sábado, 31 de dezembro de 2011

Terror.Mundo em crise.Nossas crianças precisam ser educadas para a paz . Angélica dava uma bronca no marido."Não admito Kléber .Nosso filho não pode ganhar isto de presente."Uma metralhadora de plástico.Para o Dia das Crianças.No carro ,o garoto chorava.Angélica foi radical.Jogou o brinquedo na rua.Debaixo de um viaduto.Ali mesmo, num buraco,morava o mendigo Xexéu. Magro.Barba preta.Andrajos.Ele pegou a metralhadora."Legal ."Teve uma inspiração."Morte ao reino de Satã.Viva a Jihad."Desafiou com altivez um vigia de banco chamado Ronaldo."Sou o Bin Laden, amiguinho."Vários golpes de porrete agravaram o delírio do indigente.Na delegacia, já converteu a causa três colegas à causa santa.Não há miséria quando sobram ideais.









Voltaire da Sousa.in "Vida Bandida "

Vida Adulta

Volta às aulas .momento de alegria em muitas famílias.Odilo acariciou a cabeça raspada do filho."Parabéns,Rônei.Você na faculdade .Fico orgulhoso."Rõnei apagou o cigarro.Odilo respirou fundo."agora posso ter com você uma conversa adulta."Odilo explicou."Sempre fui gay,meu filho.Temia que você não pudesse compreender a minha opção."Rônei deu no pai coices de animal selvagem.."Quem não compreende e você seu panaca."Não tinha entrado na faculdade."sou é skinhead.E da ala nazista."Odilo arrepende-se de ter amado uma mulher.O diálogo nem sempre melhora as coisas.









Voltaire de Souza.in Vida Bandida.FSP15/02/00

A superfície é a matéria da ilusão

A cultura ocidental, principalmente a americana, máxima adoradora e promotora de prêmios por sucesso material, é uma das que mais distorcem os valores sociais em sério detrimento dos espirituais. A lei é a competição, cujo prêmio, financeiro, profissional ou mesmo pessoal, visa meramente *imitar* o que seria o autêntico sucesso espiritual. A prosperidade material pode sempre ser uma conseqüência do bem estar e do fluir natural da vida, mas também pode tornar-se o objetivo máximo, onde os fins justificam os meios, e onde os meios são ignorados às custas de quem deseja esse tipo de sucesso. Assim, vemos muitos abrindo mão daquilo que verdadeiramente gostariam de realizar em prol de um benefício material que pode trazer uma satisfação temporária, mas com duração inversamente proporcional à profundidade da alma. O crescimento pessoal também é prejudicado quando vemos indivíduos buscando recompensas em títulos que contribuem para sua imagem, mas que jamais alimentam necessidades um pouco mais sutis. Os mesmos indivíduos podem construir relacionamentos que, ao invés de suprir genuinamente o crescimento pessoal, sobrevivem décadas à míngua, sem sentido, a fim de garantir uma fachada de segurança, onde já não há nenhuma satisfação.









O sucesso do Ser está em baixa, ou ainda, é seriamente confundido com sucesso material, e uma pessoa “bem-sucedida” pode seguramente ser a que menos extrai um sentido maior de tudo isso, mesmo que esteja desempenhando as funções sociais com importância ou notoriedade. Não podemos, porém, julgar o que motiva o sucesso de alguém como necessariamente negativo, mas as pessoas orientadas pelo Ser são as que menos se preocupam com o que venha a ser o sucesso socialmente, pois estão mais focadas em satisfações mais sutis, de desenvolvimento. É certamente muito difícil definir precisamente o quanto somos motivados pelo espírito ou pela matéria, mas uma boa pergunta a fazer é se o trabalho que realizamos é mais motivador do que o salário mensal (ou o que quer que obtenhamos no fim).







Infelizmente os valores da cultura ocidental estão tão difundidos que o problema não está mais apenas lá, pois o mundo oriental – outrora tão mais exemplar nesse sentido - também já o incorporou. Seria correto dizer que é preciso primeiramente satisfazer as necessidades materiais e que as mais sutis vêm depois, mas tais necessidades são mais subjetivas do que geralmente se admite, do contrário todos os ricos seriam espiritualistas, e não haveria exemplos de espiritualidade nas classes mais baixas. Mas o que ocorre com muita freqüência é o oposto.







Não precisamos, é claro, e não devemos, fugir às obrigações rotineiras em prol de uma espiritualidade que prejudica ou abstenha outros direta ou indiretamente. Mas quando as necessidades do espírito vêm em primeiro lugar, o resto é geralmente acrescentado, sem que em troca das mesmas o indivíduo precise entregar o que tem de melhor.



Juliana Côrreia

TRANSCENDÊNCIAS REFLEXIVAS









Julianapoetry.blogspot.com




TRANSCENDÊNCIAS REFLEXIVAS

A Chuva

Ouviste a chuva me perguntas
com alegria infantil
respondo-te singelamente
não só a ouvi, também a vi.
Porque estava frio,
em meu corpo
não a senti.
Mas, na música da chuvarada
os córregos que estavam por um fio,
em plena madrugada,
tornaram-se caudalosos e silenciosos rios.
Não resta dúvida, em território lasso,
o profuso pranto
de tratos, traços e encantos,
explodiu em fulgor plural.
E aos poetas
se não trouxe a rima
nem a cadência
trouxe a divina inspiração

Andréa Motta
 – Escritoras Suicidas

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Passado o Natal crístico, é hora de tirar a roupa de Papai Noel. Afinal, hoje, ninguém mais lembra dos votos tão propalados. Já teve gente matando gente no trânsito, marido fazendo a esposa refém, enfim, tudo continua como antes. Dentro de 3 dias, novas hipocrisias se farão ouvir. Depois do dia 2..., a coisa fica na base do..., 'sai da frente que eu quero passar'. Fica uma pergunta:

- O que muda, além da fotografia do calendário?

Olinto Simões

PÉ NA PORTA



Pé na porta!...
      Entrei.
Emboço e poeira
seguiram-me.

Havia perdido
as chaves, a carteira.

Banho bom.
Vapor.
Esfolão de fogo:
Mertiolate.

Certas noites solteiras
são difíceis. Cidade acesa.

Sono inter-
rompido pelo próprio
ronco.
4:29
Teto. Lustre.

A colcha de retalhos: é forte
porque nela há muitas costuras
cicatrizadas. Filosofias.

O
Dia entre
Morros arde. Manhã
crisóstoma a sorrir...


Igor Buys

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

UMA ELEGIA À METAFÍSICA... Do “QUASE” e do “SE”


UMA ELEGIA À METAFÍSICA...
Do “QUASE” e do “SE”,

o mundo de todos está muito cheio,
repleto de representações do nada,
nas telas especulativas das suposições...
Torna-se imperativo, portanto,
não tanto aqueles fantásticos sonhos de tantos idealismos passageiros,
mas tão somente a inesquecível vivência das sensações emotivas das práxis realistas do cotidiano...
Senão, seria como existir meramente assim: plainando num aeroplano, muito além das nuvens,
voando num eterno universo de ilusões...
Seria pensar que “se “ tivesse feito isto ou aquilo,
tudo poderia ser diferente do que é, “se” não fosse uma guinada ou outra nas (dês-) esperanças dos corações, distorcendo os planos traçados,
deixando toda a trajetória do destino às forças dos acasos... “Se” não fosse isto tudo ou aquilo, como “se” todo o futuro pudesse ser diferente, sempre num (re) lance sonhador, como os contos de fadas da “branca de neve ou daquele príncipe encantado” mais promissor...!Como “se” não fosse a estrada de tantas curvas nebulosas, pelos caminhos (in) dizíveis e (in)esperados da correria existencial,
já existindo de antemão um belo paraíso ideal e nenhuma tragédia estaria à espreita dos mais (dês-) aventurados transeuntes do mundo,
diante da crua e nua realidade mais sentida pelo corpo e n’alma de cada um de nós...
“Se” não fosse uma coisa ou outra, tão própria da natureza animal, dos acontecimentos surpreendentemente enigmáticos,
na eterna busca de respostas
emaranhadas de entraves paradoxais por todos os lados...
Quão sábio é o caleidoscópio mágico do espírito humano, , perspectivamente tão inquieto e enriquecedor, mesmo diante da mais profunda angústia existencial, sempre resplandecendo a atração inebriante dum novo portal!
Apesar e penar pela (a) feição de ter feito isto ou aquilo, nem mesmo o pensar mais lúcido e lógico,
livraria da culpa os pobres mortais! ?
Mas, quem é réu por ser simplesmente do jeito que é?
Imaginando-se que tudo mais pudesse ser diferente “se” não fosse uma escolha ou outra, ou como se houvesse um livre arbítrio independente, idealizado de outrora, relativamente adequado ao vigente comportamento moral ,
Como “se quase” houvesse uma fortuna, na próxima aurora, acordando de braços abertos os fantásticos e (im) previsíveis vivências vindouras, que aquecem nos céus e nos infernos , a grandeza do próprio espírito criador, outorgando-lhe o incomensurável espaço de valor pra própria criatura, repleta de alegria e dor!!!!!
Gau

Sangria

estendi meus braços baldios
como quem devolve a vida
beijei-te o colo e tuas feridas
estanquei tua dor e teus vazios

e como quem nada quer saí
numa fuga doce e insólita
mas desorientada caí no chão
no levante de poeira chorei

tomei-me como forte
continuei fraquejando
e sem erguer os olhos
foi saindo

é este cancro que me dilacera
essa vontade desmedida
que berra como latejar
de doença bandida que corrói

e tuas feridas me tomando
sem tábuas de salvação
te vi saindo
e trancava a porta da frente.

Larissa Marques


Larissa Pinto Marques Braga, editora, escritora, artista plástica, nasceu em 1974, na cidade de Itumbiara, interior de Goiás, residente em Sobradinho, Distrito Federal.
Proprietária da Utopia Editora:  www.utopiaeditora.com

Autora dos livros: Entre o negro e o nada, Infernos Íntimos, O oco e o homem, Sob um olhar, Ponto Zero, Inconstante Martírio, entre outros.

Amnésia por doses de álcool

(de Wile Ortros & Larissa Marques)


todo dia é um fim
por que então recomeça?
me afasta de ti pra dizer de que me quer outra vez
e depois lança ao ar as palavras injustas
sem cuidado qualquer
e começa do fim onde o fim começou
e se eu nunca menti
não foi pra preservar
as verdades em mim
são paredes da imaginação
mas quem foi que ergueu
este grande defeito entre nós
não fui eu nem você
mas acaso de pura ilusão
vamos comemorar
o princípio e o começo
não se pode negar que viver tem um preço
que é caro pagar
pra aprender abrir mão do que se conquistou
e se deixa ficar
ao meu lado pois sabe quero
manda embora outra vez
e eu vou mas também sei que quer
por loucura ou coragem
amnésia por doses de álcool
foi você que escolheu
sussurrar ao invés de falar
vamos comemorar
o princípio e o começo
não se pode negar que viver tem um preço
que é caro pagar
pra aprender abrir mão do que se conquistou

Larissa Marques





No que você chegar


No dia em que você chegar vou muito te olhar
Dos meus sonhos vou te reconhecer
Ao me dizer pra te esperar
Que ao meu encontro apareceria.

No dia em que você chegar, quero te abraçar
Sentir o cheiro do amor que estava a me rodear
Que a tempo eu sentia no ar
Bastava só fechar os olhos
Pra esse amor respirar.

No dia em que você chegar, quero cantar
Vou recitar uma canção, vinda da alma
Que o coração assim queria ordenar
as mais lindas palavras haverei de recitar.

AH! No dia em que você chegar
Até o céu vai se alegrar
Minhas lágrimas vão cessar
E até de morrer, não vou mais querer.

(Anacir Zanon)

Eu busco um amor


Eu busco um amor que tenha olhos do sol
Que tenha a cor do arco íris
Que seja como peixes no anzol
Que seja claro como as águas da vertente

Eu busco esse amor que me faz pensar
Que não existe mais assim pra me amar
Que não possui mais coragem pra ser sincero
Que não tem mais fidelidade que espero

Onde está esse amor
Que vivo a gritar dentro de mim
Que vive no espelho do rosto
Da procura que só me trás desgosto

(Anacir Zanon)

Triste

Eu tenho andado tão triste
Olhando pra vida no que não existe
Um sonho distante de mim
Que mas faz padecer assim

Eu tenho andado tão triste
A solidão aqui insiste
Desperta em mim o desejo escondido
De um passado que não foi esquecido

Eu tenho andado tão triste
Nada mais me traz felicidade
Só tenho essa bruta ansiedade
De passar o tempo depressa

Eu ando tão apressada
Em meus passos me sinto cansada
E tudo que vejo não é nada
Nessa triste jornada.

Anacir. Zanon

Força do amor


E inexplicável a força do amor
Chega com toda dor
Pra arrebatar o sentimento
Que vem como o vento.

Estranha força que vem de repente
Aloja-se em minha mente
Momentos mágicos e inesquecíveis
Junto a essa força invencível.

É esquisitice essa força
Que vem pra emocionar
E assim me pego a chorar
Porque tudo isso não é real.

Força imaginável do amor
Que me trás tanta dor
Vá embora pra outro coração
Que ele possa aceitar.

Anacir Zanon.
Há um ano
Há um ano te descobri
Há um ano eu te vi
Com uma luz no seu olhar
Eu fui me apaixonar.

Há um ano que te encontrei
Você me conquistou
Com sua energia
Que virou magia.

Há um ano começou uma história
Que deveria ser eterna
Creio que foi coisa de Deus
Os nossos caminhos se cruzarem.

Hoje eu lembro desse dia
E sinto uma grande alegria
Mas também sinto tristeza
De que te levaram de mim
Pra outros mares ser descoberto.

Anacir Zanon

E Agora, Noel ?


O Natal acabou ...
Quando tudo se calou ...
Rasgaram o embrulho de papel...
E, agora, Noel?

Acabou sua hora e  sua
vez...
Amanhã é dia vinte e seis,
Dia das trocas de presentes...
Daqueles que não ficaram contentes!

O Natal acabou...
Quando tudo se calou...
A noite já rasgou  seu
véu...
E agora, Noel?

Agora é esperar o ano novo...
Como pinto dentro do ovo!
Agora é deixar as barbas de molho...
E abrir bem um olho!

Por favor, não chore meu Noel...
Que o Coelho da Páscoa vem aí...
Você é capitalista e tem o céu...
E voa mais alto do que o colibri!

O Natal acabou ...
Quando tudo se calou ...
Rasgaram o embrulho de papel...
E, agora, Noel?

Seu famoso gorro carmim...
É igual ao do saci-pererê...
Feito do mais puro cetim...
Mas, que faz o maior fuzuê!

O Natal acabou...
Quando tudo se calou...
A noite já rasgou o seu véu...
E agora, Noel?

Luciana do Rocio Mallon

domingo, 25 de dezembro de 2011

O mundo ronca

o mundo ronca




entre o que fala

e cala

a cara

abre-se

dentro da

madrugada

desperta

aperta o nó

e segue

alerta

contra o som

do que não veio

o silêncio

grita entre

a janela e a porta

e no quintal dos fundos

o mundo ronca

sobre tudo

aquilo

que não tenho



arturgomes

http://pelegrafia.blogspot.com/2011/11/o-mundo-ronca_29.html

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A VIVA E A MARTA!

Quando o telefone tocou eu sonhava que estava na iminência de ser rei. Foi por isso que abri os olhos irritado com o mundo que me esperava e havia o barulho da campainha insistente me corrompendo o sábado que me forçou a ir abrir a porta imediatamente e reabrir os olhos espantados para contemplar o belo quadro da moça à minha frente. Tonto, atônito, boquiaberto a olhar a bela emoldurada à porta de vestido vermelho vestida, me dizer: "Muito prazer...!".

Foi quando também ouvi o bom-dia feminil que me pediu um momento e sorriu, tendo os cabelos puxados para o lado esquerdo ou direito, eu não lembro. Ou eu estava ainda tonto ou meio lento ou era ela que era linda, o que certo é que permiti que viesse porta adentro e que sentasse no meu sofá ao lado do quadro do desesperado e que falasse, passo a passo, o motivo estranho da visita inesperada, mas como percebi que o telefone ainda soava, devo ter lhe pedido um tempo...

- Alô!

Era Marta. Queria saber como eu estava. Eu estava bem, naquele momento lhe menti e não menti. Bem, eu estava era tentando enxergar a cor da calcinha da moça que tinha acabado de sentar no meu sofá, mas isto eu não disse para ela. O que disse é que estava triste, e estava, depois de tê-la esperado acordado inutilmente até as três da manhã. Estava me sentindo como um pão amanhecido e esmaecido. O perfume da moça que me banhava com os olhos me fazia acordar e sentia vontades de ir para cama aconchegar-me enquanto a voz adocicada rouca de Marta redimente pelo telefone me dizia que ela não estava vestida. Bandida! Meio louca e puro dengo, de manhã a voz dela é meio rouca, se prometendo. Comia pêra. Podia até vê-la anda nua pela sala, se lambendo. Meu sangue ameaçava disparar nas veias em morno incêndio! De novo pedi um tempo.

- Não mata, Marta!

O olhar da moça me assalta e Marta mata.E quando me encurrala contra o muro com seus suspiros quase piro, suspiro envergonhado de contente.

Por um momento penso que olhar comparsa da moça me aprende. E ela se ergue e caminha langorosa para olhar os quadros dependurados na parede da sala. Muito gata, se depara demorada na fotos do cachorros engatados e cora. Decora ensimesmada a mesmice da sala. Depois, como que disfarçando ela segue para a janela onde o sol a apanha, e é a graça! A claridade a transpassa e me mostra os contornos de seu corpo de moça, cuja forma me conforma e me conforta. Ela espera-me.

Mas do outro lado da linha, agora, a voz viscosa de Marta é minha e me tenta, e tenta insistente me apagar da mente a lembrança da árida noite de insônia e de espera. Marta é assim, diz que me ama, mas vive armando para me entortar as idéias; diz que caminhamos para um mesmo rumo, mas vive mancando comigo... Tenho saudades dela, dito bem sei, e ainda a quero. Tenho esperado por ela desde ontem ou, que me lembre, desde sempre. Mas, por amargo presente, eu não a tenho.

Queixo-me, mas deixo que ela me convença a esperá-la como sempre. Alentado, permito que meus olhos passeiem pelas pernas da moça que voltou a sentar-se no sofá à minha frente e, de repente, por duas ou mais vezes, elas se abrem, se erguem e se estendem, enquanto sua dona procura algo deixado no bolso da bolsa deixada ao lado do assento. Um estojo. Um espelho. Um assombro!

No ar, eu deixo a voz de Marta me levar a acreditar que ela virá esta noite para amar. Tento retratar Marta se retratando de seus maus tratos para comigo, mas não há luz... Ela despede-se com um beijo e desliga-se. Finjo continuar escutá-la a me dizer coisas que gostaria de ouvir ou para simplesmente contemplar a moça que retoca a maquiagem em minha homenagem. Quem será ela, a bela? Uma espiã, uma cortesã ou uma simples amiga de minha irmã?

Despenteado, de bermudas, de repente me sinto meio feio no meio da sala. E lhe peço para ir um momento ao banheiro para me recompor. Certifico-me de que sou eu mesmo o cara que habita o espelho naquela manhã. E sou. Um cara tão longe donde quer ir...

- Oi! Desculpe tê-la feito esperar...

- Tudo bem!

Ai eu lhe dei o meu sorriso caprichado e ela devolveu-me. Quer dizer, ela me deu um só riso caprichado dela.

- Ah! Me desculpe você, por eu ter aparecido a esta hora sem avisar e ter tirado você da cama, neste sábado de manhã... Um pecado! É que eu ando meio nervosa desde que meu marido perdeu o emprego, e preciso pular cedo para tentar vender as minhas fragâncias... Cê sabe, a coisa não anda fácil...

Falou isto tudo sorrindo, mordeu os lábios e com aqueles olhos grandes pregados em mim. Parecia querer conquistar a minha confiança e despertar a minha piedade e o meu desejo mesmo tempo, enfim me agradar Confesso que ela despertou bem mais que isto. Mas nesta hora, ela já tinha tirado o estojo de amostras da sacola e o estendia em minha direção. Por um momento hesitei diante daqueles vidrinhos coloridos que dormiam no estojo de veludo. Na verdade, eu preferia continuar olhando molemente para ela. Então ela delicadamente retirou um deles da sacola, abriu a caixa, o frasco e aplicou um pouco em seu braço e, em seguida, estendeu-o para mim.

- Que tal uma sugestão?

A pele dela era alvíssima e trazia pelos escuros, um grupo deles estendidos nela, talvez embriagados pelo perfume recém tragado, por m momento imaginei ver seus outros pelos se erguerem e seu sangue circular mais rápido em suas veias azuladas, reagindo à minha aproximação. Era um perfume gostoso, cálido, e me soava diferente destes que a gente vê por aí, mas na minha fantasia quis crer que aquele cheiro brotava do vale dos seus seios.

- Bom?

- ...hummmm! Muito bom!

"Experimentei outros, mas acabei por comprar aquele perfume dourado, que tinha o nome de “Ocaso”, o que ela havia sugerido-me. Ela me ofereceu shampoos, sabonetes, perguntou se eu não queria escolher uma fragrância para a namorada... Eu não queria. Naquela hora eu queria apenas era ficar olhando para ela o resto de meus dias, mas isto acho que ela nem ficou sabendo.

Me lembro que de repente ela disse que precisava trabalhar e que me pediu indicação de amigos ou vizinhos ou conhecidos que precisassem dos serviços dela. Pensei na senhora do 43, a minha vizinha. Ela tinha mania de aparecer durante a noite para perguntar se o marido dela havia lhe telefonado. Ela havia deixado o meu número com ele, para no caso de, um dia, se ele precisasse dela, pudesse então ligar. Mas o marido dela tinha ido embora mesmo, nunca telefou. Teve vez que cheguei a pensar que ela tinha até inventado aquele marido que ligaria. Talvez se ela usasse um perfume..."

Antes da moça partir eu perguntei-lhe, como ela conseguira entrar no prédio, onde a síndica rigorosa proibia ambulantes, gestantes, crianças, cães e gatos. Gatas, eu queria ter dito. Do meio do seu riso, ela respondeu-me que subornara o porteiro com seu cheiro.

E se foi. Eu fiquei ali semidespido com aquele frasco cor de urina contra o sol para adivinhar o futuro, o futuro que eu queria desejava ver era onde tudo ficasse bem para tudo mundo. Não consegui. Mais tarde Marta me diria:

- Xií! Que cheirinho de xixi!

Quando eu ainda era pequeno eu tinha uma irmã que era bruxa e que conseguia ver o futuro através dos frascos de perfume. Acho que essa minha irmã era uma bruxa boa, porque o futuro que ela sempre previa para nós era bem feliz e divertido. Naquele tempo a gente acreditava muito nas coisas que ela dizia. Hoje já não tenho tanta certeza disso.

Naquele dia, quando fechei os olhos, era a perfumada e não a Marta que estava viva e inquieta, sentada no sofá da sala de minha cabeça. Então, por pura alegria, eu a fiz cruzar as pernas muitas vezes porque sabia que ela não usava calcinha nenhuma.

* FIM *

Altair de Oliveira




contrato

quero a pérfida palavra

o sumo, a acidez da verdade

e no mais,

não quero nada

a não ser a essência

do último trago

e se isso significa veneno,

não me importo;

prefiro a morte rápida

a ser enganada de forma

homeopática

pensas: fazendo assim talvez

ela sofra menos...

saiba: este teu jeito absurdo

de entender o mundo

desacata meus sentimentos

e não me poupa a fragilidade;

compulsiva-me sim, a odiar-te

bem mais do que te amei.





Lúcia Gönczy

Condicional

para a moldura

[paredes]





para o silêncio

[a fúria das cores]





para a liberdade

[o ventre]





para a vida

[intensidade]





no caminho

[somente]





aqueles que pulsem juntos









Lúcia Gönczy

Rotina

A onda passa

nas costas, girassóis ...

fúlvio é o caminho;

as moradas.

O sono adverte:

sonhar é bom;

use com moderação.

Depois,

a onda vem

meio louca meio turva meio nada

Quem sabe dos meios

conhece o fim.

Amanheço.

Só.

Amanheço só.



Mais um dia.
...



Lúcia Gönczy

(ST)

nem todo ritmo é luz

nem toda onda nada

o etéreo nem sempre vaga

a pista nem sempre ata

o beijo nem sempre é língua

a transa nem sempre é gozo

fugaz não quer dizer nada

o corpo nem sempre é osso;

sonoro também é ausência

de nada que nada vale

presente não é passado

senhor das horas, do tempo

nem toda ferida sangra

nem todo ungüento sara

aurora quase boreal espalha

vento fumaça fuligem

no ser que tudo abraça

nem todo abraço afaga

traço meu traço vago

à lápis à vida

cansaço

no punho,

aço.



Lúcia Gönczy

cálice

ora, não me querias distante?

pois toma agora

mais um trago de ausência

já que da minha permanência,

nada valeu, nem foi o bastante.


Lúcia Gönczy

domingo, 18 de dezembro de 2011

Ocupado em pensamentos domingueiros, o domingo nem respondeu meu bom dia entusiasmado . Tudo bem, vou regar as margaridas e aquela amostra de amor-perfeito que restou no jardim. Mesmo assim vou pensando... nem chumm. Do nada, uma criança do bairro que eu nunca vi passa e diz:bom sia dona Gloria. O domingo respondeu, pensei falando alto. Risada de criança ainda borbulhando no meu café da manhã.


Gloria Kirinus

sábado, 17 de dezembro de 2011

O sapateiro da esquina trocou o solado dos meus sapatos. Testei os mesmos numa caminhada da universidade até minha casa. Caminhar com música nos pés é outra história. Meus sapatos cantavam schrimp,schremp, schromp, schrump...Não sei se isto significa alguma coisa em alemão, mas minha alma dançou com a melodia que o sapateiro colocou de graça nos meus sapatos. Algumas pessoas com fino ouvido até paravam para admirar a novidade.
Glória Kirinus

sábado, 3 de dezembro de 2011

um dia se descobre que o surrealismo é uma espécie não catalogada de humor
e a seriedade do senso comum uma espécie de impulso de morte.
a burocracia é um vaso de violetas falsas.

Augusto Meneghin