quarta-feira, 29 de agosto de 2012


Os anos, os meses, os dias
arame farpado no espaço
o espaço rasante neste caos
escombros de um amanhã
cascos nalgum charco.

Aspas deste touro
me seguem todos os passos,
sou aquele que morro
ou aquilo que não faço.

Há um clarim
que perempto
no sopro de cada hora
evoca os rumores
de tudo aquilo que não posso;

sou aquele que morro
ou aquilo que não faço!

Tempo que vivemos
rosa-dos-ventos destruída,
aurora espreitando
numa escarpa lúcida e calcinante.

Nas farpas do sorriso do tempo,
entre espinhos a devorar o novo instante,
exalto: Ó tempo minha escarpa!
-subirei por onde não desço.

Tullio  Sartini

terça-feira, 28 de agosto de 2012

SÓ ISSO


Estou só sob o ceu estrelado polvilhado de pó prateado pensando nos anjos do Senhor pensando quanto ama o amor sentindo o amor do amor que no céu se espalhou feito o ar que entra nas narinas e me dá a vida a vida da vida imensa que nem se acaba onde se pensa de tão maior que é que eu Só mais eu sob o manto do céu da vida Só isso já é dois então nem existe só se só for dizer sozinho e só se deixar ser ser só isso.

Maria José de Menezes

COMIDA CASEIRA


Já falaram do feijão da Dinda Do vatapá da Dadá É tudo bom pra danar Mas a feijoada da Marieta tembém está nesse rol, tem um quê de festa Ela põe um tempero de batuque brasileiro os amigos do marido chegam com violão e pandeiro a couve já picada espera no tabuleiro a hora de ser refogada os pratos postos nas mão de Nicinha (lá do andar de cima) são a voz de alguém cantando como é boa a feijoada da Marieta que põe confete no vinagrete e o que seria azedinho fica gostoso e colorido limão, limonada, caipirinha, que festa a feijoada feijão, arroz e balada Baticum, baticundum, baticum, baticundum

Maria José de Menezes

úmido, escuro e silencioso. Conhece como ninguém escamas de pele humana. Quem entende de intimidades é o ácaro.
Glória Kirinus

AR_ACNE


(para Gloria Kirinus)

ácaros... Ascaris ...

... ósculos de Icaro !

fígaro fígaro
fígaro

... são piolhos primos
maus pela raiz

(Juliano Furtado)

segunda-feira, 27 de agosto de 2012


[4. Sem ramos de oliveira

a invasão de Mar & Cia no litoral,
prolonga-se além dos esperados
150 dias
os pássaros não têm mais onde pousar:

indefinidamente,
seremos feras submarinas]

Daniel Faria,
Desvio para o Vermelho/ treze poetas brasileiros contemporâneos

Ossatura IV


uma bela boca, que carne contra carne apela?
os ombros, que arqueiam ou esquadrinham?
e bundas, barrigas e pernas?
e volumes?
volúpia?
dispamos o pudor
que a gente existe é para revestir os ossos
até que a morte nos convide a despi-los

  Luciana Cañete


*
tão violento
e sempre belo
isso q flora
logo do abismo

é todo risco
e se arrisca
deriva e seiva
e não é lingua

é so a carne
o sangue o riso
isso brutal
q dança nu

e se derrama
hora sim
hora tambem
e se desgasta

?por q não
a cegueira
q abre os olhos
e se propaga

não fosse isso
seria pouco
inda menos
e nada mais
*

Alberto Lins Caldas, 


terça-feira, 21 de agosto de 2012


Cantiga Ocre Demerara


Sofria de falta de importância.
Um dia, acometida de crise aguda, tomou um cafezinho num boteco e sumiu.
Anos depois, um poeta pós-moderno a encontrou e a levou para tomar ar e sol.
Curada da desimportância, ela agora sorria e aplaudia ao ouvir rimbaud
e baudelaire.

E o poeta jamais lhe disse que a encontrara morta, toda encolhida, misturada
com restos de açúcar demerara, dentro de um mísero sachê antigo de bar.





Lilly  Falcão


« seis em ponto
 os lírios
- nem todos! -
em seu canto
benzem as horas
de branco


[a noite medra estrelas
 e reacende os anseios
da imensidão
 no mundo dos homens]


nessa réstia do dia
compete às flores
e às sombras
a tarefa de vigias


: porque viver
- reza a sabedoria -
nunca foi ofício de santos »

  

{lilly falcão/ 'de.lírios&sombras'}

Tem dias que eu dou uma olhadinha pra trás e duas pra frente. Tem semanas que eu fico com um pé atrás e o outro mais ainda. Tem meses que eu nem perco tempo calculando o ano. De cada década que eu conheço há séculos me vem o peso da história nas costas. Daí esse balanço que você pode ler no primeiro comentário e sair fechado comigo ou nem isso.
Antonio Thadeu Wojciechowski

segunda-feira, 20 de agosto de 2012


maria me disse: vou.
maria, eu lhe disse: vem.
só restaram nossos ecos
nossos amores além.
sem maria, eu nunca sou
sem mim, maria é ninguém."

("vou me casar com maria, fragmento, 3", romério rômulo)

os verdes, os seus vermelhos
a sua boca arredia
falo por todos espelhos
na voz de quem atrofia:
amarrem estes silêncios

vou me casar com maria!"

("vou me casar com maria, fragmento, 3", romério rômulo)


Viro à esquerda na Monsenhor Celso vendo a mim e a meu pai no passado saindo da Confeitaria das Famílias, guarda-chuva aberto, a graxa preta nos meus pés a exalar o sabor das longas distâncias, voltando para o carro estacionado há algumas quadras, pisando os paralelepípedos encharcados. Subo a Monsenhor em meio ao intenso odor de mijo. Na esquina um carro de polícia, gigante vaga-lume piscando vermelho na manhã cinzenta. Chego a Praça Tiradentes.
Bom dia, Benjamin Constant, Botelho de Magalhães, bom dia, Tiradentes, Floriano, bom dia, Getúlio Vargas,
escuros homens pomposos salpicadas de branco pela bosta das pombas. Curitiba foi fundada aqui nesta praça. Não olho nenhuma destas estátuas nos olhos. Minha cabeça abaixo da sola de seus pés. Não aprendi a dizer a verdade flagrada pelos olhos dos outros, fitando-os como me ensinou meu pai. Nem sempre os olhos são o melhor lugar para a verdade. Assim como sucede aos oceanos, a verdade independe da cor e profundidade da água. Não sei se cri menos em olhos radiantes de alegria que nos que pediram afogamento. Talvez, imitando a coragem que tive quando criança, na época em que me esforcei nos esportes, em alguns até conquistando relativo destaque, colecionando meia-dúzia de medalhas. Cresci rude feito este pinheiro plantado na praça há mais de setenta anos, durante a Festa da Árvore. Pinheiro, pinheiro, pinheiro que os braços dos homens mais a foice, o machado e o fogo, extensões de sua ambição, fadigavam-se para derrubar. A isso, seguiam-se as queimadas, as araucárias a estalarem qual uma orquestra cantando só dor. No fim, cinzas. Que esplêndido e arrogante espetáculo, o domínio do homem em relação as florestas. Contorno o espaço gradeado onde o chão de vidro expõe o antigo calçamento da cidade de outrora, quando Curitiba ainda era uma aldeia. Mais à frente o Monumento à República com o seu Libertas quae será tamen. E estou nos pés da Catedral. Avanço pela lado esquerdo da igreja, há tapumes de metal com pichações, contorno todo o perímetro do templo, que deve estar em reforma. Do outro lado, o inferno, sete da manhã e o Bar dançante Kaipim ainda agitado, com seus zumbis recendendo a sexo, mastigando cocaína no café da manhã. O fedor de mijo que vem do beco nos fundos da Catedral empesteia o ar. Desço a escadaria, atravesso a galeria. Um cartaz propagandea a peça que está passando no TUC. Em cima da minha cabeça o movimento de ônibus e automóveis é intenso. Subo os degraus, meu joelho reclama. Saio do subsolo no Largo da Ordem, contorno o canteiro e estou nos pontos de ônibus. Espero, cercado pelos murais em azulejo de Poty Lazzarotto: a cidade com suas charretes, suas casa com lambrequins. Poderia ter cortado caminho, vindo por outras ruas, mas faço este percurso para evitar subidas. O meu joelho. O ônibus amarelo chega. Embarco. (fragmento da minha novela nova, Dias nublados, a segunda da minha Trilogia da geada; a primeira é a E se contorce igual a um dragãozinho ferido, publicada pela Arte e Letra).

Luiz Felipe Leprevost

levantados da cama, saídos do susto do sonho para a realidade... foi a moça, ela acordou a todos. e a casa em que está nem lhe pertence. apenas a hospedam, e de favor. que falta de respeito da moça, que traja agora uma anágua rosa da sua mãe morta recente, uma jaqueta do exército, e tem a tesoura de carnes na mão. ninguém ri. (da série rubricas para o dia do ator).

Luiz Felipe Leprevost

são interrompidas por sirenes. ela vai até a janela. um batalhão chegando. volta. ela dá um tiro na barriga de Supermecado. daí anda de um lado para o outro. não sabe o que fazer. volta, dá mais dois tiros nela. algum tempo se passa. as duas imóveis. Supermercado sangra:
água... água...
ela vai até os fundos do corredor e volta com um litro de Ouro Fino. abre a garrafa e ajuda Supermercado beber. depois vai até a janela novamente. volta. a polícia já está entrando. não há tempo para negociações. estouram a porta da frente. e ela dá mais dois tiros em Supermercado. a polícia invade. ela dispara ferozmente contra os homens fardados. fica sem munição. abre os braços. é metralhada. está sorrindo. (da série rubricas para o dia do ator)
Pedras com lama sobre as pedras. E uma bota de borracha azul, isso, caída na lama. A lama, é, a lama entrando no cano da bota. Não é possível dizer se é o pé esquerdo ou se é o pé direito da bota o que ali está. Ou melhor, é o pé esquerdo. Isso, o pé esquerdo. E está no lado esquerdo da, vamos chamar assim, cena. Já no lado direito da, isso, está o pé direito da bota. O que tem de diferente agora é que nessa parte da, isso, nesse lado não há lama. É, a lama do lado direito da, já está seca. E, uau, o pé direito da bota está sendo mastigado. Um javali? Não, não pode ser. Ops, pode sim. O pé direito da bota está sendo mastigado por um javali. E... deixa eu aproximar os olhos... Caralho, atrás do javali, ossos... Meu Deus, ossos, talvez nem isso mais, só o que restou do Sr. Lincon. (da série rubricas para o dia dos atores)

Luiz Felipe Leprevost

entrei nas pernas com uma baiana. derrubei o cara. ele me colocou na guarda. passei a guarda. comecei a estrangular. ele conseguiu se safar. foi pra minhas costas. encaixou um mata-leão. escorreguei dali. nem sei bem como apliquei minha melhor chave de perna. ele se safou de novo. então fui pra cima. ele me colocou na meia guarda. tentou me apagar com um triangulo mal colocado. ali mesmo comecei a enfiar uns socos no nariz. fiz o filho da mãe cuspir o protetor. comecei a estrangular o pescoço outra vez. daí ele me beijou... na boca. (da série monólogos para o dia do ator)

Luiz Felipe Leprevost
a maneira besta como o meliante morre. a gente vem acompanhando o destino do narrador. mas é o do bandidinho que muda violentamente, num golpe de azar que ele mesmo procura, e acha. e a epifania do final, golpe de mestre. é claro, o narrador está diferente: há um homem transtornado diante da garota que pela primeira vez o enxerga. é um homem túrbido que se a aparência não revela, o que ele exala, sim. (da série rubricas para o dia do ator)

Luiz Felipe  Leprevost

canibalismo


limpo todo quarto a procura do meu vício:
você em três por quatro, quatro notas deste disco.
só encontro roupas espalhadas feito lama,
bichos implorando uma noite em minha cama,
meu corpo em pedaços quentes servido vivo,
restos da minha alma jogados no lixo.
preparo a minha dose de conhaque com limão,
me espalho por osmose nos botecos de plantão,
me entrego a toda dama "mais ou menos" que aparece
num prato com tempero de suor e sacanagem:
a boca livre do bar sou eu, por que não?
guria, coma o pedaço que é seu deste meu coração,
mas não me deixe aqui
em coma numa cama estranha.
escute enfim
meu rock'n'roll sem fazer drama.
guria, coma o que é seu de uma vez
e engula esta manha.

 Alexandre França, 

ainda é inverno -
na explosão roxa dos ipês
prenúncio de primavera

VaniaGondim


Existência


nossa existência é isto
somos deuses com as roupas de um final de domingo.
um garoto que se perde deliberadamente da mãe.
o espaço onde um dia viveu a civilização asteca
a retrospectiva 2012 e todas as outras retrospectivas
... que já esquecemos
a nossa falta de meta e a nossa próxima parada
a morte escrevendo uma parte da criação.
uma única e infinita explosão
sem qualquer compromisso com a verdade.

terça-feira, 14 de agosto de 2012


EX-CRAVO, ESCREVO...



A musa quando me usa
Me ativa como cativo,
Um serviçal obtuso,
Um apaixonado de ofício.
Eu me dôo todo por ela,
A bela que me escraviza.
Eu me dôo todo à ela,
Tentando mostrar serviço.
Mas sei que sempre me esnoba
E me rouba a alma e o viço.
Me deixa pedindo esmolas,
Me imola num sacrifício...


Altair de Oliveira - In- O Lento Alento
***
Para ver mais:  http://poetaaltairdeoliveira.blogspot.com.br/


Da andança prazerosa


(2009)

Ontem quis mais minha presença e menos presentes.

Nada de carro pra não saber onde estacionar. Com meus dois suficientes pés movimentei meu corpo por aí... Nada de sentar em frente a esse pc. Com meus dois suficientes olhos movimentei minha visão por aí... Nada de sair gastando dinheiro alheio ou meu (ir)responsavelmente. Com meus dois suficientes braços movimentei meu tronco por aí...

Ontem quis pouco mais que o cachecol esquentando meu pescoço ao sol.

Em uma loja da Marechal Deodoro tinham vários caras assistindo o Lucio driblar atacante e tirar de calcanhar, Maicon dar meia-lua e Robinho fazer dançar os ianques. Fiquei meia hora com esses brasileiros desconhecidos vendo os ilustres conhecidos.

 Getulio Guerra

soneto de mim


quando a chuva cai na terra, sou eu
tudo que fui: espada, chaga e escudo
tudo que serei: mundo menos eu
olhos que não mais despertam no escuro

quando a chuva cai na terra, sou eu
tudo que fui: canto, lâmina e azul
tudo que serei: trans-lúcido orfeu
na árdua descida, solitário e nu

o sol sem pálpebras que burilei
encegueceu-me por rumos que eu quis
estes retalhos todos que enverguei
são versos que me luzem por um triz

e de repente, aturdido, sou quase
nitidez que se descobriu miragem

  Rodrigo Madeira

sábado, 4 de agosto de 2012

me declaro cavalo e pecador
desatado de um corpo penitente.

qualquer dia me caso por amor."

("me declaro, 1, fragmento", romério rômulo)