Quando o telefone tocou eu sonhava que estava na iminência de ser rei. Foi por isso que abri os olhos irritado com o mundo que me esperava e havia o barulho da campainha insistente me corrompendo o sábado que me forçou a ir abrir a porta imediatamente e reabrir os olhos espantados para contemplar o belo quadro da moça à minha frente. Tonto, atônito, boquiaberto a olhar a bela emoldurada à porta de vestido vermelho vestida, me dizer: "Muito prazer...!".
Foi quando também ouvi o bom-dia feminil que me pediu um momento e sorriu, tendo os cabelos puxados para o lado esquerdo ou direito, eu não lembro. Ou eu estava ainda tonto ou meio lento ou era ela que era linda, o que certo é que permiti que viesse porta adentro e que sentasse no meu sofá ao lado do quadro do desesperado e que falasse, passo a passo, o motivo estranho da visita inesperada, mas como percebi que o telefone ainda soava, devo ter lhe pedido um tempo...
- Alô!
Era Marta. Queria saber como eu estava. Eu estava bem, naquele momento lhe menti e não menti. Bem, eu estava era tentando enxergar a cor da calcinha da moça que tinha acabado de sentar no meu sofá, mas isto eu não disse para ela. O que disse é que estava triste, e estava, depois de tê-la esperado acordado inutilmente até as três da manhã. Estava me sentindo como um pão amanhecido e esmaecido. O perfume da moça que me banhava com os olhos me fazia acordar e sentia vontades de ir para cama aconchegar-me enquanto a voz adocicada rouca de Marta redimente pelo telefone me dizia que ela não estava vestida. Bandida! Meio louca e puro dengo, de manhã a voz dela é meio rouca, se prometendo. Comia pêra. Podia até vê-la anda nua pela sala, se lambendo. Meu sangue ameaçava disparar nas veias em morno incêndio! De novo pedi um tempo.
- Não mata, Marta!
O olhar da moça me assalta e Marta mata.E quando me encurrala contra o muro com seus suspiros quase piro, suspiro envergonhado de contente.
Por um momento penso que olhar comparsa da moça me aprende. E ela se ergue e caminha langorosa para olhar os quadros dependurados na parede da sala. Muito gata, se depara demorada na fotos do cachorros engatados e cora. Decora ensimesmada a mesmice da sala. Depois, como que disfarçando ela segue para a janela onde o sol a apanha, e é a graça! A claridade a transpassa e me mostra os contornos de seu corpo de moça, cuja forma me conforma e me conforta. Ela espera-me.
Mas do outro lado da linha, agora, a voz viscosa de Marta é minha e me tenta, e tenta insistente me apagar da mente a lembrança da árida noite de insônia e de espera. Marta é assim, diz que me ama, mas vive armando para me entortar as idéias; diz que caminhamos para um mesmo rumo, mas vive mancando comigo... Tenho saudades dela, dito bem sei, e ainda a quero. Tenho esperado por ela desde ontem ou, que me lembre, desde sempre. Mas, por amargo presente, eu não a tenho.
Queixo-me, mas deixo que ela me convença a esperá-la como sempre. Alentado, permito que meus olhos passeiem pelas pernas da moça que voltou a sentar-se no sofá à minha frente e, de repente, por duas ou mais vezes, elas se abrem, se erguem e se estendem, enquanto sua dona procura algo deixado no bolso da bolsa deixada ao lado do assento. Um estojo. Um espelho. Um assombro!
No ar, eu deixo a voz de Marta me levar a acreditar que ela virá esta noite para amar. Tento retratar Marta se retratando de seus maus tratos para comigo, mas não há luz... Ela despede-se com um beijo e desliga-se. Finjo continuar escutá-la a me dizer coisas que gostaria de ouvir ou para simplesmente contemplar a moça que retoca a maquiagem em minha homenagem. Quem será ela, a bela? Uma espiã, uma cortesã ou uma simples amiga de minha irmã?
Despenteado, de bermudas, de repente me sinto meio feio no meio da sala. E lhe peço para ir um momento ao banheiro para me recompor. Certifico-me de que sou eu mesmo o cara que habita o espelho naquela manhã. E sou. Um cara tão longe donde quer ir...
- Oi! Desculpe tê-la feito esperar...
- Tudo bem!
Ai eu lhe dei o meu sorriso caprichado e ela devolveu-me. Quer dizer, ela me deu um só riso caprichado dela.
- Ah! Me desculpe você, por eu ter aparecido a esta hora sem avisar e ter tirado você da cama, neste sábado de manhã... Um pecado! É que eu ando meio nervosa desde que meu marido perdeu o emprego, e preciso pular cedo para tentar vender as minhas fragâncias... Cê sabe, a coisa não anda fácil...
Falou isto tudo sorrindo, mordeu os lábios e com aqueles olhos grandes pregados em mim. Parecia querer conquistar a minha confiança e despertar a minha piedade e o meu desejo mesmo tempo, enfim me agradar Confesso que ela despertou bem mais que isto. Mas nesta hora, ela já tinha tirado o estojo de amostras da sacola e o estendia em minha direção. Por um momento hesitei diante daqueles vidrinhos coloridos que dormiam no estojo de veludo. Na verdade, eu preferia continuar olhando molemente para ela. Então ela delicadamente retirou um deles da sacola, abriu a caixa, o frasco e aplicou um pouco em seu braço e, em seguida, estendeu-o para mim.
- Que tal uma sugestão?
A pele dela era alvíssima e trazia pelos escuros, um grupo deles estendidos nela, talvez embriagados pelo perfume recém tragado, por m momento imaginei ver seus outros pelos se erguerem e seu sangue circular mais rápido em suas veias azuladas, reagindo à minha aproximação. Era um perfume gostoso, cálido, e me soava diferente destes que a gente vê por aí, mas na minha fantasia quis crer que aquele cheiro brotava do vale dos seus seios.
- Bom?
- ...hummmm! Muito bom!
"Experimentei outros, mas acabei por comprar aquele perfume dourado, que tinha o nome de “Ocaso”, o que ela havia sugerido-me. Ela me ofereceu shampoos, sabonetes, perguntou se eu não queria escolher uma fragrância para a namorada... Eu não queria. Naquela hora eu queria apenas era ficar olhando para ela o resto de meus dias, mas isto acho que ela nem ficou sabendo.
Me lembro que de repente ela disse que precisava trabalhar e que me pediu indicação de amigos ou vizinhos ou conhecidos que precisassem dos serviços dela. Pensei na senhora do 43, a minha vizinha. Ela tinha mania de aparecer durante a noite para perguntar se o marido dela havia lhe telefonado. Ela havia deixado o meu número com ele, para no caso de, um dia, se ele precisasse dela, pudesse então ligar. Mas o marido dela tinha ido embora mesmo, nunca telefou. Teve vez que cheguei a pensar que ela tinha até inventado aquele marido que ligaria. Talvez se ela usasse um perfume..."
Antes da moça partir eu perguntei-lhe, como ela conseguira entrar no prédio, onde a síndica rigorosa proibia ambulantes, gestantes, crianças, cães e gatos. Gatas, eu queria ter dito. Do meio do seu riso, ela respondeu-me que subornara o porteiro com seu cheiro.
E se foi. Eu fiquei ali semidespido com aquele frasco cor de urina contra o sol para adivinhar o futuro, o futuro que eu queria desejava ver era onde tudo ficasse bem para tudo mundo. Não consegui. Mais tarde Marta me diria:
- Xií! Que cheirinho de xixi!
Quando eu ainda era pequeno eu tinha uma irmã que era bruxa e que conseguia ver o futuro através dos frascos de perfume. Acho que essa minha irmã era uma bruxa boa, porque o futuro que ela sempre previa para nós era bem feliz e divertido. Naquele tempo a gente acreditava muito nas coisas que ela dizia. Hoje já não tenho tanta certeza disso.
Naquele dia, quando fechei os olhos, era a perfumada e não a Marta que estava viva e inquieta, sentada no sofá da sala de minha cabeça. Então, por pura alegria, eu a fiz cruzar as pernas muitas vezes porque sabia que ela não usava calcinha nenhuma.
* FIM *
Altair de Oliveira