Não cante o desprezo dos deuses, Ricardo
Não colha as flores mortas ao lado do Tejo
Os fardos humanos são apenas isto — Fardos
E os beijos sensuais são apenas isto — Beijos
Sou toda verão na alcova, acesa, à tua espera
Estonteante mulher que levas a ver as flores
Enquanto os pássaros trinam alto — Neera!
Nada nos falta, mas, em ti brotam mil dores
Quando a morte te buscar, aquela que conheces
Voltarei aos prados colhendo as flores vivas
Tocarei a pele do planeta murmurando preces
Banquetearei na relva, as flores como convivas
Dói, Ricardo, saber que todos os campos serão meus
Ainda orvalhados de lágrimas dos belos olhos teus
Bárbara Lia
Bárbara Lia
Ausência de Pessoa
O balcão feliz, o chão da Leitaria do Trindade
O fatal silêncio ocre escuro de folha outonal
O ar se altera — ventania, mistério e divindade
Prenúncio da chegada do poeta lusitano genial
Nas manhãs um copo de vinho, gesto costumeiro
— Bom dia, Trindade! O copo de vinho estendido
Nas noites escrevia com a luz da rua — candeeiro
Mil vozes e mil rostos em seu rosto, escondidos
Esta epopéia diária das paredes a abrigar a figura
Roupa escura, chapéu e óculos, passo que levita
Esta contumácia de pedra que abarca a água pura
Esta rotina de lírio e fogo que segue e nada evita
Quebrada em um novembro com a morte do poeta
Médico pastor escrivão engenheiro místico esteta
Bárbara Lia
Sonetos publicados na edição de Março/2012 #143 - Jornal Rascunho
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