Estou ficando velho, coisa de velho, fazer poesia patético
peripatético.
Durmo mais cedo, acordo mais tarde, amanheço a noite,
anoiteço o dia.
A cidade, como era verde o vale verde, havia capim e
cafezais.
O campo de bola não tinha rede, a bola era de pano, a escola
caminho suave rumo ao horizonte, jogávamos pião, bilboquê, bafo com figurinhas
de bala Zequinha, bocha, não havia fossa, a vida não era uma bosta, íamos às
lagoas do Agostinho lambaris e carás pescar.
A água era fresca do poço com sarilho, não era com cloro da
Sanepar.
O banco da praça ainda é o mesmo na matriz onde íamos orar.
O pipoqueiro fogueteiro do lugar pipocava sem bacon, morreu,
coitado, consertava fogão a gás.
O pipoqueiro com bacon tá lá, não sei se conserta fogão a
gás.
O amolador de facas e tesouras, às vezes ainda vejo uns
afiando quinquilharias, coisas de cozinhas, tenho uma tesoura velha para
amolar, faz tempo que não o vejo andando pelas calçadas com seu pedal.
O algodão doce, tão doce que era, só se for para meu filho,
ele gosta, eu não quero mais.
Vou à missa das dez e aos funerais.
Já criei barriga de tanto beber, nem tanto igual de quem
engoliu um capacete de motoqueiro, não espero emagrecer mais.
Pois, quando se morre, até dentro do túmulo se emagrece
muito demais.
Ossos do espírito, disso não duvido nunca.
E assim, por fim, sem querer fui me perdendo em encantamento
acantonado em meu canto em pensamento, segurando em desespero o pranto.
Nada, nem tudo me entusiasma, nem os parques funerários e os
jardins da saudade, nada me satisfaz.
Sonho muito com os que já dormem na mansão do céu réquiem em
paz.
Em meu calvário viário, ouço as trombetas dos anjos tocando
pra mim.
Seria do mundo o fim?
Em bom alto som dizem-me: vinde a mim, faça o bem, evite o
mal.
Cristo ressuscitado é uma grande mentira, Cristo nunca
morreu.
Apenas eu morro, nunca desmorro, não mereço a imortalidade.
Perco-me como Dom Quixote errante no burburinho das ruas
desertas, nos balcões dos bares, nas sacristias dos sacrificiais altares.
Os lares?
Deixa pra lá, já sofri tanto sem família, é muito pessoal.
Habeas copo, cachaça pra mim.
O éter eterno do infinito me satisfaz.
Quiçá eu volte antes que morra sem nunca ter saído do mesmo
lugar.
José Aparecido Fiori
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