quarta-feira, 29 de janeiro de 2014


POETA INTERINO


todo dia substituo um
cidadão de jeans san
dálias e cabelos gris
por um martelo e prego
sílabas no
branco da folha branca

cada pan cada
uma plêiade de memória
e lixo

todo dia
revelo o bêbado ocioso
que nada
nada
nada

e sempre é um rosto e
um nome ensacado em
minha pele

Lau Siqueira

(do livro Texto Sentido, Editora Bagaço, 2007, Recife-PE - musicado por Patricia Moreyra )
ela distorce, me nutre e desinventa.
que faço pra saber dos seus abalos?

essa mulher é uma agonia lenta."
RR




Areia nunca mais

Senti o chão sobre meu corpo
ao invés de só pisar
Perguntando-me em silêncio
a resposta tão óbvia que partia
meu estômago
descer era felicidade em doses
cavalares
podia-se matar um copo duma vez

logo braços me prenderiam em um
"nunca mais"
Eu havia perdido o caminho
não tinha olhos ou coração de
apaixonado
o céu estava cinza me abençoando
com um pai
se chorei nem percebia o gosto
disso tudo
Estava sentado olhando espaços
vazios
tão vazio como meu copo em
mãos

Redson Vitorino

ACONCHEGO


Nestas noites de
pele fria
Quero a tua bacia
quente,
Maria...
junto da minha.

Altair de Oliveira – In: O Embebedário Diverso

El Caminito Buenos Aires


Roberta Tostes Daniel

Eu me pergunto se há tempo o bastante para os livros que não li. Ou se deveria, neste tempo que soçobra, devorado, reler livros fundantes, como a recuperar certa ignorância. Mas a tudo destruir e à minha ignorância – sabe a ilegitimidade da pureza ante a fome. Livro: pêndulo de máculas, tempo de palavras; isto sei, o moto vida-morte no tilintar das vidraças à chuva dos relógios. Brindo sobre mim. Haverá a formação do cristal, tempo inconcebivelmente lento dos destinos da biblioteca? Por isso, este livro que marco, mais que ao corpo, fala em sua imprecisão de leitora, não menos que os meus desejos vagam numa prece estranha a encontrar quem aceite de minhas mãos o que elas não carregam. Tomando por empréstimo o fracasso de minhas obras e as de minha predileção. E tendo quem as ame, quando não for possível a mim.

2012



Psicanálise


este mosaico de vespas
que se abre e fecha ao contrário

daquilo que em ti são vésperas
gosmas, córdobas, retalhos

mal contido em tuas vísceras
tão mais teu quanto vário

é este vitral antigo
com que investes teus talhos

de cinzas, sombras, vestígios
de morte, abismos, corsários

e ainda destes vislumbres
de amor como ato falho.

Rosa Ramos.


Adriana Zapparoli

---- pelas uvas e os halos que circundam suas fossas pálidas e nasais, em malta de roças, dos elos de suas certezas cocaínicas, hétero em crivos em crises de percevejos ...


de ítaca roubei helenas tantas
em áfrica montei os sete mares

casei-me com mulheres todas santas."
RR


as carnes não deixarão rastros
e o ferro das ruínas
não caberá no poema."
RR

sou um poema.
câmara de ecos.
variação do nada.
repito. a mudez do morto.
silêncio na cidade. todas a vozes
e não há palavra. o poema
ressuscita. ao terceiro dia
ecce homo.
mas não há corpo

js.


Essas noites lindas e mornas de Curitiba me tiram do sério. Elas pedem veredas para espantar lagartos, elas pedem qualquer tipo de atenção.
- Gui Kirinus, venha ver estrelas!
- uma, duas três estrelas ...
- Ah, tia, você precisa ir a Tapera para ver o que é um céu com estrelas!
Desenho outros céus mentalmente. Meu sobrinho desenha ursas maiores e menores enquanto administra sua decepção de estrelas. Nem toda noite é completa, mas para saber disso nossos próprios olhos não são suficientes. Os olhos dos outros sempre completam e ampliam inusitada constelação. Bom dia queridos leitores, amigos, parentes de perto, de longe, e de Tapera, claro!



 Gloria Kirinus

Lambrequins Irati




O anoitecer de uma crônica

Às vezes, imagino se uma crônica teria hora certa para acordar, ou descansar? Depende da inspiração... Este pensamento surgiu enquanto fechava o portão, estava anoitecendo e a Lua parecia brincar de esconde - esconde com dois pássaros que pousaram no fio de luz. A imagem bonita e interessante inspirou alguns poemas e também esta crônica. Fechei o portão e fiquei admirando o movimento suave das nuvens em tons cinza que escondiam a Lua deixando-a ainda mais misteriosa e linda!

E assim, com esta imagem especial a crônica anoiteceu, para despertar com o Sol, chuva ou vento de um novo dia...

Vanice Zimerman Ferreira

Buenos Aires




Meu corpo jovem concentra alta invalidez. Tenho páginas abertas sobre as pernas. São estradas as obras demovendo as paisagens da infância? Bartleby, minha duna. Descendemos da imobilidade.


Roberta Tostes Daniel
No instante do entanto
Diga minha poesia
E esqueça-me se for capaz
Siga e depois me diga
Quem ganhou aquela briga
Entre o quanto e o tanto faz

- Paulo Leminski, do livro "O ex-estranho", 1996.



Houve um compositor
Que quis compor
Uma canção comovente
Que salvasse todas as situações.
Tudo viraria uma imensa comoção
Feliz
A bomba atômica, a fome, a tortura, a solidão, o suicídio em massa, etc, etc e etc.
Dizem que ele dormiu
Para sempre
Com o som de sua própria
Voz
E nenhum de seus fãs compreendeu
Se ele estava vivo

Ou morto.

Alexandre França



A escrita que trago se dá no limiar do esquecimento. Não escolho rimas, não escolho métricas e não assino "poeta" no formulário de inscrição. Aquele que escreve pra valer, não pensa em ser alguma coisa - feito quem escolhe a melhor roupa para ir a um casamento ou o melhor penteado para um teste de elenco de um comercial de margarina. É justamente o contrário. Quem escreve pra valer, escreve para perder a visão. Para ver o que não se consegue ver com a imagem sempre na sua frente. Escrever para ser alguma coisa instituída é querer o título de poeta dado pelo clube - e isso chega a doer de tão medíocre.



 Alexandre França


Céus dos Campos Gerais Irati


Céus dos Campos Gerais Irati





segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

RESSUSCITADO PELO EMBATE DA RESSACA


Mário Faustino (1930 - 1962)

Ressuscitado pelo embate da ressaca,
Eu, voz multiplicada, ergo-me e avanço até
O promontório onde um cadáver, posto em maca,
Hecatombado pela vaga, acusa o céu
Com cem olhos abertos. Fujo e, maiis adiante,
O açor rebenta o azul e a pomba, espedaçada,
Ensanguenta-me o rastro. Avante, sombra, avante,
Cassa-me a paermissão de fica vivo. O nada
Ladra a meu lado, lambe e morde o calcanhar
Sem asas de quem passa e no espaço se arrasta
Pedindo paz ao fim, que o princípio não basta:
A vitória pertence ao tempo que no ar
Agita um homem só, troféu tripudiado
Pela noite que abate o sol no mar manchado.

BALADA DA LUA



o sol adornou à noite
flamejante companheiro
ri, insuspeito
com seu jeito ingênuo
à sua maneira, quase uma criança
tão novo que ao fim não alcança
tão vivo que a morte não espanta...

risos reunidos em roda retumbante
vaga-lumes
vagam moças
rogam rapazes
a musica faz suar
(e por favor não vá dizer que é só a luz do refletor)
peles atiçadas
pelos alto-falantes
o mundo é a estrada
a estada em qualquer ponto
sonoro e brilhante
é para lá que vou com toda a gente que vai
nascemos para isso
é assim que vivemos
encantados
sorrindo
apaixonados
entregues à balada da lua...

no escuro a morte chora
a inação da poesia

nos jovens corpos de santa maria...

Carlos Moraes

Mariza

De Mara Paulina Arruda

Os prédios ora escondiam o sol, ora permitiam os raios diretamente sobre o rosto de Mariza. Ela estava sentada no segundo banco do ônibus e se protegia com a mão espalmada do lado da janela.
Mariza é assim: acorda às 6 horas da manhã. Veste uma camiseta, jeans, calça tênis e com a bolsa a tiracolo segue pro mundo. O cabelo pixaim, a boca colorida de batom vermelho. Ela detesta bobajada. Detesta qualquer coisa que seja o desfazer dos seus irmãos e, estava, nesse dia, indignada com o que viu... descaso.

Com esse jeito assim assim de quem fala sério até mesmo quando canta e dança sobrevoa em dias de vento forte e de vento ameno como se fosse um pássaro negro, com a segurança de quem sabe como é trabalhar em pedreiras.

acabo de ter uma ideia desapropriada
e outra e mais outra
enfim dezenas
centenas
mal raia sanguínea e fresca a madrugada
estou meio confuso
ou me falta mesmo um parafuso?
tudo isso um dia será meu
ou Raimundo um dia vai rimar com thadeu!?



 Antonio Thadeu Wojciechowski

Cerveja

           
Ressaca
num sábado
esticada como um corpo morto
três analgésicos em suicídio
na garganta como ponte
silêncio do rádio de am/fm
vozes de fora pedindo feriado
antecipo a sombra da árvore
jogo minha corda
dou meu nó
e
encerro


Redson Vitorino   


Ocupado! Consertando a linha do raciocínio para não perder o fio da meada! JD

diários

"não tenho qualquer disponibilidade para o mundo. percorro lugares insuspeitos dentro de mim, estou cada vez mais só e já não me lamento. a vida deixou de me embriagar. paciência. nenhum fascínio pela morte. escrever talvez seja o espaço habitual entre vida e morte. aí me mantenho, aí me vou consumindo e sobrevivendo nessa espécie de limbo."


Al Berto, in "diários" assírio & alvim, 2012

Essência canibal


Devorei os motivos pelas bordas
expondo sua essência quente e volátil
mas algo no sistema se inverte:
o conteúdo me abocanha
o dia a dia me digere.

Não frequentei tanto as aulas de ciências
quer dizer, no ranço de lembrar
que agora os significados se esbanjam
como excrementos, todos
convencionalmente banais.



 Roberta Tostes Daniel

domingo, 26 de janeiro de 2014



Em caso de dor ponha gelo
Mude o corte de cabelo
Mude como modelo
Vá ao cinema dê um sorriso
Ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
Se amargo foi já ter sido
Troque já esse vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada mil lágrimas sai um milagre

Caso de tristeza vire a mesa
Coma só a sobremesa coma somente a cereja
Jogue para cima faça cena
Cante as rimas de um poema
Sofra penas viva apenas
Sendo só fissura ou loucura
Quem sabe casando cura
Ninguém sabe o que procura
Faça uma novena reze um terço
Caia fora do contexto invente seu endereço
A cada mil lágrimas sai um milagre

Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal do sal do sal
Sinta o gosto do sal
Gota a gota, uma a uma
Duas três dez cem mil lágrimas sinta o milagre
A cada mil lágrimas sai um milagre.


Alice Ruiz

Neuramóias poéticas X

um poema não aumenta ou diminui de tamanho porque foi publicado ou não publicado em este ou aquele jornal, entende!? O grande acontecimento de um poema ou milagre, se é que tem algum é o de seu autor conseguir escrevê-lo, terminá-lo! Isto sim é uma grande coisa.

Altair de Oliveira

● não ha mão melhor ●
● do q essa pra sangrar porcos ●
● pra salgar a carne sempre negra ●

● duas arrobas de passas ●
● muitas cebolas muito queijo verde ●
● fatias gordas desse pão fuligem ●

● não se cobice depois ●
● mudar esse mundo todo nosso ●
● como a presa na teia das aranhas ●

● porq sou teu amo e senhor ●
● come no meu prato a boa carne ●
● e bebe sedento por onde bebo eu ●

● “livre tendo o q comer como bem ●
● como quero como desejo e sou ●
● melhor assim q doutra maneira” ●

● tola ilusão a de todo servo ●
● q pode pelejar comer ou trepar ●

● sem a gulosa presença do senhor ●


Tirocínios Líguidos para Elisa


I

No Mar uma mão flutua ligeira e agarra
uma última versão da vida sobre as águas.
É Storni ou Woolf? – reflito, interrogo.

A mão é um convite, um sinal, um canto de uma sereia metamórfica e ancestral.

O Mar é uma imagem obsessiva de quem só percorreu lagos e pequenos rios brotando em cerrados e chapadas.
O Mar é uma transição que adio – até não sei quando (quandos?).
O Mar é a esperança além – algo imenso e sobrecarregado de vidas e mortes sem túmulos.
Não findarei o ato com o coração
vestido de terra e concreto – é por isso que resisto.
Prorrogo o tempo do meu juízo.

No Mar proponho uma forma de entrega – um destino profundo e íntimo junto às sobras de uma civilização ocultada por plânctons e seres parasitários.

No Mar pesco a mão que significo.

II

Você recorda do Monstro de 1991 – aquele que

arrastou suas miúdas pernas para o fundo de um tanque lamacento?

Era seu criador.

III

Era a última gota

como se fosse a última nota de uma

canção ruidosa que ansiamos por silenciar.

Era a última gota

como se fosse o último tempo

de um serviço forçado.

Era a última gota

como se fosse a última dose

de um antídoto acre.

Era a última gota

e para não findar o ato

houve um congelamento.

Lisa Alves - A Fábula de um Mundo Real - lisaallves.blogspot.com
a praga do amor só me guerreia.

o amor é soco que arrebenta muro
o amor é faca que desata veia."

RR

Tátara e Wilson Nogueira com a coletânia do grupo Pó&Teias


decomposição sob o sol



Pessoas nutridas numa tarde de
quinta-feira
ampolas de sêmen penduradas no
céu da boca
é meu filho o mundo que me
aguarda?
largado no bueiro escultei deus
gargalhar
me apontava o dedo melado
alguma puta ainda acreditava nele
olhei tudo e não tinha a mínima
idéia
idéia de encaixar nesse circo e
gozar também
Nojo do tempo erguido por pernas
maternas
nojo do tempo erguido por socos
paternos
em algum ponto eu ainda chegaria.redson
Nydia Bonetti
não confundam
eu, comigo
eu
vive além
do meu umbigo
eu
vivo aquém
interessar possa

Roberta Tostes Daniel
tudo está
e eu
poeta?
deslizo entre
renego a ti
desescrevo
desisto até
morrer na
praia
e dizer:
“eppur si muove”


js.

o que quer calar em mim esse frio
este bater de dentes cerrados
que me tira um pouco a pouco
de mim o desejo de encontrar-me

a água desengonça o sentido do prumo
quando muito a bússola gira rumo a tudo
o mundo olho embotado busca a fundo

o arco do corpo a anca o beijo
o pêndulo do tempo que esgota o sexo
no verso da cabeça já alheia e surda

o que quer falar em mim é o calor do magma

que me prende pedra e me circunda lava

William Teca

Confortim e Tátara



“Moiras”


Caminhar na mata e chuva
Pisando ideias abstratas

Desenhando barro com os pés
Desviando folhas galhos

Recolhendo espasmos do que deixará de ser
Amanhecer amanhã noite para se abrigar
Na luz artificial

Atravessar rio escorregar na grota
Cruzar lírico verde
Beber da raiz a seiva semimorta

Água corrente pulsar de vegetais
Abrigo para tantos seres
Animais, quem somos nós?

Teias destramando vida
Sentado ao sol da manhã
Eu vou ficar sentado até que a tarde acabe
Vendo os navios chegando

Então eu vou vê-los partirem de novo

Angela Gomes