segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Diálogos V


(das coisas que escrevi em 2016)

Paul pintava como quem compõe uma partitura. No final, somos todos: música A cor me possui, ele dizia. A palavra me possui, eu digo. Em meus escritos a dor grita nas entrelinhas. Tento compor a alegria, mas ela só cabe na Natureza. Quando digo da alma do homem é sempre dolorido. Paul pintou corpos desmembrados enquanto convivia com a doença (esclerodermia) que migrou para o seu corpo em 1.935 e ficou até sua morte em 1.940. A agonia vaza. Os nazistas o taxaram de incompetente. Voltou à Suíça, a cidadania não lhe foi concedida em vida, seis dias após sua morte ele tornou-se um cidadão suíço. Hoje vejo Klee como cidadão do mundo. Ao final da vida, cativo da dor. Não é bom ficar batendo nesta tecla. Não é bom gritar esta parte pequena do que somos: pura dor. Sinto uma mão úmida e tensa a tomar minha mão, ouço uma voz que me pede para não ficar martelando nesta tecla de agonia como se estivéssemos vivendo dentro de uma sinfonia de Stravinsky. Há o ponto de fuga. Penso que é isto que Paul sussurra setenta e seis anos depois de sua morte, nesta sala, na manhã cinzenta de um país tropical.


-- Diálogo com Paul Klee -- Bárbara Lia – 2016

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