"Mesmo no meio do nevoeiro, não é difícil constatar que também não sei fazer poesias."
Parto do princípio que poesia não é matéria resultante da arte ou ofício de se fazer, com um bolo, uma parede ou uma estrada. A rigor, entendo que ninguém inventa poesia.
Não se trata de uma mera questão de ir encaixando palavras ou garimpando rimas, tentando encontrar uma melhor composição, como estruturar uma melodia de sonoridade aprazível.
Entendo que poesia mesmo é uma espécie de idioma, uma linguagem da percepção, uma certa fatia da capacidade sensitiva do indivíduo. Quem sabe até uma faculdade muito próxima da clarividência.
Escrever poesias é, portanto, dentro deste raciocínio, mergulhar em busca da melhor semelhança entre aquilo que é captado pelos sentidos e as palavras que melhor possam expressar-lhes. Escrever poesias é demonstrar a habilidade em expor este estado sublime de entendimento.
E quanto mais elevada esta capacidade de combinar os sinais captados e seus respectivos símbolos, através de uma linguagem acessível, mais apropriado será o trabalho poético e melhor será compreendida a intenção de seu autor.
No meio da confusão, do burburinho, da falta de clareza e precisão, até surgem aqueles que, juntando meia dúzias de palavras, chamam a luz para si, falam alto, gesticulam e citam fragmentos literários e acabam sendo confundidos com poetas, mas, do alto da colina, por sobre o nevoeiro, a alma do verdadeiro poeta sorri com complacência e experimenta o exercício da tolerância.
Carlos Couto
(ensaio publicado no livro "Sangue Novo na Anemia" da Confraria Terra dos Poetas)
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