– Oi.
– Oi.
– Adorei aquele dia o sorvete com você – ela disse e ele
reparou que ela estava linda.
– Eu também. Mas sobretudo a companhia.
– Oh, obrigada.
Riram. Timidamente. Todas as histórias de amor – reais ou
fictícias – começam assim: com “ois” e tímidos sorrisos. E, ai, como são
bestas! Se não fossem bestas, não seriam histórias de amor. (Fernando Pessoa
disse algo assim. Mas dane-se Fernando Pessoa.) Se os apaixonados soubessem,
não passariam disso. Depois vêm as dúvidas, os medos, os ciúmes, as brigas, as
reconciliações dramáticas e, se o amor sobreviver a todas essas provas, o longo
e melancólico definhamento do tédio a dois.
– Bem, agora que eu entrei na sua história – ela prosseguiu
–, qual é o próximo capítulo?
– O próximo capítulo? Não pensei ainda. Mas acho que é
assim: eles se encontram dois dias depois no mesmo corredor da universidade. Aí
ela diz que gostou muito do sorvete com ele e pergunta sobre o próximo
capítulo.
– Acho que você está improvisando essa história...
– Às vezes o escritor sabe o que está escrevendo, outras
vezes não. Como na vida, tem horas que é melhor seguir a intuição.
– E o que a tua intuição diz?
– Diz que ele deve convidar ela para um café agora.
– Aprovado. Está muito frio para um sorvete hoje.
Meu Deus, como é dura a vida de narrador... Narrador sabe
tudo. Sabe que depois deste café inocente haverá outro, menos inocente, e
depois será uma cerveja, e numa noite mais fria ainda um vinho tinto e doce
(porque ela só toma vinho doce). E haverá um cinema, uma peça de teatro, o
lançamento de um livro, longas horas de conversa nas redes sociais madrugada
adentro, e um hotel no centro da cidade, e dúvidas, e medos, e ciúmes, e
brigas, e reconciliações dramáticas e, se o amor sobreviver a tudo isso, o
longo e melancólico definhamento do tédio compartido. Ou então – por que não? –
haverá um rompimento. E eles ficarão anos sem se ver. Então um belo dia eles se
cruzam numa festa, numa recepção, num encontro de trabalho. Eles estão
separados (de outros, porque não casaram entre si), recasados e com filhos já
grandes. Depois do reconhecimento, novamente a insegurança (“ela vai me achar
velho”, “ele vai me achar gorda”), mas as conversa, movida a um excelente
Bordeaux, evolui de insignificâncias (“fiz doutorado na França”, “meu marido é
engenheiro”) a confissões (“nunca te esqueci”, “você foi o amor da minha
vida”).
– Me lembro de como você era distraído...
– Me lembro daquele sorvete...
– E daquele café...
– E de como você tinha medo na primeira noite...
– E de como você estava linda...
– Agora está tudo caído.
– Que nada, você está ótima.
– Você também.
– Bondade sua.
Riram. Um riso tímido como vinte anos atrás. No entanto,
nada acontece. Cada um volta para sua casa ou seu hotel. Trocam algumas
mensagens. Depois perdem novamente o contato. O tempo de os dois serem felizes
tinha passado. Fora naqueles dias de sorvete e café e o primeiro beijo e o
primeiro suspiro de saudade. Mas agora eles ainda estão no café. O tempo não
transcorreu ainda. E eles não sabem de nada do que vai acontecer. Não sabem das
dúvidas, dos medos, dos ciúmes, das lágrimas vertidas no travesseiro à noite,
das reconciliações dramáticas e do rompimento final. Não sabem também do
reencontro vinte anos depois. Não sabem da dor imensa que vão sentir, depois
desse reencontro, ao voltarem para os seus quartos sozinhos e constatarem que o
tempo de serem felizes passou e eles o desperdiçaram por causa de um orgulho
idiota. Não, não sabem de nada. E é bom que não saibam. Deixemo-los então
tomando um café expresso e trocando tolos sorrisos. Ah, como é dura a vida de
um narrador onisciente!
Otto Leopoldo Winck
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