sábado, 1 de janeiro de 2011

O jardim, a tempestade

Minha filha é um animal rústico , espécie de lebre ossuda e selvagem.

Não tem ternura, só cartilagens.

O impacto de seu corpo lembra o de um saco de correio atirado de um trem.

Tem sete anos de idade imemorial da terra.

Ao seu redor sempre pululam girassóis e uns estranhos céus de tempestade.

É aparentada com os líquens, as algas, os pólens, as angiospermas.

Suja ou banhada, cheira igual; sua pele repele a água como as penas de pato e asas de mariposa .

Aproxima-se de mim como se eu fosse um grande degenerado tubérculo; experimenta minha rótula,meu gasnete-e seu hálito leporino congela meus gestos.

Aninha-se entre minhas pernas até que um fruto ou um gafanhoto atraia seu olhar pardo;dispara num átimo retorna,chocando sua cabeça contra as raízes tuberosas de meus dedos.

Não faz perguntas nem comete maldades ;apenas passeia seu corpo seco  por entre o jardim, e a erva cede à sua passagem como se fosse o vento.

Minha filha preenche meus dias como o fazem os corvos, as formigas , as tempestades.

É grande meu jardim.Em quinze anos, jamais consegui atravessá-lo na minha cadeira de rodas.

Jamil Snege
O Jardim,a Tempestade.
Edição do autor.Curitiba,1989.p82.

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