Tem que ter salvação, alguma coisa tem que ter salvação, ela
pensava enquanto olhava o sol poente refletido nas vidraças do grande edifício
debaixo das quais se estendiam os mendigos. Tem que ter salvação, ela pensava,
ou pelo menos algum fio de sentido. Os automóveis buzinavam, as pessoas se
acotovelavam, se esbarravam, e eram feias, as pessoas, e era feia a cidade, e a
vida, sim, a vida era quase totalmente feia. Mas havia, atrás e por cima de
tudo, o sol. Mas também havia os mendigos por baixo e atrás de tudo. E uma
noite que se anunciava, e que seria fria, como todas as noites, com ou sem lua.
Tem que ter salvação, ela pensava ao dobrar uma esquina, tem que ter salvação,
com ou sem lua, para todos, para ela, para os mendigos, para o sol que se põe e
um dia, depois que tudo ali estiver extinto, as ruas, os ônibus, os edifícios,
os mendigos, se extinguirá também. Tem que ter, nem que seja um fio, um fiapo,
uma míngua de sentido, ela pensava ao dobrar a esquina, distraída. O impacto
com o ônibus foi fatal.
Otto Leopoldo Winck
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