segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Poemas de Adriano Smaniotto

fui eu quem guardou
as manhãs dos soropositivos
e dos outros filhos deste caos

estão comigo...
se não as encontro
então os sãos
insistem em continuar sorrindo

quem puder sair de seu almoço
com arrotos de tudo bem
tudo bem coma como um porco
tudo bem coma coma um porco
só não venha me dizer que é poeta

o vício da poesia implica algumas abstinências:
de focinheira
de linhas
de vida

essa/ poucos ouvidos sensíveis, nem nos quer


fui eu quem tentou apreciar o prazer dos verbos
ganhei no lugar vãs filosofias e uma única razão:

fui eu que inventei o mundo que chamam mal-estar.

*

elas sempre ficam mais belas depois do fim.
daí revelam as mentirinhas dissimuladas.

nada de mais se você não for daqueles
que se matam perdida a primeira
azar se acha que besteiras de vidas falidas a dois
são pra colecionar

vai, ferido, e aprende a namorada
que são os livros

no silêncio sem amigos
urgem úteis conselhos

ouve: amor - mútuo egoísmo!

*

patrícia claudino das vísceras
filha legítima da dor
que falta de amor nos faltou?

foi em vão esperar pêlos brindes,
os anos não nos medicaram

pede, por favor, poeta,
à mãe sublime
que me dê seio
família em teu lar

patrícia claudino das vísceras
quem nos roubou chama-se paz!
De balé mal resolvido)

*

quando cantares tua dor em poemas,
chama-os por números,
que é melhor teres no fim
uma soma ou teorema,
que sinônimos.



1.

considera as linhas por mim escritas
como um roubo à energia do sol
um convite a escurecer o dia

no enfim de religar-me ao só
iniciei uma multidão de apatias.
versejar a voz do ser é ser de si algoz


*

tudo que for lírico em mim
terá um fim de laço.
depois é claro um invólucro de cetim

porém como enforcar e embrulhar
o ar o sangue a lástima o líquido
que insistem em coabitar um lírico?

*


agora que você namora
e já não desrespeito meus rivais
entre ais pergunto ao espelho:

pra qual amor amadureço,
se amo como quem vai embora
e indo vou olhando para trás?
(De Diário da dor dos dias)

Poemas extraídos de PASSAGENS. Antologia de poetas contemporâneos do Paraná. Seleção e apresentação de Ademir Demarchi. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 202. 428 p. (Col. Brasil Diferente.)

Fonte: Site Antonio Miranda

Postado por Andrea Motta
no site "Simultaneidades"

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