sábado, 29 de maio de 2010

Você faz brotar o mexicano em mim

(Título original: You bring out the Mexican in Me. Do livro Loose Woman. New York: Vintage Contemporaries. 1995)


Você faz brotar o mexicano em mim.

O espiral escuro que se agacha

O uivo desde o centro do coração

A bilis amarga.

As lágrimas tequila desde o sábado todo até

o domingo da semana que vem.

Por você me livraria de todos os outros amores,

entregaria minha casa -de -uma -mulher só.

Te permitiria vinho tinto na cama

sem antes tirar os lençóis de seda

Talvez. Talvez.

Pra você.

Você faz brotar o Dolores del Rio em mim.

A tempestade mexicana em mim.

As navalhas afiadas, o resplandor e a paixão em mim

O crie Cain e baile com o diabo pata-de-galo em mim

A lantejoula cintilante em mim.

A águia e a serpente em mim.

As trompetas mariachi do meu sangue.

O amor de guerra azteca em mim.

A obsidiana feroz da minha língua.

O jeito de berrinchuda, de bien-cabrona em mim.

Minha curiosidade de Pandora.

A morte e destruição pré-colombinas em mim.

O desastre da mata atlântica, a ameaça nuclear em mim.

Meu medo dos fascistas.

Você faz brotar isso sim, faz sim.

Você faz brotar o colonizador em mim.

O holocausto do desejo em mim.

O terremoto da Cidade de México ano 1985 em mim.

Os vulcões Popocatepetl/Ixtaccíhuatl em mim

A maré de recessão em mim.

O Agustin Lara romântico perdido em mim.

Os taquitos de barbacoa no domingo em mim.

O cubra -os -espelhos –com- lençóis em mim

Doce alma gêmea. Meu Outro malvado,

Sou a lembrança que dá voltas à tua cama pela noite,

que te puxa até que te afines como a lua puxa o oceano.

Arrogante como o Destino Manifesto,

te declaro todo meu.

Quero te chacoalhar e partir em dois.

Quero te manchar e criar caso.

Quero tirar minhas facas de cozinha,

as embotadas e as afiadas,

e brandi-las no ar em sinal de cruz.

Me sacas lo mexicano en mi,

queira ou não, meu querido.

Você faz brotar o Uled-Nayl em mim.

O fique-pra-trás, puta branca! em mim.

A navalha escondida na bota em mim.

O saltador dos penhascos de Acapulco em mim.

O desastre da montanha Flecha Roja em mim

A febre da dengue em mim.

A assassina do jornal Alarma! em mim.

Poderia até matar no teu nome e pensar

que valeu a pena,

Brandir um garfo e aterrorizar meus rivais,

mulheres e homens que vagueiam para te olhar,

na tua lânguida luz. Ah,

Eu sou malvada. Sou a deusa da sujeira Tlazotéotl.

Sou a que engole pecados.

A deusa da luxuria sem culpa.

A debocharia deliciosa. Você faz brotar

a delicia primordial em mim.

A obsessão nojenta em mim.

O pecado corporal e venal em mim.

A transgressão original em mim.

Ocre vérmelho. Ocre amarelo. Indigo. Cochineal.

Piñón. Copal. Sweetgrass. Mirra.

Todos os santos, benditos e terriveis.

Virgen de Guadalupe, diosa Coatlicue,

Os invoco.

Quiero ser tuya. Só de você. Só você

Quiero amarte. Atarte. Amarrarte.

Amar como uma mexicana ama. Deixe

que te mostre. Amar da única forma

que aprendi.



Sandra Cisneros
(Versão brasileira de Miriam Adelman)

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