-- Oi.
-- Oi.
-- Não me viu?
-- Desculpa, tenho andado distraído.
-- Você vive distraído -- e ela riu.
-- É verdade. Eu já nasci distraído. Meus olhos muitas vezes
estão voltados para dentro.
-- E o que você vê quando olha para dentro?
Agora foi ele que riu. Na verdade um sorriso. Um sorriso
tímido de quem olha muito para dentro.
-- Eu vejo uma grande escuridão. E algumas luzes.
-- Você é engraçado. Fala como se fosse um personagem.
-- Às vezes eu acho que sou um personagem.
-- E o que acontece no seu livro?
-- Nada. Quase nada.
-- Que pena. Se eu entrasse no seu livro podia acontecer
alguma coisa.
-- O que, por exemplo?
-- Ah, a gente podia tomar um sorvete.
-- Sabe que é uma boa ideia?
-- Tomar um sorvete?
-- Sim, mas sobretudo entrar na minha história.
-- E o que eu faria na sua história? -- ela perguntou, com
um olhar enigmático.
-- Você podia ser uma luz. Uma dessas luzes que brilham na
minha escuridão interior.
-- Ah, não quero.
Ele estranhou. Pela primeira vez demonstrou espanto.
-- Não quer?
-- Não, não quero ser apenas mais uma luz.
-- Garanto que você seria uma das estrelas mais brilhantes.
-- Não basta.
-- O que você quer ser então?
-- Quero ser teu sol. E brilhar tão forte que as outras
estrelas apaguem.
-- O sol da minha noite?
-- Sim, o sol da sua noite.
-- E se apagar um dia? Os sóis sempre morrem.
-- Não importa. O que importa é que enquanto brilham não há
necessidade de outras luzes.
-- Bonito o que você disse. Vou botar na minha história.
Ela riu de novo.
-- Quando que você vai sair do seu livro imaginário?
-- Nunca. Agora que você entrou não vou sair nunca.
-- Há-há. Mas a história termina bem?
-- Não sei. Se for história de amor acaba mal. Como todas as
histórias de amor.
-- Por quê? E o "foram felizes para sempre"?
-- Olha, sempre que você ler num livro "foram felizes
para sempre", na verdade quer dizer "ficaram entediados para
sempre".
Riram.
-- É, o que importa é o brilho do momento -- disse ela. --
Mas então, termina mal esta história em que estou entrando?
-- Não sei. Pode ser que sim, pode ser que não. Saber o
final tira a graça.
-- É verdade. Vamos curtir então enquanto brilha o sol da
meia noite...
-- Quanto mais profunda é a noite, mais bonita é a luz.
-- Estou dizendo: você fala que nem protagonista de romance.
Ele riu.
-- Bom, em que parte da história estamos agora? -- tornou
ela.
-- Ainda no começo. Na parte em que ela convida ele pra
tomar um sorvete.
-- E ele aceita?
-- Ele já aceitou. Que sabor você quer?
Otto Leopoldo Winck