Minha filha é um animal rústico , espécie de lebre ossuda e selvagem.
Não tem ternura, só cartilagens.
O impacto de seu corpo lembra o de um saco de correio atirado de um trem.
Tem sete anos de idade imemorial da terra.
Ao seu redor sempre pululam girassóis e uns estranhos céus de tempestade.
É aparentada com os líquens, as algas, os pólens, as angiospermas.
Suja ou banhada, cheira igual; sua pele repele a água como as penas de pato e asas de mariposa .
Aproxima-se de mim como se eu fosse um grande degenerado tubérculo; experimenta minha rótula,meu gasnete-e seu hálito leporino congela meus gestos.
Aninha-se entre minhas pernas até que um fruto ou um gafanhoto atraia seu olhar pardo;dispara num átimo retorna,chocando sua cabeça contra as raízes tuberosas de meus dedos.
Não faz perguntas nem comete maldades ;apenas passeia seu corpo seco por entre o jardim, e a erva cede à sua passagem como se fosse o vento.
Minha filha preenche meus dias como o fazem os corvos, as formigas , as tempestades.
É grande meu jardim.Em quinze anos, jamais consegui atravessá-lo na minha cadeira de rodas.
Jamil Snege
O Jardim,a Tempestade.
Edição do autor.Curitiba,1989.p82.
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