sexta-feira, 31 de julho de 2015


Classificados


Estou procurando apartamento novo. A família cresceu, precisamos de mais um quarto, e os corretores me enviam listas e mais listas de imóveis vazios. Aliás, falei em apartamento novo, mas só me agradam os mais velhos, aqui mesmo, no Centro. São muitos, e tenho me lançado a uma rotina labiríntica de visitações, saindo de um imóvel para cair em outro, exatamente como naquele verso de Silvina Ocampo: “com a beleza e o horror como guias”.

Mas o que procurar num apartamento vazio? Luz, vista, horizonte. Primeiro olhamos pela janela da sala, avaliando a vizinhança. A proximidade das outras janelas, o destino dos terrenos ao redor. Ali, um casarão antigo. É ruim: logo seus habitantes estarão mortos, e tudo vai virar comida de escavadeira. Mais adiante, um estacionamento. É bom: talvez ele não se torne um prédio nos próximos dez anos, me roubando a vista da Serra do Mar.

Sim, somos proprietários das vistas. Donos do contorno azul da Mata Atlântica e de cada onça a se extinguir naquelas montanhas. Todos os dias nos furtam um trecho da paisagem, uma muda de manacá, um filhote de graxaim. Mas não, não há delegacia que registre queixas dessa natureza.
E o sol? Nunca pensamos tanto nele como quando estamos comprando um apartamento. Olhamos para o leste, feito astrônomos experientes, marujos de cinema, e vamos desenhando com o indicador, no céu, o arco a ser percorrido pelo astro-rei até sua tumba no oeste. Calculamos o quanto de sombra teremos na área de serviço, antevendo um futuro infeliz entre os fungos. Porque temos direito ao sol e à face norte. Em Curitiba, a face norte é um sonho. O sol é o ouro dos curitibanos. Se fôssemos místicos imaginativos, nosso paraíso seria um garimpo no firmamento, quente e dourado.

Depois checamos os cômodos, um a um, tentando priorizar questões práticas de engenharia, e não a qualidade das vidas que se levaram por lá, desde meados do século 20, ou o cadáver das dinastias que se formaram e perderam em cada cama. Mas nos desviamos. Alguém escolheu, para esta cozinha mofada, estes azulejos com frutas tropicais. E aquele papel de parede estampado de arabescos, alguém o achou bonito um dia, e quem sabe o tenha elogiado em voz alta. Pois é, estas paredes, que já tiveram ouvidos, hoje têm apenas memórias. Dormem, suam, e talvez sonhem.

Nos armários, encontramos coleções inteiras de objetos esquecidos. Sobreviveram a quem os comprou (quase tudo que compramos sobreviverá a nós). Um cinzeiro de vidro azul. Chaves cujas fechaduras deixaram de existir. Um skate no closet de uma senhora falecida. O adesivo de um finado candidato a vereador numa lasca de espelho. E os vinis de bolero de um homem que, agora, mora num caixão, assim como a música de seus mortos jaz num caixote.

Livros, no entanto, são difíceis de achar. No bidê desta suíte, o umbral das leituras, um volume de Chico Xavier vai amarelando. Detonado, ele espera por uma justa, mas improvável reencadernação.

Apartamento após apartamento, é a mesma sucessão de paredes nuas, sulcadas pelo delta de mil infiltrações. E às vezes, nesta quilométrica galeria de abandonos, nos surge um quadro renegado, uma empoeirada Santa Ceia. Você se aproxima dela e vê, pendurada no dedo de Tomé, dançando com a brisa, a pele vazia de uma aranha-marrom.


Num rodapé ali perto, você sabe, aquela aranha está viva, em obras, dormindo, talvez sonhando, ou sendo sonhada. E, por um segundo, estudando aquela casca oca, translúcida e quase imóvel, você fantasia ter finalmente descoberto o seu novo endereço, a beleza e o horror reformados. Um lugar perfeito onde estocar o veneno para os seus últimos dias.


LUIS HENRIQUE PELLANDA

lhpellanda@gmail.com

Gazeta do Povo. 28/07/2015  

O Espectro


Segue a peça movendo a complexa máquina produzindo a mais valia
Sugando dia a dia até roubar do céu as estrelas sufocadas pela fumaça
Da ideologia do contentamento escravo do trabalho libertador
Segue a fome , o frio do prato do horizonte vazio
Saltando poças e dormindo ao relento na morada nua da miséria
Segue a peça produzindo a pança dos suínos dourados mercadolatras
Refastelando-se na ostentação sob as bênçãos da mais nova mercadoria
A religião e o fetiche da fé na ostentação do ego da propriedade.
Segue sobressalente o lastro da vida na angústia de um tempo que foge
As gerações seguem solitárias na multidão anônima até que os ossos estalem o aço de seus grilhões.
Na floresta calcificada da miséria sê veem refletidos  e param com suas sombras
Encobrindo toda a máquina e esta impotente sucumbe e as estrelas passam a respirar

A Revolução.


Wilson Roberto Nogueira
1989

Geografia das praias

Não sei se vou conseguir reescrever, publicar, incinerar escritos toscos, separar tudo em um inventário poético, antes que tudo acabe... encontro, nesta expedição dentro das coisas que escrevi, poemas que mereciam uma publicação... ainda há tempo... de refazer a geografia poética, a rota, o mapa de tudo o que sou como mulher e poeta...

Geografia das praias:

semicírculo de areia (pele) e ondas (lágrimas)
Sabe o mar que a vida é triste, e chora
O belo amigo diz que meu olhar indígena tem beleza
Eu digo que minha superfície espanta
Esta aridez de praia antiga, rasgada de ondas
Praia selvagem de sol promíscuo
Praia deserta - sempre sozinha
Rasgo mapas que apontam o caminho até mim
Para que ninguém saiba que eu existo
E, sabendo, não tema o mergulho no profundo
Lá onde vivem as algas raras, cavalos marinhos
Pobre quem pensa que o mar é – areia suja e ondas
Pobre quem vê apenas um azul oco rodeado de argila e sal
Nunca alcançará o êxtase que o infinito esconde

Bárbara Lia - poemas na gaveta




"Diante da janela, o roseiral"


Testamento enterrado
à sombra do roseiral:
Deixo meu violão
para a balconista da padaria
A erva benta
para a velha do sobrado
A chaleira
que chia Villa-Lobos
para Frei Gustavo,
que costura almas
nas manhãs de quarta
O livro de poesia
de Augusto dos Anjos
para o cobrador do expresso 022
Assinado:
A menina dos olhos tristes.
Chico me chamava de Carolina,
mas era só um disfarce...
Sou eu a menina
que viu o tempo passar na janela,
sem ver

Bárbara Lia


O sal das rosas (Lumme/2007)

Raicai


raicai só faz algum sentido em japonês, pra mim soa (não soa) em português; espaço e tempos diferentes. e por mais que eu adore os poemas do oswald (aproveito "sic" para dizer que é muito irritante quando chamam "poema" de "poesia", poesia é gênero, piá burro - e mulheres que escrevem são "poetas", "poetisa" é a casa do caralho), bem, onde estava? ah sim, trocadilho não faz um bom poema, e o nosso suposto modernismo praticamente matou uma tradição de poesia que alguns chamam de "caudalosa" (tá, virei o rei das aspas), não há um ruy belo ou um hélder entre nós, somente uma tentativa falha que fica uma mera retórica gordurosa (coloco jorge de lima no saco dos primeiros do vinicius, um saco "redundante"). poesia e fazer poemas requer vida, experiência, muito menos passarinhos e flores, sobretudo, ritmo, então, não me assole com versinhos: um "vá se foder", dito com vontade, é muito mais interessante do que abstinência. e, sim, a hora que o sujeito percebe o quique da bola, tende ao suicídio ou à loucura. ps: estou um tanto puto, hoje (a culpa é do ezra pound). ainda bem que baixei as obras completas do weather report.


 William Teca



terça-feira, 28 de julho de 2015


Primo baila números com a prima que cifra olhares.

Wilson Roberto Nogueira

Almoço de famílias


Os cães aguardaram que o esfarrapado cor de abacate  terminasse  de comer para latir para Joaquim .latiram em vão, era verde a verdade para ele que preferia meio podres mentiras . Eram  mais suculentas.

Wilson Roberto Nogueira

Meta crônica numa poesia sem rima

A crônica não é o fazer,
é o pensar
A crônica não é o assistir,
é o lembrar
a crônica não é a festa
de sábado nem a ressaca
de domingo
Ela é os comentários
de segunda
A crônica não é o amor,
nem sua dor
Ela é a análise na terapia
A crônica não é afórmica
Ela tem forma.
Uma forma sem regra.
A crônica não é a conquista
Também não é o ato
A crônica é o cigarro
de depois
A crônica não é ouvir a
música e /ou o dançar
Ela é o canto no chuveiro
A crônica não é o voto
ou a apuração
Ela é a prestação de contas
A crônica é depois da poesia
A poesia é dor e sofrimento
A crônica também
Só que aquela é sentimento
Essa, é deboche.

Delmar Bertuol


Charme

As árvores
em ânsia
se despem
para o vento
ou ardem
ou gemem
Outono.

Zaira Cantarelli . RS


Dominna Clube

Bela é escrava de Walkiria Schneider. Diz-se que o sadomasoquismo é uma coação a repetir, um agir "sobre " em vez de "com " o objeto do desejo, como se este fosse imutável. Mas elas juram que a relação amadurece e a busca dos limites faz as pessoas crescerem.Repudiam as torturas aos iraquianos porque, sem consenso, isto é, sem consciência, sobra só a mais estéril violência .

Vicenzo Scarpellini. Folha de São Paulo . Cotidiano.

Como tornar-se invisível em Curitiba

"Primeira condição :
você precisa ter talento
genuíno.Estudar
bastante também ajuda,
mas não substitui aquele
toque de gênio
inconfundível que marca
e distingue certas
pessoas desde o berço.
Pois bem. De posse
desse talento de Deus
lhe deu- e contra a falta
de estímulo da família, do meio e
particularmente da
própria cidade - , você
deve se atirar de corpo e
alma na consecução de
seu destino. Guiado
unicamente pelo seu
daimon, pelo seu anjo
tutelar, você dará inicio
à construção de sua
lenda pessoal e dos
projetos que dela
advirão. Você estará,
finalmente, a caminho
de tornar-se invisível. "

Trecho do livro " Como Tornar-se invisível em Curitiba " , de Jamil Snege


respiro a teu lado no elevador
enquanto tento disfarçar o fato
de que não passo de um minotauro
entre teu perfume e a gravidade
só parte do que sou é que respira
movente imóvel neste ar quadrado:
meu outro lado só espreita a presa
enquanto se prepara para o salto
que não virá: nós dois estamos presos
nesta armadilha vertical e burra
(não este elevador mas a cultura)
antifontana de qualquer desejo
a porta abre em teu andar agora

e para sempre eu nunca mais te vejo

Carlos Moreira


num tabuleiro tosco nascemos
mas é possível quebrar a fera
cuspir na cara da megera
tocar terror e fogo neste fosso
dizer ao júri: já era a tua hera
a tua fome de não ser
a tua espera virou verme
cancro carma quimera
já estamos em outro ponto
na estrela de outra esfera:
peças num tabuleiro uma merda
eis o cavalo comendo a rainha
enquanto o rei mata o bispo
e reza
*

Carlos Moreira



O paciente inglês I


"Amo o deserto. Amo a infinita extensão, o vento, os picos escarpados, as cadeias de dunas como rígidas ondas do mar. E amo a vida simples e rude de um acampamento primitivo no frio gélido, a luz das estrelas na noite e as calorosas tempestades de areia.”
Lazlo de Almasy in “O Sahara desconhecido”
Lazlo, aristocrata da Hungria e explorador do deserto, em busca de Zerzura - a cidade branca como a pomba.
Katherine lendo Heródoto.
Lazlo costurando a camisa e pendurando o dedal no pescoço de Katherine enquanto diz, enamorado, que a ele pertence o estreito de carne logo abaixo do pescoço dela, que ele diz ser o “seu Estreito de Bósforo”.
Um homem que vê a mulher como quem vê a terra estendida, branco deserto que se avista do pequeno avião.

Bárbara Lia

Jardim Nonsense

21 gramas artesanal

Ele Dorme no Sótão



Ele dorme no sótão por um motivo especial
Pois prefere ficar perto do espaço sideral!
No sótão ele fala com as estrelas cintilantes
E recebe os raios do Sol brilhantes!

Ele dorme no sótão, sem forro
Porque não precisa de frescura
Lá, ele esconde a máscara de Zorro
Com a espada que corta a amargura!

Ele conversa com as almas das telhas
Contando segredos das centelhas!
Há telhas alaranjadas e telhas transparentes
Entre confidências nada inocentes!

Da janela,  do sótão, ele vê o jardim
Iluminando a rosa e o jasmim!
O casarão inteiro é um querubim

Mas, ele dorme no sótão, na auréola
Pois descansa num arco cheio de luz
Cada vez que ele abre a janela
Surge um cheiro doce de alcaçuz!

Ele dorme no sótão, pois é um sonhador
Que fica em cima, com alma de guerreiro
No alto da casa há o mais puro amor
Subindo a escada de um jeito verdadeiro.

Luciana do Rocio Mallon

domingo, 26 de julho de 2015


Depois que o coração silencia



Para onde vai o canto,
depois que os
lábios se fecham?
Para onde vai a prece,
depois que
o coração silencia?
E os rostos que amamos
para onde vão, Senhor?
depois que nossas
pupilas se transformam
em gotas de lama?
Ontem vi uma andorinha
que devia ter uns
cinco milhões de anos.
Será que eu também
sobreviverei
ao que restar de mim?


de Jamil Snege

escalada do ódio

escalada do ódio
e eis que nos chega o dia
em que surge aquele cheiro
de esgoto e o presságio
de algo bem morto,
tão perto, visível,
mas irrefreável.
o ódio anda solto.
avança na cara dura,
endurecendo os olhares
à plena desfaçatez.
pisa emudecendo
ignora nuances,
o ódio anda solto,
soltando fumaça.
desprezando todos passos
tão sutis e a história escrita,
o sangue ferve nas veias,
pulsa no pescoço.
o ódio anda solto
e expia o outro,
chicoteia a lógica.
avatar anti-empatia,
metamorfizado em bile
de tom roxo intolerante,
o ódio anda solto:
sopitando-nos,
espumando-nos,
gotejando-nos.
mágoa monstro adormecida,
despertada pelo medo,
o ódio ainda anda solto
sem saber de tudo
que sobe à cabeça.
mas forja motivos,
planta danações.
esmerilha a sua faca,
o ódio ainda anda solto,
desembainha o metal
frio, fratricida.
rasga indiferente
tripa e coração
estoca rancores.
o ódio ainda anda solto,
vedou o respiradouro.
conclamou todos pra festa
e abriu o seu gás.
perguntam do amor.
vai bem dentro aqui,
mas já não respira.


(marcílio_godoi)

Modigliani - Paixão pela Vida


“Você já amou de verdade ao ponto de condenar-se a eternidade no inferno?”

Paris e um amor
Ode de absinto
E dança
A voz de Piaf acorda
As pedras de um beco:
“C'est lui pour moi
Moi pour lui dans la vie”
Um passo uma dança
O peito tísico abraça:
Pele lunar de Jeanne
- A musa sem olhos -
Os bêbados rasgados
A lua amassada
E o triste passado
Sepultado em Livorno

Bárbara Lia

Jardim Nonsense
página 10


O homem de Aran


deus e o mar de aran
branco raivoso - ireland’s tides
indomável deus rebeldia bruta
que açoita rochas e crianças
deus tem um elemento de amor
este elemento raro
fecundado em chão de algas
clama sóis e estações gentis
e paciência e força
na terra onde cadáveres repousam
não nasce amor
esta matéria ignorada
precisa oceanos montes e atrito
amor: semente de angústia que floresce em estrelas
– de céu mar e pedra –
centelha de cassiopeia

Bárbara Lia

Jardim Nonsense (21 gramas - artesanal)
página 7



 “Escanear os céus com um ar suspeito”
Emily Dickinson

Não olhes o sol
A olho nu
Isto se chama
Violentar Deus
Irado, Ele abrirá
Escaras em tua retina
Abrirá o portal
Do abismo
Para cegar teu olhar
Que ousa afrontar
A Luz!

Bárbara Lia

A flor dentro da árvore

Página 34

ESCRITOR


Eu quero com alegria
Expressar o meu louvor,
Quem através da escrita
Constrói castelo de amor;
Por seus romances e causos,
Dedico aqui meus aplausos
Ao dia do escritor!


PedrO MonteirO
·
imaginar
o que o outro imagina
é como imaginar
que na imaginação do outro
o outro é você


 Tavinho Paes



Polícia conversando na rádio:



Polícia conversando na rádio:
_ Sr. Sargento , chegamos no local do crime.
_ Passe o relatório...
_ Uma mulher matou o marido. Foram 35 facadas, dois tiros, depois de asfixiar e decapitá-lo, e por fim o queimou...
_ Nossa, qual foi o motivo do crime?
_ Ele pisou onde ela estava passando o pano...
_ E conseguiram capturar a mulher?

_ Não sargento, estamos esperando o piso secar...

Douglas Verra

Alguns poemas


2810

Pequena reunião em família. Parece que andei exagerando numa das festas da semana. A vizinhança, no caso, a família mesmo, reclamou do comportamento um pouco inadequado de uma das mulheres que andou frequentando meu estabelecimento noturno. De fato, ela fez uso peculiar e ostensivo da palavra cachorro.

Domingo é dia de pensar nos desdobramentos da noite de sábado ou na criação dos pecados que a segunda-feira irá pagar – você conhece a anedota do Chico Buarque com o Paulo Vanzolini? Está no processo de composição de Ode aos Ratos. Outra hora conto. Ou nem.

Comecei a ler Big Loira e Outras Histórias de Nova York. Dorothy Parker mita demais. A grande escritora da vida literária norte-americana dos anos 1920 e 1930 sabia como ninguém escrever sobre a própria corrosão emocional, sem esquecer-se do que realmente é importante: divertir-se às custas da ruindade alheia. – ela sabia viver. Acerca de uma interpretação de Katherine Hepburn numa peça: “Ela cobre todo o escopo de emoções – de A a B”.

Farei uma reclamação agora. As corridas de Fórmula 1 não deviam começar tão cedo. Mas é necessário reconhecer que hoje a coisa foi bruta. Quanta confusão e desinteligência, apesar do anticlímax pairando sobre o autódromo por conta da morte de Jules Bianchi. [Esse por conta é feio demais, não?] Enquanto confiro a classificação do campeonato, surge um link na minha timeline: Por que você não deveria namorar um escritor? 2015 é uma cruza do pior do Goethe com o pior do Tinder. E o que você acha de web-seminários?

Antes de almoçar, alguns poemas de Dorothy Parker – ah, essa mulher…



[Prometi a mim mesmo que um dia terminaria uma crônica em reticência. Acho importante ter esse marco na carreira. Que carreira?]



DE PROFUNDIS

Ah, pois então é utopia

Esperar um homem nesta vida

Que não relate, em suave tom,

Histórias das mulheres com quem deitou?



COINCIDÊNCIA INFELIZ

Quando você jurar lhe pertencer,

Arrepiada e tinindo,

E ele jurar seu amor ser

Imortal, infindo –

Moça, é bom escrever:

Um de vocês está mentindo.



A FALHA DO PAGANISMO

Beba e dance e ria até anoitecer,

Amor, e toda a madrugada atravesse.

Porque amanhã podemos morrer!


(Mas, ai, isso nunca acontece.)

Gazeta do Povo.Zanella, Daniel in  Cenas Urbanas ....

“A liberdade de morrer”


As asas que tu me destes
Rotas de Invernos
Ancoradas na ausência
As asas desfraldadas
Em suicídio adiado
No parapeito viscoso
- Décima espiral do Inferno de Dante *

Bárbara Lia

A flor dentro da árvore
pagina 17


* a poeta inventa um novo círculo no inferno de Dante, é um inferno com uma espiral a mais *

Filtro de Barro



Quando eu morava no interior
Numa casa no meio da floresta
Não faltava a esperança de um amor
Pois toda a manhã parecia uma festa

Por causa do poço no quintal
Toda a hora surgia uma menina
Querendo água num jarro especial
Com um sorriso leve de bailarina
Dançando pelo espaço sideral

Porém um dia secou o poço
E toda a minha esperança de moço
Passou a só se acender num cigarro
Mas, logo, ganhei um filtro de barro

Com um desenho de santo estampado
Aquela divina e mágica gravura
Era sinal que o filtro foi abençoado
Por uma celestial figura!

Quando eu abria a tampa de cima
Navegava entre as duas velas
Viajando numa lagoa fina
Nas águas mais singelas

Filtro de barro, você foi meu melhor amigo
Porque fez parte da minha infância
Protegendo-me do inimigo
Tirando toda a ganância!

Para beber de sua água, não apareceu nenhuma menina
Mas, você fez da minha solidão uma ponte para a paz
Transformando a água do rio na fonte mais fina
Iluminando o céu calmo, misterioso e lilás.

Luciana do Rocio Mallon

A Musa da Vidraça


                              
Quando ela limpa a vidraça
Do apartamento em frente
A atmosfera se enche de graça
Pois tudo fica diferente!

Ela tira toda a poeira
Do vidro sujo e imundo
Tornando-se a feiticeira
De todo o resto do mundo!

Quando o trapo ela passa
Em toda a nebulosa vidraça
Com o detergente de alfazema
Ela preenche todo o universo de graça
Muito mais do que a Garota de Ipanema!

Não sei se ela é empregada
Ou é somente uma diarista
Sem ela minha tarde não é nada
Não posso perdê-la de vista!

Ela não pode limpar a vidraça
Sem ganhar nada e de graça
Porque isto seria trapaça
Ela arrisca seu pescoço delicado de garça

E o resto do seu corpo inteiro
Pois pode cair do apartamento
Num acidente traiçoeiro
Sem nenhum tipo de sentimento

Um dia, por curiosidade, fui até aquele lugar
E uma senhora idosa, lentamente, me atendeu
Falou que as janelas há anos ninguém ousa em limpar
E que a última empregada faz tempo que já morreu

Quem será a musa da vidraça
Que não deixa a janela,
Tão leve e singela,
Virar uma abandonada carcaça?

Luciana do Rocio Mallon

Cena Curitibana de uma Segunda de Inverno


Tenho uma amiga que faz parte de um grupo voluntário que distribui comida e roupas para os moradores de rua e mendigos da cidade de Curitiba.
Numa noite de segunda-feira de inverno, esta minha colega estava distribuindo pratos quentes para os carentes, no Centro da cidade, quando percebi que criaturas moradoras dos prédios, ao redor, também ficavam na fila para ganhar um prato de comida doado. Fiquei quieta, pois preferi não julga-las.
Mas, uma senhora idosa, que estava observando a situação, não ficou quieta e chamou a atenção do grupo de doadores:
- Tem pessoas, nesta fila, que moram nos prédios centrais e não são moradoras de rua. Por isto, elas não merecem pegar os alimentos. Por exemplo: estou vendo um rapaz ali com um tênis de setecentos reais...
Minha amiga explicou:
- A função do grupo é oferecer alimentos e roupas para os seres que aceitam receber estes donativos. Se alguém, que não é carente, entra na fila e aceita as doações, ele está dando bom exemplo. Pois isto é sinal de humildade.
Deste jeito, a anciã implicante começou a xingar:
- Bando de coxinhas hipócritas do diabo, seus %$#@!
- Deveriam de oferecer coxinhas ao invés de comida de verdade...
Sinceramente, até agora estou refletindo sobre esta cena e ainda não cheguei a nenhuma conclusão.

Luciana Do Rocio Mallon



O primeiro símio herege foi aquele que se manteve sobre duas patas!

Ricardo Pozzo

 ·
entre nós
há deus e essa
pequena rata
na cozinha
que ataca os pães
o resto é mágoa
sem amor, amor
tudo seria mais
simples
talvez um resto
de festa
talvez nada

*

Carlos Moreira


 Nada é autêntico nesse cenário; nem o cabelo da mulher, nem a moda da mulher, nem a música da dupla, nem a guitarra do cara, nem o café boêmio, com a festa de criança; nem a fome do mendigo, sequer, é autêntica, porque não fome, do Nordeste, do Jornal Nacional, dos anos 90, mas possivelmente por um viciado em crack traficado de Palotina; nem a pena do mendigo, porque você se envergonha dela, e não devia, porque é natural não tê-la; nem o Baudelaire traduzido, nem o século XIX, nem mesmo a Curitiba do século XX é autêntica depois do sertanejo universitário, e nem a modernidade curitibana, uma vez que ela é mais autêntica onde há menos gordura em toda a parte, deixando ela menos autêntica. Por isso, a melhor ideia do mundo é abraçar a imensa, deliciosa, rocambolesca falta de autenticidade e descrevê-la da melhor forma que puder. Sílvio Santos vale, no século XXI, por mil Baudelaires.

Sérgio L Tavares Filho

DECLINAÇÃO


De repente
eu vi que tinha caído a noite
e eu me vi perdido
num mundo sem você.
Tinha que voltar para casa
mas não sabia o caminho.
Na verdade não havia caminho:
a noite era tão densa
que todos os caminhos haviam se fundido.
Como fazer para começar de novo?
Viver é irremediável: você não pode voltar atrás
e a memória é enganosa.
Tateando, perambulei por becos
que semelhavam bosques
e vaguei por vales
que me lembravam salas
inóspitas e vazias.
Agora que o dia nasceu,
eu não posso mais contemplar o céu.
A noite grudou de tal modo nas minhas retinas
que, para onde quer que eu olhe, é tudo breu.
Só há uma luz brilhando em mim.
E é uma luz tão frágil e estúpida
(como um candeeiro ao vento)
que tenho até vergonha de declinar o seu nome:
saudade.

Otto Leopoldo Winck

Polaco de Curitiba


Estou num pequeno templo da alta burguesia curitibana. Tomo um café expresso. Leio um ensaio sobre Baudelaire. A alguns metros, um casal muito antigo – ela, de casaco vermelho, cabelo armado tingido de loiro, deve ter pelo menos 80 anos – cantam New York. Ele toca uma guitarra modernosa, dessas que tem só o contorno. Ela canta. Até que bem. “O tempo não se deixa perceber somente através de ruínas e monumentos, mas também por sua ação corrosiva que ataca tudo, até o novo” – leio. Atrás de mim há uma festa de criança. Gritos, uivos, choro, pais em polvorosa. Mais à frente, uma jovem amamenta. Seu rosto transpira frescor e otimismo. A tarde do sábado avança e de repente, quando me dou conta, é noite – vejo através do teto envidraçado. Não sei se peço mais um café (é caro, daí minha hesitação), se volto para casa, se leio mais um pouco. Agora a dupla – seria um casal? – tocam Yesterday, a música mais executada de todos os tempos. Em Baudelaire se mesclavam amor e ódio à modernidade que então nascia. Repulsa e fascínio. As coisas nunca são claras. A gente sempre ama aquilo que odeia. A gente sempre odeia aquilo que ama. Vindo para cá topei com um rapaz escarafunchando sacos de lixo – no bairro mais rico de Curitiba. Fiquei constrangido ao passar por ele. Constrangido por ele? Por mim? Talvez por ver que ele via que eu o via nesta situação degradante. Mas ele nem ligou. Quem tem fome não se importa com aparências. Um estômago vazio não quer saber de etiquetas. Temi (sim, temi, vejam como somos egoístas) que ele me pedisse um trocado e imediatamente me lembrei que não trazia moeda alguma comigo. No entanto, mais adiante gastei oitenta reais com dois livros. A anciã canta agora outro clássico kitsch. A modernidade é isto, Baudelaire, um pastiche de si mesma. As crianças correm, perturbam, como é natural das crianças. O nenê parou de mamar. As pessoas conversam, sorriem. Sim, aqui nesta ilha estão protegidas dos noias, da violência policial, da guerra de gangues... Se queixam da crise mas não conhecem a crise. Talvez tenham um sobrinho morto num acidente de automóvel ou até um conhecido assassinado num assalto. Mas nunca saberão o que é ter um filho executado pela polícia. Vou me levantar e me dirigir até o ponto na Praça Osório, a um quilômetro daqui. Sei que lá fora está frio e eu não vim agasalhado. Não estou na Paris do século XIX mas na Curitiba do século XXI. Mas sou, como todos, um homem na multidão. Anônimo. Só. Infeliz. E só tenho esta certeza: nunca serei Baudelaire.


Otto Leopoldo Winck

sábado, 25 de julho de 2015

Geometria dos ventos


Eis que temos aqui a Poesia,
a grande Poesia.
Que não oferece signos
nem linguagem específica, não respeita
sequer os limites do idioma. Ela flui, como um rio.
como o sangue nas artérias,
tão espontânea que nem se sabe como foi escrita.
E ao mesmo tempo tão elaborada -
feito uma flor na sua perfeição minuciosa,
um cristal que se arranca da terra
já dentro da geometria impecável
da sua lapidação.
Onde se conta uma história,
onde se vive um delírio; onde a condição humana exacerba,
até à fronteira da loucura,
junto com Vincent e os seus girassóis de fogo,
à sombra de Eva Braun, envolta no mistério ao
mesmo tempo
fácil e insolúvel da sua tragédia.
Sim, é o encontro com a Poesia.

(Poesia feita em homenagem ao poema
"Geometrida dos Ventos" de Álvaro Pacheco)


[Rachel de Queiroz]

Palco da vida


Quero fechar as cortinas, e por encanto,
abandonar tudo o que me pesa às costas...
recriar cenários, improvisar um canto,
em que leveza, alegria e paz sejam postas...
Lá fora, além do caos, o mundo alheio,
entretido, expectando o ponto alto,
não veja as peripécias, o arrodeio,
lento, com que monto e desmonto meu palco...
Não pretendo ao público arrancar o riso,
às custas do aplauso febril de minha dor...
sem maquiagem, figurino o mais preciso,
quero, na cena ápice, ser de verdade,
e no roteiro seguro do autoamor,
interpretar um só ato: a liberdade...


Luciana Nobre

CONTRÁRIO


Tem dias que não gosto
De ser poeta. Tem dias
Que preferiria
Bater pedras na rua
Tem dias que versos
São flores envenenadas
Sopa das mais ralas
A cabeça sonhando dores
Tem dias que eu, tu
Não somos eu, tu
E caminhamos como um estranho
Sabendo que o deserto fica logo ali
Tem dias que o tempo
Manhã tarde noite
Engolem as horas salgadas
Mas não vomitam.


– Paulo Bentancur –

A Escriba




A estrela entregou-se ao negrume das nuvens
E sucumbiu ao despenhadeiro da Finitude.
Antes, cuspiu o seu grito de fogo
Sobre o plúmbeo das águas,
Sobre a baía do espaço todo azul.
Enquanto a escrivã das coisas vãs,
Sem contê-las - as estrelas -
Tremia diante do leme sem controle.
E via içarem suas velas acesas
Sobre montanhas de cinzas azuis.
A escriba crivada de falas
Perece do silêncio das Constelações
E da hedionda mudez dos Astros.

Rita Santana

(Alforrias/2012/Editus)


a luz da manhã se renova
e pousa sobre o cansaço
das janelas
o rio corre sem rumo
leva seus peixes, suas pedras,
seus motivos, o rio leva Deus
para o mar
o homem se ergue,
cresce, procura nomes,
embala seus passos,
cobre seus calos
e a manhã termina
a lua lá no alto
se ajeita
Deus deita e não dorme

sabe que no fundo de tudo
o amor se move

Joe Sales

25 de Julho, Dia do Escritor


Neste humilde dia 25 de julho
Ofereça uma delicada flor
Com dedicação e orgulho
Para seu favorito escritor
Ofereça uma rosa de papel
Com linhas para serem escritas
Traçadas com o pólen do mel
Caindo em pétalas atrevidas!
Pois escrever não é só rabiscar
Traços em qualquer tipo de papel
É prender, nas linhas, palavras ao ar
Por mais que isto pareça cruel
Tem gente que começa com um desabafo
Querendo fazer da folha sua confidente
Mas a magia, de repente, vira um bafo
E as palavras bailam de um jeito diferente!
Neste dia do escritor dê um belo presente
Compre uma obra do seu autor preferido
Para deixa-lo alegre, sorridente e contente
Pois vender qualquer um livro é sofrido
Então, dê ao seu escritor este presente.

Luciana do Rocio Mallon
Nydia Bonetti

Fosse flor — o verso
arrancava-lhe as pétalas.
Pássaro fosse
— as penas.
É verso só.
Arranco-lhe a pele apenas

e deixo sangrar.

Como hoje é o dia escritor e como tal.......


Feliz dia do escritor
Simplesmente um escritor.......
Ficamos namorando a lua, o sol, as estrelas, a vida,
Ai nos vem à inspiração para sentar e escrever e ela vêm de dentro de nossa alma,
Ficamos em verdadeiro transe e ai escrevemos ou psicografamos como gosto de dizer,
Sobre a vida, o amor, o desamor e tudo o que bole com verdadeiros sentimentos,
E ainda inventamos histórias, fatos, quer sejam adultos, infantis, de amor ou sobre a vida cotidiana,
Mas também narramos fatos fictícios dentro de uma realidade,
Falamos de amor, contido, sofrido, declarado ou até mesmo o simplesmente sentido,
Este amor sentido em toda a sua plenitude,
Daí vem os escritores de poema, canções, falando de amor e desamores.
Temos sim o nosso mundo, mas somos seres comuns, mas de uma qualidade abstrata,
Onde a maioria de nós e eu me incluo ai, criamos um mundo,
Não de fantasia e sim de uma nossa realidade,
Aonde nos vimos tímidos e solitários,
Onde vivemos as nossas fantasias,
Ai vivemos nossos amores e desamores,
Psicografando o nosso interior e o do alheio,
Somos escritores, poetas, compositores,
Somos você...........

Djalma Pinheiro

Publicado em: www.djalmapinheiro.recantodasletras.com.br

AVL - Acadêmico: Djalma Pinheiro - Cadeira: 13 - Patrono: Vinicius de Moraes



Queimei meus cadernos de rascunhos , o fogo azulado da caneta Bic, poluiu o ar com os garranchos da minha poesia pobre , os personagens dos contos inacabados se apresentaram deformados para se despedirem em fumaça. Alguns voltaram em espectros para me assombrar em noites de insônia por terem sido cremados vivos ! JD

Bafo de estrelas na mínima chaminé

Bafo de estrelas na mínima chaminé
Mulher magérrima em um coreto
Máquina de moer astros
Gaiola flutuando no espaço
Aprisiona a lua sem pudor
Poesia purpurina
Cicatriza a pele
Uma mulher estarrecida
Belos Remédios na retina antiga

Bárbara Lia

quinta-feira, 23 de julho de 2015

A noite foi vazando

A noite foi vazando
por entre meus sensos.
Lenta,
pingada,
goteira
em cima da minha
indolência.
E a consciência
foi ficando diluída,
dissolvida,
menos precisa,
menos densa.
A noite vazou
até a última gota
e minou minha resistência.
Noite mole em alma dura...

Sandro A.
Convido-lhes a visitar meu blog
http://www.depoemasepoesias.blogspot.com.br/

Lu & Reed


Depois de apresentar a noiva à família, Reed pergunta ao irmão mais novo:
- E aí? Gostou da Lu?
- Mas é um travesti!
- E daí? Eu também não tenho dentes.
E viveram felizes para sempre...


Ricardo Pozzo

E

E
no
fim do dia,
duas lágrimas
explicam
aos olhos
o que
é saudade...

Sandro A.

Convido-lhes a visitar meu blog

Minha Pele é Seu Papel


Minha pele é seu papel em branco
Onde você desabafa seu segredo franco
Porém, em cada desesperado amasso
Ele não enruga, apenas vira abraço
Minha pele é uma folha bastante lisa
Seus dedos são coloridas canetas
Meu suor se evapora no carinho da brisa
Em suas frases proibidas e xeretas
O meu corpo inteiro é um caderno
Onde você traça linhas retas e azuis
Para escrever um poema terno e eterno
Vestindo-me com uma faixa de luz
Minha pele é uma misteriosa cartilha
Onde você corrige a lição do momento
Banhando os poros com sabonete de baunilha
E depois secando meu corpo ao vento!
Minha pele é seu papel em branco
Onde você desabafa seu segredo franco
Porém, em cada desesperado amasso
Ele não enruga, apenas vira abraço.

Luciana do Rocio Mallon

Palavreado


Estou caindo
há tanto tempo
que já nem lembro
como é tocar o chão.
Estou envolto
há tanto tempo
nesses pensamentos
que já não conheço mansidão.
Estou sozinho
há tanto tempo
que companhia
me parece sonho em vão.
Estou perdido
há tanto tempo
que encontrar um caminho
já perdeu sua razão.

Matheus Hein‎.
 Porto Alegre . RS


terça-feira, 21 de julho de 2015

"Sofrimento não é amargura,
tristeza não é pecado,

lugar de ser feliz não é supermercado..."

Otto Leopoldo Winck

‎SOLAR DE POETAS


Onde havia flores
Do livro Abrigos
Gostaria de ter a paz
De me buscar nas leviandades,
De me pegar pelas mãos
E dar em alamedas geométricas
À procura do canto de sabiás...
Pelo som das alamedas.
Mas estou aqui, nesse lugar
Sem jardins, onde andorinhas
Cantam nas antenas de TVs,
Desavergonhadas de conviver
Com o alarido dos homens
E seus motores, e seus gritos,
E seus britadores, construindo
Mais e mais paredes onde
Havia flores.

Sergio Donadio

Sergiodonadio.blogspot.com
Uma noite mal dormida, com uma dor no peito pensando e virando-me pela cama , de lembrar o corpo do nada tombar sem vida.

Uma dor sofrida, de lembrar a sua esposa ao lado com o pandeiro para compartilhar com nossa alegria, notei seus últimos momentos quando levantou-se para pegar seu violão, para começar a grande apresentação, mas nos primeiros acordes, do nada tombou no chão,quase todos sem entender, pensamos fazer parte de uma performa, mas infelizmente sem percebermos, ali estava chegando a sua derradeira hora.Que Deus cuide de sua alma.

Luiz Carlos Brizola

PERMANÊNCIA


Entre o nada que se é
e o tudo que se quer,
quem sabe haja uma margem
onde eu possa inscrever meu nome
no branco de uma página
ou no mármore de uma lápide.
E entre um ponto e outro
deixar gravado – por que não? –
minha marca
nesse coração que escondes
debaixo dos seios trêmulos.

Otto Leopoldo Winck

Um poeta pode -- e até deve -- conviver com o caos



Um poeta pode -- e até deve -- conviver com o caos. Pois sem caos não há estrelas bailarinas. Mas um romancista necessita de disciplina, cumprir horários, número mínimo de palavras por dia... Por hora o poeta prevalece em mim. Mas desconfio que o romancista já está preparando uma revanche.

Otto Leopoldo Winck
Em cima das linhas escrevo:
causos, rimas, enredos...
Por baixo delas inscrevo
meus medos, desejos, o teu nome secreto.

[olw]

A Deusa da minha rua

A Deusa da minha rua
Tem os olhos onde a lua
Costuma se embriagar,
Nos seus olhos eu suponho
Que o sol num dourado sonho
Vai claridade buscar.
Minha rua é sem graça
Mas quando por ela passa
Seu vulto que me seduz,
A ruazinha modesta
É uma paisagem de festa
É uma cascata de luz.
Na rua uma poça d'água
Espelho da minha mágoa
Transporta o céu para o chão,
Tal qual o chão da minha vida
A minhalma comovida
O meu pobre coração.
Infeliz na minha mágoa
Meus olhos são poças d'água
Sonhando com seu olhar,
Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu e ela é nobre
Não vale a pena sonhar.
Na rua uma poça d'água
Espelho da minha mágoa
Transporta o céu para o chão,
Tal qual o chão da minha vida
A minh'alma comovida
O meu pobre coração.
Infeliz na minha mágoa
Meus olhos são poças d'água
Sonhando com seu olhar,
Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu e ela é nobre
Não vale a pena sonhar.

NEWTON TEIXEIRA


Deusa Da Minha Rua


Pensou que era um vazio existencial mas depois de se empanturrar de bolachas com maionese descobriu que era somente fome.

Otto Leopoldo Winck
Quando terminou de construir a casa com três quartos, ele se viu morando sozinho. Dormia cada noite em um cômodo diferente, para ter a ilusão de que preenchia o vazio deixado.

JDamasio
Não volto às letras, que doem como uma catástrofe. Não escrevo mais. Não milito mais. Estou no meio da cena, entre quem adoro e quem me adora. Daqui do meio sinto cara afogueada, mão gelada, ardor dentro do gogó. A matilha de Londres caça minha maldade pueril, cândida sedução que dá e toma e então exige respeito, madame javali. Não suporto perfumes. Vasculho com o nariz o terno dele. Ar de Mia Farrow, translúcida. O horror dos perfumes, dos ciúmes e do sapato que era gêmea perfeita do ciúme negro brilhando no gogó. As noivas que preparei, amadas, brancas. Filhas do horror da noite, estalando de novas, tontas de buquês. Tão triste quando extermina, doce, insone, meu amor.


Ana Cristina Cesar
Um céu / sem estrelas e sem pai: uma água negra
Sylvia Plath

O céu água negra de Plath
Pleno de alegorias fatídicas
Bebês carbonizados e Medusas
Ovelhas de neve na névoa
A balir para a enigmática lua
Em seu capuz de ossos


Bárbara Lia
"A próxima canção que eu vou cantar é Me Myself (...)
que neste verao quero dedicar a voce que nao me escreve mais
e é diretamente responsável pelo meu flerte com o homem dos
correios. (. ..j
estou mestre em abrir envelopes."
"Mudei de cidade e ainda ouço a caixa do correio tremer e
fazer - Klimt. "
''Estou há vários dias pensando que rumo dar a correspondência.
Em vez dos rasgos de verdade embarcar no olhar estetizante
(..).
Ou ser repentina e exclamar do avião - não me escreve
mais suave. "


Ana Cristina Cesar
Eu - pássaro torto
Ele - Fado Tropical
Fatal aquele sorriso


Bárbara Lia

domingo, 19 de julho de 2015


Kronos devora suas Próprias Sementes



                   Piraí do Sul,Paraná,21052005.

    Resgatando lembranças nas brasas acesas,
    ocultas em cada pranto um lamento de lava,
    lavando a alma,
    marejando marés,
    lacrimejando ácido ondulante em ondas de fogo,
    liquido remorso morrendo em replay na memória.
    Oração de murmúrios,
    algaravia de dores,
    cristais de pontas adamantinas no olhar vítreo.
    Morto de tão vivo.
    Saltando na nuvem o pensamento ,
    vivendo éter eterno na mente,
    eternamente na moldura de mármore da lembrança.

    Sonhos pesando olhos carregados,
    filmes mudos em slowmotion
    que a argamassa desfaz,
    a cada golpe ,
    uma estocada no tijolo da finitude
    A flor plantada na carne inerte ,
    A carne des-mobiliada da alma.
    Cada quadro ou livro,
    baú ou arquivo
    morto.
    Pó etéreo vagando diluído em dezenas de páginas,
    que a memória da vida escreveu.
    Em cada palavra a imagem em carne e sonho.

    Pesadelos são ausências lacunas,
    des-conexão sem a eletricidade de músicas do passado,
    sem explosões ou maremotos,
    calor ou frio,
    a dor da perda a morte real
    acompanha a ausência do não compartilhado.
    A memória é a fonte da vida eterna,
    alma imorredoura,
     argamassa vedando os tijolos sepulta

    Na solidão apenas o esquecimento.
    Esquecimento é suicídio,
    É assassinato.
    Quem lembra sempre não estará só de quem foi,
    Sem jamais ter ido,
    Lavando o rosto da memória  na Lagoa.
    Água do tempo que afoga  no passado para fazer nascer
    O presente.
    Afoga no ventre o fogo de um novo renascer.

Wilson  Roberto  Nogueira.