sábado, 26 de novembro de 2016

lavanderia brasil


quanta roupa suja!
mal entro
vem uma lavadeira
lavar mais branco
vem outra
lavar mais rápido
tanta sujeira
gira a máquina
sem parar
e não dá conta
a roupa suja
levam à praça
todos lavam um pouco
mas que mistério!
becas e togas
jamais se lavam
jamais se limpam
e todos lavam
mais um pouquinho
sem remover o sujinho

MK

que me perca


que me perca
dentro de bibliotecas
em labirintos de letras
em lábios indo às tontas
beber fonte grotesca
que me perca
no desalinho de linhas
inventando o caminho
como astro sozinho
iluminando a floresta
que me perca
de qualquer orientação
de sentido e de razão
sem violenta emoção
atirando em toda seta
que me perca
de tua palavra correta
zanzando como pião
da multidão de caretas
saboreando este pão

MK
tenho tanta dificuldade em conversar com as pessoas. em geral ficou ouvindo, ouvindo. os temas sobre os quais todos podemos falar, mesmo não sendo especialistas, política, futebol, o clima, programas de tevê´, alimentação, a tecnologia, estes que falamos com o porteiro, o motorista de táxi, o dono do boteco, os vizinhos, as pessoas que acabamos de conhecer em reunião social ou casa de amigos. embora estas conversas facilitem sobreviver no dia-a-dia, é o que Clarice chama de "comunicação muda": quando duas pessoas estão juntas, e apesar de falarem, só comunicam silenciosamente uma à outra o sentimento de solidão. ser humano é ser precário, é precisar do outro. tantas vezes fiquei frustrada com outra pessoa com a qual não conseguia conversar, e pensei que era por causa da incapacidade de me comunicar de maneira eficiente. mas não. há os que erguem muros falando sem parar e não comunicando nada. querem muito sair da fortaleza, mas não conseguem.

MK
É bom vir aqui, contar o que eu faço. Mas melhor é ler. Quando conto o que faço, o mar se agita. Quando leio, se acalma. Falar sobre si é fazer barulho por medo de ficar só. Os grandes poemas induzem ao silêncio.

MK
"Outro fenômeno a este adjacente é a moralização dos procedimentos judiciais. As decisões judiciais e as peças do Ministério Público estão cada vez mais impregnadas de juízos de valor. Como que não mais bastasse ser inocente. É preciso ser bom."
Lembro o protagonista de Albert Camus, em "O estrangeiro": Ele é condenado por não ter chorado no dia em que a mãe morreu, e não por ter matado uma pessoa.

MK
André Giusti

Poema de meu novo livro, Os Filmes em que Morremos de Amor, pela Editora Patuá. 

*
Os frequentadores do restaurante natural
vestem camisetas de Marley Gandhi Luther King e Mandela.
Usam cabelo rasta
ferrinhos no nariz no beiço acima do olho
acendem incensos
e outras coisas
que fazem fumaça também
pra libertar a essência cósmica
interior transcendente de não sei onde
(eles não explicam muito bem).
Praticam taishi
meditação
terapias do além
seguem o guru malabarashibalabadoooom
e gritam que matar boi é crueldade
animalidade bestialidade
inferioridade espiritual.
Os frequentadores do restaurante natural
vão às passeatas
pedir pelo aborto
o amor entre iguais
o fim da corrupção
e ao fórum social
pela igualdade entre os povos.
Mas se a mulher pobre nordestina negra
aparece com criança no colo
catarro descendo
eczema à vista
cabelo ensebado
vendendo pano de prato
(um é três dois é cinco
ou intera a minha passagem, moço?)
olham pra ela de soslaio,
discretamente nauseados
procuram em volta o gerente:
"nesse mundo liberal escroto
nem se pode mais comer
sossegado um quiche

de alho poró e tomate seco".

UM ENTERRO E OUTROS CARNAVAIS


Milton Hatoum

RECORDEI OUTROS CARNAVAIS quando fui ao enterro de d. Faride, mãe do meu amigo Osman Nasser. Quando eu tinha uns catorze ou quinze anos de idade, Osman beirava os trinta e era uma figura lendária na pacata Manaus dos anos 1960.
Pacata? Nem tanto. A cidade não era esse polvo cujos tentáculos rasgam a floresta e atravessam o rio Negro, mas sempre foi um porto cosmopolita, lugar de esplendor e decadência cíclicos, por onde passam aventureiros de todas as latitudes do Brasil e do mundo.
No fim daquela tarde triste — sol ralo filtrado por nuvens densas e escuras —, me lembrei dos bailes carnavalescos nos clubes e dos blocos de rua. Antes do primeiro grito de Carnaval, a folia começava na tarde em que centenas de pessoas iam recepcionar a Camélia no aeroporto de Ponta Pelada, onde a multidão cantava a marchinha Ô jardineira, por que estás tão triste, mas o que foi que te aconteceu? e depois a caravana acompanhava a Camélia gigantesca até o Olympico Clube. Não sei se era permitido usar lança-perfume, mas a bisnaga de vidro transparente refrescava as noites carnavalescas, o éter se misturava ao suor dos corpos e ao sereno da madrugada.
Não éramos espectadores de desfiles de escolas de samba carioca; aliás, nem havia TV em Manaus: o Carnaval significava quatro dias maldormidos com suas noites em claro, entre as praças e os clubes. A Segunda-Feira Gorda, no Atlético Rio Negro Clube, era o auge da folia que terminava no Mercado Municipal Adolpho Lisboa, onde víamos ou acreditávamos ver peixes graúdos fantasiados e peixeiros mascarados. Havia também sereias roucas de tanto cantar, odaliscas quase nuas e descabeladas, princesas destronadas, foliões com roupa esfarrapada, mendigos que ganhavam um prato de mingau de banana ou jaraqui frito. Os foliões mais bêbados mergulhavam no rio Ne­gro para mitigar a ressaca, outros discutiam com urubus na praia ou procuravam a namorada extraviada em algum momento do baile, quando ninguém era de ninguém e o Carnaval, um mistério alucinante. Quantos homens choravam na praia, homens solitários e tristes, com o rosto manchado de confetes e o coração seco...
“Grande é o Senhor Deus”, cantam parentes e amigos no enterro, enquanto eu me lembro da noite natalina em que d. Faride distribuía presentes para convidados e penetras que iam festejar o Natal na casa dos Nasser.
Ali está a árvore coberta de pacotes coloridos; na sala, a mesa cresce com a chegada de acepipes, as luzes do pátio iluminam a fonte de pedra, cercada de crianças. O velho Nasser, sentado na cadeira de balanço, fuma um charuto com a pose de um perfeito patriarca. Ouço a voz de Oum Kalsoum no disco de 78 RPM, ouço uma gritaria alegre, vejo as nove irmãs de Osman dançar para o pai; depois elas lhe oferecem tâmaras e pistaches que tinham viajado do outro lado da Terra para aquele pequeno e difuso Oriente no centro de Manaus.
Agora as mulheres cantam loas ao Senhor, rezam o Pai-Nos­so e eu desvio o olhar das mangueiras quietas que sombreiam o chão, mangueiras centenárias, as poucas que restaram na cidade. Parece que só os mortos têm direito à sombra, os vivos de Manaus penam sob o sol. Olho para o alto do mausoléu e vejo a estrela e lua crescente de metal, símbolos do islã: religião do velho Nasser. É um dos mausoléus muçulmanos no cemitério São João Batista, mas a mãe que desce ao fundo da terra era católica.
Reconheço rostos de amigos, foliões de outros tempos, e ali, entre dois túmulos, ajoelhado e de cabeça baixa, vejo o vendedor de frutas que, na minha juventude, carregava um pomar na cabeça.
A cantoria cessa na quietude do crepúsculo, e a vida, quando se olha para trás e para longe, parece um sonho. Abraço meu amigo órfão, que me cochicha um ditado árabe:
Uma mãe vale um mundo.
Daqui a pouco será Carnaval…
____________________________________________________

[do livro "Um solitário à espreita", Companhia de Bolso]

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

ditado cigano:

Jorge Barbosa Filho

quando um cigano canta
o outro dança
ou bate palmas.
mas se juntos
fazemos isto
tudo é música,
tudo é harmonia...


MUNDO PEQUENO


No afã de impor o que pensamos,
Sem ao menos sabermos
Ouvir o semelhante,
Não percebemos o quão
Podemos ser intrigantes.
Mas falhos, somos algozes...
Ainda a tempo de aprendemos
Que o amor e a amizade
Têm mais valor que o
O clamor de diferentes vozes.
No grito advindo da emoção,
O respeito se apequena
E apaga do rito, a luz,
Que transcende a razão.
Saber ouvir é uma dádiva divina
Quiçá um dia alcançamos
Esta tão esperada sabedoria
Onde são apenas detalhes
Que tornam o que nos parece...
Tão grandioso,
Em coisa tão pequenina!

Rita Delamari

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Moisés António

Nenhum pecado é impune, assim como ninguém é impecável. Por mais santo que se seja, ainda que alguém se arrependa depois de tantos erros, e se converta sempre pagará.
Moisés era um santo Profeta de Deus, pecou e Deus irou-se, o levou.
Paulo era Assassino, arrependeu-se e trabalhou muito para Cristo e Deus, mas para estar totalmente limpo de seus pecados, Deus permitiu a sua morte à espada pelas mãos dos romanos.
Elias matou 4 profetas de Baal, depois de ser arrebatado nos céus por um carro de fogo, voltou como João Batista, para preparar o caminho do Senhor. Daí foi degolado...
Então

Cuidado com o que fazes daquilo que não é seu!

Pagar um preço para a vida?


Já comecei pagando desde o dia em que eu nasci! Nada é de graça nessa vida tudo tem um preço que as vezes com dinheiro não se compra ou paga! Deus é justo né? Sempre foi
Enquanto houver preconceito sobre a cor da pele,
O Preto e branco serão os meus favoritos,
Se for pra escolher um deles,
Eu não escolherei nenhum...
Sou neutro
Do negro ou do branco só preciso da "Generosidade, amor abnegado, simplicidade acima de tudo...
O ser humilde é excepcional...mediante a humildade, eis aí a sua grandeza!
Não me interessa sua consciência se é negra ou branca,
Só busco a irmandade "sem consciência negra nem branca", onde um culpa o outro, e outro acaba odiando a cor do outro sem motivos!
A questão do preconceito, racismo, indiferença...pela cor, só existe por esses motivos: OU A PESSOA TEM INVEJA DA SUA COR QUER SEJA ELA BRANCA OU NEGRA, (porque até entre os negros existem esses defeitos) Ou uma autêntica idiotice de mentalidade altamente turva, de quem pensa e age assim! Tais caracteres não encontram albergue no meu coração nem atravessam a minha consciência!
Por nada nem ninguém, sou inferior nem superior simplesmente me sinto digno como qualquer um!
EU, SOU EU MESMO NÃO TENHO IGUAL...."SOU UM SER ÚNICO"!
Meu pensar,
Meu agir,
Minha consciência
Minha filosofia...
só são mesmo meus!

Moisés António

LIMA BARRETO


Escritor engajado, ativista
sofreu o preconceito racial, social.
Era pobre, negro e rebelde.
Sua trajetória de vida foi sofrida.
Genial, de uma criatividade inimaginável.
Criticou os poderosos e enalteceu os oprimidos,
os marginalizados.A voz dos que não tiveram vez...
Seu mundo ficcional criticava a mazela dos poderosos.
Seu nome se destaca como precursor do Modernismo.
Tinha os olhos voltados para a condição humana dos marginalizados...oprimidos...sofridos...
Sempre será lembrado pela sua genialidade,,,
Incompreendido...Estava à frente de seu tempo.
A intolerância era a sua força motriz!

Iracema Alvarenga

UM DOMINGO


(José Almino)

Não me escapa este domingo
de ser domingo: soberbo
um domingo enxuto,
sem infância,
ávido de si,
do seu umbigo,
um domingo rútilo,
em pelo
e sem mais sentido:
à espreita de uma surpresa
de algum deleite.

Em A Estrela Fria, Cia das Letras, 2010.

Brigar é uma infelicidade




 Os acordos deveriam ser feitos sempre com a leveza que requerem as coisas densas, como se para toda resolução bastasse um piscar de olhos. Mas do que você está falando? Neste mundo as armas são outras. Há um princípio de negação que preside a toda vontade de concórdia, porque os interesses próprios são transbordantes e comumente arrastam consigo toda noção de limite. No boxe o limite é a lona. Mas no jogo sem regras da vida, o que abre para toda disposição de injustiça, como em uma querela ideológica entre pai e filho, o limite pode ser uma caixa de flores para ambos acomodarem seus ossos. O amor às ideologias parece, às vezes, dotado de um poder absurdo que ultrapassa todo projeto de resolução estrutural de instituição feliz (apenas um projeto, tão ideológico quanto elas). Para onde foi Ágape? Varrido para debaixo da cama. E philia? Escoada pelo esgoto. Só Eros espia pelas frestas, esperando sua chance de entrar sem pedir licença. Mas basta. Não se trata aqui nem do amor familiar, nem da afeição entre amigos ou mesmo da decisão involuntária das ideias do corpo (jamais livre de algum sofrimento). Falamos de outras tendências do demasiado humano, na justa expressão de Nietzsche. Pois é nisso mesmo que ele é “demasiado”, por conter em si mesmo, em potência, todas as disposições da ruína.

Luiz Augusto Contador Borges
Assionara Souza

Queria uma foto de rodoviária de interior, o ônibus saindo. O intelectual entrando no ônibus (primeiro plano). E o motorista dando joiinnha com a chapuleta do relógio prateado, palito na boca, já sentadão.
Pra desclicherizar os clichês.

Quem fizer, me mostra?
Eu caçava vaga-lumes, eram os pokémons da minha época, depois de capturados com as mãos, colocava num vidro de compota com a tampa de muitos furinhos feitos a prego. Na minha infância eram encontrados no fundo do quintal. O lúdico era a lanterna iluminando o carreiro que me levava até o terreno da casa da Julinha, lá havia um milharal, nosso esconderijo. Quando a mãe dela gritava que já era tarde, eu lhe dava um beijo de boa noite. Liberava os pokemons, eles voavam piscando e eu corria para casa sorrindo. Hoje, eles acendem e apagam minhas lembranças. 

JD rascunho

NAS NUVENS


-Vem cá na janela!
-Fala vozinha...
-Vem rápido, Bruninho! Estou vendo
um elefante branco.
- Onde, onde, vó?
- Lá em cima, no céu! Ele está andando, que maravilha! Está
se transformando em uma girafa branca, agora num...
-Verdade, agora estou vendo, também tem outros animais, olha lá, aquele jacaré flutuando no ar. A senhora está melhor? Tomou o remédio? Esse vento pode fazer mal. Bença vozinha, estou atrasado pra ir à escola.
-Deus te abençoe, meu querido...
-Bruno, você não tem que dar aula hoje? Que faz tanto tempo parado na janela, amor?
-Tenho sim, já estou indo, minha amada! Só estava mostrando pro nenê o céu e o elefante branco brincando com a minha avó.

JDamasio
espera o canto
quanto esperar
se o canto
é enquanto
a voz vem
clara
se o xamã
encarna
verbo
encantado
se você
ainda não diz
silencie
até
que a fala
jorre o sol
na lâmina da palavra
Marilia Kubota


notícia


estamos sendo seguidos
perseguidos, controlados,
estamos todos perdidos
achando monstros na rua
enquanto o tempo flutua
lá no alto o sorriso luminoso .
num espetáculo estrondoso
mais uma vez aparece
pra quem jamais agradece

Marilia Kubota

Vênus



Tão distante

que o desejo
virou clausura da
fantasia

e alimentou
(boca faminta)

a lira angustiada
do meu corpo
libidinal.




[Giuliano Gimenez]

Paesiana


Rascunho no pequeno caderno do aluno

Para montar um poema
(na falta
das amantes e dos amigos),
Giuliano:
esfaqueia
esfaqueia
o coração.
Depois,
embrulhe-o num trapo
e repita o gesto
em praça pública.


[Giuliano Gimenez]

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

SONETO EM SANGUE


Um poema indignado com o massacre da CDD.

às vítimas do massacre da CDD
Enlaço a cidade
em laços de sangue,
anjos tombam
na lama do mangue;
nos cantos da boca
um gosto ruim,
estranha mata
vermelha de morte.
Predadores vestidos de medo,
confundem a floresta
e atacam seus animais.
Correria, estampidos, vôos rasos;
meninos gelados não choram,

mulheres ajoelham na lama.

JÁ MORREU GENTE DEMAIS...


(um brado de socorro da Cidade do Rio de Janeiro)
Eu não sou especialista em segurança pública.
Não entendo nada disso.
Mas estou há 33 anos no meio da chuva de balas que é essa guerra: CV x TC x ADA x PM x Milícia
Há mais de 30 anos vejo o governo do Rio combater da mesma forma.
Transformando tudo em uma guerra urbana que só teve como resultado mais mortes.
Já morreu gente demais.
E posso te dizer com toda certeza: NÃO ESTÁ FUNCIONANDO.
Uma vez ouvi uma frase que dizia: loucura é tentar a mesma coisa e esperar chegar a resultados diferentes.
Pois é, o combate ao tráfico no Rio de Janeiro tenta a mesma coisa há 30 anos.
Não mudou nada. Os criminosos continuam armados, a droga continua sendo vendida, o suborno continua sendo pago (do soldado ao comandante do batalhão), os tiroteios continuam, os assaltos pra compensar as perdas da boca continuam. E mortes continuam.
Já morreu gente demais.
Nesse dia da consciência negra eu vi que caiu o helicóptero da polícia.
E morreram 4 PM’s.
E vi vocês bradando contra os direitos humanos porque na sua concepção defende vagabundo.
E vi vocês levantando hashtag.
E a PM invadiu a CDD e matou 7 pessoas.
E vi vocês dizendo que bandido bom era bandido morto.
E vi o blindado da PM entregando munição para os bandidos do TC na guerra da Cidade Alta.
E vi a perícia dizendo que não há marca de perfurações no helicóptero que caiu.
E não vi mais nenhum post seu sobre o fato.
Sabe o que isso tudo significa?
Que foda-se. Não está adiantando nada.
E já morreu gente demais.
Soldado (do morro e da polícia), inocente, criança, morador, pedestre, repórter, sargento, cabo, delegado, aviãozinho, tiazinha, gerente.
Já morreu gente demais.
Pra você parece certo, porque a guerra não é na sua porta.
A bala não come no seu portão.
Independente de quem está certo e errado, de bandido e polícia.
Imagina você, trabalhador, honesto e todo dia a bala comendo na porta do seu condomínio. Imagina essa guerra ali na Vieira Souto. Todo dia.
Você ia querer saber quem está certo ou ia querer que essa merda acabasse?
Pois é, é isso que o povo pede.
Que pare. Que a gente fique vivo. Seja quem for. VIVOS.
Porque a gente vive no Afeganistão dentro do Rio. O Vietnã na cidade maravilhosa.
E já morreu gente demais.
Tem que ter outro caminho.
Tem que ter outro jeito.
Tem que ter uma outra forma.
Já morreu gente demais.
Demais.

(por Felipe Silva)

do preconceito


lá ia o negrinho
seu corpo franzino
tocava os pedais
corria corria
e era feliz
como todo menino
então a freada
o carro que cessa
a sua alegria
:
bicicleta roubada?
não senhor guarda
ganhei no natal
:
vamos averiguar

* líria porto

Em berço de ouro


 (de Alma Welt)

Ninguém vem ao mundo por acaso
Cada alma é única e imortal,
O milagre é não haver igual
Ou réplica pra produzir atraso.
Dizia o padre na nossa capelinha
Que eu me lembro em minha infância
E nunca me senti depois sozinha
Nesta amplidão aqui da estância
Pois me falava de um grande companheiro,
Um herói daqueles destemidos
Que gostava até de gente com dinheiro.
E se há quem por nós dê sua vida,
Todos fomos por ele escolhidos
Mesmo eu que em berço de ouro fui nascida...

Rio, em 21/11/2016

Memórias a venda (microconto sci-fi)


Em 2085 memórias eram a moeda corrente. Com três lembranças, de três noites, ele comprou a passagem de volta.
Edson .Moura

O ceguinho violeiro
O vendedor de guarda-chuvas
O cachorro ziguezagueando entre pernas convulsas
Constelações de fios desconexos harmonizando-se
(Átimos Fugazes)
Rara e aleatoriamente como o alinhamento dos planetas
Sirenes, alarmes, buzinas
As trombetas do apocalipse
Ressoando em cada esquina.
Quem ousaria escrever um soneto sobre o caos?
*

A.C

DÁDIVA

(Soneto n. 110)
*
E a Luz que surgiu no jardim
é uma gema da cor do ouro,
é ouro que vale um tesouro,
é o tesouro que me é festim.
Sim, a dádiva que vem a mim,
sem manchas e sem desdouro,
é esplendor em grande estouro
a tingir todo meu céu de carmim.
Essa beleza que ora ela evoca,
desperta os sonhos e as lendas
e, em mim, uma ternura provoca.
Que doce, que terna lembrança:
do rio, do campo... das fazendas,
carreando minha vida de criança!
***

Silvia Regina Costa Lima

ESSA SOU EU


Sou como tantas outras, sou igual a você
Não tenho compromisso com ninguém
Sou alma livre, um pássaro fora do ninho
Vez ou outra dou meus voos
Voou muito longe, fora do meu alcance
Perco-me na imensidão da noite de luar
Sou uma pessoa tímida
Embora meus textos não condiz
Com os meus comportamento e pensamento
Sou humana e passível de erros
Não me julgue pela minha aparência
Pelo meu comportamento além dos dogmas
Sou adulta, chefe de família
Mãe responsável pela sua prole
Não me confundam e nem me comparem com uma libertina
Sou assediada o tempo todo
Muitas das vezes, correspondo ao assédio
Porque é do meu interesse, o outro é do meu agrado
Sou gente que tem um coração no peito
E, nas veias, corre sangue da cor vermelha
Amo, odeio, rio, choro como todo mundo
Tenho apetite sexual também
Sou filha de Deus
Portanto, não tire conclusão ao meu respeito
Antes mesmo de me conhecer pessoalmente
Quem já teve essa oportunidade sabe o que digo
Sou diferente, gosto do meu jeito de ser
Não faço mal nenhum em ser assim
De gostar das coisas belas e ter bom gosto
Por vezes, meus poemas me remetem
No mais fundo do meu ser
Então, antes de me julgar
Como uma pessoa fora do meu tempo
Da minha criação dos dogmas
De uma família falida
Que vive de aparências
Entenda os meus Eus
Amo, gosto, namoro
beijo, erro, conserto
Como todo ser humano passível de erros
Assim como você
sol pereira



"Sete negros pobres (é o que sabemos até agora), moradores da comunidade Cidade de Deus, assassinados - alguns a facadas, outros executados com tiros nas costas e na nuca - por vingança pela queda do helicóptero que levava os PMs.
Aí descobrem que o helicóptero não foi alvejado por tiros.
Direitos humanos pra quê?
Pra que se garanta, em casos como esse, o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório.
Para que se evite barbáries, execuções sumárias, injustiças, políticas higienistas (porque brancos ricos não são mortos dessa forma), destruição de famílias, dores impensáveis como a dos pais que vão enterrar seus filhos amanhã."

Romyna Lanza
A folha de jornal que cobria o rosto do menino negro assassinado na rua, estampava na capa a foto de outro menino negro morto em outra rua no dia anterior, que tinha o rosto coberto com outra folha de jornal com outra foto... jd

XII


Estou chamando os nomes
que já foram meus (os amores
grifados no esquecimento).
Carrego esses talismãs
em meu sertão secreto,
e ouço as sirenes da rua escura
que me açoitam a madrugada
e os seus abismos.
Bato na porta dos surdos
com uma cuia de espanto;
canto na porta dos cegos
para acordar a claridade.
O dia me quer de lavanda;
mas a noite me faz uivar
com os cães, para esconder
minhas certidões.
Do barro escrito em meus pés,
são as digitais de sal e sangue.
Canta,
bicho enfermo de estrelas!
Para além da ferrugem
e sua liturgia,
a paixão está viva --
e procria.

SALGADO MARANHÃO

CAIXA DE SAPATO



Antes que o Mal de Alzheimer roubasse toda sua memória, tratou de guardar numa caixa de sapato as melhores lembranças. JD

domingo, 20 de novembro de 2016

fantasmas flutuam pálidos na meia da luz
cortina de sonhos na janela da alma.
pisca o vento murmurando antigas orações
coração do tempo bate aflito pulsão de morte
temperando a vida parindo da ferida uma semente de sangue.
Bate a porta e a morte desejada escapa deixando queimada
a morada da vida num beijo de aço e pus .
Na guerra a arma de destruição duradoura é o estupro.
No rosto da inocência a culpa eterna de ter nascido
a herança queimando na espinha a cada olhar
o silêncio estalando como um chicote
Passos na escuridão e no trovão uma bota no rosto
pegadas sonâmbulas na neve
velhos fantasmas da guerra
Ruínas de igrejas,mesquitas, sinagogas
Tantas casas vazias onde está o Senhor !!


Wilson Roberto Nogueira
Revestida de cinza e brancas rotas vestes
voam plácidos no abismo olhos de luz negra.
Cinzas voam livres e velhas prisões famintas
agora são ossos morada de flores.
flores de pétalas doces .
Janelas em prantos esperam horizontes
cicatrizes costuradas no aço arames são caminhos
veias da liberdade.Bebe a paz no elmo caído da guerra.
Todos nossos ossos secos ao sol são brancos.


Wilson Roberto Nogueira
Entre u'a novela e outra.Pausa para o comercial telejornal.no mercado do entretenimento a noticia é show.mercadoria embalada a ouro de tolos alimentando de pedras de luz a angustia de mergulhar no vazio;alugando o tempo à névoa densa da ideologia onde a reflexão não encontra os próprios pés e segue informa(ta)da,fidelizada manada de consumidores tocada pelos apelos do carisma do olho luminoso da tele-visão, do galã e da mocinha.O IBOPE atesta a audiência da hipnótica força do dogma do verossímil travestido de verdade, na máscara do sorriso fácil ou da calculada expressão de seriedade .Seguimos contudo a desligar a caixa de ilusões e procuramos aquela edição do Hommo Videns de Giuseppe Sartori e caímos a larga na Sociedade do espetáculo mais uma vez .

Wilson Roberto Nogueira
deves deixar de ter as entranhas expostas
no açougue

falar em voz baixa para que meu coração
apenas seja ouvido pelas vísceras.

O coração é a luz intensa que dita os passos
da razão
É a luz que encobre as pedras dos ocasos
é a ração
diária de sangue que a vida cobra
daquele gauche que por hora veste
a armadura da razão

Wilson Roberto Nogueira


Noventa novenas para a névoa em forma de sombra
sobras de uma vida que dançava na tempestade
sonhando ser água pura fervendo no asfalto
marcas do silêncio no caminhar maldito da memória.
reza a estória que o fantasma sem nome alimentava-se
da fome, da guerra e da peste.
Faminto de fome não passou
da guerra bebeu todo o sangue
a peste sua assinatura nas crianças que não nasceram.
O espectro do esqueleto imortal perseguia a bruxa,
a macróbia camponesa pelos campos radioativos e rios
que suplicavam água para viver.
Voraz silêncio depois da chuva de metal
semeando campas em aldeias- lápides
só o fogo iluminando a lua ausente ao entardecer.

Wilson Roberto Nogueira

2009
Não lamenta

Não olha para trás

Não para

segue avante
Atrás caminha a Noite
a desenhar as curvas da alma.

A lembrança moribunda
seguir-te-á a serpe até o anoitecer
dos teus olhos.

Wilson Roberto Nogueira

2009
Cai um pingo de tinta
e a palavra se cobre
de mistério.

Nada tema com o trema
não trema com a reforma
da Língua
Ela é carne viva
e não é só portuguesa
brasileira
afrolusobrasilofona
deixem morrer de fome
os cães de pedra da tradição
tais jazem no chão.

só o sombra sabe
onde desabrolhou
feliz Deisi.
Está deisiando olor alí
aqui agora acola
lelé legal
tri humus do humor.

Wilson Roberto Nogueira

2009
Cumpre o rito
sumário
a soma de uma vida
um grito ordinário
numa cópia rasgada
de Munch.

Wilson Roberto Nogueira

2009
só o que sobrou do sonho
é essa sombra no teu olhar
o pesadelo trêmulo no teu caminhar
é o vacilar dançarino do demônio risonho
a busca por algo invisível que a razão não alcança
são os passos incertos dessa dança.
letras incertas qual chuva de prateados
gafanhotos
afastam chateados garotos abreviados
de sonhos de proletária vida
a morte renasce em cada sonho que assassina
essa é sua sina.
a sombra no teu olhar
é a alma que desaprendeu a dançar.
tua seda sua sem amar
o mar te convida mas
mas não há mais nada
nada sobrou do sonho
na razão do teu amar.

Wilson Roberto Nogueira

2009
É assim mesmo, a foto vai se apagando ou vamos dia a dia passando a borracha, virando a página...Viver é conviver ,fazer vínculos caso contrário é só existir.Se penso já tenho companhia.Embora seja tal um porre de vodka de fundo de quintal.O rato só aproximava-se da luz de suas lembranças para melhor conduzir as letras em suas fracas patas sujas de tinta e mesmo assim conseguia produzir um modesto verso que lhe agasalhava de sombras e sonhos.


Wilson Roberto Nogueira
Um pequeno sol escurecendo a visão.
Na escuridão do quarto o olho cego de uma lanterna.
A porta arrombada de uma morada.
Um sórdido quarto de pensão
testemunha a prisão de um insone ladrão
de sonhos.

Inocência ausente desertora precoce
prece silenciosa diante do abismo e seu sorriso.

Porta aberta sangrando histórias que só as sombras sabiam.

Sob o colchão mofado acorda como quem se livra de afogar-se
o morador da pensão olha no olho da lanterna
o cano de uma arma.

Esteja Preso !


Wilson Roberto Nogueira.
Comprara livros .Lia ?Eram vidas que o mantinham em pé.De si só vidas dos outros.Pensamentos-velas e idéias âncoras munição para o espírito.Até o jogarem no arquivo morto da repartição.

Wilson Roberto Nogueira


Ler no braço toda uma história - as placas de gordura , as pelancas, as casquinhas do ressecamento; tudo marcado pelas vírgulas das cicatrizes;cada letra com o devido pingo de sarna.Um pergaminho de deterioração, degeneração a espera do ponto Final.


O olhar perdia-se no opaco enredo de u'a estória de desenganos.

Wilson Roberto Nogueira
cada frase franze a testa do verbo abrindo sulcos
cicatriz do tempo a germinar rosas entre as pedras.


Wilson Roberto Nogueira
Naquele café esfumaçado bebia a si próprio , a cada gole ,enquanto o tempo passava .Impreciso caminhar."Que horas 'serão' , será noite ou dia ?Não importava mais, sua juventude se fechara e só restara uma lâmina de luz cortando os pés da porta.

Chegou em sua sórdida morada embora não tenha lembrança de haver caminhado até lá .Pôs-se a descamar-se de suas roupas e a medida que se aliviava delas , não encontrava sinal de si.A sombra que o perseguia , perseguia o sobretudo que ora o cobre de seu derradeiro inverno .

Agora entre o pó e as teias de seu quarto tornara-se o vulto translúcido de seu trincado espelho.


Wilson Roberto Nogueira
tateia o tempo o coração da memória
com espinhos a escrever uma nova estória.


Wilson Roberto Nogueira
Alguns compenetrados, outros vagando pelos quadrantes da sala a consumir o tempo em lenta lenta agonia ou olvidando por completo os insondáveis caminhos das matérias .Outras personas a paisagem do teatro interpretando?Interpretando saberes e seriedades; outras profissionais catando códigos na busca por peneirar pedras preciosas de algum edital.Mais adiante zanzam a procura do que desconhecem, apenas flanando nas veias expostas de cidades imaginárias .Naquele canto alí , a natureza morta dos gestuais de sapiência dos abancados."Oito horas a Biblioteca fechará suas portas . "Os livros ficaram presos e dentro deles leitores fantasmas.Essa catedral não recebe sem tetos e suas correntes de pedras.


Wilson Roberto Nogueira.2009/19/09
A cada dia, caía-lhe sobre os ombros pesados casacos de agonia
tão pesados, que os passos das horas eram grilhões a apunhalar
as veias da vontade de ser livre enfim .
Assim provava o sabor de saber-se vivo.


Wilson Roberto Nogueira
a alma não ocultara a si diante do opaco espelho das opiniões
o caráter delineara mera sombra no empoeirado espelho
pálida vida velada de luares invernais sobre ruínas que prometiam sonhos
alicerces de nuvens
vidros partidos de janelas que não vêem o branco dos olhos dos dias
parindo da dilacerada visão cores onde apenas bruxuleiam fantasmas
janela aberta ao deserto nos olhos do abismo.


Wilson Roberto Nogueira
Tente e retente que a tinta sairá do cuore ou do cérebro ou das cicatrizes ou da sombra
penso :equilibrar-se sobre um fio no alto do circo não tendo rede embaixo e ser franco e honesto consigo mesmo e com a morte.Usar o discernimento e o bom senso sempre senão cataplaft...
pode não ter nada a ver com a gíria parece uma erupção sem barulho de algo que assisti nas sombras dos sonhos.
levantar peso, a vida já faz; lançá-lo à distancia meu rapaz é o que satisfaz.A jóia do saber viver é aproveitar os detalhes da vida , focar na claridade sempre , mesmo no escuro...
preciso de drágeas de auto-engano para convencer a sombra que sou que sou sol
só sabendo ler na sombra que sou que existe sim a possibilidade da luz.


Wilson Roberto Nogueira.
Cada letra pulsa sangüínea chama como as do teu olhar que devora o abismo contemplando o infinito.



Medo é o teu caminhar na rota rasgada de um pesadelo que explode ali na esquina.

sentir a textura de um sofrimento derramado como ácido na pele.



Na pele de quem toca um farrapo comensal de cães ladrando irmãos sem distinção.Animais.



Nós mesmos que nos projetamos nos outros...

nossas larvas .



Nossas lavas subterrâneas de nosso Hades.Mar revolto sob o gêlo.



Na insâna cidade da banal cópula de violências,

no parque de horrores e neon:

Tudo se esconde quando se revela atrás dos vidros, o aço.




Wilson Roberto Nogueira

sábado, 19 de novembro de 2016

SÁBIO INÁBIL


Não passo de um sábio inábil
que ,por amor, beija livros
e que, por vício, lê lábios
o meu rigor é frágil, torto, débil
-trapezista enviesado
ousando equilíbrios ébrios-

sou onça desengonçada
fingindo desenvolturas
com as patas fraturadas
garça de asas esgarçadas
que nunca alcança as alturas. . .
e arrasta-se sobre nadas
malabarista de letras
desastrado extraio versos
da tinta dessas canetas
aleijando borboletas. . .
colecionando insucessos. . .
e pondo sóis . . . em gavetas
se ainda faço poesia
‘como manda o figurino’
meu bem . . . é por teimosia
talvez, quem sabe, algum dia
eu me enxergue . . . pequenino. . .
e perca essa má mania.

PAULO MIRANDA BARRETO
um dia...escreverei
mas nos dias que são noites meu caminhar turva
e não encontro a tinta para começar a pintar a vida curva
numa reta rumo aonde não sei
perdido procuro no porto a pausa da lei
escreverei um livro não sei
só o sonho que ainda não sonhei
sabe o quanto meu fusca capota na curva
nas curvas das gurias
ria que o riso não custa nada
só o amor a dar gozo a mau sinada
desdita vida das musas que fogem
na folhagem procurando serem miradas
fogem quando se querem pegar
riem quando querem chorar
e quando choram tal a força do riso
das veias a ferver
ferve também a alma no poeta
que se crê amante de uma musa
que ora ausente chora
pois o poeta cego se acovarda
teme atravessar a vida para a eternidade da pallavra
lavra a dor acostuma-se a semear o pranto
a principio apenas de si depois dos outros
irriga a vida e se afoga na bebida amarga.
Não sou e nunca serei autor de livros pois a vida
me foge rápida demais para persegui-las e acorrentá-las
em persona aragens.
abraço.

Wilson Roberto Nogueira
Meu irmão negro, não diga que um branco pobre
não sofre a mesma dor, a dor de ser sempre um imundo
por mais alva esteja as roupas puídas. Sempre estará
exalando o olor dos esgotos. Por mais fome passe para
comprar o sabão.
O escarro na porta da pensão. As portas batendo de ódio,
pessoas despossuídas e tão desvaziadas de dignidade quanto.
Alcatéias de chacais e hienas brancas e negras.
A noite todos eructam em sua face à despejar o lôdo no espelhar.
Olhares de nojo e pena navalham.
E pensar que do espelho daqueles olhos, olhei a sombra arquejada do reflexo.
"Nada do que é humano me é estranho"

Qual o valor que neste mercado tem oferta ?
Tanto quanto a demanda exige.
Encontrar a fuga no caminho a viagem
roleta- russa já não me pertenço. Quão jamais me pertenci.

Meu irmão negro ,
embora sua cicatriz seja tão profunda
quanto a inscrita na tua pele
Testemunha e herança.
Herdamos nós mestiços de não sei quantos sangues
a maldição de sermos bastardos desidentificados
sem rosto nem pátria ou matria
vomitados direto no moedor de carne
renascidos em cada gota de sangue semeados na sarjeta
em cada pedaço de corpo
maná amaldiçoado da miséria
efeitos colaterais da concentração da riqueza.

Wilson Roberto Nogueira.

2005..............Curitiba
contra o prisma desse despertar interior, os espelhos cortam a nossa face, a cartilagem não mais cicatriza um nome, um verbo, uma noite; resta apenas os fragmentos do vidro, não vale montar o quebra cabeça, existe o sol no desenho de cada sombra, remontando o branco encardido da memória, refletindo o nome, o verbo e a noite que não cicatriza o quanto nesses cacos de face, ainda reluz o chão e a insônia de viver.

Tullio Stefano


comentário a respeito de "o espelho", de Rodrigo Madeira

A suspeita como um exercício de várias vertigens


A poética de Marilia Kubota chega a ser, por momentos, de um extremo laconismo que não descarta a surpresa nem o lúdico. Parece definir-se a partir de sua forma e estrutura internas, de seus suportes léxicos; de forma que resulte pertinente ler este conjunto de textos como poemas processos, cujo alcance não é outro que eles mesmos. Falamos de uma autossuficiência que por extensão pretende abarcar (“fazer emigrar”, diria o poeta Roberto Echavarren) os níveis exteriores (históricos, sociais, filosóficos) à escritura até os territórios do traço, até a matéria prosódico-gramatical. É a configuração e uma cena que se pensa a si mesma, atenta aos deslocamentos intrínsecos que a provocam. Inclusive me atreveria a dizer que algumas categorias como as de História e Realidade ultrapassam a atuação como condicionantes do texto para serem possíveis a partir dele. Em todo caso, tais categorias se diluem na densa concentração de seu apalavramento. Ultrapassaram a condição de macrorrelatos culturais para ser tecidos de escritura. Indução e não exteriorização das partes.
As estratégias que leva a cabo para esse desdobramento de minimalismos vários se sustentam, às vezes, no confessional, no registro cortante de uma manchete de jornal, na enumeração quase desvaída, na repetição anafórica do que é e não se é - como nos tratados medievais dos teólogos negativos. Marilia instala uma pulsão; e em seu ritmo sem pausa, o inconsciente manifesta o sintoma, o dizer, certo desatino que margeia o incomprensível ou ilegível e que chega a diferenciar a lógica da possibilidade e a probabilidade. Enquanto a primeira mantém uma relação indeterminada ou melhor, potencial, contingente, fortuita com a ordem do empírico e o fático, a segunda admite a aplicação de uma prova, de um testemunho, a possível verificação ou constância de uma porção de realidade. Como se poderá observar, a possibilidade é condição da probabilidade e e não ao contrário, a não ser que o possível mude de estatuto ôntico e se revele feito como realidade. O possível é uma abertura do binário (possível-impossível), sua divisão ou partição até o infinito cósmico, ali onde a maquinaria do desejo resida no sem futuro nem passado/que afinal tudo seja/celebrar a incerteza. E é também o que nos leva a advertir a presença leve da anamorfose, onde a imagem se transforma ao ritmo dos versos sem pontuação. Assim, vários destes poemas operam refrações, figurações enviesadas por reflexos equívocos, incertos, inacabados mas envoltos na espiral (na dobra) do contínuo.
A modo de fechamento, recordemos que a arbitrariedade da autora considerar este poemário como um diário íntimo não é mais que uma mis-en-scene. E esta mis-en-scene põe em relevo a situação de uma enunciação que irrompe nos conjuntos fixos e estáveis daqueles bens simbólicos dos que se reconheciam em grupos diferenciados e hierarquizados. Esta ruptura de repertórios diferenciados teria lugar como um entrecruzamento e renovação permanente de hierarquias que desdesenha as fronteiras entre conjuntos de objetos, práticas e discursos do culto, o popular e o massivo (como é de observar em trem-fantasma e les jeunes filles en fleur ). Falamos, então, da transcrição de um lugar, de um espaço-tempo predominante deste fenômeno que é o fluxo dos meios massivos e suas realizações, em particular, o caso dos videoclips. Ou de suas vertigens.


Martim Palácio Gamboa é poeta, ensaísta, tradutor e músico. Estudou literatura no Instituto de Professores Artigas, em Montevidéu. Livros de ensaios: Los trazos de Pandora, Otras voces, otros territorios, Breves ensayos sobre la nueva poesía brasileña contemporánea y Las estrategias de lo refractario, Poética y prática vanguardistas de Clemente Padín. Livros de poesia: Lecciones de antropofagia e Celebriedad del fauno. Organizou a antologia bilíngüe Bicho de Siete Cabezas.

CANTIGA DE UM AMOR ITINERANTE


o Sol não sai
do céu
nem quando é noite. . .
meu bem não sai
de mim
nem quando vai
lá pra Dubai
Dublin
Belo Horizonte
Londrina
Tocantins
ou Paraguai. . .
amor presente
ausente
itinerante
viajante
intermitente. . .
ai, ai, ai !
ele se vai
pra outro
continente
fica distante
e mesmo assim
não sai
de mim . . . vai a Pequim
Rússia
e Nigéria
de Bali
pra Sibéria
e Bombaim
da China
pro Peru
ou pra Bruxelas
e de Cabul
pra
Quixeramobim
sai de Xangai
e vai
à Normandia
dorme em Cotia
acorda
no Uruguai
almoça
em Istambul
janta na Hungria
de Aracaju
se manda
pra La Paz
passa em Berlim
me compra
alguns postais
me liga de Cascais
diz que está
bem. . .
que tem saudade
e pensa em mim
demais. . .
mas inda vai
ao Congo
e mais além
ao Cairo, ao Equador. . .
Madri
também. . .
depois torna á Belém
e (até
que enfim)
volta pra mim
no fim do mês
que vem. . .
se não tiver
que ir
á Medellín
e eu. . .
que até aqui
sobrevivi
suspiro aliviada
e digo
amém
como se ele
estivesse
logo ali. . .
a três
ou quatro quarteirões
daqui
já prestes
a chegar.
Sonhar
faz bem. . .

PAULO MIRANDA BARRETO
Poeira nos olhos
cegueira passageira
acordando a visão.

livrando por instantes
dos antolhos das imagens.

Grito ferindo as pedras
brilhantes velando o vidro
das aparências nos cristais
das sensações sutis da alma.

Pausa para ouvir o silêncio.

Breve pó dos dias.
Wilson Roberto Nogueira


Qual é o totem da tua tribo
onde rende tributos,
débitos demandando
dádivas
debitando desejos
nas imagens projetadas
jato de hedonia percorrendo
de lírios nas mal ditas preces
ocultas?

Sem meditar, tiraniza
em nome da liberdade
liberticida!

O teu totem tolo é a vaidade parida;

dilacerando continentes de Édens ocultos,
Cains caídos em desgraça,
vidas sobrepostas de almas,
assassinas e vítimas
bebendo da vindima da religião,
partido da fé da exclusão,
da negação do Cristo ou de Alá,
vão semeando as campas
usando o nome dEle em vão.

Wilson Roberto Nogueira

jura secreta 89


a face oculta da maçã
duas partes que se abrem
pêssego
campos de girassóis
teus pelos alvoroçados
sob o sol de Amsterdã
enquanto isso em teus mamilos penso
o que ainda não comi desta maçã.

Artur Gomes

NOITE


A noite é casada
Junção de fora com o dentro
Do anjo e do demônio
A noite tem seus sons e seus habitantes
Estalidos, miados,passos e mistérios
Está eternamente grávida
E eternamente dando à luz
A realidades sem nomes
Que vivem perto do amanhecer.


ANA NEUSTEIN, poeta mineira, cursou filosofia na PUC, em São Paulo, cidade onde vive há muitas décadas. Filha do poeta Dantas Motta, conviveu no meio intelectual, escreveu e guardou seus escritos por quase 50 anos. Só recentemente, seguindo sugestão de amigos, resolveu divulgar os seus escritos guardados. Eles foram selecionados e reunidos no livro Poemas(2012).ANA NEUSTEIN está na 83ª postagem da série AS MULHERES POETAS...

Se quiser ler mais, clique no link http://www.rubensjardim.com/blog.php?idb=48881

Marilia Kubota

Em Diário da Vertigem, Marilia Kubota parece transitar entre o sentir do tempo que passa veloz como um trem desenfreado e o tempo estático das fotografias, os olhos como flashes, na observação do instante suspenso num espaço sem gravidade, onde também trafegam as memórias. Tem a cidade como lugar e observatório. As ruas e sua gente são pautas onde inscreve os poemas. Passeia entre casas e edifícios e talvez imagine espelhos que refletem pessoas, que na verdade são – uma pessoa (a poeta?) que celebra – e canta – a vida e seus mistérios. Nota-se claramente que na voz de Marília ecoam ressonâncias de tradições filosóficas orientais, prevalecendo no livro uma visão de viajante: breve, mas atenta, transitória, mas marcante, sutil e vertiginosa, como são as viagens empreendidas via intelecto/coração.

Nydia Bonetti, poeta, autora do livro de poemas Sumi-ê (Patuá, 2014), integra o Projeto Instante Estante, curadoria de Sandra Santos, Castelinho Edições e a Coleção Poesia Viva, do Centro Cultural São Paulo, publicada em 2012, e as coletâneas QASAÊD ILA FALASTIN (Poemas para a Palestina), Selo ZUNAI, Antologia Digital Vinagre - Uma antologia dos poetas neobarrocos. Desvio para o vermelho (Treze poetas brasileiros contemporâneos).


Morrer


faz bem à vista e ao baço
Melhora o
ritmo do pulso
E clareia
a alma Morrer de vez
em quando
É a única
coisa que me acalma.
— Paulo Lemiski


Rita Medusa

destoa
como quem tem prazer
de aguçar tonalidades em chamas
com o tremor das sombras
encurraladas nas janelas
invadir em luz
a palavra inquilina
armando confusão
com a desordenada saliva do vento
eunucos cospem o sol
é pro canto feito com o artefato
do prazer

de destoar

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

De porre

       
Eu tinha um copo cheio
vazio agora na mesa apodrecendo no
meu peito


peço a conta

Redson Vitorino      

A paranóia


Superfície em colisão
Quando há dois
E nenhum de nós
Tateia a escuridão e sinta o gozo dela
Gelada
Fogo no centro como um ritual budista
Cinzas
Na calcinha branca
Cheiro
Que se perdeu nos dedos de outro
Enquanto os meus
Em alguma manhã fazendo da bílis rainha

               Redson Vitorino          

O homem próspero

          

Imaginava aquela boca
aqueles dentes brancos mordendo-os
Imaginava aquela crina de anjo na casa dos 30 anos
Imaginava aqueles olhos pequenos protegidos por aço e vidro
e tinha o cheiro que não conseguia me lembrar
Imaginava aquela voz arrastada nos meus ouvidos como pássaros inconvenientes pela manhã
impondo uma vida mesmo que não houvesse tempo
Imaginava aqueles dias que poderia ter ao lado dela sem precisar ficar na dúvida de segurar o gatilho por mais um minuto
Imaginava a casa arrumada com a janta na mesa depois de sentir vontade de matar meio mundo
então eu bebia nos bueiros do meu ócio
nas poças d'águas constantes que desafiavam meus pés
estava sendo vencido por murros bem dados pelo tempo
E imaginava o gosto de terra enquanto ela estaria sorrindo confortavelmente em algum lugar com sol
e imaginava a corda frouxa lentamente me pondo de molho
Só imaginava

morria errado de novo

Redson Vitorino 

Dentes de leoa


Imaginava aquela boca
aqueles dentes brancos mordendo-os
Imaginava aquela crina de anjo na casa dos 30 anos
Imaginava aqueles olhos pequenos protegidos por aço e vidro
e tinha o cheiro que não conseguia me lembrar
Imaginava aquela voz arrastada nos meus ouvidos como pássaros inconvenientes pela manhã
impondo uma vida mesmo que não houvesse tempo
Imaginava aqueles dias que poderia ter ao lado dela sem precisar ficar na dúvida de segurar o gatilho por mais um minuto
Imaginava a casa arrumada com a janta na mesa depois de sentir vontade de matar meio mundo
então eu bebia nos bueiros do meu ócio
nas poças d'águas constantes que desafiavam meus pés
estava sendo vencido por murros bem dados pelo tempo
E imaginava o gosto de terra enquanto ela estaria sorrindo confortavelmente em algum lugar com sol
e imaginava a corda frouxa lentamente me pondo de molho
Só imaginava
morria errado de novo

 Redson Vitorino            
      
A gente só conhece o gosto do amor de ressaca no dia seguinte.
Quando ele sai aos montes pela garganta e nariz.
aquele restinho com bílis
esverdeada.
Você quer manter tudo dentro

mas sabe, quando sai é para sempre.


Redson Vitorino        

Goles ao cair

         

Eu sento e abro a primeira lata
em dois ou três minutos termino
mas ela não fica vazia
há o medo bem no fundo
eu abro a segunda e penso em
pássaros
num instante acabo e rio da
liberdade deles
mas ela não fica vazia
há o medo bem no fundo
eu perco a conta e seguro o choro
como criança
ausência de tempo e os pássaros
riem de mim
transborda cada palavra não dita
há o medo bem no fundo
encosto a cabeça
a deixo cair quando não dou por
mim
horas parem de seguir eu penso
um ponteiro indo
o que há agora?
toda partida é mais uma lata
e há um medo bem no fundo

                Redson Vitorino 

terça-feira, 15 de novembro de 2016

William Teca

se eu ganhar na mega sena, darei video games para os filhos de todos os meus vizinhos (ao menos eles ficarão berrando em frente a uma televisão, ao invés de berrarem em frente a minha janela) - deve ser mais barato do que um matador profissional. por que razão uma criatura resolve se reproduzir, se é incapaz de cuidar da própria prole (e nem adianta reclamar porque eles parecem ter a mesma idade mental dos filhos)? enquanto tal dia não chega, vou pegar umas camisinhas no posto de saúde e distribuir por aqui, ao menos pra tentar evitar que se reproduzam mais.
Sob o colchão mofado acorda como quem se livra de afogar-se
o morador da pensão olha no olho da lanterna
o cano de uma arma.


Um pequeno sol escurecendo a visão.
Na escuridão do quarto o olho cego de uma lanterna.
A porta arrombada de uma morada.
Um sórdido quarto de pensão
testemunha a prisão de um insone ladrão
de sonhos.

Inocência ausente desertora precoce
prece silenciosa diante do abismo e seu sorriso.

Porta aberta sangrando histórias que só as sombras sabiam.

Sob o colchão mofado acorda como quem se livra de afogar-se
o morador da pensão olha no olho da lanterna
o cano de uma arma.

Esteja Preso !


Wilson Roberto Nogueira.

Não Quero Mais Ser Convocado Para Ser Mesário

Amigos, a Tia Lu aqui recebe carta para ser mesária nas eleições, desde os anos 90, e não agüenta mais ser convocada. Por isto, quero ver todo mundo cantando este funk:
                             
Não Quero Mais Ser Convocado Para Ser Mesário
                             
Todo o ano de eleição, recebo um convite ordinário
É uma intimação ameaçadora para ser mesário!
Fazem isto comigo desde os anos noventa
Assim, minha paciência não agüenta!

Tive que agüentar fiscal de partido
Com o ego orgulhoso e ferido!

Fui xingada por um eleitor egoísta
Que entrou na sala por engano
Só porque seu nome não estava na lista
Eu quase apanhei e entrei pelo cano

Não me deram lanche e nem almoço
Meu estômago ficou em alvoroço
Uma grávida quase teve um filho na hora de votar
Naquela hora eu pensei que parteira eu ia virar

Aquela máquina eletrônica parecia uma furna
Pois, toda a hora era um entra e sai na urna!

A urna travava, pois todo mundo enfiava o dedo
Só eu não sabia onde colocar meu medo
Não quero ser mais mesário, isto não é segredo

Voto obrigatório não é democracia
Obrigar alguém a ser mesário é incoerência
Nisto não existe paz e nem harmonia
Muito menos um pingo de consciência

Luciana do Rocio Mallon

Calçada Petit- Pavê


( Parte III)
A  Calçada Petit-Pavé
É para andar ou para ver?


O problema é que esta calçada diferente
 Pode causar mais de um acidente
 Machucando muita gente!

Quem nunca caiu numa calçada petit-pavé?
Talvez ela não seja para andar
 Somente para ver!
Esta calçada bela e bonita
 Não é eterna e infinita

 E pode causar uma dor aflita!
A calçada petit-pavé
 É para andar ou para ver?


A exótica calçada peti-pavê
É para andar ou é para ver?
Esta calçada dá orgulho na gente
Porém, pode causar acidente!

Ela é uma calçada portuguesa
Feita de mármore branco
Com a mais pura delicadeza
Num desejo doce e franco!

Uma mandala perfeita
Sinceramente pode ser feita
Desta calçada petit-pavé
Causando o maior fuzuê!

Escorregar nesta calçada
Numa tarde molhada
É ter uma surpresa
Cheia de sutileza!

Quebrar o salto no petit-pavé
É aprender a ser elegante
Pagando a dívida no carnê
Deste sapato galante!

A calçada petit-pavé é uma obra de arte
Mas, ela poderia existir somente em Marte
Seja em Curitiba, ou, em Copacabana
Esta calçada a todos engana.

Luciana do Rocio Mallon