sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

VIRAGEM - II


Com a cara
e a coragem
eu intento
estancar
a sangria
desse tempo
na linguagem.
É em vão?
Eu não sei.
Reconheço
que talvez.
Com efeito,
meu poema
é mortalha
dessa cópula
incompleta,
é sudário
desse vento
passageiro
no arrebol,
catavento
avariado,
girassol
desnorteado,
monumento
que se sonha
imponente
como o sol
mas no fundo
se conhece
impotente
e o engenho
malogrado
como estrela
(de)cadente.
Todavia
meu poema
– paradoxo –
também é
instantâneo
de uma chama
a um tempo
fulgurante
de beleza
e pavor.
É verdade:
meu poema
é miragem,
visão do
paraíso
ou saudade
do presídio.
Duvidais?
Vinde e vede:
por fora é
qual vitrais
magistrais
(e como eles
reverberam
– mil cristais –
sob a cálida
luz do sol!).
Mas por dentro
é fugaz
(e falaz)
como etéreas
catedrais
feitas de ar
e vaidade
– ou esterco,
terra e vento
amassados,
misturados,
charco só.
Miragem,
voragem
ou viagem
– afinal
o que é
meu poema?
É difícil
apreendê-lo
totalmente,
quanto mais
descrevê-lo
por inteiro.
Sei apenas
que o poema
– amarugem,
ambrosia –
é crisântemo
na charneca.
Vinde e vede:
ainda é tempo.
Com a cara
e a coragem
eu intento
estancar
a sangria
deste tempo
na linguagem.
Se o consigo
a contento,
obrigado.
Mas se não,
me retrato
– de joelhos –
do intento.

Otto Leopoldo Winck

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