quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Cartões de Visita

aos nossos colegas de classes integrais que já nos deixaram


Na comunidade militar, fala-se que a tropa é o espelho do seu (dela) comandante.

Eu diria que o cartão de visita, é o espelho de seu (respectivo) titular.

Não creio ser necessário explicar sobre as frases acima. Elas “falam” por si próprias.

Mas a história dos cartões de visita, ou cartões comerciais, é interessante.

O nome já diz. O cartão de visita, originalmente, era para solicitar ou marcar uma visita.

Explico melhor.

Antigamente, lá pelo século XIV, todo o cidadão de bem, portava cartões de visita. Ou seja, um retangulosinho (que não era guloso) de papel de superior qualidade, com unicamente, o nome (e sobrenome) do titular, escrito. Em alguns, constava também a cidade donde o mesmo provinha. Não o cartão, mas o seu titular.

E o tal cartão, chamava-se, de visita, pois servia para, unicamente, solicitar ser recebido (pessoalmente), pelo visitado.

E também, para dar a saber que um cidadão de bem, esteve a visitar outro cidadão de bem, que estando ausente, o mesmo era deixado com o mordomo ou com alguém da criadagem do visitado, dando a entender que o seu titular desejava marcar uma visita.

Naquela época (século XIV), evidentemente que os cartões eram caligrafados, certamente com tinta nanquim (Made in China). Daí a importância do calígrafo, isto é, o profissional que escrevia (à mão) os cartões de visita.

Passados uns dois séculos, e, já com o advento do sistema de impressão com tipos móveis, os cartões de visita começaram a descaracterizar-se. Não o eram mais caligrafados, e, passaram a ter mais conotações comerciais ou de negócios, do que propriamente de visita. Incluíam (além do nome e sobrenome de seu titular) também a atividade profissional e o endereço, comercial e/ou residencial.

Passados mais uns quatro séculos, os cartões de visita, descaracterizam-se por completo, pois além dos endereços e atividades comerciais (e vejam só a que ponto se chegou), os tais cartões traziam número de telefone ... Que heresia !!! Uns até estampavam imagens pictóricas e/ou logotipos ... E alguns portadores mais ousados, utilizavam o verso dos cartões, para mensagens de otimismo, ou bíblicas. Inacreditável.

Passados mais uns sessenta, ou pouco mais, quase no fim do século XX, aí a coisa liberou geral. Foi um tal de colocar, endereço eletrônico, letras em relevo, letras coloridas, e até tem cartões com a fotografia do dono. Um despropósito.

Mas tudo isto é história.

Eu conheço pessoas (em geral são profissionais liberais) que são fanáticos por cartões de visita. E até os colecionam.
Um dia, marcando uma visita por telefone, fui à casa de um destes colecionadores. E lhe forneci o meu cartão, para que ele o incluísse na sua (dele) coleção.

Voltando para (minha) casa, no caminho, me lembrei que tinha comigo uma porção de cartões, que por esta vida afora, fui guardando. Uns porque eram bonitinhos, outros porque eram de pessoas queridas, etc.

Chegando em (minha) casa, com certeza ainda influenciado pela visita recém realizada, comecei a olhá-los.

E vejam que um dos meus favoritos, é de fato um legítimo cartão de visita. Ou seja, unicamente contém o nome (de um tio meu já falecido) e a cidade (Curityba). Notar que não se trata, no caso, da cidade onde ele faleceu, porém a que ele então residia. E com a grafia antiga.

Iniciou-se praticamente uma hora da saudade, com os vários cartões que guardava comigo. E poeticamente, cada um deles me contou uma história. Ora sobre o titular, ora, sobre a ocasião em que me foi ofertado, ora sobre a cidade onde o obtive, etc.

Um dos mais interessantes, é um cartão que recebi de um investigador. Era um cartão confeccionado sobre de uma fina chapa de alumínio polido, com cantos arredondados. O titular dele foi um aluno que tive. Ao recebê-lo de suas mãos, em troca do meu, comentei: “este seu cartão deve ter-lhe custado caro, para confeccioná-lo”. Ao que ele me respondeu: “mas os meus serviços, também são caros”.

E olhando os outros, um por um, reparei que alguns eram de pessoas que eu sabia já terem falecido. O primeiro, um cartão comercial da Merrill Lynch; seu titular foi um dos passageiros falecidos em acidente de aviação ocorrido na decolagem de um vôo da TAM, sobre a cidade de São Paulo. Outro, era de um advogado, meu ex-aluno, morto por um colapso cardíaco fulminante. Outro, era de um habilíssimo ilusionista e ventríloquo.

Um outro, também de um ex-aluno, gerente “Prata da Casa” do antigo Banco Bamerindus do Brasil, que o manterei com especial carinho.

Estava em devaneio, quando minha filha, que é também a minha dentista, me pergunta o porque de eu estar olhando aqueles antigos cartões. Alguns já amarelecidos.

Disse-lhe que cada um me contava uma história, etc, etc ... E comentei que alguns titulares daqueles cartões, já não estavam mais neste mundo ...

E ela me disse: “puxa Papai, até parece que quem lhe dá cartões de visita, morre ... !?”

E eu, filosoficamente, lhe respondi: “tudo é uma questão de tempo ...”

A propósito, eu tenho comigo, quatro cartões, de ex-colegas das classes integrais. Pela ordem que os recebi: 1º - Ivo Leonel Paciornik; 2º - Ricardo de Chueri Karam; 3º - Érico Oda; 4º - Jazomar Vieira da Rocha ...

Seriam os titulares do 3º e do 4º cartões, respectivamente, os próximos ... ???

Osiris Duarte de Curityba
Publicado no Recanto das Letras em 28/12/2008
Código do texto: T1356908

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