sábado, 4 de setembro de 2010

Lucrando com a nostalgia

Brinquedos e programas de tevê que formam sucesso no passado voltam às prateleiras – dirigidos ao mesmo público que se encantou com eles décadas atrás

Recordar é viver – e ambos são consumir. Poucos sentimentos amolecem tanto o coração do consumidor quanto a nostalgia. As lembranças agradáveis estimulam a procura por produtos que já saíram de linha, e forçam o saudosista a gastar mais para ter de volta em sua prateleira brinquedos, filmes e videogames antigos. Produtores e distribuidores veem a oportunidade para revalorizar marcas abandonadas e voltar a se posicionar no mercado.


O caso da Estrela é ilustrativo. Líder no setor de brinquedos até a metade dos anos 1990, a empresa está relançando “clássicos” como o Ferrorama e as bonecas Chuquinhas, sucessos de venda 20 anos atrás. “As gerações que brincaram com os nossos produtos nos anos 1970 e 1980 já estão estabelecidas no mercado de trabalho e com um bom poder aquisitivo, o que nos dá uma ótima brecha para relançarmos algumas marcas”, afirma Aires Leal Fernandes, diretor de marketing da Estrela.

Próxima“A faixa de idade dos nossos clientes é parecida com a nossa: entre 28 e 40 anos.” Nanci Kirinus, socióloga que vende brinquedos antigos na internet


Na web

Brinquedo raro chega a R$ 1 mil

Há dois anos, o hobby da socióloga Nanci Kirinus, 33 anos, se transformou em fonte de renda alternativa. A curitibana, que mora em São Paulo há 3 anos, tornou-se comerciante informal de brinquedos antigos, pelos quais lucra de R$ 200 a R$ 800 por mês.

“Comecei a frequentar as feiras de antiguidades e comprar brinquedos da minha infância. Inicialmente, iria usá-los para decorar a casa. Juntei a minha coleção à de meu namorado e formamos um acervo grande. Foi então que começamos a comprar e vender”, relata.

Nanci e o namorado criaram o site Kirinilas, que conta também com produtos expostos no Mercado Livre. Atualmente a loja tem 150 itens, cujos preços podem chegar a R$ 1 mil, no caso de brinquedos raros. “A faixa de idade dos nossos clientes é parecida com a nossa: entre 28 e 40 anos”, relata. Ela percebe que os compradores atribuem alto valor emocional aos brinquedos: “Várias pessoas nos escrevem agradecendo, bastante emocionadas, por terem conseguido encontrar o brinquedo que não puderam ter na infância”.

Comportamento

Hábito ou necessidade?

As experiências na infância podem influenciar no comportamento do adulto consumidor, afirma o psicólogo Tonio Luna, coordenador da Comissão Científica do Conselho Regional de Psicologia do Paraná. “A compra de um produto relacionado à infância pode ser apenas um hábito, mas pode também partir de uma necessidade insatisfeita na infância. Neste momento da vida, o jovem pode querer adquirir certos produtos como nunca antes lhe foi possível. Este momento está ligado a uma sensação de poder, e – para o indivíduo – supostamente define uma transição para a idade adulta, apesar de isto ser apenas uma ilusão”, explica.

O psicólogo lembra que o processo de amadurecimento está ligado, também, ao fato de abandonar alguns signos e comportamentos da infância. “Para o adulto, alguns desejos devem ficar apenas em pensamentos. É justamente a criança que não entende ser impossível realizar todos os desejos. No adulto, esta procura deixa de ser saudável quando passa a atrapalhar a vida cotidiana, quando não existe um discernimento sobre as consequências de saciar-se”, expõe.

Entre 1985 e 1990, foram comercializados 6 milhões de Chuquinhas. Em julho, elas voltaram às prateleiras – com o preço médio de R$ 29,90 – esperando repetir o sucesso nas vendas. O Ferrorama, que vendeu 3 milhões de unidades de 1971 a 1994, se tornou a locomotiva a puxar os relançamentos da empresa. Previsto para o início de setembro, com o preço médio de R$ 199,90, ele voltou a ser fabricado após pressão de consumidores, que se organizaram nas mídias sociais e até fizeram um passeio de trenzinho pelo Caminho de Santiago de Compostela. “Os saudosistas nos auxiliam não apenas comprando para si, mas também ensinando os filhos a ter o mesmo prazer que eles tiveram”, relata Fernandes.

A busca pelo público-alvo secundário é consequência de uma mudança na sociedade. “As crianças perdem a inocência cada vez mais cedo. Antes, meninas de 15 anos ainda se divertiam com nossas bonecas. Hoje, o limite de idade com o qual trabalhamos não passa dos 10 anos. Com o mercado primário achatado, temos de investir também no público adulto”, revela Fernandes.

DVDs

A vontade de matar a saudade foi detectada há tempos pelas produtoras de cinema e televisão. Desde o fim dos anos 1990, estúdios e distribuidoras lançam em DVD programas de tevê, filmes e desenhos. Mesmo programas de qualidade artística duvidosa agora recebem um tratamento especial de estojo e embalagem.

A Globo Marcas menosprezou a retração nas vendas de DVDs e anunciou para este mês o lançamento da versão de 1985 da novela Roque Santeiro, um dos maiores sucessos da teledramaturgia brasileira. O box de 16 discos, que custará R$ 250, é uma versão compacta do folhetim que, na íntegra, ocupa mais de 50 discos. A empresa não divulga informações sobre vendagem e faturamento de seus produtos, mas informa que entre os títulos mais vendidos estão programas “de acervo”, como os humorísticos Os Trapalhões e Viva o Gordo e as minisséries Anos Dourados e O Tempo e o Vento.

Ambiente

Os empresários da nostalgia preparam imersões cada vez mais profundas no simulacro do passado. Os curitibanos Luiz Eduardo Lopes, 32 anos, e Eduardo Campagnoli, 33 anos, associaram-se ao arquiteto Fernando Ichikawa, 28 anos, e investiram R$ 200 mil reais para montar a casa noturna Plock. O empreendimento, que recebe nome similar ao de um chiclete já extinto, é definido por seus donos como uma experiência deslocada no tempo. “A nossa proposta é oferecer ao cliente uma viagem por um túnel do tempo, para que possa fazer um resgate de sua juventude e relembrar a melhor fase da vida dele”, afirma Campagnoli.

A ideia para o investimento surgiu a partir de estudos de viabilidade que revelaram uma tendência de consumo por signos culturais já ultrapassados. “Há uma fatia do mercado formada por pessoas entre 30 e 40 anos que costumam frequentar casas noturnas, mas não têm um espaço que simule a época em que eram adolescentes”, visualiza Campagnoli.

A reconstrução conta com música ao vivo baseada nos sucessos dos anos 1980 e 1990 e decoração inspirada em produtos culturais da época. Estes, inclusive, se tornaram um grande motivo de interesse para alguns frequentadores. Os proprietários relatam que recebem propostas dos clientes para que vendam parte da decoração do bar. “Já recebi ofertas de até R$ 3 mil por um dos nossos fliperamas, que compramos por R$ 800 cada. As pessoas dizem que gostariam de ter na sala de casa”, conta o empresário.

* * * * *
Fonte: Gazeta do Povo. Economia. 22/08/2010
Osny Tavares

Nenhum comentário: