domingo, 28 de fevereiro de 2010

" O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO"

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas.



Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a

família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família

grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.



Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os

donos da casa recebiam alegres a visita.



Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e

a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a

diplomacia.

– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!



A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e

minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados

todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal

compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira,

flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa

também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras

que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo

benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e

dizia:

– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte:

pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo

sobre a mesa.



Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra

que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso,

no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida

respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida

transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a

esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada

muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura

e pela acolhida.



Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em

festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também

ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que

sumissem no horizonte da noite.

O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores:

televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de

ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros

com os amigos fora de casa:

– Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.



Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que

escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério

urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que

assustadores.

Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a

lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da

manteiga, dos biscoitos do leite...

Que saudade do compadre e da comadre!



José Antônio Oliveira de Resende

Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento
de Letras, Artes e Cultura,da Universidade Federal de São João del-Rei.

Nenhum comentário: