domingo, 8 de março de 2015

Julia Wuestefeld

Um pouco de chorume. Só um pouco de suco de lixo, de dejetos. Todo o resto que não nos atrevemos levar à boca. Isso é tudo que se precisa pra dar a vida. Não. Minto. No meu pequeno e triste canteiro de plástico também tinha um pouco de terra morta e a chuva deve ter ajudado também. Mas aquele líquido milagroso, feito de tudo que tem de pior na casa, é irônicamente o que nos sustenta. Se a decomposição tivesse um sangue, seria este, que escorre da morte como o que escorre que de um corte.
E traz a vida. Faz germinar do chão, do banco de sementes da terra, as mais charmosas da mudas. Pequenos brotos de coentro, habanero e gengibre que não encontravam-se ali antes e que apareceram sem convite na varanda 50x130 do meu apartamento. Só por causa da água rica em morte e vida despejada ali naquela terrinha severina e estéril do quinto andar.

As minhocas, os pulgões, os vermes que agora povoam este pequeno território aéreo proclamam a esperança em um mundo aséptico, em um tempo quando os maiores bens que podemos ter são o Raid, o Álcool 70 e o Merthiolate. Enquanto isso, os minúsculos tatus-bola tocam suas minúsculas e proféticas trombetas: anunciando a vida que reina sobre a morte. As únicas coisas precisas são uma fatia de curiosidade e um pensamento inevitável que estamos fadados ao fracasso. Isso - e uma cultivação quase irracional do tão desprezado lixo.

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