Mataram minhas lembranças.
Drenaram-nas de mim a pouco custo. Barato. Por quase nada.
Arrancaram sonhos, ilusões, tempestades que me eram caras. Levaram os prantos,
os risos e os cantos. De todos os cantos. Sorrindo, invadiram espaços, tetos,
sobrados. Sombras. Lendas e histórias. As vozes, silêncios. As vezes. Trás,
frente. Das costas, os idos. Os regressos. Fatos e dados. Comeram narrativas
jamais criadas. Casos não contados. Vidas não vividas. Recordações de um
passado ainda desconhecido e pronto a ser desbravado.
Mataram minhas lembranças.
Tiraram de minha boca o gosto de um doce sorriso que eu me
lembro de ter dado na infância. Era parte de mim. Metade. Uma das mais
importantes construções do meu ser. Derrubaram os tijolos que me ergueram. As
paredes formadas por tatos e retratos de alguém que já não sei. Quem? Ninguém.
Entre outros tantos que, de mim, fizeram abrigo. Destruíram os desejos,
anseios. Até os medos. Os pavores da menina que temia as noites escuras. Que
não suportava os dias de sol. Que admirava o cinza do céu nublado. Gargalharam
a cada face transfigurada. Desfigurada. Remodelada. De cada risada deixada na
estrada. Vícios perdidos em esquinas tortas. Vias mortas. Amores, ardores.
Mataram minhas lembranças.
Apossaram-se de nomes e sobrenomes. Sem autorização. Em atos
vis, mortais, infames. Imorais. Regaram mato em vez de flores. Todos secaram.
Ansiaram por dominar. Ambicionaram. Sem resgates. Tomaram como suas cada parte
de minha estrada. Tombaram muros, pedras, casas. Mitos. Fito-os, agora, com
ares longínquos. Estranhos a mim.
Estranhos.
Mataram minhas lembranças.
E eu? O que fiz?
E eu, que sou o que fizeram de mim?
E eu?
Paula Vigneron
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