quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Poesia Escapista



Aqui, onde estamos morando,
O lugar não pode ser mais belo.
São duas colinas e, conseqüentemente,
Um vale. Há um rio. E há um lago.
Doutrinas não há, a não ser as do
"Centro Acadêmico Dom Casmurro".
Mas isso é distante.
De manhã vê-se se o céu está claro
Ou nublado.
Previsões só as sobre o decorrer
(Meteorológico) do dia.
Planos — os de ir a pé ou a cavalo
Para o banho diário.
Os temores locais são poucos:
Se a ponte de madeira fica pronta antes
De São João,
Se o leite chegará para o fornecimento
De manteiga.
Não há estação de rádio.
Alguns benefícios do mundo de 60
Nos chegam pela estrada — penicilina,
Tecidos, matérias plásticas,
Adornos pessoais.
Por milagre, ninguém pede jornais.
Mas as mulheres daqui são bem tratadas
E, felizmente, nada naturais.
Muito prazer de corpo, muito ar.
Luz, água, cavalos, muita vida animal.
Definitiva ligação ao essencial.
Poucos temores, poucos riscos.
Muito pouca aflição:
A China é antiga como antigamente
Não há televisão.
Mas vem, de algum recanto sutil,
A informação
E se planta e cresce insuspeitada
Com outro nome que, traduzido,
Um dia será lido.
Pois é com alegria que o menino
Entra pela casa com um cão,
Seu amigo, seu primeiro grande amigo,
E o apresenta: "Papai, ele se chama Desintegração.


[Millôr Fernandes]

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