quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018


Eu tinha certeza que o taxista era Jamil Snege. Tarde de verão e o agito da cidade antes do carnaval. Uma rua qualquer no Centro e você precisa ir de táxi, ainda que perto, ainda que ninguém entenda. O pé dói. Ponto final. O trajeto curto demais torna tudo mais surreal. Quero perguntar algo e temo que quebre o encanto. A camisa é tal qual aquela da única vez que o vi, saindo com um amigo da Livraria Ghignone, fumando um cigarro, a outra mão no bolso. Lembro que estanquei o passo em plena Rua das Flores e pensei: é o escritor. Fiquei com aquela imagem, com aquela vontade de não ser tão tímida, de atravessar metade da rua, falar com ele. Mas ele seguiu conversando e eu segui minha vida. Não demorou muito para saber de sua morte. Agora eu tinha certeza que era o Jamil Snege ali a me conduzir, com a mesma roupa, a mesma silhueta calma. Tive medo que ele começasse a praguejar contra o Lula ou falar de religião, como fazem os taxistas. Implorava aos céus que ele não quebrasse o encanto e me fizesse crer que nas tardes de verão Jamil Snege desce à terra e conduz, de forma invisível, os escritores invisíveis da sua Curitiba. "Como tornar-se invisível em Curitiba?" - Snege sabia. Para minha alegria e êxtase ele diz apenas: o sol está mais quente hoje. Sim, tudo está mais hoje, para minha alegria eu pude manter aquela fantasia. Quase disse a ele sobre sua célebre dedução que - para tornar-se invisível em Curitiba basta ter talento - quase disse: nada mudou... Mas, apenas desci e o vi desaparecer, a camisa azul clara, os cabelos brancos e esta certeza de que a magia existe, a gente a encontra ali, na próxima esquina, ao acenar para um táxi.



Barbara Lia

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