sábado, 22 de agosto de 2015

Como um objeto pontiagudo,
sinto aqui tua tristeza
e ela é doce e amarga como um penhasco
em noite de procela.
Tal uma gillette enferrujada,
tua insônia me corta a alma em postas
e raspa da superfície branca do papel
todas as palavras
que o vento semeou de madrugada.
Agora eu sei que teus olhos vermelhos
nunca mais me deixarão dormir
e eu não serei mais que um homem condenado
a ser-te estranho. Quando eu disse
que a lua branca enlouquecia,
teu coração se fechou como um punho no meu rosto.
Senti a têmpera do aço de teu corpo
que nunca chegarei a conhecer. Quantos agostos serão necessários
para apagar teus rastros do meu dorso? Quantas chuvas?
Olha, esta ruga foi tu que me fizeste
e estes versos, de intolerável beleza
(pois, menina, eu sou grande como um anjo),
foram escritos à sombra de tuas flores fenecidas.
No entanto, não serei mais poeta,
pois as palavras agora são um fardo.
Serei um homem simples,
sem pretensões,
um homem simples
que volta da panificadora com sete pães francês e um litro de leite desnatado.
(Tornar-se adulto
é celebrar o luto do menino
que nunca mais vai contemplar o sol,
pois, ainda que os seus olhos sejam os meus, o menino já morreu.)
Como um objeto pontiagudo,
sinto aqui tua tristeza
e ela é doce e amarga
como a vida.

Otto Leopoldo Winck

Nenhum comentário: