domingo, 13 de junho de 2010

“It’s my body”

“Era-se um tempo em que a Barbie nem podia dobrar

os joelhos”, eu falo para minhas sobrinhas Kerri e Katie

que sentam na minha frente no chão da sala

desta América de colarinho azul e rosa. Estão abrochando as minúsculas

calças de courino

nas suas Barbies Roqueiras

e grandes guitarras pretas

sobre seus ossudos quadris de relâmpago. Katie me entrega

sua boneca porque precisa da minha ajuda

com os pequenos botões que serpenteiam nas costas

da blusinha tomara que caia da Barbie. “Minha primeira Barbie

nem podia mover a cintura”. Eu estou falando como alguém

que já vivesse o suficiente

para ver mudanças significativas. Minhas sobrinhas

estão de costas para a TV que parece estar sempre ligada,

onde eu estiver. E atrás de suas cabecinhas

loiras inocentes, Jessica Hahn

faz uma aparência-relâmpago num vídeo da MTV.

Ela roda como uma sexy bola de pinball ,

e tenta desesperadamente sair de uma jaula côncava.

“O corpo é meu”, recentemente ouvi ela dizer

numa entrevista matinal na TV. Ela começou

justificando suas fotos nuas na Playboy.

“O corpo é meu”, ela repete

como uma boneca Chatty Cathy

com um disco arranhado enfiado nas costas.

“O corpo é meu”, ela começava a responder

a toda e qualquer pergunta do entrevistador –

onde ela cresceu, se ainda vai à igreja.

“O corpo é meu?”

Ainda assim as palavras eram as mesmas,

mas quanto mais acusações, mais mudavam

suas inflexões. Jessica olhava para além

do set onde alguém lhe parecia estar dando

pistas. Meu namorado dava risada.

“Que tal pôr um pouco de convicção nisso, Jessica?”,

ele falava para a TV. Então, tentando estimular

mais a conversa, ele me dizia, “Olha, meu bem,

ela nem parece saber se o corpo é seu

ou não!” Ele tinha razão

mas sabia enquanto o colocava

que tinha escolhido as palavras erradas.

Eu tinha bebido muito café. Encontrei-me

defendendo Jessica energicamente,

culpando sua desorientação

como resposta a nossa sociedade misógina –

o deslocamento que todas as mulheres sentem

do seu eu corporal.

E depois com todas essas teorias que eu vinha lendo!

Ele foi trabalhar mais ou menos concordando

mas dizia também que o tinha deixado exaurido.

E agora minha irmã me culpa da mesma coisa

porque assinalo para Katie que ela está errada

ao pensar que só meninos devem sujar-se

e só meninas usarem brincos.

“As pessoas devem fazer qualquer coisa que desejarem”.

Discorro sobre minha amiga que usa capacete

quando vai ao trabalho onde mexe

com eletricidade igual seu pai.

Katie brinca com seus cadarços

e pede suquinho. Minha irmã diz,

“Deixe ela em paz. Nem entrou no primário ainda”.

Kerri, a maior, se concentra, tentando

passar um grande pente para humanos

no cabelo sintético cheio de gel

da boneca. Por tanta força que exige desemaranhá-lo

de repente, sem querer, sai a cabeça da Barbie,

e uma menor, sem rosto, suporte apenas,

emerge do pescoço. Por um instante

nós todas – dois pares de irmãs, com um

intervalo de vinte anos – compartimos a epifania

sobre Mattel: lavagem cerebral, pedaço de plástico

que nos diz quem Barbie é. Mas logo

o rosto de Kerri é todo pânico, como esperando um castigo.

As lágrimas despontam no canto dos seus olhos.

Faço um resgate rápido,

enfiando a cabecinha moldada

de novo no corpo, seus traços maleáveis

se distorcendo sob meu polegar. Apesar de boneca adulta,

sua moleira ainda está aberta. Sob a pressão

do meu toque, seu rosto esmaga, como alguém

que se olha na casa dos espelhos.

Mas ao soltá-la, ela imediatamente volta,

o sorrisinho educado, o nariz perfeito

e pronta para pôr tudo em seu lugar:

a Barbie pertence à América -

metade vítima, metade pequeno soldado

cor-de-rosa



“It’s my body”
(Orchises Press, 1997)
Tradução: Miriam Adelman
Revisão: Sabrina Lopes.

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