domingo, 19 de julho de 2015

Mano a mano

por Ricardo Pozzo

Ela saiu quase derrubando os copos com cerveja, a terceira discussão da semana, tentaria ele conversar melhor depois, mas não iria ligar, sabia como eram as coisas...não ia querer ouvir tudo aquilo de novo, que ela o amava mas sentia-se sufocada, que não adiantava ele dar presentes e dizer que precisava dela, muito pelo contrário, que ele era inseguro e que o amor dele era apenas porque ela o fazia sentir seguro, ela estava cansada de perceber ele olhando para outras mulheres, mesmo ele negando e dizendo que só ela bastava, o quanto pensava nela, o quanto a desejava enquanto estavam longe um do outro...e ela já gritando que ele era um babaca burguês que não se assumia, e ele pensando que não era burguês, era funcionário de uma revendedora de automóveis, e ela gritando que se ele a amava teria que amá-la do jeito que ela era e saiu, quase um vulto, daquela mesa de boteco...ele quis ir atrás, mas melhor era esfriar a cabeça, pensar o quanto ele a amava...mas ela queria ter espaço, mesmo ele percebendo os olhares que os homens possuíam ao vê-la e ele nem falava o quanto sentia ciúmes mesmo sabendo que gostava da sensação de estar com alguém tão admirada que fazia os homens se contorcerem para ver seu corpo, um corpo que o enchia de desejo e que só ele possuía...
Sentiu vontade de ligar mas era melhor esperar até amanhã, era sexta, sábado poderia comprar um colarzinho, afinal era quase aniversário, oito meses de namoro, de uma paixão avassaladora que ele nunca sentira antes, desse sentimento que era o de estar muito bem com alguém a ponto de não querer mais estar  sozinho, talvez, quem sabe, não fosse a hora dele lhe propor que fossem morar juntos,  talvez brigassem menos se estivessem mais próximos, talvez  fosse saudades, coisa que ele sentia e sentia muito, quase a ponto de irritar-se com a falta dela...
Pensou novamente em ligar quando seu celular tocou... eram quase duas da manhã, correu, três toques, no quarto, olhou o visor... era ela, sentiu o coração bater mais leve...
Atendeu chamando o nome dela mas ninguém respondeu, chamou por seu nome mais uma vez e parou para ouvir uns ruídos do outro lado, coisas batendo,  a voz de um homem gemendo e falando baixinho, a voz dela gemendo e dizendo outro nome...
E ele ali,  sem poder desligar, de boca aberta, seu coração batendo eram bombas explodindo, sua mente se fez turva e ele desceu rapidamente, rompendo os portões do inferno em busca de chão, em busca dela, deles...e havia um outro homem aproveitando-se daquele corpo e ela sentindo prazer com esse outro corpo que não o dele e ele já não tinha metade de si, olhando para a mesinha de centro, enquanto a sala girava e ele sentindo labaredas em seus gritos que não saíam, enquanto ela gemia baixinho e o homem começava a berrar...

Reação de quase instinto, desligou o celular pressentindo algo que não queria realizar, mas já era tarde...ele com a lança atravessada em seu flanco, lágrimas secas que brotavam do caos, a indescritível sensação de peso em seu coração e desvanesceu sua certeza, e desvaneceu sua alegria e sentiu medo e frio, por saber que tinha sido proposital, por ter sido atingido de modo letal ...sentira todo o desprezo do mundo...      

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