domingo, 30 de dezembro de 2018


Então eu disse: noite.
E a lua luziu nas tuas pupilas.
Terra. E teus braços se confundiram com as árvores.
Como um aboio, me chegaram as lembranças remotas.
Eu tive ódio das coisas
porque elas passam. E pena dos pássaros
porque eles são breves.
Na verdade eu preservei,
num baú chamado saudade,
um rosário de contas da infância.
Toda vez que a vergonha me cora,
eu saco uma reza, um chaveiro, um relógio quebrado.
A memória é um país para onde voltamos
quando chove a cântaros. E o tempo é um espaço
onde é bom se perder.
Tenho dois medos na vida
(o medo é um canto):
não te identificar
quando voltares da rua na última tarde;
desconhecer-me quando fitar no espelho meu último olhar.
Então eu disse: noite,
terra estrangeira, suspiro de pomba, rastro de áspide.
E tudo se refez intacto. E no fundo da escuridão antediluviana
eu reconheci os meus olhos
nas tuas pupilas insones.

Otto Leopoldo Winck

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