domingo, 30 de maio de 2010
Manual de leitura no ônibus
“Tenho lido a média de dois livros por mês na linha Boqueirão-Carlos Gomes. Nunca tive enjoos ou naúseas. Leitura é um santo remédio...” Carlos Eduardo Guariente, 39 anos, gestor de marketing, na Carta do Leitor da Gazeta do Povo
Tenho cá para mim que brasileiro não gosta muito de ler em público. Abrir um livro ou jornal no meio de estranhos, credo, equivale a arrancar a roupa na frente da Catedral. É coisa do tarado da vila. Eu mesmo já fui repreendido pelo despudor de ter debulhado um romance no meio da rua: acusaram-me de pouco-caso, de ter panca. Fiquei com dó de mim.
Mas discordo. Se víssemos mais leitores “se despindo” na XV, nós os imitaríamos. Leitura dá coceira em quem vê. O mesmo vale para ciclistas, consumidores de cenouras orgânicas e pedestres, para citar três figurinhas urbanas cujas virtudes mereciam o céu.
Saiba mais
Um poema para Flori
Cláudio e suas irmãs
República do Pedacinho de Chão
A suspeita de que a leitura é vista como hábito doméstico se confirmou na magnífica pesquisa feita em 2008 pelo Instituto Pró-Livro. A maioria dos entrevistados disse que lê no recesso do lar. Suspeito de que tal ponto de vista nasça de uma confusão entre o que é ler e o que é fazer lição de casa. Ou entre ler e passar os olhos numa revista antes de apagar o abajur e babar na fronha. “Perigo, perigo”: ler é um ato libidinoso. Se não rolou, procure um oculista.
Lembro-me do que fazia o crítico Wilson Martins, morto em janeiro deste ano: ele lia depois do almoço, sentado num divã, com o cobertor sobre as pernas. Ou seja, lia como quem ia deitar a pestana depois da feijoada. Se a cabeça não despencasse, afirmava, tinha o primeiro indício de que o texto era bom. Os autores de soníferos odiavam esse método e se vingavam pintando-o como o monstro do Lago Ness. Mas essa é outra história.
O fato é que nos falta infraestrutura básica para desfrutar do direito de ler: horas vadias, poltrona do Emirates Airlines, a família de férias no Nepal, o cachorro na tosa e o telefone cortado. Resta-nos ler no ônibus. Ops!
Dia desses me disseram para não fazer isso, sob risco de “descolar a retina e ficar mais cego que Ray Charles”. Desconfiei do diagnóstico, mas como não sei cantar, tenho fechado as vistas nos solavancos. E sigo em minha imoralidade. Virou uma obsessão. Sonho escrever um “manual de leitura no coletivo”. Quero fazer dele um best-seller do naipe de Quem mexeu no meu queijo? Terei seguidores no double decker bus de Londres e nas jardineiras de Assunção.
Parto do que vejo a bordo do “Água Verde-Juvevê”, onde os passageiros quase não emitem sons. Já tomei condução em tantas cidades e nunca vi nada parecido. O busão, portanto, responde às supostas circunstâncias ideais para a leitura: é mais silencioso que o mosteiro trapista de Campo do Tenente.
Seria perfeito, não fosse estarmos obrigados a quase sempre viajar em pé, sujeitos ao sacolejo involuntário das [nossas] cadeiras. Arriba. Manter um livro aberto nessas condições dançantes, só por pirraça. Mas se não fosse por ela, Appa Sherpa não teria subido o Everest 20 vezes. Sobreviver às viações Glória, Redentor e Do Carmo, idem, não é fichinha, mas dá-se um jeito.
Aconselho usufruir de uma das regras da cadeia: crie seu próprio quadradinho no coletivo. A tática tem selo de qualidade Carandiru. O povo respeita. Explico. Aquelas barras de metal que vão do forro ao piso da lotação são o amparo do leitor aflito. Abrace-as como se fossem a cintura de sua garota e se incline 20 graus, formando seu pequeno território. Depois segure o livro com as duas mãos e mande ver. Delícia.
Em tempo. Uma vez sentado, o pior lugar para ler são os bancos do fundo, onde o atrito das rodas conspira contra a ficção: é sempre um choque de realidade. Mesmo assim, mantenha a classe. Nada desperta mais curiosidade do que um leitor a bordo. Somos feitos de feições de surpresa e de risos no canto da boca. Queira Deus que nossa retina não descole. E que nem tudo seja passageiro.
P.S.: Mande dicas para o manual. Divido a autoria com você.
José Carlos Fernandes
jcfernandes@gazetadopovo.com.br
Gazeta do Povo.Publicado em 28/05/2010
Tenho cá para mim que brasileiro não gosta muito de ler em público. Abrir um livro ou jornal no meio de estranhos, credo, equivale a arrancar a roupa na frente da Catedral. É coisa do tarado da vila. Eu mesmo já fui repreendido pelo despudor de ter debulhado um romance no meio da rua: acusaram-me de pouco-caso, de ter panca. Fiquei com dó de mim.
Mas discordo. Se víssemos mais leitores “se despindo” na XV, nós os imitaríamos. Leitura dá coceira em quem vê. O mesmo vale para ciclistas, consumidores de cenouras orgânicas e pedestres, para citar três figurinhas urbanas cujas virtudes mereciam o céu.
Saiba mais
Um poema para Flori
Cláudio e suas irmãs
República do Pedacinho de Chão
A suspeita de que a leitura é vista como hábito doméstico se confirmou na magnífica pesquisa feita em 2008 pelo Instituto Pró-Livro. A maioria dos entrevistados disse que lê no recesso do lar. Suspeito de que tal ponto de vista nasça de uma confusão entre o que é ler e o que é fazer lição de casa. Ou entre ler e passar os olhos numa revista antes de apagar o abajur e babar na fronha. “Perigo, perigo”: ler é um ato libidinoso. Se não rolou, procure um oculista.
Lembro-me do que fazia o crítico Wilson Martins, morto em janeiro deste ano: ele lia depois do almoço, sentado num divã, com o cobertor sobre as pernas. Ou seja, lia como quem ia deitar a pestana depois da feijoada. Se a cabeça não despencasse, afirmava, tinha o primeiro indício de que o texto era bom. Os autores de soníferos odiavam esse método e se vingavam pintando-o como o monstro do Lago Ness. Mas essa é outra história.
O fato é que nos falta infraestrutura básica para desfrutar do direito de ler: horas vadias, poltrona do Emirates Airlines, a família de férias no Nepal, o cachorro na tosa e o telefone cortado. Resta-nos ler no ônibus. Ops!
Dia desses me disseram para não fazer isso, sob risco de “descolar a retina e ficar mais cego que Ray Charles”. Desconfiei do diagnóstico, mas como não sei cantar, tenho fechado as vistas nos solavancos. E sigo em minha imoralidade. Virou uma obsessão. Sonho escrever um “manual de leitura no coletivo”. Quero fazer dele um best-seller do naipe de Quem mexeu no meu queijo? Terei seguidores no double decker bus de Londres e nas jardineiras de Assunção.
Parto do que vejo a bordo do “Água Verde-Juvevê”, onde os passageiros quase não emitem sons. Já tomei condução em tantas cidades e nunca vi nada parecido. O busão, portanto, responde às supostas circunstâncias ideais para a leitura: é mais silencioso que o mosteiro trapista de Campo do Tenente.
Seria perfeito, não fosse estarmos obrigados a quase sempre viajar em pé, sujeitos ao sacolejo involuntário das [nossas] cadeiras. Arriba. Manter um livro aberto nessas condições dançantes, só por pirraça. Mas se não fosse por ela, Appa Sherpa não teria subido o Everest 20 vezes. Sobreviver às viações Glória, Redentor e Do Carmo, idem, não é fichinha, mas dá-se um jeito.
Aconselho usufruir de uma das regras da cadeia: crie seu próprio quadradinho no coletivo. A tática tem selo de qualidade Carandiru. O povo respeita. Explico. Aquelas barras de metal que vão do forro ao piso da lotação são o amparo do leitor aflito. Abrace-as como se fossem a cintura de sua garota e se incline 20 graus, formando seu pequeno território. Depois segure o livro com as duas mãos e mande ver. Delícia.
Em tempo. Uma vez sentado, o pior lugar para ler são os bancos do fundo, onde o atrito das rodas conspira contra a ficção: é sempre um choque de realidade. Mesmo assim, mantenha a classe. Nada desperta mais curiosidade do que um leitor a bordo. Somos feitos de feições de surpresa e de risos no canto da boca. Queira Deus que nossa retina não descole. E que nem tudo seja passageiro.
P.S.: Mande dicas para o manual. Divido a autoria com você.
José Carlos Fernandes
jcfernandes@gazetadopovo.com.br
Gazeta do Povo.Publicado em 28/05/2010
O curioso caso das bancas de revistas
Internet e mudanças nos hábitos de leitura podem roubar clientes dos jornaleiros, mas ainda não se encontrou um substituto para o que só eles oferecem: a conversa
O lugar é um pouco maior e mais retangular do que um elevador – mas pense nele abarrotado de jornais, revistas e doces. A geladeira de refrigerantes deixa o espaço ainda menor. À esquerda de quem entra, sentada numa cadeira que a deixa pequenininha, está dona Lola. Ela admitiu primeiro ter mais de 70 anos e só contou a idade exata depois que o jornalista prometeu guardar segredo. “Fica entre nós”, disse, dando uma gargalhada espontânea.
Leonor Santos Zem, dona Lola para os mais próximos (que são todos os que põem os pés na banca), viveu sempre entre papéis. Entrou para o ramo aos 13, ajudando os pais, e é hoje a jornaleira mais antiga de Curitiba, com mais de 60 anos na lida. “Dona Lola!”, disse o rapaz que surgiu na porta, interrompendo a entrevista. “Ué, o que a senhora fez aqui?”, indicou o topo do nariz.
“Eu caí na rua!”, respondeu dona Lola e riu da própria resposta. “Ainda bem que não quebrei os óculos!” O episódio é uma amostra do seu temperamento: ela sabe tirar de letra situações difíceis. O rapaz conversou mais um pouco e foi embora. Dona Lola poderia abraçar a aposentadoria e largar o trabalho, mas diz que não toleraria a rotina sem ele. Gosta demais de conviver com as pessoas que passam pela banca, quase na esquina das ruas Marechal Deodoro e Monsenhor Celso, a poucos passos do Bradesco, no Centro.
A reportagem conversa com dona Lola para entender o que as bancas de revistas representam hoje, com a internet roubando leitores das publicações em papel. Ela desvia o olhar para acessar a memória e levanta da cadeira antes de começar a falar. “Ih, a internet... Hoje, tudo é internet, internet, internet...”, disse.
Talvez seja estranho para quem tem menos de 30 anos, mas, duas décadas atrás, quando alguém precisava saber a língua oficial da África do Sul (na verdade, são 11, incluindo o africâner), podia recorrer à banca. Havia revistas e almanaques para responder a uma quantidade impressionante de dúvidas. Hoje, há o Google, ou a Wikipedia (consultada aqui sobre a questão da língua sul-africana).
Apesar das mudanças nos hábitos de leitura, as bancas continuam sendo referência. Não como antes, claro, mas continuam.
Olhe para uma banca. Nada do que ela vende é exclusivo. Jornais, revistas, doces, cigarros e recargas de celulares. E figurinhas da Copa do Mundo (jornaleiros fazem hurras para elas).
São 193 bancas em espaços públicos da cidade. Se somar as revistarias – que vendem os mesmos artigos da banca, mas ocupam espaços diferentes como shoppings ou supermercados –, o número passa de 600. A questão é: por que as pessoas vão a uma banca e não a outra? Ou por que alguém vai a qualquer banca?
Uma das respostas é dona Lola. Mas também é a amiga dela, Aurélia Miranda de Souza, que fica atrás do balcão e ajuda Lola.
Na banca do Largo Doutor Theodoro Bayma, no Batel, a resposta é Mario Henrique Blaskievicz e também Hideo Komatsubara, o seu Hideo.
Você pode ler o que quiser na internet, mas não terá a chance de ouvir o seu Hideo perguntar do seu filho e mandar para ele alguns dadinhos de amendoim. Não vai caminhar até a banca num domingo de sol e céu azul, dar um oi para o Mario (que nunca mais esquece seu nome) e comentar a manchete do dia e o resultado do jogo de ontem. Não poderá reclamar para dona Lola que o marido ou namorado é um insensível e por isso a relação não vai bem.
“Banca de revistas é um pouco como salão de beleza”, disse Mario. “As pessoas gostam de desabafar.”
“Eu ouço as histórias e procuro ajudar, falando um pouco da minha experiência”, disse dona Lola, três filhos e viúva de um casamento de quatro décadas. Corações partidos parecem ser a especialidade dela. Clientes choram paixões, casamentos desfeitos e relações que não dão certo.
“A senhora ainda tem Coleguinhas?”, perguntou o senhor grisalho de terno, criando mais um intervalo na entrevista.
“Tenho e é o último!”, disse dona Lola, que adora exclamações. Virando para o repórter: “Esse jornal vende muito bem!”
É um classificado erótico. A garota na capa está de costas e vestida da cintura para cima. O homem paga o jornal e vai embora.
Os números variam de acordo com o ponto, mas Mario calcula que as publicações respondem por 20% dos lucros de uma banca – 10% para jornais e o mesmo percentual para revistas. O produto mais rentável é o cigarro, que representa 35% dos rendimentos líquidos. Em segundo lugar, com 30%, estão os doces. Os 15% restantes são de recargas de telefone.
Durante uma das longas entrevistas, Mario atendeu 13 clientes, chamando sete deles pelo nome. Três compraram jornais – dois levaram Gazeta do Povo –, três torraram dinheiro com figurinhas da Copa, dois pediram doces e cinco compraram cigarros, soltos e em maço (alguns pediram também Clorets verde para rebater o mau hálito).
Casado e com um filho, Mario é talvez o mais jovem jornaleiro da cidade, com 36 anos de idade e 16 meses no ramo. Comprou a banca do genro do seu Hideo e ficou feliz quando soube que ele estava disposto a continuar trabalhando. Os dois se revezam no atendimento de 12 horas diárias, das 8h às 20h.
O interesse de Mario no negócio é fascinante. Foi um investimento de risco calculado, feito depois de ter saído de um emprego que não tinha futuro.
Mario soube que a banca estava à venda nos classificados do jornal.
Irinêo Baptista Netto .Gazeta do Povo. Caderno G.Publicado em 30/05/2010
O lugar é um pouco maior e mais retangular do que um elevador – mas pense nele abarrotado de jornais, revistas e doces. A geladeira de refrigerantes deixa o espaço ainda menor. À esquerda de quem entra, sentada numa cadeira que a deixa pequenininha, está dona Lola. Ela admitiu primeiro ter mais de 70 anos e só contou a idade exata depois que o jornalista prometeu guardar segredo. “Fica entre nós”, disse, dando uma gargalhada espontânea.
Leonor Santos Zem, dona Lola para os mais próximos (que são todos os que põem os pés na banca), viveu sempre entre papéis. Entrou para o ramo aos 13, ajudando os pais, e é hoje a jornaleira mais antiga de Curitiba, com mais de 60 anos na lida. “Dona Lola!”, disse o rapaz que surgiu na porta, interrompendo a entrevista. “Ué, o que a senhora fez aqui?”, indicou o topo do nariz.
“Eu caí na rua!”, respondeu dona Lola e riu da própria resposta. “Ainda bem que não quebrei os óculos!” O episódio é uma amostra do seu temperamento: ela sabe tirar de letra situações difíceis. O rapaz conversou mais um pouco e foi embora. Dona Lola poderia abraçar a aposentadoria e largar o trabalho, mas diz que não toleraria a rotina sem ele. Gosta demais de conviver com as pessoas que passam pela banca, quase na esquina das ruas Marechal Deodoro e Monsenhor Celso, a poucos passos do Bradesco, no Centro.
A reportagem conversa com dona Lola para entender o que as bancas de revistas representam hoje, com a internet roubando leitores das publicações em papel. Ela desvia o olhar para acessar a memória e levanta da cadeira antes de começar a falar. “Ih, a internet... Hoje, tudo é internet, internet, internet...”, disse.
Talvez seja estranho para quem tem menos de 30 anos, mas, duas décadas atrás, quando alguém precisava saber a língua oficial da África do Sul (na verdade, são 11, incluindo o africâner), podia recorrer à banca. Havia revistas e almanaques para responder a uma quantidade impressionante de dúvidas. Hoje, há o Google, ou a Wikipedia (consultada aqui sobre a questão da língua sul-africana).
Apesar das mudanças nos hábitos de leitura, as bancas continuam sendo referência. Não como antes, claro, mas continuam.
Olhe para uma banca. Nada do que ela vende é exclusivo. Jornais, revistas, doces, cigarros e recargas de celulares. E figurinhas da Copa do Mundo (jornaleiros fazem hurras para elas).
São 193 bancas em espaços públicos da cidade. Se somar as revistarias – que vendem os mesmos artigos da banca, mas ocupam espaços diferentes como shoppings ou supermercados –, o número passa de 600. A questão é: por que as pessoas vão a uma banca e não a outra? Ou por que alguém vai a qualquer banca?
Uma das respostas é dona Lola. Mas também é a amiga dela, Aurélia Miranda de Souza, que fica atrás do balcão e ajuda Lola.
Na banca do Largo Doutor Theodoro Bayma, no Batel, a resposta é Mario Henrique Blaskievicz e também Hideo Komatsubara, o seu Hideo.
Você pode ler o que quiser na internet, mas não terá a chance de ouvir o seu Hideo perguntar do seu filho e mandar para ele alguns dadinhos de amendoim. Não vai caminhar até a banca num domingo de sol e céu azul, dar um oi para o Mario (que nunca mais esquece seu nome) e comentar a manchete do dia e o resultado do jogo de ontem. Não poderá reclamar para dona Lola que o marido ou namorado é um insensível e por isso a relação não vai bem.
“Banca de revistas é um pouco como salão de beleza”, disse Mario. “As pessoas gostam de desabafar.”
“Eu ouço as histórias e procuro ajudar, falando um pouco da minha experiência”, disse dona Lola, três filhos e viúva de um casamento de quatro décadas. Corações partidos parecem ser a especialidade dela. Clientes choram paixões, casamentos desfeitos e relações que não dão certo.
“A senhora ainda tem Coleguinhas?”, perguntou o senhor grisalho de terno, criando mais um intervalo na entrevista.
“Tenho e é o último!”, disse dona Lola, que adora exclamações. Virando para o repórter: “Esse jornal vende muito bem!”
É um classificado erótico. A garota na capa está de costas e vestida da cintura para cima. O homem paga o jornal e vai embora.
Os números variam de acordo com o ponto, mas Mario calcula que as publicações respondem por 20% dos lucros de uma banca – 10% para jornais e o mesmo percentual para revistas. O produto mais rentável é o cigarro, que representa 35% dos rendimentos líquidos. Em segundo lugar, com 30%, estão os doces. Os 15% restantes são de recargas de telefone.
Durante uma das longas entrevistas, Mario atendeu 13 clientes, chamando sete deles pelo nome. Três compraram jornais – dois levaram Gazeta do Povo –, três torraram dinheiro com figurinhas da Copa, dois pediram doces e cinco compraram cigarros, soltos e em maço (alguns pediram também Clorets verde para rebater o mau hálito).
Casado e com um filho, Mario é talvez o mais jovem jornaleiro da cidade, com 36 anos de idade e 16 meses no ramo. Comprou a banca do genro do seu Hideo e ficou feliz quando soube que ele estava disposto a continuar trabalhando. Os dois se revezam no atendimento de 12 horas diárias, das 8h às 20h.
O interesse de Mario no negócio é fascinante. Foi um investimento de risco calculado, feito depois de ter saído de um emprego que não tinha futuro.
Mario soube que a banca estava à venda nos classificados do jornal.
Irinêo Baptista Netto .Gazeta do Povo. Caderno G.Publicado em 30/05/2010
sábado, 29 de maio de 2010
Você faz brotar o mexicano em mim
(Título original: You bring out the Mexican in Me. Do livro Loose Woman. New York: Vintage Contemporaries. 1995)
Você faz brotar o mexicano em mim.
O espiral escuro que se agacha
O uivo desde o centro do coração
A bilis amarga.
As lágrimas tequila desde o sábado todo até
o domingo da semana que vem.
Por você me livraria de todos os outros amores,
entregaria minha casa -de -uma -mulher só.
Te permitiria vinho tinto na cama
sem antes tirar os lençóis de seda
Talvez. Talvez.
Pra você.
Você faz brotar o Dolores del Rio em mim.
A tempestade mexicana em mim.
As navalhas afiadas, o resplandor e a paixão em mim
O crie Cain e baile com o diabo pata-de-galo em mim
A lantejoula cintilante em mim.
A águia e a serpente em mim.
As trompetas mariachi do meu sangue.
O amor de guerra azteca em mim.
A obsidiana feroz da minha língua.
O jeito de berrinchuda, de bien-cabrona em mim.
Minha curiosidade de Pandora.
A morte e destruição pré-colombinas em mim.
O desastre da mata atlântica, a ameaça nuclear em mim.
Meu medo dos fascistas.
Você faz brotar isso sim, faz sim.
Você faz brotar o colonizador em mim.
O holocausto do desejo em mim.
O terremoto da Cidade de México ano 1985 em mim.
Os vulcões Popocatepetl/Ixtaccíhuatl em mim
A maré de recessão em mim.
O Agustin Lara romântico perdido em mim.
Os taquitos de barbacoa no domingo em mim.
O cubra -os -espelhos –com- lençóis em mim
Doce alma gêmea. Meu Outro malvado,
Sou a lembrança que dá voltas à tua cama pela noite,
que te puxa até que te afines como a lua puxa o oceano.
Arrogante como o Destino Manifesto,
te declaro todo meu.
Quero te chacoalhar e partir em dois.
Quero te manchar e criar caso.
Quero tirar minhas facas de cozinha,
as embotadas e as afiadas,
e brandi-las no ar em sinal de cruz.
Me sacas lo mexicano en mi,
queira ou não, meu querido.
Você faz brotar o Uled-Nayl em mim.
O fique-pra-trás, puta branca! em mim.
A navalha escondida na bota em mim.
O saltador dos penhascos de Acapulco em mim.
O desastre da montanha Flecha Roja em mim
A febre da dengue em mim.
A assassina do jornal Alarma! em mim.
Poderia até matar no teu nome e pensar
que valeu a pena,
Brandir um garfo e aterrorizar meus rivais,
mulheres e homens que vagueiam para te olhar,
na tua lânguida luz. Ah,
Eu sou malvada. Sou a deusa da sujeira Tlazotéotl.
Sou a que engole pecados.
A deusa da luxuria sem culpa.
A debocharia deliciosa. Você faz brotar
a delicia primordial em mim.
A obsessão nojenta em mim.
O pecado corporal e venal em mim.
A transgressão original em mim.
Ocre vérmelho. Ocre amarelo. Indigo. Cochineal.
Piñón. Copal. Sweetgrass. Mirra.
Todos os santos, benditos e terriveis.
Virgen de Guadalupe, diosa Coatlicue,
Os invoco.
Quiero ser tuya. Só de você. Só você
Quiero amarte. Atarte. Amarrarte.
Amar como uma mexicana ama. Deixe
que te mostre. Amar da única forma
que aprendi.
Sandra Cisneros
(Versão brasileira de Miriam Adelman)
Você faz brotar o mexicano em mim.
O espiral escuro que se agacha
O uivo desde o centro do coração
A bilis amarga.
As lágrimas tequila desde o sábado todo até
o domingo da semana que vem.
Por você me livraria de todos os outros amores,
entregaria minha casa -de -uma -mulher só.
Te permitiria vinho tinto na cama
sem antes tirar os lençóis de seda
Talvez. Talvez.
Pra você.
Você faz brotar o Dolores del Rio em mim.
A tempestade mexicana em mim.
As navalhas afiadas, o resplandor e a paixão em mim
O crie Cain e baile com o diabo pata-de-galo em mim
A lantejoula cintilante em mim.
A águia e a serpente em mim.
As trompetas mariachi do meu sangue.
O amor de guerra azteca em mim.
A obsidiana feroz da minha língua.
O jeito de berrinchuda, de bien-cabrona em mim.
Minha curiosidade de Pandora.
A morte e destruição pré-colombinas em mim.
O desastre da mata atlântica, a ameaça nuclear em mim.
Meu medo dos fascistas.
Você faz brotar isso sim, faz sim.
Você faz brotar o colonizador em mim.
O holocausto do desejo em mim.
O terremoto da Cidade de México ano 1985 em mim.
Os vulcões Popocatepetl/Ixtaccíhuatl em mim
A maré de recessão em mim.
O Agustin Lara romântico perdido em mim.
Os taquitos de barbacoa no domingo em mim.
O cubra -os -espelhos –com- lençóis em mim
Doce alma gêmea. Meu Outro malvado,
Sou a lembrança que dá voltas à tua cama pela noite,
que te puxa até que te afines como a lua puxa o oceano.
Arrogante como o Destino Manifesto,
te declaro todo meu.
Quero te chacoalhar e partir em dois.
Quero te manchar e criar caso.
Quero tirar minhas facas de cozinha,
as embotadas e as afiadas,
e brandi-las no ar em sinal de cruz.
Me sacas lo mexicano en mi,
queira ou não, meu querido.
Você faz brotar o Uled-Nayl em mim.
O fique-pra-trás, puta branca! em mim.
A navalha escondida na bota em mim.
O saltador dos penhascos de Acapulco em mim.
O desastre da montanha Flecha Roja em mim
A febre da dengue em mim.
A assassina do jornal Alarma! em mim.
Poderia até matar no teu nome e pensar
que valeu a pena,
Brandir um garfo e aterrorizar meus rivais,
mulheres e homens que vagueiam para te olhar,
na tua lânguida luz. Ah,
Eu sou malvada. Sou a deusa da sujeira Tlazotéotl.
Sou a que engole pecados.
A deusa da luxuria sem culpa.
A debocharia deliciosa. Você faz brotar
a delicia primordial em mim.
A obsessão nojenta em mim.
O pecado corporal e venal em mim.
A transgressão original em mim.
Ocre vérmelho. Ocre amarelo. Indigo. Cochineal.
Piñón. Copal. Sweetgrass. Mirra.
Todos os santos, benditos e terriveis.
Virgen de Guadalupe, diosa Coatlicue,
Os invoco.
Quiero ser tuya. Só de você. Só você
Quiero amarte. Atarte. Amarrarte.
Amar como uma mexicana ama. Deixe
que te mostre. Amar da única forma
que aprendi.
Sandra Cisneros
(Versão brasileira de Miriam Adelman)
Movimento
quero ser mais que um punhal
– uma lança atravessando na contramão
–arrebentando as resistências
interpelando as reticências
no mais, ter trajetória livre
com direito a rosto ao vento.
Etiane Ruas
http://outrosventos08.blogspot.com/
– uma lança atravessando na contramão
–arrebentando as resistências
interpelando as reticências
no mais, ter trajetória livre
com direito a rosto ao vento.
Etiane Ruas
http://outrosventos08.blogspot.com/
terça-feira, 25 de maio de 2010
A Mentira tem pernas lindas
LUCIANA ELAIUY
1 Verbos Noturnos
Uma cama me engoliu com lábios de colchão e cobertor.
A noite mastigou minhas validades,
destruiu meus planos com dentes de despertador.
Candura
A dureza da palavra está no fato de ser pura.
Rotina de aproximação
Você tem uma bala?
Eu quero uma bala,
você tem uma bala?
Uma bala? Uma bala?
Uma bala? Uma bala?
Bala? Bala? Bala?
Bala, bala, bala, bala,
bala, bla, bla, bla, bla,
bla, bla, bla, bla?
Blá! Blá, blá, blá, blá, blá,
blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá.
Aí
ai = dor
ai ai = amor
ai ai ai = preocupação
ai ai ai ai = música sertaneja
ai ai ai ai ai = música mexicana
Eme
Mel
Melembra
Melambe.
Manchete
A bala no ar já é a morte.
Antes de atirar
Ela já se perdeu.
Antes de pensar,
Antes da sorte,
Depois do poste,
Eu.
Vê? A minha defesa é igual a sua.
Morte safada, viu minha vida nua.
E ela é vermelha
A vida ainda é vermelha.
Vê,
Na veia da rua.
Caligrafia
Escreva em letra miúda a sua sensação de grandeza.
Num muro, bilhete, na testa, no verso da tristeza.
Mas escreva em letras miúdas para caber
entre os dentes da raiva, entre os tempos da pausa,
entre o peso e a alça, o desejo e a calça.
Nomeie seus instantes.
Para ler com clareza,
não é a letra que
precisa ser grande.
Verdade
A mentira tem pernas lindas.
-te
Tomou em cápsulas para ter coragem,
tomou com água e quis tombar paredes e colunas.
Foi torta e tipicamente tensa na temperatura tonta daquele tempo, mas depois, tranquila,
teceu os fatos, tricotou as tensões e tirou
disso tecidos e tapetes perfeitos para voar.
Tocou o céu e todas as Terras sem tremer,
teimou com as nuvens e entrou pro time dos tristes nunca mais. Testou as últimas chances e tingiu suas
tentativas com cores que antes não tinha nos olhos.
Tinta fresca para novos dias, tempo tenro para tardes
e terraços, trajes tipo preguiça, teatro para todos os tatos, aplausos para todos os toques, temperos para os terços das coisas, tabuleiros para os gestos e detalhes.
E depois de tanto voo, tanto azul, tanto texto, tanta tarde tímida, o túmulo da vergonha transbordou terceiras
intenções e eu também tomei das pequenas cápsulas para tratar as tonturas de ver e nunca ter-te.
A tecnologia dos fatos involuntários
Está no dispositivo dos poros exercitando os pelos. Nos retratos invencíveis, e as boas lembranças sempre à espera do pior.
Trabalha no mecanismo das mandíbulas admiradas, nas pálpebras fracas diante da TV.
É o abraço do pugilista no outro pugilista. O sopro na sopa, o soco na boca. O ato do verso, o ato do ver.
Faces longas no pré-choro.
Botões em frangalhos
Arrepender.
Overbodose
Overbodose é um verbo viciado na linguagem. Overbodose.
São doze bodes presos? São bodes expiatórios vagando com os meus segredos. O verbo é over, o verbo é óvulo, ovni, é ovo. O verbo é oco.
O indizível é o que mais odeio. Ele me abusa quando não há canetas, me ouve se leio pra dentro. O verbo é vértebra e músculo,
orgânico como a overdose. Obtuso como um devaneio, vai saber.
O verbo sabe ler? Ele é pobre, não escolhe. O verbo é pele. É bobo,
é bento. É a segunda ideia de Deus, é feito de carne, feito de eu.
O verbo não é vantagem, é direito. Em vinagre vigora meus defeitos,
conserva cabeceiras e olheiras quando me deito.
O verbo é a cama, é a grana, e nunca estamos satisfeitos.
Para Cole Porter
Os insetos sabem se é incesto?
O sal
Saiu pra comprar sal. Nem sempre a doce vida é a melhor vida. Doce enjoa. O sal dá sede. Sal deixa a gente vivo. Ele saiu pra comprar sal.
Deixou a casa acesa. A luz em cima da mesa. A busca é sempre a mesma: levar o sal pra casa, tempero de uma risada, graça até pro copo d'água,
mas a sede é sempre vesga.
Ele cruzou esquinas, cruzou os dedos, mal sabia. O sal era a ausência que
ele deixava quando saía, era o frio de estar sozinho, o sal era só até
a esquina, era ela sentir a falta um pouquinho. E ela sentiu. Por isso temperou os planos pro futuro com têmporas tensas e empolgadas. Visões um tanto salgadas, mão molhada, ela sob a luz daquela mesa. Esfomeada. Esperou. Mais um tanto de espera, mais um tanto de espera, mais um tanto de espera, mais um tanto de espera, ele não voltou. Pesou demais a mão no tempo e o tempero dessalgou.
Ela escreveu na geladeira "o sal acabou". E saiu pra comprar um doce, mas a busca é sempre amor
fonte: Revista Piauí. Abril 10
1 Verbos Noturnos
Uma cama me engoliu com lábios de colchão e cobertor.
A noite mastigou minhas validades,
destruiu meus planos com dentes de despertador.
Candura
A dureza da palavra está no fato de ser pura.
Rotina de aproximação
Você tem uma bala?
Eu quero uma bala,
você tem uma bala?
Uma bala? Uma bala?
Uma bala? Uma bala?
Bala? Bala? Bala?
Bala, bala, bala, bala,
bala, bla, bla, bla, bla,
bla, bla, bla, bla?
Blá! Blá, blá, blá, blá, blá,
blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá.
Aí
ai = dor
ai ai = amor
ai ai ai = preocupação
ai ai ai ai = música sertaneja
ai ai ai ai ai = música mexicana
Eme
Mel
Melembra
Melambe.
Manchete
A bala no ar já é a morte.
Antes de atirar
Ela já se perdeu.
Antes de pensar,
Antes da sorte,
Depois do poste,
Eu.
Vê? A minha defesa é igual a sua.
Morte safada, viu minha vida nua.
E ela é vermelha
A vida ainda é vermelha.
Vê,
Na veia da rua.
Caligrafia
Escreva em letra miúda a sua sensação de grandeza.
Num muro, bilhete, na testa, no verso da tristeza.
Mas escreva em letras miúdas para caber
entre os dentes da raiva, entre os tempos da pausa,
entre o peso e a alça, o desejo e a calça.
Nomeie seus instantes.
Para ler com clareza,
não é a letra que
precisa ser grande.
Verdade
A mentira tem pernas lindas.
-te
Tomou em cápsulas para ter coragem,
tomou com água e quis tombar paredes e colunas.
Foi torta e tipicamente tensa na temperatura tonta daquele tempo, mas depois, tranquila,
teceu os fatos, tricotou as tensões e tirou
disso tecidos e tapetes perfeitos para voar.
Tocou o céu e todas as Terras sem tremer,
teimou com as nuvens e entrou pro time dos tristes nunca mais. Testou as últimas chances e tingiu suas
tentativas com cores que antes não tinha nos olhos.
Tinta fresca para novos dias, tempo tenro para tardes
e terraços, trajes tipo preguiça, teatro para todos os tatos, aplausos para todos os toques, temperos para os terços das coisas, tabuleiros para os gestos e detalhes.
E depois de tanto voo, tanto azul, tanto texto, tanta tarde tímida, o túmulo da vergonha transbordou terceiras
intenções e eu também tomei das pequenas cápsulas para tratar as tonturas de ver e nunca ter-te.
A tecnologia dos fatos involuntários
Está no dispositivo dos poros exercitando os pelos. Nos retratos invencíveis, e as boas lembranças sempre à espera do pior.
Trabalha no mecanismo das mandíbulas admiradas, nas pálpebras fracas diante da TV.
É o abraço do pugilista no outro pugilista. O sopro na sopa, o soco na boca. O ato do verso, o ato do ver.
Faces longas no pré-choro.
Botões em frangalhos
Arrepender.
Overbodose
Overbodose é um verbo viciado na linguagem. Overbodose.
São doze bodes presos? São bodes expiatórios vagando com os meus segredos. O verbo é over, o verbo é óvulo, ovni, é ovo. O verbo é oco.
O indizível é o que mais odeio. Ele me abusa quando não há canetas, me ouve se leio pra dentro. O verbo é vértebra e músculo,
orgânico como a overdose. Obtuso como um devaneio, vai saber.
O verbo sabe ler? Ele é pobre, não escolhe. O verbo é pele. É bobo,
é bento. É a segunda ideia de Deus, é feito de carne, feito de eu.
O verbo não é vantagem, é direito. Em vinagre vigora meus defeitos,
conserva cabeceiras e olheiras quando me deito.
O verbo é a cama, é a grana, e nunca estamos satisfeitos.
Para Cole Porter
Os insetos sabem se é incesto?
O sal
Saiu pra comprar sal. Nem sempre a doce vida é a melhor vida. Doce enjoa. O sal dá sede. Sal deixa a gente vivo. Ele saiu pra comprar sal.
Deixou a casa acesa. A luz em cima da mesa. A busca é sempre a mesma: levar o sal pra casa, tempero de uma risada, graça até pro copo d'água,
mas a sede é sempre vesga.
Ele cruzou esquinas, cruzou os dedos, mal sabia. O sal era a ausência que
ele deixava quando saía, era o frio de estar sozinho, o sal era só até
a esquina, era ela sentir a falta um pouquinho. E ela sentiu. Por isso temperou os planos pro futuro com têmporas tensas e empolgadas. Visões um tanto salgadas, mão molhada, ela sob a luz daquela mesa. Esfomeada. Esperou. Mais um tanto de espera, mais um tanto de espera, mais um tanto de espera, mais um tanto de espera, ele não voltou. Pesou demais a mão no tempo e o tempero dessalgou.
Ela escreveu na geladeira "o sal acabou". E saiu pra comprar um doce, mas a busca é sempre amor
fonte: Revista Piauí. Abril 10
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Encontros?
Percorreu o restaurante com o olhar. Ele já estava esperando e acenou sorrindo. Aperto de mão, comentários ordinários sobre o tempo. Consultaram o cardápio e fizeram os pedidos ao garçom.
Onde ele estaria? Ah! Sim! Já o vi, me acena! Cuidado!Seja mais discreto, não vá chamar a atenção dos presentes…Será que tem algum conhecido por aqui? Por que o garçom me olha assim? Na certa, me reconheceu. Não, deve estar “conferindo o material”. Homens! Agora essa mania de marcar no mesmo restaurante! Ai, bem que eu pedi para mudarmos, mas ele não me escuta!Que ridículo: aperto de mão! E essa pasta de executiva para compor o personagem, a cliente do doutor. Mal sabe o que guardo aqui. Azul! A cor preferida. Será que vou ter oportunidade de mostrar? Ou será mais um daqueles almoços sem sobremesa? Sim, muito calor. Poxa! Nem um elogio! Estou usando justamente os brincos que ele me deu. Calma. Não vê que ele age assim para disfarçar? Escolha logo a comida…Como ele está lindo! Esse terno lhe cai tão bem, queria tanto fazer um carinho em suas mãos…Mesmo a esquerda, não importa. Suco de laranja e salada grega, por favor. Quê? Sem gelo.
Enfim, você apareceu! Pontualmente atrasada, quinze minutos, mas chegou. Não adiantava explicar que só tinha uma hora de almoço. Ela invariavelmente viria mais tarde. Mas valia a pena. Ei, meu bem (melhor acenar). Aqui! Ah, que curvas! Que rebolado! Ela me faz sentir vivo, renovado. Convém não demonstrar muita alegria…Chega! Cansei! Largo tudo para viver com você…Opa! Calma, rapaz!Você tem um nome a zelar. Aperto de mão, quando quero sentir esses lábios todos. Paciência. Lindo dia, não? Quente…Ah! Está usando os brincos que eu dei no último aniversário. Hummmm. Ela não precisa ficar sabendo que eram para minha filha. Não vou reparar na roupa ou na curva dos seios. Imagina! E depois, tenho uma reunião chatíssima, melhor nem me empolgar. O cardápio sempre me salva nessas horas…Qual será a lingerie que ela trouxe na pasta? Tremo só em pensar! O garçom chega (maldito). Entrada? Leva tempo e estraga o apetite. Saladas, carnes, massas…Como é maravilhosa, não consigo controlar-me! Que boca! O desenho do rosto, harmonioso…Que belo arquear de sobrancelhas mandando escolher logo meu pedido. O garçom insiste. Arroz a piamontese e bife medalhão, por favor. Não, cerveja não! Suco de goiaba. Com gelo, sim?
Que homem bonito. Deve ser a terceira ou quarta vez que aparece por aqui. Elegante! Na primeira, veio com um amigo que reclamou da conta só para beliscar minha bunda. Desgraçado. Ele me defendeu. Depois com aquela dona. Bonita, mas mal-vestida. E olha quem chega? Ela mesma! Que brinco horroroso parece coisa de adolescente. Vulgar. Vê se minha mãe deixaria eu usar uma blusa decotada daquelas? Ralava a mão na minha cara. E pra que tão apertada? Ih! Já estão lá os dois de namorico. Ele fica babando por ela, mas a moça joga duro e não tá nem aí. Muito profissional. Pasta de executiva e tal. Deve ser alguma cliente. Almoço de negócios percebe-se. Mas que esse fulano está doido pra pegar, ah isso sim! Conheço de longe esse negócio de homem / mulher. Mas com os dois, acho que não acontece. Toma. A conta da seis. E traz depois um copo d’água com gelo pra mim, por favor. Tá um calor dos infernos nesse balcão.
Juliana Bezerra de Menezes
E-mail: jubmp@hotmail.com
Juliana Bezerra de Menezes Pinto (1977) mora em Niterói (RJ), onde ministra aulas de História e Música. Não tem textos publicados, mas já foi premiada por duas vezes: primeiro lugar em poesia e segundo lugar em crônica no “Concurso Luiz Antônio Pimentel” promovido pela Prefeitura Municipal de Niterói.
Onde ele estaria? Ah! Sim! Já o vi, me acena! Cuidado!Seja mais discreto, não vá chamar a atenção dos presentes…Será que tem algum conhecido por aqui? Por que o garçom me olha assim? Na certa, me reconheceu. Não, deve estar “conferindo o material”. Homens! Agora essa mania de marcar no mesmo restaurante! Ai, bem que eu pedi para mudarmos, mas ele não me escuta!Que ridículo: aperto de mão! E essa pasta de executiva para compor o personagem, a cliente do doutor. Mal sabe o que guardo aqui. Azul! A cor preferida. Será que vou ter oportunidade de mostrar? Ou será mais um daqueles almoços sem sobremesa? Sim, muito calor. Poxa! Nem um elogio! Estou usando justamente os brincos que ele me deu. Calma. Não vê que ele age assim para disfarçar? Escolha logo a comida…Como ele está lindo! Esse terno lhe cai tão bem, queria tanto fazer um carinho em suas mãos…Mesmo a esquerda, não importa. Suco de laranja e salada grega, por favor. Quê? Sem gelo.
Enfim, você apareceu! Pontualmente atrasada, quinze minutos, mas chegou. Não adiantava explicar que só tinha uma hora de almoço. Ela invariavelmente viria mais tarde. Mas valia a pena. Ei, meu bem (melhor acenar). Aqui! Ah, que curvas! Que rebolado! Ela me faz sentir vivo, renovado. Convém não demonstrar muita alegria…Chega! Cansei! Largo tudo para viver com você…Opa! Calma, rapaz!Você tem um nome a zelar. Aperto de mão, quando quero sentir esses lábios todos. Paciência. Lindo dia, não? Quente…Ah! Está usando os brincos que eu dei no último aniversário. Hummmm. Ela não precisa ficar sabendo que eram para minha filha. Não vou reparar na roupa ou na curva dos seios. Imagina! E depois, tenho uma reunião chatíssima, melhor nem me empolgar. O cardápio sempre me salva nessas horas…Qual será a lingerie que ela trouxe na pasta? Tremo só em pensar! O garçom chega (maldito). Entrada? Leva tempo e estraga o apetite. Saladas, carnes, massas…Como é maravilhosa, não consigo controlar-me! Que boca! O desenho do rosto, harmonioso…Que belo arquear de sobrancelhas mandando escolher logo meu pedido. O garçom insiste. Arroz a piamontese e bife medalhão, por favor. Não, cerveja não! Suco de goiaba. Com gelo, sim?
Que homem bonito. Deve ser a terceira ou quarta vez que aparece por aqui. Elegante! Na primeira, veio com um amigo que reclamou da conta só para beliscar minha bunda. Desgraçado. Ele me defendeu. Depois com aquela dona. Bonita, mas mal-vestida. E olha quem chega? Ela mesma! Que brinco horroroso parece coisa de adolescente. Vulgar. Vê se minha mãe deixaria eu usar uma blusa decotada daquelas? Ralava a mão na minha cara. E pra que tão apertada? Ih! Já estão lá os dois de namorico. Ele fica babando por ela, mas a moça joga duro e não tá nem aí. Muito profissional. Pasta de executiva e tal. Deve ser alguma cliente. Almoço de negócios percebe-se. Mas que esse fulano está doido pra pegar, ah isso sim! Conheço de longe esse negócio de homem / mulher. Mas com os dois, acho que não acontece. Toma. A conta da seis. E traz depois um copo d’água com gelo pra mim, por favor. Tá um calor dos infernos nesse balcão.
Juliana Bezerra de Menezes
E-mail: jubmp@hotmail.com
Juliana Bezerra de Menezes Pinto (1977) mora em Niterói (RJ), onde ministra aulas de História e Música. Não tem textos publicados, mas já foi premiada por duas vezes: primeiro lugar em poesia e segundo lugar em crônica no “Concurso Luiz Antônio Pimentel” promovido pela Prefeitura Municipal de Niterói.
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Ontem
Ontem
saí por aí
navegando…
Hoje
tenho medo de voltar
à terra estranha
a ter terra nos pés.
Quando a noite caiu
achei que tinha algo a dizer
do silêncio (dele)
mas antes de dizer
caio também
no absurdo
antes de dizer
escuto…
Adriana Lustosa
saí por aí
navegando…
Hoje
tenho medo de voltar
à terra estranha
a ter terra nos pés.
Quando a noite caiu
achei que tinha algo a dizer
do silêncio (dele)
mas antes de dizer
caio também
no absurdo
antes de dizer
escuto…
Adriana Lustosa
sábado, 22 de maio de 2010
Dizem que a paixão o conheceu
dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice
conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo
dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nunhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos
Al Berto
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice
conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo
dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nunhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos
Al Berto
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Day After Day
Como quem clareia sonhos
com o fogo de deuses desgarrados
fecha-se em silêncio?
Na solidão da montanha desenha
a partitura que incendeia
a noite das Bacantes
e os orgasmos das sereias.
Eis o poeta: Alquimista
que filtra a alma da rosa
no bosque dos invisíveis.
E me adormece, à distância,
cantando anil ao celular
uma canção de McCartney:
Day after day
um homem sozinho
em uma montanha.
Day after day
vendo o sol se por
os olhos na memória do mundo.
Day after day
a voz do homem da montanha
tal qual na canção
- uma centena de vozes
falando claramente -
Bárbara Lia
Nyx Nua -ed. 21 gramas/2010
quinta-feira, 20 de maio de 2010
E ao anoitecer
e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia
Al Berto
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia
Al Berto
O vendedor de palavras
Ouviu dizer que o Brasil sofria de uma grave falta de palavras. Em um programa de TV, viu uma escritora lamentando que não se liam livros nesta terra, por isso as palavras estavam em falta na praça. O mal tinha até nome de batismo, como qualquer doença grande, “indigência lexical”. Comerciante de tino que era, não perdeu tempo em ter uma idéia fantástica. Pegou dicionário, mesa e cartolina e saiu ao mercado cavar espaço entre os camelôs.
Entre uma banca de relógios e outra de lingerie instalou a sua: uma mesa, o dicionário e a cartolina na qual se lia: “Histriônico — apenas R$ 0,50!”.
Demorou quase quatro horas para que o primeiro de mais de cinqüenta curiosos parasse e perguntasse.
— O que o senhor está vendendo?
— Palavras, meu senhor. A promoção do dia é histriônico a cinqüenta centavos como diz a placa.
— O senhor não pode vender palavras. Elas não são suas. Palavras são de todos.
— O senhor sabe o significado de histriônico?
— Não.
— Então o senhor não a tem. Não vendo algo que as pessoas já têm ou coisas de que elas não precisem.
— Mas eu posso pegar essa palavra de graça no dicionário.
— O senhor tem dicionário em casa?
— Não. Mas eu poderia muito bem ir à biblioteca pública e consultar um.
— O senhor estava indo à biblioteca?
— Não. Na verdade, eu estou a caminho do supermercado.
— Então veio ao lugar certo. O senhor está para comprar o feijão e a alface, pode muito bem levar para casa uma palavra por apenas cinqüenta centavos de real!
— Eu não vou usar essa palavra. Vou pagar para depois esquecê-la?
— Se o senhor não comer a alface ela acaba apodrecendo na geladeira e terá de jogá-la fora e o feijão caruncha.
— O que pretende com isso? Vai ficar rico vendendo palavras?
— O senhor conhece Nélida Piñon?
— Não.
— É uma escritora. Esta manhã, ela disse na televisão que o País sofre com a falta de palavras, pois os livros são muito pouco lidos por aqui.
— E por que o senhor não vende livros?
— Justamente por isso. As pessoas não compram as palavras no atacado, portanto eu as vendo no varejo.
— E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são palavras, não enchem barriga.
— A escritora também disse que cada palavra corresponde a um pensamento. Se temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma palavra por dia, trabalhando duzentos dias por ano, serão duzentos novos pensamentos cem por cento brasileiros. Isso sem contar os que furtam o meu produto. São como trombadinhas que saem correndo com os relógios do meu colega aqui do lado. Olhe aquela senhora com o carrinho de feira dobrando a esquina. Com aquela carinha de dona-de-casa ela nunca me enganou. Passou por aqui sorrateira. Olhou minha placa e deu um sorrisinho maroto se mordendo de curiosidade. Mas nem parou para perguntar. Eu tenho certeza de que ela tem um dicionário em casa. Assim que chegar lá, vai abri-lo e me roubar a carga. Suponho que para cada pessoa que se dispõe a comprar uma palavra, pelo menos cinco a roubarão. Então eu provocarei mil pensamentos novos em um ano de trabalho.
— O senhor não acha muita pretensão? Pegar um…
— Jactância.
— Pegar um livro velho…
— Alfarrábio.
— O senhor me interrompe!
— Profaço.
— Está me enrolando, não é?
— Tergiversando.
— Quanta lenga-lenga…
— Ambages.
— Ambages?
— Pode ser também evasivas.
— Eu sou mesmo um banana para dar trela para gente como você!
— Pusilânime.
— O senhor é engraçadinho, não?
— Finalmente chegamos: histriônico!
— Adeus.
— Ei! Vai embora sem pagar?
— Tome seus cinqüenta centavos.
— São três reais e cinqüenta.
— Como é?
— Pelas minhas contas, são oito palavras novas que eu acabei de entregar para o senhor. Só histriônico estava na promoção, mas como o senhor se mostrou interessado, faço todas pelo mesmo preço.
— Mas oito palavras seriam quatro reais, certo?
— É que quem leva ambages ganha uma evasiva, entende?
— Tem troco para cinco?
Fábio Reynol
E-Mail: freynol@gmail.com
Blog: http://diariodatribo.blogspot.com
Fábio Reynol (1973), paulista da cidade de Campinas, é jornalista e escritor. Trabalha como assessor de imprensa, redator para Internet e ghostwriter. Tem vários trabalhos, nenhum publicado, entre eles o livro-reportagem “A verdadeira história de Pedrinho Matador” escrito em parceria com a jornalista Patrícia Capovilla. Publicou, em fins de Novembro/2008, o livro “O vendedor de palavras — Crônicas de um país de tanga na mão e corda no pescoço”.
Entre uma banca de relógios e outra de lingerie instalou a sua: uma mesa, o dicionário e a cartolina na qual se lia: “Histriônico — apenas R$ 0,50!”.
Demorou quase quatro horas para que o primeiro de mais de cinqüenta curiosos parasse e perguntasse.
— O que o senhor está vendendo?
— Palavras, meu senhor. A promoção do dia é histriônico a cinqüenta centavos como diz a placa.
— O senhor não pode vender palavras. Elas não são suas. Palavras são de todos.
— O senhor sabe o significado de histriônico?
— Não.
— Então o senhor não a tem. Não vendo algo que as pessoas já têm ou coisas de que elas não precisem.
— Mas eu posso pegar essa palavra de graça no dicionário.
— O senhor tem dicionário em casa?
— Não. Mas eu poderia muito bem ir à biblioteca pública e consultar um.
— O senhor estava indo à biblioteca?
— Não. Na verdade, eu estou a caminho do supermercado.
— Então veio ao lugar certo. O senhor está para comprar o feijão e a alface, pode muito bem levar para casa uma palavra por apenas cinqüenta centavos de real!
— Eu não vou usar essa palavra. Vou pagar para depois esquecê-la?
— Se o senhor não comer a alface ela acaba apodrecendo na geladeira e terá de jogá-la fora e o feijão caruncha.
— O que pretende com isso? Vai ficar rico vendendo palavras?
— O senhor conhece Nélida Piñon?
— Não.
— É uma escritora. Esta manhã, ela disse na televisão que o País sofre com a falta de palavras, pois os livros são muito pouco lidos por aqui.
— E por que o senhor não vende livros?
— Justamente por isso. As pessoas não compram as palavras no atacado, portanto eu as vendo no varejo.
— E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são palavras, não enchem barriga.
— A escritora também disse que cada palavra corresponde a um pensamento. Se temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma palavra por dia, trabalhando duzentos dias por ano, serão duzentos novos pensamentos cem por cento brasileiros. Isso sem contar os que furtam o meu produto. São como trombadinhas que saem correndo com os relógios do meu colega aqui do lado. Olhe aquela senhora com o carrinho de feira dobrando a esquina. Com aquela carinha de dona-de-casa ela nunca me enganou. Passou por aqui sorrateira. Olhou minha placa e deu um sorrisinho maroto se mordendo de curiosidade. Mas nem parou para perguntar. Eu tenho certeza de que ela tem um dicionário em casa. Assim que chegar lá, vai abri-lo e me roubar a carga. Suponho que para cada pessoa que se dispõe a comprar uma palavra, pelo menos cinco a roubarão. Então eu provocarei mil pensamentos novos em um ano de trabalho.
— O senhor não acha muita pretensão? Pegar um…
— Jactância.
— Pegar um livro velho…
— Alfarrábio.
— O senhor me interrompe!
— Profaço.
— Está me enrolando, não é?
— Tergiversando.
— Quanta lenga-lenga…
— Ambages.
— Ambages?
— Pode ser também evasivas.
— Eu sou mesmo um banana para dar trela para gente como você!
— Pusilânime.
— O senhor é engraçadinho, não?
— Finalmente chegamos: histriônico!
— Adeus.
— Ei! Vai embora sem pagar?
— Tome seus cinqüenta centavos.
— São três reais e cinqüenta.
— Como é?
— Pelas minhas contas, são oito palavras novas que eu acabei de entregar para o senhor. Só histriônico estava na promoção, mas como o senhor se mostrou interessado, faço todas pelo mesmo preço.
— Mas oito palavras seriam quatro reais, certo?
— É que quem leva ambages ganha uma evasiva, entende?
— Tem troco para cinco?
Fábio Reynol
E-Mail: freynol@gmail.com
Blog: http://diariodatribo.blogspot.com
Fábio Reynol (1973), paulista da cidade de Campinas, é jornalista e escritor. Trabalha como assessor de imprensa, redator para Internet e ghostwriter. Tem vários trabalhos, nenhum publicado, entre eles o livro-reportagem “A verdadeira história de Pedrinho Matador” escrito em parceria com a jornalista Patrícia Capovilla. Publicou, em fins de Novembro/2008, o livro “O vendedor de palavras — Crônicas de um país de tanga na mão e corda no pescoço”.
Há-de flutuar uma cidade
há-de flutuar uma cidade no crepúscolo da vida
pensava eu… como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos… sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta… dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci… acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão
(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)
um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade
Al Berto
pensava eu… como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos… sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta… dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci… acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão
(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)
um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade
Al Berto
terça-feira, 18 de maio de 2010
Por una cabeza
Por una cabeza
de un noble potrillo
que justo en la raya
afloja al llegar,
y que al regresar
parece decir:
No olvidéis, hermano,
vos sabés, no hay que jugar.
Por una cabeza,
metejón de un día
de aquella coqueta
y risueña mujer,
que al jurar sonriendo
el amor que está mintiendo,
quema en una hoguera
todo mi querer.
Por una cabeza,
todas las locuras.
Su boca que besa,
borra la tristeza,
calma la amargura.
Por una cabeza,
si ella me olvida
qué importa perderme
mil veces la vida,
para qué vivir.
Cuántos desengaños,
por una cabeza.
Yo jugué mil veces,
no vuelvo a insistir.
Pero si un mirar
me hiere al pasar,
sus labios de fuego
otra vez quiero besar.
Basta de carreras,
se acabó la timba.
¡Un final reñido
ya no vuelvo a ver!
Pero si algún pingo
llega a ser fija el domingo,
yo me juego entero.
¡Qué le voy a hacer..!
Carlos Gardel
Composição: Alfredo Le Pera
de un noble potrillo
que justo en la raya
afloja al llegar,
y que al regresar
parece decir:
No olvidéis, hermano,
vos sabés, no hay que jugar.
Por una cabeza,
metejón de un día
de aquella coqueta
y risueña mujer,
que al jurar sonriendo
el amor que está mintiendo,
quema en una hoguera
todo mi querer.
Por una cabeza,
todas las locuras.
Su boca que besa,
borra la tristeza,
calma la amargura.
Por una cabeza,
si ella me olvida
qué importa perderme
mil veces la vida,
para qué vivir.
Cuántos desengaños,
por una cabeza.
Yo jugué mil veces,
no vuelvo a insistir.
Pero si un mirar
me hiere al pasar,
sus labios de fuego
otra vez quiero besar.
Basta de carreras,
se acabó la timba.
¡Un final reñido
ya no vuelvo a ver!
Pero si algún pingo
llega a ser fija el domingo,
yo me juego entero.
¡Qué le voy a hacer..!
Carlos Gardel
Composição: Alfredo Le Pera
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Cida Sepulveda – Releitura
A mão da menina desliza
Sobre a folha branca
Talvez
Uma floresta
Um pássaro
Um gigante
Uma bomba
Um perdão
A mão da menina busca
A qualidade da palavra
Aprendida
Apreendida
A mão desliza
A menina experimenta
O prazer da expressão
E-Mail: apasepulveda@globo.com
Cida Sepulveda nasceu em São Pedro, interior de São Paulo, de onde ainda se via o “verde rareando nas estradas e nas serras”. Nasceu no tempo ainda “das trepadas nas mangueiras, goiabeiras, amoreiras, do entregar-se às invernadas e aos urubus caindo do céu e bicando feridas…”. Renasceu em Campinas (SP), e agora apresenta seu primeiro livro, “Sangue de Romã”, pela Editora Scortecci, onde, segundo o filósofo Roberto Romano, “o leitor encontra uma síntese perfeita da cultura poética moderna, sobretudo se pensarmos nas formas românticas da imaginação”.
Cida Sepulveda – Releitura
A mão da menina desliza
Sobre a folha branca
Talvez
Uma floresta
Um pássaro
Um gigante
Uma bomba
Um perdão
A mão da menina busca
A qualidade da palavra
Aprendida
Apreendida
A mão desliza
A menina experimenta
O prazer da expressão
E-Mail: apasepulveda@globo.com
Cida Sepulveda nasceu em São Pedro, interior de São Paulo, de onde ainda se via o “verde rareando nas estradas e nas serras”. Nasceu no tempo ainda “das trepadas nas mangueiras, goiabeiras, amoreiras, do entregar-se às invernadas e aos urubus caindo do céu e bicando feridas…”. Renasceu em Campinas (SP), e agora apresenta seu primeiro livro, “Sangue de Romã”, pela Editora Scortecci, onde, segundo o filósofo Roberto Romano, “o leitor encontra uma síntese perfeita da cultura poética moderna, sobretudo se pensarmos nas formas românticas da imaginação”.
Ind/gesta
uma caneta pelo amor de deus
uma máquina de escrever
uma câmera por favor
quero um computador
nem que seja pós moderno
vamos fazer um filme
vamos criar um filho
deixa eu amar a lídia
que a mediocridade
desta idade mídia
não coca cola mais
nem aqui nem no inferno
arturgomes
http://carnavalhagumes.blogspot.com/
uma máquina de escrever
uma câmera por favor
quero um computador
nem que seja pós moderno
vamos fazer um filme
vamos criar um filho
deixa eu amar a lídia
que a mediocridade
desta idade mídia
não coca cola mais
nem aqui nem no inferno
arturgomes
http://carnavalhagumes.blogspot.com/
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Boa noite, tristeza
Que bom que você veio
Ainda mais em companhia
Da velha e má amiga melancolia //
Sorrir não fica bem pra minha cara
Minha cara, pode chorar por mim
O sol nasce pra todos, menos pra mim //
A falta de angústia me dá nos nervos
A ausência de depressão me deixa tenso
A tristeza é a prova dos nove
Desgraça pouca não me comove
(Marcos Prado e Thadeu Wojciechowski)
Que bom que você veio
Ainda mais em companhia
Da velha e má amiga melancolia //
Sorrir não fica bem pra minha cara
Minha cara, pode chorar por mim
O sol nasce pra todos, menos pra mim //
A falta de angústia me dá nos nervos
A ausência de depressão me deixa tenso
A tristeza é a prova dos nove
Desgraça pouca não me comove
(Marcos Prado e Thadeu Wojciechowski)
LEGÍTIMA DEFESA
Falam que sou banal
Meu conteúdo não tem
Dizem que sou vulgar
Um vácuo a evacuar
Nem sei se sou sem sal
Mas você tem tempero meu bem
Passo a faca na sua lombar
Mais lento que o devagar
Não me leve a mal
Muito menos amém
Só tentarei te tirar
Fora do ar
Sérgio Viralobos
Meu conteúdo não tem
Dizem que sou vulgar
Um vácuo a evacuar
Nem sei se sou sem sal
Mas você tem tempero meu bem
Passo a faca na sua lombar
Mais lento que o devagar
Não me leve a mal
Muito menos amém
Só tentarei te tirar
Fora do ar
Sérgio Viralobos
sábado, 8 de maio de 2010
figura nova centro novo nova esfera
sedento erro inexata recordação
risco esse nome essa face
novamente da memoria
amanhece nuvens vento
manhã carregada de torturas
o misterio dessas noites entorta
parafusos do corpo
tempo abolido pressagios
sob sonho e palavras
investe contra ele
impronunciada melodia
?havera tempo depois
da desesperada tempestade
Alberto Lins Caldas
sedento erro inexata recordação
risco esse nome essa face
novamente da memoria
amanhece nuvens vento
manhã carregada de torturas
o misterio dessas noites entorta
parafusos do corpo
tempo abolido pressagios
sob sonho e palavras
investe contra ele
impronunciada melodia
?havera tempo depois
da desesperada tempestade
Alberto Lins Caldas
sexta-feira, 7 de maio de 2010
quarta-feira, 5 de maio de 2010
Condicional
condicional
para a moldura
[paredes]
para o silêncio
[a fúria das cores]
para a liberdade
[o ventre]
para a vida
[intensidade]
no caminho
[somente]
aqueles que pulsem juntos
Lúcia Gönczy
*
http://luciagonczy.blogspot.com/
para a moldura
[paredes]
para o silêncio
[a fúria das cores]
para a liberdade
[o ventre]
para a vida
[intensidade]
no caminho
[somente]
aqueles que pulsem juntos
Lúcia Gönczy
*
http://luciagonczy.blogspot.com/
terça-feira, 4 de maio de 2010
segunda-feira, 3 de maio de 2010
o q tenho
te amado
é pouco
se a vida
me chegar
mostrarei
o poder
e o horror
q somos
a violencia
a tristeza
enfim
impotencia
da razão
e do afeto
loucura
das forças
da intuição
corpos futeis
torpor
devoração
amor falho
carne torta
abismo
doença
de palavras
sem desejo
sem sentido
arrastados
no jorro
*
Alberto Lins Caldas
te amado
é pouco
se a vida
me chegar
mostrarei
o poder
e o horror
q somos
a violencia
a tristeza
enfim
impotencia
da razão
e do afeto
loucura
das forças
da intuição
corpos futeis
torpor
devoração
amor falho
carne torta
abismo
doença
de palavras
sem desejo
sem sentido
arrastados
no jorro
*
Alberto Lins Caldas
se...
se...
se teu coração desenhasse
sonhos
madrugadas proibidas
fossem memórias
quentes
invólucros naturais
de sensações palpáveis
notas que por si só
vibrassem
loucas línguas
salivassem
partículas heterogêneas
desprendessem
transmutassem
e entre si
amalgamassem...
...seria a química perfeita
meu amor!
Lúcia Gönczy
se teu coração desenhasse
sonhos
madrugadas proibidas
fossem memórias
quentes
invólucros naturais
de sensações palpáveis
notas que por si só
vibrassem
loucas línguas
salivassem
partículas heterogêneas
desprendessem
transmutassem
e entre si
amalgamassem...
...seria a química perfeita
meu amor!
Lúcia Gönczy
domingo, 2 de maio de 2010
Hoje me deparei com uma menininha. Ela despertou devagarinho, esticou um braço, depois outro, virou de um lado e bem de mansinho abriu seus olhos amendoados. Tinha um brilho encantador. Carregava dentro do peito um misto de curiosidade e fantasia. Na testa as vezes carregava um coração, outras uma estrela. Pisava mais nas nuvens do que no chão. Fiquei meio assim, hipnotizada por ela. Sei que ela tinha algo para me dizer, só que era estrangeira, não falavamos a mesma língua. Tinha gestos doces e passos rápidos, tinha fome de algo que não era comida. Ela não queria saber sobre a realidade, acreditava que a magia da vida vinha de lá, dos seus sonhos. Acompanhei suas aventuras, ora dentro de um balão, ora com uma lupa na mão, descobrindo novos cantos e espaços, sem pressa. Quando dei por mim, já estavamos conversando naquela língua que eu já nem sabia que sabia mais. Essa lingua não era feita de palavras e nem de letras, mas de uma espécie de pó que mudava de cor conforme o sentimento. Ela desconhecia o medo, como eu conheço. Desconhecia a secura do olhar e a rigidez na nuca. Seu brilho me deu confiança. Quando abri os olhos ela foi embora, deixando um pozinho do qual eu me alimento a cada dia: o pozinho da menininha que fui um dia.
Nanci Kirinus
Nanci Kirinus
cinzas e ruinas
desertos onde havia corpos
riso e sono
não vejo o sol
nem praias cheias de passaros
nem seus ninhos eu vejo
ha o abandono
o q não se cumpriu e agora é morte
ossos entre ossos
não ha poemas
não ha musica canto ou dança
nos campos em chamas
porisso devoro esses labirintos
de pedra e sal
e não consigo mais nos escutar
Alberto Lins Caldas
desertos onde havia corpos
riso e sono
não vejo o sol
nem praias cheias de passaros
nem seus ninhos eu vejo
ha o abandono
o q não se cumpriu e agora é morte
ossos entre ossos
não ha poemas
não ha musica canto ou dança
nos campos em chamas
porisso devoro esses labirintos
de pedra e sal
e não consigo mais nos escutar
Alberto Lins Caldas
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