segunda-feira, 31 de dezembro de 2018


se eu me manchar de palavras
o que sobra do texto?
meu raro entrave?
minha alquimia?
meu passado andaluz?

quando posso saber
se a palavra é nada?"
RR


maria me disse: vou!
maria, eu lhe disse, vem!
só restaram nossos ecos
nossos amores além.

sem maria, eu nunca sou.
sem mim, maria é ninguém."

RR


estive perdido entre os hospitais do peito
e as rodoviárias cansadas que construímos com socos
outrora desviados com maestria samurai

estive perdido, mas este labirinto se voltara
contra as coisas todas que se dizem eternas
conversas de bar e prontuários
de pacientes desenganados
sem mesmo uma qualquer família para oferecer
assuntos fúteis no meio do funeral

eu até pensei que havia encontrado o amor na renúncia
alta floresta de homens sozinhos
noite selvagem cigarros ciganos burgueses
e eu sem denúncia corri para dentro do que chamam ausência
e até pensei que lá estaria
o que tanto tememos mas era pecado falar com estranhos
era pecado sorrir pros vizinhos

estive doente isolado no quarto dos fundos
nenhum telefonema nenhuma promessa
que fosse mentira que fosse por pena
ritos distantes ecoavam, noturnos
e eu em culpa e eu em medo
na maca nos trilhos ou
frente ao pelotão de fuzilamento
sabia pouco sobre náufragos
e procurava âncora nas pequenas ruínas

eu até pensei que estivesse de volta ao lugar mais feliz
que já estive um dia mas não encontrei meu cão vivo
nem sequer espanto sobre a mobília gasta do ano que nasci
tampouco a mão de meu pai devastar a minha
quando o mundo se oferecia outro
era uma clara armadilha de meus olhos
que jamais cansam de inventar o próximo não

Ithalo  Furtado


Reinauguração




Entre o gasto dezembro e o florido janeiro,
Entre a desmistificação e a expectativa,
Tornamos a acreditar, a ser bons meninos,
E como bons meninos reclamamos
A graça dos presentes coloridos.
Nossa idade – velho ou moço – pouco importa.
Importa é nos sentirmos vivos
E alvoroçados mais uma vez, e revestidos de beleza,
A exata beleza que vem dos gestos espontâneos
E do profundo instinto de subsistir
Enquanto as coisas em redor se derretem e somem
Como nuvens errantes no universo estável.
Prosseguimos. Reinauguramos. Abrimos os olhos gulosos
A um sol diferente que nos acorda para os
Descobrimentos.
Esta é a magia do tempo.
Esta é a colheita particular
Que se exprime no cálido abraço e no beijo comungante,
No acreditar da vida e na doação de vivê-la
Em perpétua procura e perpétua criação.
E já não somos apenas finitos e sós.
Somos uma fraternidade, um território, um país
Que começa outra vez no canto do galo de 1º de janeiro
e desenvolve na luz o seu frágil projeto de felicidade
*
*

Carlos Drummond de Andrade

novo ano



para Ingrid Morandian



novo ano
já que é para dizer, então digamos
que nos alimentemos
de comida e amor
pois o ano terá que ser (será)
de luta, minha querida
de força, minha querida
e poesia, minha querida

pois que o ano
quaisquer anos
terá que ter (terá)
muita luta, minha querida
teremos que nos transformar
(nos transformaremos)
em força, minha querida
em paciência, em revolta
não poderemos ser (não seremos)
resignados, incautos, despreparados
teremos que ser duros, querida (seremos)
sem nunca deixar de ser (não deixaremos de ser)
ternos, continuaremos a ser ternos

teremos que amar, minha querida,
e amaremos
seremos, nós, a Poesia

-
Claudinei 'Urso' Vieira



canto e folio

se desequilibro
é que o mundo é
rodopio bruto

novo ano
levanto e luto

(poema da Juliana Meira, do livro Na língua da manhã silêncio e sal, 2017, Modelo de Nuvem)

o ano


o ano
numa bola de pano
o insano
bichano
dos meus sonhos
arranhando os móveis

silêncio quem nem se move

a mola
a bola de neve
a assolar de leve
a solidão.

duas luas atrás
eu lavava destinos
na palma da mão

hoje encero o chão
dos meus desafetos
e desejo que se passe reto
a régua.
légua e meia daqui
tudo já esqueci
e o que ficou,
só ficou porque foi meu.

Lázara Papandrea


o que fazer do riso que te lambe?
o que viver da carne que te entorna?

como morrer se a tarde é um bolero?"
RR

Cântico dos virtuoses




Quisera, e porque mais
Cais, porto e sol
Dês-lhes sóis

Navega sangue ao luar
Do enredo.

O medo o faz voar
Para casa, escrita.

Vocifera contra genitálias
Solícitas, tramando
Estória bonita.

Elevo, sem par

Ao sol dos meus
Olhos castanhos cor
De mel, um porfiar
Vagar o roteiro

Demonstrar que sei
Que nada sei, e vou
Vão, verbo.

Penumbra do ser, abrigo
Jaz um patamar literário

De produção.
ACM

Medium



 ·
eu até pensei que havia encontrado o amor na renúncia
alta floresta de homens sozinhos
noite selvagem cigarros ciganos burgueses
e eu sem denúncia corri para dentro do que chamam ausência
e até pensei que lá estaria
o que tanto tememos mas era pecado falar com estranhos
era pecado sorrir pros vizinhos

Ithalo Furtado


Ego cogito




Anelando atenção,
Na contra-mão da História.
Estavam, eu não.
Sim, eu

No breu do itinerário
Um gozo literário, refém
De cem, de sol.

Cada vez, lógica tão!
Que cacologia hermética
Insinuaria o botão.

Elevo meus ais, nada mais.

Sem esperar compreensão.

Dissuadido de lá,
Fá, mi, ré, dó.

Doente de amor, no leito
Dos sonhos reais.

Projeto felizes finais.
Algoritmo da mente

Reverbero a dor, também.

Com a classe dos meus
Originais,

Que se doam pelo mar,
Ufanar o estrume da

Existência

Lograr ciência.
Sal e luz,

Aos porcos das letras
Ancestrais.

Sou póstumo para
Esta geração.

ACM

AGENDA



Deixa-me dizer
dessa tenda púrpura
sobre o teu nome,
onde os cavalos bebem
do teu sangue.

Deixa-me remir
teu choro à capela,
entre as rosas de pólvora
e o parto das cadelas.

Sem alarde,
teus átomos demitidos
são teu anti-market --.

agora que blasfemas
com as vestes rotas,
enquanto te agendam
o ontem --
e a poeira do nada.

SALGADO MARANHÃO

Balada pedante




Não pelo léxico,
Nem pelos trevos
Ou pelo enlevo
Sinal

Julgue alexandrinos,
Pop art, parnaso, clichê,
Recalque, decalque,
Tira de jornal.

Denoto o lodo dos
Bobos com menos que
Menos ao castiçal.

Não ufano, não plano,
Leio os clássicos,
Voo voos práticos
Nada mais.

A mensagem subsiste,
A mensagem não é triste,
Nem parcial.

Sou afeito a epopeias,
Nem por isso travisto
E revisto, se benquisto,
Rapsodo, os ideais.

Minha rima é tropical,
Sim,
Sobrevivo, intelectual.

Impertenço ao que
Não pertence, educado em horror
Mitologia
Ciência,
Cadência, sabedoria,
Behaviorismo, notícias chatas
Gente pseudo beata
Arrotando graça
Para longe dos seus quintais.

Diante disso não velo,
Não espero, não me admiro,
Não infiro,
Não vivo

A vida dos meus iguais.

Quiçá

Dos que se vão,
Ao chão, sem asas,

Genuínas ou artificiais.
ACM

domingo, 30 de dezembro de 2018


   
De onde vem esse conluio de pássaros?
Volúpia de vozes se arrastando em transe
a febre em delirium tremens
salão sem chão da loucura;
rumor que escorre entre as dobras,
fendas de ventos e búzios;
os espaços devorados pelos incêndios do verbo
que encurta os passos da culpa;
o medo que nunca adestra sua matilha de gritos
vociferando latidos às escâncaras da noite...
Para onde vão essas asas?

Wender Montenegro


A porta do sol da gran via
Conduz o urso às fontes

Marcho ronceiro ao palácio
Enquanto Quixote me resguarda
das portas da cidade

Lugarejo de vanguarda
Mãe das águas de Goya

Paulo Prates Jr

Contágio poético


  

Contágio poético 
Palavras sem pacto
impacto de golpe
no plexo solar.

Revolvem sensações
entranhas
num estranhamento
em trevaluz.

Poevíscera
virtude & vício
alimento
virulento & vital.

                                              
 Ricardo Mainieri

Lágrima chega indo embora.
Quando nos olhos não há cabimento.
Novela, gêmeos, gol, catapora,
raiva, perdão, canção,casamento,

culpa, entorce, milagre, penhora,
medalha, câncer, ladrão, invento,
cachorro, miséria, mi'a senhora,
cárie, fome, domingo sangrento.

Antes de beijar o chão, evapora;
e mais me vale chorar por dentro
- o tempo todo, a toda hora -
a beleza e a dor de cada momento.

Quero navegar aonde a lágrima mora
antes de ser acontecimento -
"Pequenos lagos?", perguntou outrora
Pablo Neruda a seu pensamento.


Cidadão das nuvens
Renato Silva



Enquanto tanto amor domina a cena
E nada mais se pode imaginar
Além do que pudesse e me serena
Sentindo esta vontade de ficar

Palavra que deveras nos condena
A luta quando deva imaginar
Não trace nem sequer a sorte amena
Que tanto inda vivesse a se mostrar.

Nas tramas mais sutis do amor sincero
No encanto que desejo, na luz que eu quero,
O verso se aprofunda e traça ao fim

O mundo desenhado sem rancores
Seguindo cada passo aonde fores
Retorno neste instante dentro em mim...


Marcos Loures

RECUSA ÉPICA



Não quero ser épico
homens são pequenos
demais.

Heróis atuais
tem superpoderes.

Porém
as lutas se travam
no mundo da ficção.

Para a Grécia: Homero.

Para nossos dias
o mero homem comum.            

                                              
Ricardo Mainieri             

CROSSROADS



Um dia, numa encruzilhada (porque essas coisas são sempre numa encruzilhada), topei com o diabo. Não tinha chifre, nem rabo, nem cheirava a enxofre. Pelo contrário, era uma linda figura andrógina, vestido muito elegantemente. Diríamos um dandy.
Deus me mandou jogar sua sorte, ele disse.
Pensei que andavam brigados...
Isso é lenda. Somos parceiros. As coisas que não dão certo eu assumo a culpa. E a fama.
Tá, e esse lance de jogar minha sorte?
Eu vou jogar essa moeda. Se der cara, você será feliz. Grana, mulheres, sucesso. Se der coroa, você vai ser um outro Dostoiévski.
Porra, não tem um meio termo?
Sem me responder, ele lançou a moeda. Depois de descrever voltas no ar, ela caiu. De pé.
Que significa isso?, eu perguntei. Vou ser os dois?
Não, ele respondeu, com um sorriso entre os dentes. Você não vai ser nem um nem outro.

* * *

E desde então eu não faço outra coisa, senão escrever esses contos merreca em guardanapos de papel. Não preciso nem explicar que ando sem um puto no bolso.

Otto Leopoldo Winck

CONLUIO



Deus das terras ofendidas, das montanhas abandonadas,
dos tributos que converteram o refúgio em tempestade.
Deus das flores rasgadas, das tribos afastadas de seus avós,
do pasto que perdeu suas sementes para outras esferas.
Em uma próxima geração ressurgem todos os erros.
O poderoso domínio da ansiedade não tarda muito,
nada o impede de converter vigias, arautos e carpideiras.
O dia é testemunho de um milagre humilhado,
de um pomar que não se reconhece em seus filhos,
de uma falsa viagem que nos reconforta por repetir-se.
Deus que a todo instante não se cansa de multiplicar-se,
deixemos um pouco de rastro em cada sofrimento,
para que não sejamos sempre as mesmas vítimas gastas.


 Floriano Martins

in  365 POEMAS & FOTOS | 361





"Minha Arte"




a qua (se tudo,
é dada)
e qua (se tudo,
é nada)

e quan (do tudo,
é tida)
e quan (do tudo,
é lida)

enquan (to da
arte é)
enquan (to da
vida é)

a qua (se nada,
é mito)
e qua (se nada,
é dito)

Adriano Nunes               




Encontro restos meus pelo caminho
E vou acumulando desenganos
E nisto remendando velhos panos
Eu possa ser talvez menos mesquinho,

E quando noutro encanto em vão me aninho,
Os erros cometidos, tantos danos,
Mudando num momento os rotos planos
Traçando invés da rosa o ledo espinho,

Jamais imaginasse ser assim,
O início não demonstra o que há no fim,
As curvas e lombadas desta estrada

Que a vida transformara em tortuosa
Somente uma verdade vaporosa
Restando no final apenas nada...

Marcos Loures

Então eu disse: noite.
E a lua luziu nas tuas pupilas.
Terra. E teus braços se confundiram com as árvores.
Como um aboio, me chegaram as lembranças remotas.
Eu tive ódio das coisas
porque elas passam. E pena dos pássaros
porque eles são breves.
Na verdade eu preservei,
num baú chamado saudade,
um rosário de contas da infância.
Toda vez que a vergonha me cora,
eu saco uma reza, um chaveiro, um relógio quebrado.
A memória é um país para onde voltamos
quando chove a cântaros. E o tempo é um espaço
onde é bom se perder.
Tenho dois medos na vida
(o medo é um canto):
não te identificar
quando voltares da rua na última tarde;
desconhecer-me quando fitar no espelho meu último olhar.
Então eu disse: noite,
terra estrangeira, suspiro de pomba, rastro de áspide.
E tudo se refez intacto. E no fundo da escuridão antediluviana
eu reconheci os meus olhos
nas tuas pupilas insones.

Otto Leopoldo Winck


"Nunca,
tão poucos,
em tão pouco tempo,
com tanta violência,
e tamanha ignorância,
prejudicaram tanta gente
e destruíram todo um país."

Ulysses Ferraz

SEM ANTES





A avó veio buscar comida, antes que o sol
parasse de latejar. O sangue da avó
não parava de chegar, e permanecia rascunhando
na pedra os animais do presságio.
A avó mantinha a cabeça sempre para frente,
e abençoava os farrapos que resistiam a apodrecer.
Um dia ensinava canto às corujas. E logo
ressuscitava o encanto das alegorias sacrificadas.
Treze crianças continuavam dançando
enquanto o mistério passava de mão em mão.
O que a avó teria entalhado em sua face,
para que dali não saíssemos jamais?
Que engendro terá deixado passar sem antes
acentuar seus fulgores na pedra de seu coração?
A avó sempre nos dizia que o mundo precário
afugenta os milagres e crê no perdão.

Floriano Martins


Meu conforto



Duas luas gêmeas, os teus seios, prata branca. Jóia pálida de alva rara que finda as minhas noites abismais, quando não há sonhos no meu leito estreito. Desejo. E o pensamento comedido no caudal de prazeres fecundos é tanto, que os teus úberes abundantes rubejam, pois, de vergonha e deleite, coram diante de êxtase tão febril e casto.
Feitos. Tatos de pureza tantos e tão sóbrios gestos à feição singela, que o mais alto aos teus pés reclina, reverencia a tua feitura, filha de Deus.
Só de possuir a tua imagem, só de memorá-la, posso cobrar o fruto de ouro da árvore de um místico jardim. Sou herói divinizado, deus decaído regressando à morada da imortalidade, dantesca aventura, viagem d’alma, na blindagem do corpo.
Essa febre de pele desnuda que só o teu colo refrescaria daria sentido à existência, em tudo o teu bálsamo derramarias, para a cura de todo esse mal. Mas como é larga e confortável a solidão neste colchão.

Fabio Freire

ROMANCE




O livro espera ser lido.
A face espera a carícia.
Na gaveta do seu exílio,
O livro é um todo ouvido.

Os dedos vêm sensualmente.
Letras gozam inundadas.
Do papel, bestas e fadas,
Invadem confins da mente.

Dos grafismos para os olhos.
Do verso para os ouvidos.
Neurônios ganham sentidos,
Santa imaginação inglória.

Cílios marejam nas frases.
O espaço dura todo ato.
Livro renasce imediato,
Estória e prosperidades.

 Eduardo Ribeiro Toledo

Sem compromisso!...


                

Eu morro todo dia sem ter hora,
Sem dever de salvar, à eternidade,
Um sorriso ou um choro, vida afora,
Morrendo sem nenhuma enfermidade.

Morro mais quando a dor engasga a fome
De vida que eu engulo e não reclamo.
Morro menos de amor, e me consome,
A morte amar a vida mais que eu amo.

Em mim tudo o que vive é diferente
Dessa paixão que a morte vive a vida
E o meu peito alimenta docemente.

Intriga-me, por Deus! Injusta a lida
Da vida, a me querer só parcialmente
E, inteira, dar-se à morte constrangida.

Canoas/RS

                                              
Eliane Triska

A Epopéia de Denise (Caixa de Pandora)

   
Como se começa uma história?
Algo que pode ter acontecido!
E se a mesma não existe na memória
Posto que é um fictício ocorrido!

Denise caminha em uma praia
Mesmo que o sol não raia
Sua alegria insiste.

Se depara com uma caixa
Um baú velho e pequeno
O abre, deixando escapar um veneno.

A caixa...

Dentro havia um sonho
Remeteu-a a outros lugares
Voava por entre vales
Sentia na face leve brisa gélida.

Se despiu de todos os seus disfarces
Reviu todos que já se foram
Todos que por ela eram amados
E eles por ela.

Viu a morte! Passou tão rápida e inexpressiva que na verdade poderia se tratar de uma nuvem negra!
Nuvem pequena e inútil...
Dessas que não fazem chuva
Mas dependendo do ponto de vista
Pode fazer sombra
Tirando o reinado do sol.

Voou sobre a ilha de Páscoa
Sorriu para seus mistérios
Atravessou alguns deltas de rios
Do Parnaíba ao Nilo.

Ao anoitecer viu Paris
Sentiu seus perfumes
Por um momento os odores a levaram a campos
Como se estivessem presos a uma redoma de vidro.

Foi testemunha do nascimento de uma pequena aldeia
África
Os lugares voltavam no tempo
Homens pré-históricos surgiam em grupos
Perseguiam mamutes
Comiam com as mãos
Descobrindo o fogo
Violência e pretensão.

Ninguém podia vê-la
Sequer podia ouvi-la
Mas tantas coisas para dizer...
Ensinar e aprender.

Por fim tudo foi simplificado a um só casal de humanos
Pode ver tanta coisa
Estar em tantos lugares
Mas ao retornar desse sonho tão real
Uma realidade maior a esperava.

Ela não pode encontrar quem seria prioritário,
Quem responderia suas recentes e antigas perguntas,
Que a acolheria, lhe daria afagos e força,
Quem a conhecia como ninguém...

Ela mesma!

 André Anlub

                

Horizontalidade


Busco na janela
um sol que me acorde.
Ando deitado a não querer
abrir os meus olhos.
Deliro na penumbra
que surge da escuridão
como ilusão fantasmagórica.
Nos tentos de alguns raios
um pouco de glória,
mas é lento
o meu despertar
desta morte alegórica.
Neste dormitório
ando cansado,
deixo estar,
quero apenas a praia
e o mar...
e coca-cola.
Sono cheio de repertório.
Sonho tanto
que não se dá conta
a fronha do meu travesseiro
onde minha cabeça
atola.
Sensação meio hipnótica.
Distração da vontade
de querer se levantar
a robótica
minha metade.
Desejo
e bocejo
e nada mais vejo
a não ser camas
esteiras e redes.
Algumas palmeiras,
uns coqueiros
inclinadamente.
É minha preguiça
espreguiçada
horizontalmente!


 Paulo Henrique Frias  
                

Portão 7



Acompanho você com o olhar
Acabou de entrar pelo portão sete
tem o semblante cansado, sigo-o com o olhar
De repente some
Sento para escrever isto
Só para você saber que penso em você
Do meu lado no outro banco tem
uma mãe amamentando uma criança
É agosto de 2011, e eu espero que você retorne
Tomara que não demore
A noite passada foi uma noite bonita
Conversamos bastante
Contamos um pouco de nós dois
depois exaustos nos calamos
E depois, você foi sumindo vagarosamente através do chão da sala
Como sombras da noite se misturando com a claridade da tela
Ate amanhã!

Marcia lailin                     


Diálogo monológico comum louco

        

Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há trinta anos em mim,
Roubada de algum infindável e inefável
Verso escuro do Universo,
Está seca, no fundo da vasilha.

Porém, ambas são infinitas,
Como o âmbar das baleias
Para os economistas japoneses...

Minhas lágrimas são de mitos solidamente reais
E de realidades imaginadas
Por redes neuronais americanas
Alimentadas por solidário sarcasmo coreano.

Meus pesadelos têm capa de sonho.
Por isso, nem eu mesmo me digno a pesquisar
Essas páginas amareladas
Que compõem meus pensamentos,
Meus pobres pensamentos
Que agora são comida
Das Traças dos Sentidos...

O tratamento futuro emudece e se amorna,
Enquanto o horror toma a incrível forma
De um câncer cordial de lorde inglês.
E é por isso que, agora, emociono-me até ao ver
O Jornal Nacional
E ando a achar sentidos até na mais sensata estupidez,
Como quem ri da piada da televisão,
Enquanto a função mute está ativada
E os olhos virados para o vaso em cima da mesa...

Minha loucura tira nota dez no colégio.
Sequei.

Sei como conduzir a vida,
Mas não tenho carro.
Esqueci a direção,
Não tenho direção para apoiar
As emoções e as mãos
E meus pés continuam teimando em pisar
O escarro e o barro
De estradas esquecidas por asfaltos.

Prefeitos e respeitos com ares rarefeitos
Continuam vindo do alto.
Porém, aqui em baixo,
Na Idade Média da minha Viamão,
Meu mundo ainda continua desfeito,
Sempre vivendo o mesmo fim...

E o mal estar prega-me peças no crânio
Com pregos de 18 polegadas!

Também concordo contigo, meu amigo:
Se pudesse conscientemente confundir o joio com o trigo
E endoidecesse deveras...
Seria só mais um ninguém que é só mais um alguém
Dentro de um quarto,
Ocupando um lugar e um momento
No espaço e no tempo,
Embora esteja em outro momento e em outro lugar
Misteriosamente fora do tempo e do espaço,
Jogando Texas hold’em com as divindades...

Mas não: eu também moro no apartamento do Entre,
Nos espaços que formam os espaços
E vivo a vida naquele momento metafísico
Entre as passagens dos segundos.

Somos dois internados em manicômios sem manicômios
Mas tu, pelo menos, tinha tu em heterônimos...
Enquanto eu, eu só tenho sociedades anônimas
No meu cérebro...
E como queria que fosses nosso acionista majoritário!

Não preciso de geladeira para meu sorvete cerebral,
Resolvo equações matemáticas na praça da cidade,
Não reconheço mais a música da moda,
Mas visto as mesmas calças jeans que os outros.

Também durmo e sonho desperto
E minha loucura também é feita
De paradoxos semânticos.

Mas não invoco a pena da velha casa
Nem da infância.
Pois ela ainda está aqui, cercando-me,
E eu já era louco, ainda que não soubesse.

Mesmo que tivesse tido religião ─ como de fato tive! ─ ,
Não teria tido realmente religião,
Porque o pensamento puro não tem nada,
Não sabe nem mesmo sua própria biologia.

Por isso que nenhum manipanso conseguiria
Ajudar-me: nem Jesus, nem Zeus,
Nem Amaterasu Oomikâmi,
Nem a humanidade, nem aquele estranho mito
Daquele deus antromomórfico vindo de África...
Não vejo mais nenhuma divindade nem naquilo em que sê crê...!

Mas o tudo ainda é, sim, o que pensamos de tudo
E é por isso que eu sempre repinto, todos os dias,
Meu coração de vidro, que nem o teu e o do Sérgio Sampaio!

André de Castro

MOVEDIÇO




meu jazz
é azul
baixo no compasso
guitarra no blues
ávida de estrelas
procuro a luz
é noite
a lua é cheia
pés na areia
enquanto
meus olhos
passeiam no escuro
nus

(Cristina Desouza)         


Íntimo do medo


Íntimo do medo
(e não avesso a ele)
o rosto indecifrável sequer denuncia
a tropa de cavalaria
que lhe sacode o peito.
Enquanto as mãos,
na exposição do argumento,
tremem visivelmente,
ele permanece sereno, pousado
(gota de orvalho sobre a agulha do pinheiro)
no momento presente.
Daí o seu poder deriva:
de não querer domar a coisa viva,
mas cavalgá-la com graça
(o corpo não se opõe ao desejo).
Ele é dono do seu medo,
e o abraça.

 CLAUDIA ROQUETTE-PINTO


CAMINHAR CONTRA A TORRENTE




Devemos caminhar contra a torrente
E nisto cada passo se apresente
Na força que jamais nos conteria,
Ousando acreditar nesta utopia.

A luta que se mostre persistente
O medo noutro engodo em dor consente
E marca com terror o dia a dia,
Negando o quanto mesmo caberia,

Reassumindo o fato de ser teu
O manto no final apodreceu
E o corte se expressando sem ter cura,

A vida noutro tom já nos procura
Deixando para trás o que valeu
Bebendo em avidez, farta loucura.

 Marcos Loures 



poeta envolto em manta
coração boceja de fome
poesia não veio pra janta



Evandro Souza Gomes 

HOJE



Hoje eu quero me esconder,
Quem sabe atrás de um pequeno verso,
Buscar uma rima perfeita
Que faça sentido na minha vida,
Enquanto espero a claridade surgir.

Hoje eu quero me esconder,
Nas sombras de um poema,
Esperando a tarde surgir
Naquelas rimas alegres,
Enquanto roubo sensações e amor.

Hoje eu quero me dedicar a vida
Levando amor onde encontro a dor,
Mostrar as coisas simples da vida
A criança sorrindo, o amor acontecendo.
Enquanto eu não acordo desse sonho poema.

Hoje eu quero um afago, um abraço apertado,
Que me envolva em um laço
Deixando longe a melancolia
Hoje eu quero ser feliz, e voltar a ser feliz,
Todos os dias.

[Betânia Uchôa]

INCORPORAR A MORTE



Incorporar a morte
é como integrar o lado de fora no dentro da gente
ou então assimilar o silêncio de Pascal
no burburinho de um supermercado.
Incorporar a morte é mastigar cacos do caos,
ferindo as gengivas de um rubro de vida vivida.
Incorporar a morte não é invocar ou evocar espíritos.
A morte não é espírito.
A morte é uma coisa grave e dura
como uma pedra na algibeira da consciência. A morte é incontornável:
árvore caída no meio da rua
depois de um temporal. Úlcera
que vai crescendo e devorando os livros da biblioteca.
Incorporar a morte
é teimar em viver, teimar em estar ainda aqui
depois que os convidados começaram a partir.
Beber um vermute
é incorporar a morte.
Pensar na cicatriz da coxa de Ulisses é incorporar a morte.
Rir, chorar, beber, defecar, lanhar a carne
nos exercícios diários da vida
é incorporar a morte.
Assim a morte vira corpo no corpo da gente.
E quando chegar a hora do parto,
quando chegar a hora de quebrar o último copo,
expelir a morte não será problema.
Será, isso sim, como tirar a poeira
do ser. Como abrir os olhos ainda uma vez
e ver que o mundo, apesar de tudo,
foi um aprazível lugar.

Otto Leopoldo Winck

DO QUE EU PRECISO



NALDOVELHO

Preciso da veemência
que tuas palavras revelam,
da urgência despudorada dos teus versos,
das tuas rimas viscerais e indecentes;
preciso da contundência do teu verbo
a criar imagens em minha mente.

Preciso que me leves ao delírio,
pois no bater de um coração afrontado
eu redescubro a magia que existe em mim.
Preciso habitar tuas entranhas
para que eu possa me sentir
caça abatida pelos teus dentes.

Preciso sentir tuas presas
cravadas em minha carne quente
e tuas garras a arranhar minha pele.
Preciso não mais carecer
do silêncio das madrugadas,
preciso adormecer em teus braços
e acordar como se tu fosses a hospedeira,

Preciso sentir o teu hálito,
te sentir por inteira
e em teus lábios sorver a peçonha.
Preciso morrer de paixão,
para depois renascer poesia,
palavras obscenas que brotem de tua mão.



Arqueologia



Eu, a ossatura de um pássaro
e o inferno de Dante
precisamos nos calar.
Etimologicamente
algo nos toca
à raiz, e descendemos.
Pretensão, pilhéria
voo desconstruído.
No fastígio
das duras constatações
há um reclame
de incenso.
Negar o vapor, negar a luz.

Roberta Tostes Daniel

In: "Uma casa perto de um vulcão" [Editora Patuá, 2018],

Manequim de almas


(o nascimento do teatro e sua magia)



Houve um homem franzino e descontente,
Por ter a alma imprópria, só, vivia
Um delirante tédio em meio a gente
Que o desprezo por ele consentia.


Por tudo contrariado, quis vestir-se
Com outra alma que não fosse a sua;
Subiu num palco, e para quem o ouvisse:
- Preciso de outra para andar à rua!


O povo lhe entregou alma melhor...
Suspiros: - Nunca mais serei um pouco!
Usou-a... Mais usou-a e já de cor,
Insatisfeito, volta à rua, louco.


Aos berros, implorou: - Quero outras almas!
_ Deixo a minha em confiança e garantia!
A multidão, em risos, ia às palmas,
Mas jamais alma alguma lhe servia...

Canoas/RS

Eliane Triska

sábado, 29 de dezembro de 2018

Navidad en los Andes


Ciro Alegría

Marcabal Grande, hacienda de mi familia, queda en una de las postreras estribaciones de los Andes, lindando con el río Marañón. Compónenla cerros enhiestos y valles profundos. Las frías alturas azulean de rocas desnudas. Las faldas y llanadas propicias verdean de sembríos, donde hay gente que labre, pues lo demás es soledad de naturaleza silvestre. En los valles aroman el café, el cacao y otros cultivos tropicales, a retazos, porque luego triunfa el bosque salvaje. La casa hacienda, antañona construcción de paredes calizas y tejas rojas, álzase en una falda, entre eucaliptos y muros de piedra, acequias espejeantes y un huerto y un jardín y sembrados y pastizales. A unas cuadras de la casa, canta su júbilo de aguas claras una quebrada y a otras tantas, diseña su melancolía de tumbas un panteón. Moteando la amplitud de la tierra, cerca, lejos, humean los bohíos de los peones. El viento, incansable transeúnte andino, es como un mensaje de la inmensidad formada por un tumulto de cerros que hieren el cielo nítido a golpe de roquedales.

Cuando era niño, llegaba yo a esa casa cada diciembre durante mis vacaciones. Desmontaba con las espuelas enrojecidas de acicatear al caballo y la cara desollada por la fusta del viento jalquino. Mi madre no acababa de abrazarme. Luego me masajeaba las mejillas y los labios agrietados con manteca de cacao. Mis hermanos y primos miraban las alforjas indagando por juguetes y caramelos. Mis parientes forzudos me levantaban en vilo a guisa de saludo. Mi ama india dejaba resbalar un lagrimón. Mi padre preguntaba invariablemente al guía indio que me acompañó si nos había ido bien en el camino y el indio respondía invariablemente que bien. Indio es un decir, que algunos eran cholos¹. Recuerdo todavía sus nombres camperos: Juan Bringas, Gaspar Chiguala, Zenón Pincel. Solían añadir, de modo remolón, si sufrimos lluvia, granizada, cansancio de caballos o cualquier accidente. Una vez, la primera respuesta de Gaspar se hizo más notable porque una súbita crecida llevose un puente y por poco nos arrastra el río al vadearlo. Mi padre regañó entonces a Gaspar:

-¿Cómo dices que bien?

-Si hemos llegao bien, todo ha estao bien -fue su apreciación.

El hecho era que el hogar andino me recibía con el natural afecto y un conjunto de características a las que podría llamar centenarias y, en algunos casos, milenarias.

Mi padre comenzaba pronto a preparar el Nacimiento. En la habitación más espaciosa de la casona, levantaba un armazón de cajones y tablas, ayudado por un carpintero al que decían Gamboyao y nosotros los chicuelos, a quienes la oportunidad de clavar o serruchar nos parecía un privilegio. De hecho lo era, porque ni papá ni Gamboyao tenían mucha confianza en nuestra destreza.

Después, mi padre encaminábase hacia alguna zona boscosa, siempre seguido de nosotros los pequeños, que hechos una vocinglera turba, poníamos en fuga a perdices, torcaces, conejos silvestres y otros espantadizos animales del campo. Del monte traíamos musgo, manojos de unas plantas parásitas que crecían como barbas en los troncos, unas pencas llamadas achupallas, ciertas carnosas siemprevivas de la región, ramas de hojas olorosas y extrañas flores granates y anaranjadas. Todo ese mundillo vegetal capturado, tenía la característica de no marchitarse pronto y debía cubrir la armazón de madera. Cumplido el propósito, la amplia habitación olía a bosque recién cortado.

Las figuras del Nacimiento eran sacadas entonces de un armario y colocadas en el centro de la armazón cubierta de ramas, plantas y flores. San José, la Virgen y el Niño, con la mula y el buey, no parecían estar en un establo, salvo por el puñado de paja que amarilleaba en el lecho del Niño. Quedaban en medio de una síntesis de selva. Tal se acostumbraba tradicionalmente en Marcabal Grande y toda la región. Ante las imágenes relucía una plataforma de madera desnuda, que oportunamente era cubierta con un mantel bordado, y cuyo objeto ya se verá.

En medio de los preparativos, mamá solía decir a mi padre, sonriendo de modo tierno y jubiloso:

-José, pero si tú eres ateo…

-Déjame, déjame, Herminia -replicaba mi padre con buen humor- no me recuerdes eso ahora y… a los chicos les gusta la Navidad…

Un ateo no quería herir el alma de los niños. Toda la gente de la región, que hasta ahora lo recuerda, sabía por experiencia que mi padre era un cristiano por las obras y cotidianamente.

Por esos días llegaban los indios y cholos colonos a la casa, llevando obsequios, a nosotros los pequeños, a mis padres, a mi abuela Juana, a mis tíos, a quien quisieran elegir entre los patrones. Más regalos recibía mamá. Obsequiábannos gallinas y pavos, lechones y cabritos, frutas y tejidos y cuantas cosillas consideraban buenas. Retornábaseles la atención con telas, pañuelos, rondines, machetes, cuchillas, sal, azúcar… Cierta vez, un indio regalome un venado de meses que me tuvo deslumbrado durante todas las vacaciones.

Por esos días también iban ensayando sus cantos y bailes las llamadas “pastoras”, banda de danzantes compuesta por todas las muchachas de la casa y dos mocetones cuyo papel diré luego.

El día 24, salido el sol apenas, comenzaba la masacre de animales, hecha por los sirvientes indios. La cocinera Vishe, india también, a la cual nadie le sabía la edad y mandaba en la casa con la autoridad de una antigua institución, pedía refuerzos de asistentes para hacer su oficio. Mi abuela Juana y mamá, con mis tías Carmen y Chana, amasaban buñuelos. Mi padre alineaba las encargadas botellas de pisco y cerveza, y acaso alguna de vino, para quien quisiese. En la despensa hervía roja chicha en cónicas botijas de greda. Del jardín llevábanse rosas y claveles al altar, la sala y todas las habitaciones. Tradicionalmente, en los ramos entremezclábanse los colores rojo y blanco. Todas las gentes y las cosas adquirían un aire de fiesta.

Servíase la cena en un comedor tan grande que hacía eco, sobre una larga mesa iluminada por cuatro lámparas que dejaban pasar una suave luz a través de pantallas de cristal esmerilado. Recuerdo el rostro emocionadamente dulce de mi madre, junto a una apacible lámpara. Había en la cena un alegre recogimiento aumentado por la inmensa noche, de grandes estrellas, que comenzaba junto a nuestras puertas. Como que rezaba el viento. Al suave aroma de las flores que cubrían las mesas, se mezclaba la áspera fragancia de los eucaliptos cercanos.

Después de la cena pasábamos a la habitación del Nacimiento. Las mujeres se arrodillaban frente al altar y rezaban. Los hombres conversaban a media voz, sentados en gruesas sillas adosadas a las paredes. Los niños, según la orden de cada mamá, rezábamos o conversábamos. No era raro que un chicuelo demasiado alborotador, se lo llamara a rezar como castigo. Así iba pasando el tiempo.

De pronto, a lo lejos sonaba un canto que poco a poco avanzaba acercándose. Era un coro de dulces y claras voces. Deteníase junto a la puerta. Las “pastoras” entonaban una salutación, cantada en muchos versos. Recuerdo la suave melodía. Recuerdo algunos versos:

En el portal de Belén
hay estrellas, sol y luna;
a Virgen y San José
y el niño que está en la cuna.

Niñito, por qué has nacido
en este pobre portal,
teniendo palacios ricos
donde poderte abrigar…

Súbitamente las “pastoras” irrumpían en la habitación, de dos en dos, cantando y bailando a la vez. La música de los versos había cambiado y estos eran más simples.

Cuantas muchachas quisieron formar la banda, tanto las blancas hijas de los patrones como las sirvientas indias y cholas, estaban allí confundidas. Todas vestían trajes típicos de vivos colores. Algunas ceñíanse una falda de pliegues precolombina, llamada anaco. Todas llevaban los mismos sombreros blancos adornados con cintas y unas menudas hojas redondas de olor intenso. Todas calzaban zapatillas de cordobán. Había personajes cómicos. Eran los “viejos”. Los dos mocetones habíanse disfrazado de tales, simulando jorobas con un bulto de ropas y barbazas con una piel de chivo. Empuñaban cayados. Entre canto y canto, los “viejos” lanzaban algún chiste y bailaban dando saltos cómicos. Las muchachas danzaban con blanda cadencia, ya en parejas o en forma de ronda. De cuando en vez, agitaban claras sonajas. Y todo quería ser una imitación de los pastores que llegaron a Belén, así con esos trajes americanos y los sombreros peruanísimos. El cristianismo hondo estaba en una jubilosa aceptación de la igualdad. No había patrona ni sirvientitas y tampoco razas diferenciadoras esa noche.

La banda irrumpía el baile para hacer las ofrendas. Cada “pastora” iba hasta la puerta, donde estaban los cargadores de los regalos y tomaba el que debía entregar. Acercándose al altar, entonaba un canto alusivo a su acción.

-Señora Santa Ana,
¿por qué llora el Niño?
-Por una manzana
que se le ha perdido.
-No llore por una,
yo le daré dos:
una para el Niño
y otra para vos.

La muchacha descubríase entonces, caía de rodillas y ponía efectivamente dos manzanas en la plataforma que ya mencionamos. Si quería dejaba más de las enumeradas en el canto. Nadie iba a protestar. Una tras otra iban todas las “pastoras” cantando y haciendo sus ofrendas. Consistían en juguetes, frutas, dulces, café y chocolate, pequeñas cosas bellas hechas a mano. Una nota puramente emocional era dada por la “pastora” más pequeña de la banda. Cantaba:

A mi niño Manuelito
todas le trae un don.
Yo soy chica y nada tengo,
le traigo mi corazón.

La chicuela arrodillábase haciendo con las manos el ademán del caso. Nunca faltaba quien asegurara que la mocita de veras parecía estar arrancándose el corazón para ofrendarlo.

Las “pastoras” íbanse entonando otros cantos, en medio de un bailecito mantenido entre vueltas y venias. A poco entraban de nuevo, con los rebozos y sombreros en las manos, sonrientes las caras, a tomar parte en la reunión general.

Como habían pasado horas desde la cena, tomábase de la plataforma los alimentos y bebidas ofrendados al Niño Jesús. No se iba a molestar el Niño por eso. Era la costumbre. Cada uno servíase lo que deseaba. A los chicos nos daban además los juguetes. Como es de suponer, las “pastoras” también consumían sus ofrendas. Conversábase entre tanto. Frecuentemente pedíase a las “pastoras” de mejor voz que cantaran solas. Algunas accedían. Y entonces todo era silencio, para escuchar a una muchacha erguida, de lucidas trenzas, elevando una voz que era a modo de alta y plácida plegaria.

La reunión se disolvía lentamente. Brillaban linternas por los corredores. Me acostaba en mi cama de cedro, pero no dormía. Esperaba ver de nuevo a mamá. Me gustaba ver que mi madre entraba caminando de puntillas y como ya nos habían dado los juguetes, ponía debajo de mi almohada un pañuelo que había bordado con mi nombre. Me conmovía su ternura. Deseaba yo correspondérsela y no le decía que la existencia había empezado a recortarme los sueños. Ella me dejó el pañuelo bordado, tratando de que yo no despertara, durante varios años.

FIN

Panki y el guerrero, 1968

1. Cholo: Mestizo de sangre europea e indígena.

Biblioteca Digital Ciudad Seva


toda leitura é um estado de miopia
e toda leitura é náufraga

RTD




O que há em mim
é a lenta preparação
do que há em ti
sombra segada
sangrada
e sagrada
até nos olhos dos meninos
que nasceram sem olhos

vidência única
(vide o verso)

visão múltipla
(vede o anverso)

e tudo que está
do outro lado
do espelho.

(do livrinho Espelho Riscado, 1978)

Rubens Jardim

PIETÁ




Tão longe do meu olhar
fechada em si
e a si mesma devotada
a pedra, na Pietá
adentra o gesto
adensa a face
no apedrar-se da luz
no apiedar-se da pedra

(Poeminha escrito em Roma/outono de 2006 e publicado no livro Cantares da Paixão,2008))

Rubens Jardim

A MORTE NA AVENIDA




O morto na avenida
está livre da sepultura.

Não sei se é desaforo
ficar assim estendido

no chão. Mas a morte
é a quebra de protocolo,

a entrega de uma carta
endereçada ao nada.


 Rubens Jardim

(Fiz esse poema já faz tempo,uns 7 anos. Ele não me deixa esquecer que somos pó, poeira. Enfim: o que somos nós!!!






Nos meandros vertentes da esperança,
Navegamos ao Porto da alegria.
Só se chega na paz pela confiança,
com fé no bem da luz do novo dia.

Que o ano novo seja de bonança.
Vamos chamados pela estrela guia.
De sombra, de água fresca e maré mansa,
A mesa farta e boa companhia.

Que o velho será outra vez menino,
Como da noite aflora o claro dia.
Eis a verdade vital que vaticino.

Nesse laboratório do destino,
Nos filtros mágicos da alquimia,
O mais espesso escorre no mais fino.

Marcio Catunda