Incorporar a morte
é como integrar o lado de fora no
dentro da gente
ou então assimilar o silêncio de
Pascal
no burburinho de um supermercado.
Incorporar a morte é mastigar
cacos do caos,
ferindo as gengivas de um rubro
de vida vivida.
Incorporar a morte não é invocar
ou evocar espíritos.
A morte não é espírito.
A morte é uma coisa grave e dura
como uma pedra na algibeira da
consciência. A morte é incontornável:
árvore caída no meio da rua
depois de um temporal. Úlcera
que vai crescendo e devorando os
livros da biblioteca.
Incorporar a morte
é teimar em viver, teimar em
estar ainda aqui
depois que os convidados
começaram a partir.
Beber um vermute
é incorporar a morte.
Pensar na cicatriz da coxa de
Ulisses é incorporar a morte.
Rir, chorar, beber, defecar,
lanhar a carne
nos exercícios diários da vida
é incorporar a morte.
Assim a morte vira corpo no corpo
da gente.
E quando chegar a hora do parto,
quando chegar a hora de quebrar o
último copo,
expelir a morte não será
problema.
Será, isso sim, como tirar a
poeira
do ser. Como abrir os olhos ainda
uma vez
e ver que o mundo, apesar de
tudo,
foi um aprazível lugar.
Otto Leopoldo Winck
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