Em uma estrada esburacada da região do extremo do Brasil, o
motorista se viu obrigado a parar, queria certificar-se se não havia perdido o
pára-choque ou alguma parte do caminhão devido aos solavancos.
Depois da vistoria, aproveitou para urinar. Quando fechava o
zíper da calça, percebeu que vinha ao seu encontro uma senhora que aparentava
aproximadamente cinqüenta anos, embora não tivesse ainda chegado aos trinta, a
diferença de idade lhe era acrescentada na aparência por conta do sol
fustigante e da miséria da região. Vinha ela empurrando um carrinho de mão
abarrotado de frutas, ao seu lado caminhava uma menina que aparentava não ter
ainda oitos anos, mas já completara treze, a fome é que lhe roubara a formosura
da adolescência. A menina carregava nos ombros meia dúzia de redes, para serem
oferecidas aos viajantes. A mulher parou diante do homem, pegou um saco de
laranjas, levantou sobre a cabeça e falou:
— Olha a laranja doce, seu moço! Só paga cinco real!
Com desdém, o caminhoneiro olhou para a fruta, dizendo:
— Está verde, deve ser azeda, cinco reais é caro.
A mulher assimilou a recusa do caminhoneiro, pegou do ombro
arcado da menina uma rede:
— Olha a rede branquinha de puro algodão, é vinte mas vendo
por quinze real, seu moço.
Com indiferença, o homem entrando no caminhão falou:
— Essa rede está amarelada de sol, encardida de poeira, pago
dez reais, só pra ajudar vocês.
A mulher abaixou a cabeça, depositou a rede no ombrinho
arcado da menina, meio que resmungou:
— Eu tenho de pagar doze real na rede, como posso vendê ela
por dez?
O motorista calou-se, subiu no caminhão, acomodou-se no
banco, olhou para a menina e para a mulher que continuavam paradas à sua
frente, e disse:
— E a guria?
A pobre, mesmo não conhecendo aquela palavra, olhou
assustada para a mãe, ouvindo-a falar:
— A menina? A menina é dez, mas posso deixá por oito real,
seu moço!
J.Damasio /Oração de Um Quase Descrente/ 2006
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