em bula de remédio,
ou ignoro no aviso do veneno
(no letreiro néon que já se acende
na avenida):

sua pressa, feito uma onda
de impacto,
faz da boca da noite
(solar como a urina)
esta ante-
                aurora
       
Rodrigo Madeira
 

(sol sem pálpebras, 2007)
debaixo do sol
                                                     
                                 escolhe, pois, a vida
                                                 deuteronômio 40,19

      
Como condensar esta luz e jogá-la sobre a pele da página? Como transplantar mil árvores e fazer um bosque num deserto de sal? Como porejar este orvalho que a grama suou na febre verde da madrugada? E como, nas entranhas que partilhamos eu e o domingo, vestir com meu corpo nu a mulher deitada na memória? Como? Como filtrar este azul boquiaberto e banguela e derramá-lo na retina de um cego? E as línguas da luz falando calor e carícia? E o perfume quase venenoso da pitangueira? Como traduzir um cão dormindo? Como reivindicar a autoria da aurora? Como reduzir o horizonte irredutível e com a esferográfica recriar a máquina atordoada de um inseto? Como concorrer todas as palavras para o acidente fabuloso de uma manhã (que amanhã reinventa)? Como me traduzir, contemplativo, agudamente sólido mas dissolvido, esta aventura diária, epopeia de uma página? Como?
Não dá, simplesmente. Talvez fosse melhor que soubesses: amassa esta folha, depõe a caneta e vive.
Não podemos traduzir o dia, a vida. O dia é intraduzível. A vida é intraduzível. Mas a poesia tem o tamanho da vida.
Deixa ao menos que o poema te devolva ao mundo, com teus cinco sentidos e as mãos enormes.

Rodrigo Madeira
                               

(pássaro ruim, 2009)      

fauno


                       
Há um nódulo na quinta-feira. Dizer adeus faz caírem meus cabelos. A verdade é uma lâmpada falha num quarto cheio de moscas, mas a esperança, sobre as águas da febre, tem a pertinácia da cortiça. O tédio é a pior forma de tristeza.
Eis que algo no sol fratura o que somos sob o sol. O dia mija luz nas coisas e fere e fede e ilumina um jardim de absurdos: borboletas com caules, gerânios asmáticos, orquídeas menstruadas, margaridas que suam, lírios que sangram, girassóis cujas corolas são ânus. O sol brilha também sob minha pele.
O ronco dos carros é quase uma fuga de bach. Beatífico, anuncia a metástase de um silêncio. Quando o pôr-do-sol vazar feito um vagaroso sangramento de nariz, haverá um segundo para nos olharmos, e no aço dos ossos florescerão pátinas e tétano, e na medula correrá a seiva elétrica das plantas que não existem.
Com um estetoscópio de marfim, ausculto a parada cardíaca das pedras. Meço a pressão arterial e a solidão da chuva.
Entardeceu. Deito-me sobre as pastagens tauríferas, verde como o escolar de van gogh. Deixo o vento definir meu nome. Se me levanto, é meio-dia: há uma praia caminhada de ninfas que tatuam o sol sobre a pele. (Elas sorriem como o mar, puxando, puxando...)      
À noite, quando se morre mais de uma vez, a alma (esta ficção) faz guarida como um abajur no escuro. Todas as chaves perderam seus dentes, e não importa. Significar algo é brutal como empalhar uma criança.
Estou alegre como quem anda descalço. Estou alegre como quem sobe o telhado. Ouço o sermão das nuvens. Ou me sento à mesa, corto um pedaço do peixe e já não digo nada, a boca cheia de silêncios: quais frutos velhos, as palavras estão abertas sobre a terra. Jogo longe minha flauta. Maré, por exemplo, cognoscível apenas pelo cheiro. As árvores, por meio do voo das aves, conversam entre si na distância imensa.
Respirar é minha única religião.

Rodrigo Madeira
                      

(pássaro ruim, 2009)

o poeta

                                                    
                              escrevo para tornar-me eterno
                       ao mesmo tempo em que me entrego à morte
                           
                                   eu, aos 15-16 anos


é outono – sem lamento – na cabeça do poeta.
folhas caem esturricadas de geada.
o caderno de estudante não me avexa mais.
vou jogá-lo fora mesmo assim. já é tempo de novo.

engraçado quando acentuava
compulsivamente
o pronome tu.
talvez que uma faca em você,
flecha atravessado no assombro de viver. sei lá.

aprendi outros nomes e jeitos de enunciar,
novas oitavas:
imensidade
densidão
arrebóis.

densifloro,
soube com os girassóis:
não há beleza alguma
em estar morto.

a glória não passa de uma fotografia
ou de um poema

 Rodrigo Madeira

(sol sem pálpebras, 2007)